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Neste livro, o mais célebre e mais sofisticado critico marxista inglés aborda de varios angulos a questo da sociologia da cultura. As institui- Ferereri irre Meee crece hte y eeeerei Chee es esos Man tere Meson Reat) retoreeui te lec On ane tetc es reece lisados por Raymond Williams. Os exemplos Petr cies te Eni eke ere otec cn como artes plisticas, literatura e teatro, sendo Piece ete eh antes (omni teko sec tecenns Prittroree co ot oe ie cueceer tke atee ec esttal capitulo dedicado as formas artisticas. si (PAZ E TERRA) Raymond Williams, que ja é conhecido do leitor brasileiro por livros como Cultura e sociedade, 1780-1950, Marxtsmo e literatura e Ocampo e a cidade, talvez sejao malor € mais sofisticado critico marxista inglés deste século, Naseido em 1921 e falecico em 1988, fot professor nas universidades de Oxford e Cambridge, ¢ sua obra ensaistica = que cobre um amplo espectro, da literatura ao teatro e & cultura de ‘massa ~ exerce grande influéncia sobre os estudiosos anglo-saxdes contemporaneos. Neste livro, ele busca demarcar as varias questdes a serem abordadas por uma sociologia da cultura. 0 fato de que esta, em suas formas mais recentes ¢ mais atuantes, deva ser vista como uma convergéncia de interesses e ‘métodos 0s mais variados o leva, num capitulo introdutério, a assinalar 0s diversos significados do termo “cultura” ea maneira como eles interagem. Aos sentidos antropolégico e sociologico de cultura como “modo de vida global” distinto vem somar-se o sentido “mais especializado, ainda que mais comum’, de cultura como “allvidades artisticas e intelectuais’, que atualmente englobam "nao apenas as artes ¢ as formas de producao intelectuais tradicionais, mas também todas as ppraticas significativas’- desde a linguagem, passando pelas artes € filosofia, até 0 jornalismo, moda e publicidade’, Assim, alguns dos capitulos deste livro tratam de questdes de Ambito global, enquanto que outros se atém as chamadas "artes", sem, no entanto, perder de vista 0 campo geral. Este € 0 caso do capitulo 6, que examina a questao das formas artisticas através de exemplos extraidos do teatro, O livro, alls. € repleto de exemplos concretos exiremamente enriquecedores, como a comparagao efettada entre trés formagées culturais distintas no capitulo 3: 0 cfrculo de William, Godwin - célebre eseritor inglés casaco com a feminista Mary Wollstonecraft e pai de Mary Shelley — em fins do século XVIII, a Irmandade Pré-Rafaelita em meados do século XIX e 0 Grupo de Bloomsbury ~ ao qual pertenceu a romancista Virginia Woolf - no comeco do século XX. Pela importancia de seu autor € pela atualidade e amplidao dos temas tratados, Cultura, ce Raymond Williams, interessara no apenas aos cientistas sociais mas a todos aqueles voltados para alliteratura, o teatro ou as artes plasticas. RAYMOND WILLIAMS CULTURA Tradugao Lilio Lourenco de Oliveira 29 edigdo PAZE TERRA © Raymond Williams ‘Traduzido do original em inglés Culture Preparagdo: Carmen T. . Costa Revisdo: Ingrid Basti ¢ Maria da Penba Faria ‘Capa: Isabel Carballo Dados Intemacionais de Catalogacéo na Publicagio (CIP) (Cimata Brasileira do Livro, SP, Brasil) Williams, Raymond, 1921-1988 Cultura Reymond Williams; radugio Lélio Lourengo de Oliveira Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992 1. Cultura, Titulo Indices para eatdlogo sistemitieat S254 1. Cultura: Sociologia 306 ‘CPD 08 Direitos adquitides pela EDITORA PAZ E TERRAS. A. Rus do Triunfo, 177 01212 - Sio Paulo SP Tel: (011) 223-6522 ‘que s reserva a propriedade desta tradugio. 2000 Ampresso no Brasil Printed in Brazit Indice Com vistas a uma sociologia da cultura Instituigoes Formagées Meias de produgaio Identificagoes Formas Reprodugio Organizagio Bibliografia 33 7 7 9 147 179 205 233 1 Com vistas a uma sociologia da cultura A sociologia da cultura, em suas formas mais reeentes ¢40 sulz.» mais atuantes, deve ser vista como uma convergéncia de interes- ¢ ses e métodos muito diversos. Assim como outras convergéncias, esta comporta pelo menos tantos conflitos ¢ insueessos quantos "+ pontos de concordiincia inegéveis. Mas hd, atualmente, tanta gente trabalhando nela em tntos paises, que cla ingressou numa nova fase, , Dentro das categorias tradicionais, a sociologia da eultura “+ f= € encarada como uma drea ambigua. Nas listegens mais co- 7” ”’ muns de campos da sociologia, ela é inchuida, quando isso!" aconteee, como um dos tiltimos itens: nao apenas depois do.” material mais consistente sobre classes, indiistria e politica, fa- ‘ilia ou crime, mas também como um t6pico de variedades depois das dreas mais definidas da sociologia da religiio, da edueagio e do conhecimento. Assim, ela nio s6 parece ser, como € de fato subdesenvol- |! vida. Nao hi escasser real de estudos especificos, embora em ~*~ telagio a este, como a outros tSpicos, haja muito mais a ser feito. Enquanto no ¢ reconhecida como convergéncia, ¢ como um pro- Dlema de convergéncia, a reagio habitual diante dela, mesmo Guando compreensiva (¢ isso, numa geragio mais antiga e trad (uotal € relativamente raro), é encaré-la como pouco mais do que im agrupamento indefinido de estudos de especialistas, quer em “omunicagdes, em sua forma especializada modemas de “meios 9 de comunicagio de massa”, quet no campo bem diversamente especializado das “artes”. Claro que encarar esses estudos como de especialistas, num sentido operacional ¢ pritico, é bastante razodvel. Porém, encard- los como marginais ou periféricos é bem outra coisa, A modema convergéncia, incorporada pela sociologia contempordnea da eul- tura, é de fato uma tentativa de reelaborar, a partir de determi- nado eonjunto de interesses, aquelas idéias gerais, sociais © so- ciolégieas, nas quais foi possivel coneeber a comunicagio, a linguagem e a arte como processos Sociais marginais ¢ periféri ou, quando muito, como secundiérios e derivados. Uma moderna sociologia da cultura, quer em estudos que Ihe Sio peculia {quer em suas intervengdes numa sociologia mais geral, preocupa- se-acima de tudo em investigar, ativa e abertamente, a respeito dessas relagées tidas como verdadeiras presumidas, e sobre ou- tras relagGes possiveis e demonstriveis. Como tal, ela nao s6 esté reelaborando sua propria area, como propondo novas questées © novas evidéncias para o trabalho geral das eiéncias sociais. “Cultura” Tanto o problema quanto o interesse da sociologia da cul- tura podem ser percehidos de imediato na dificuldade do termo que obviamente a define: “cultura”. A histéria © © uso desse termo excepeionalmente complexo podem set estudados Krocber ¢ Kluekhohn (1952) e Williams (1958 ¢ 1976). Come- gando como nome de um proceso — cultura (cultivo) de ve {ais ou (criagio ¢ reprodugio) de animais e, por extenséo, eultura (cultivo ativo) da mente humana — ele se tomon, em fins do século XVIII, particularmente no alemio no inglés, um nome “para configuracdo ou generalizagdo do “espirito” que informava ‘0 “modo de vida global” de determinado povo. Herder (1784-91) foi o primeiro a empregar o significativo plural, “culturas”, para intencionalmente difereneid-lo de qualquer sentido singular ou, * eomo dirfamos hoje, unilincar de “eivilizagio”. Esse termo plu- ralista amplo f i ia para a evolugao da antropologia comparada no século XIX, onde continuou desig- nando um modo de vida global e caracteristico, ‘Mas, por outro lado, hi questdes fundamentais quanto & na- tureza dos elementos formatives ou determinantes que produzem cessas culturas caracteristicas. Respostas altemnativas a essas ques- ‘des tém produzido amplo leque de significados convincentes, tanto dentro da antropologia quanto, por extensio, a partir dela: desde a antiga énfase num “espitito formador” — ideal, religioso ‘ou nacional — até énfases mais modemas em uma “cultura vi- vida" determinada primordialmente por outros processos sociais, hoje designados de mancira diversa — eomumente certes tipos de orem econémica ou politica. Dentro das tradigdes altemati- vvas © conflitantes que tém resultado desse leque de respostas, a propria “cultura” oscila, entio, entre uma dimensao de referéncia significativamente global e outra, seguramente parcial Enquanto isso, no uso mais geral, houve grande desenvolvi: mento do sentido de “cultura” como cultivo ative da mente, Po- ” demos distinguit uma gama de significados desde (i) um estado mental desenvolvido — como em “pessoa de cultura”, “pessoa cculta”, passando por (ii) as processas desse desenvolvimento — ‘como cm “interesses culturais”, “atividades culturais”, até (ii) os meios desses processos — como em cultura considerada como * “as artes” e “o trabalho intelectual do homem”. Em nossa época, “ Gi) € 0 sentido geral mais comum, embora todos eles sejam usuais. Ele coexiste, muitas vezes desconfortavelmente, com 0 uso antropolégico ¢ 0 amplo uso sociolégico para indicar “modo de vida slobal” de determinado povo ou de algum outro grupo social. A dificuldade do termo ¢, pois, dbvia, mas pode ser enca- ada de manecira mais proveitosa como resultado de formas pre~ cursoras de convergéneia de interesses. Podemos destacar duas formas principais: (a) énfase no espirito formador de um modo Brande medida insuficientemente explicativo, ou recorrer a0 “ Pitito formador” (teoricamente circular) para fins de explicagdo. © método da observagio objetiva, embora acumulasse dados en Pirlcos indispensiveis, era muitas vezes insufieientemente cons- “ente da natureza de alguns dos processas eulturais menos pal 15 veis, destes como elementos da historia e, de modo fundamental, dos efeitos da situagio social e cultural especifiea do individuo sobre a observacao feita Esses problemas, sob formas mais refinadas, continuaram a preocupar a teoria sociolégica, mas seus efeitos sobre a sociolo- gia da cultura sio os mais relevantes atualmente, © estudo sobre formas ¢ obras culturais continuow, por dbvia afinidade, a ser pra- ticado por representantes do verstehen. Noutra parte, dentro da corrente predominante da sociologia, os fatos culturais mais pas- siveis de estudo observacional eram primordislmente as institui- {ges © os “produtos” culturais das destas. Na sociologia de um ‘modo geral, essas eram as énfases constantes das duas conver- ‘géneias historicas anteriores. Cada uma delas det uma boa contri- ‘buigio, mas elas ndo dialogavam com freqiigneia e, de fato, quase literalmente nao podiam dialogar. Contribuigées da sociologia observacional Assim, na tadigo da anélise observacional (que, na Gri- ‘Bretanha € nos Estados Unidos, é freqiientemente tomada como sociologia fout court) encontramos um interesse cescente pot instituigées culturais como ais quando, pelos avangos sociais coneretos' na imprensa, no cinema € no ridio de hoje, passou a haver instituigdes importantes € produtos seus que podiam ser estudados por métodos ja acessiveis de maneira genctalizada. Dentro dessa tmadiglo, ¢ antes dessa evolugio, a sociologia da cultura se concentrata significativamente nas éreas nalizadas da religio da edueagio. Assim, podem-se destacat ttés tipos de estudo de interesse: (i) das instituigdes sociais ¢ eco- némicas de cultura e, como definigGes altemativas de seus “pro- dutos”, (ii) de seu contetido ¢ (ii) de seus efeitos. (i) Instiuigoes ‘Tem havido muitos estudes de modemas instituigdes de co- munieagio de uma perspectiva explicitamente sociolégiea (fun- 16 cional). Como exemplos, ver Lasswell (1948), Lazarsfeld e Mer- ton (1948), Lazarsfeld c Stanton (1949). Outros estudos sobre as mesmas instituigdes associa andlise institucional com algo de*!« « hist6ria — White (1947) — ou com temas sociais gerais — Sie- bert, Peterson ¢ Schramm (1956). E significativo que nessa érea de estudas institucionais tenham sido propostas, direta ou indire- tamente, algumas das questées mais candentes a respeito da natu- reza da investigagio sociolégica, Grande parte do trabalho norte- lamericano inicial, muitissimo desenvolvida empiricamente e em seus conceitos operacionais imediatos, foi empreendida a partir de um pressuposto relativamente acritico de uma sociedade de mercado, onde se pode esperar que fungdes “socializadoras” © “comerciais” gerais interajam ou conflitem entte si. Isso foi tam- bbém deserito comumente por meio de uma interpretagdo da socie- dade modema como “sociedade de massa”, na qual se fundiam ¢ até mesmo se confundiam elementos diversos, tais como piiblicos ‘muito amplos, relativa “impessoalidade” da transmissio ou rela- tivo “anonimato” da tecepgio, bem como a “heterogeneidade nio-organizada” das sociedades “demoeriticas ¢ comerc Esse pressuposto levou a denominagao e & metodologia da pes- quisa de “comunicagao de massa”, que ainda domina a sociolo- gia ortodoxa da cultura, Para uma critica do conceito e s efeitos, ver Williams (1974), ‘ Por ironia, 0 mesmo conceito ¢ denominagio cram eviden- tes em trabalhos de tipo diverso, onde se utilizavam técnicas ob- servacionais e analiticas compariveis, porém no contexto de uma, critica radical ds instituigdes ¢ as suas fungdes na sociedade capi- talista (especiticago de determinados tipos de “socializagio” € ada ordem social © econé- la estava em conflito, com a postura “neutra” (apenas de modo aparente) da fase riot. Necessariamente, acrescentava elementos de econd- mica (da propriedade das instituigdes) ¢ de historia econémica € politica. Exemplo destacado € Schiller (1969), mas ¢ util ver também Weinberg (1962), Murdock ¢ Golding (1974) ¢ Glas- ‘g0w University Media Group (1976). te 7 ‘Tem havido poucos estudos sobre instituiges culturais mo- demas fora das areas predominantes da imprensa e do ridio; porém, sobre cinema, ver Mayer (1948) ¢, sobre abordagens mais, recentes, Albrecht, Bamett ¢ Griff (1970). Estudos empiticos de instituigées culturais mais antigas, utilizando procedimentes tanto hiistéricos quanto sociolégicas, encontram-se em Collins (1928), Beljame (1948), Altick (1957), Williams (1961) e Escarpit (1966). (ii) Cometido Os estudos sociolégicos de “conteiido” cultural tém-se dis- tinguido de estudos, comparaveis sob outros aspectos, em his t6ria da arte ou da literatura, pelos pressupostos metodolégicos da anilise observacional. Assim, a “andilise de contetido” tem ‘sido definida como “uma técnica de pesquisa para a descrigao objetiva, sistemstica ¢ quantitativa do conteiido manifesto das comunicagées” (Wright [1959],76). Esse trabalho tem sido til lem duas ateas principais: andlise de tipos de conteido — ver Berelson (1950) ¢ Williams (1962) — ¢ da selegdo ¢ descrigdo de determinadas figuras sociais — ver Lowenthal (1961). No primeiro caso, a anilise exige, necessariamente, pro- cedimentos de pesquisa extensivos e sistemiiticos, em contraposi- do ao tratamento mais seletivo e até arbitririo do “contetido” em estudos néo-sociolégicos. Isso também se aplica ao tiltimo caso, onde a pesquisa cultural sobre “tipos” fiecionais pode ser ciada a uma andlise mais ampla do si danga de certas figuras socialmente tipicas (policial ¢ detetive, médico, enfermeiro, sacerdote, eriminoso, ete.) ‘A anilise de contetido € muitas veres criticada por scus ‘uchados “meramente quantitativos”; seus dados, porém, embora 0 mais das vezes exijam interpretagao ulterior, sao essenciais para ‘qualquer sociologia desenvolvida da cultura, no s6 em sistemas modemos de comunicagées, em que 0 grande mimero de obras, toma isso inevitével, mas também em tipos mais tradicionais de trabalho. 18 (iii) Bfeiwos: ‘As contribuigdes mais evidentes da sociologia observacio- nal encontram-se no estudo dos e! (os. Essa tendéncia requer, ela propria, uma andlise sociolégica, uma vez que, sob alguns aspec- tos, relaciona-se clatamente com o caritet social de determinadas instituigdes modernas, mais obviamente na publicidade © na pes- guisa de meteado, mas também na pesquisa de audiéneia ¢ de ‘opinido politica. O financiamento desse tipo de pesquisa tem al- eangado uma escala jamais atingida por qualquer outra drea da jinvestigagio sociolégica. Por outro lado, porém, podemos distin- guir dois tipos de estudo: (a) estudos operacionais, muitas vezes idos amplamente, que investiga os efeitos como in- dicadores de politica intema e de decisGes mereadol6gicas — in- quétitos de “atitude” em pesquisa de mercado; estudos sobre rea~ goes a programas em pesquisas de ridio; inquéritos politicos privados sobte “temas”; e (b) pesquisa critica, na qual os efeitos de programas que mostram a violéncia, ou de transmissies radio- {Snicas politicas ou outros tipos discriminiveis de produgio sio avaliados por seu efeito social tanto especifico quanto geral, mui- tas vezes em resposta a uma preocupagao social expressa. Des tipo de pesquisa originou-se muito daguilo que hoje sa huma «rea ainda dificil e muito controvertida, ar diversos tipos de “violéneia televisada” ¢ de seus efeitos d renciados sobre criangas em situagdes sociais. divers sobre 05 efeitos de diferentes tipos de transmissdio pol Fidio — declaragé ica pelo partidarias, relatGrios eleitorais, defini- ges dos “temas prineipais”. Exemplos disso encontram-se em Himmelweit, Oppenheim ¢ Vince (1958), Blumler ¢ MeQuail (1968) e, de modo mais geral, em Lazarsfeld e Katz (1955), Halloran (1970) e Halloran, Brown e Chaney (1970) Uma etitica dos “estudos sobre efeitos”, propondo a questo das normas sociais sobre as quis se supde que os efeitos atuem, enicontra-se em Williams (1974). E preciso lembrar, também, que {m estudos eulturais niio sociolégicos, como em muitos textos de cariter geral, a questdo do efeito é habitualmente levantada, Porém sem muita ou sem qualquer evidén 19 wld lizando afirmagdes ingénuas € até mesmo banais. Nesse caso, ‘como em muitos outros, a contribuigo sociolégica, ainda que co- mumente requcita eritica ¢ refinamento, tem sido indispensivel. A tradigao altern: {Fora da sociologia observacional, houve uma convergi anterior entre tcorias sociais da cultura e teorias ¢ estudos mais, especificamente filosdficos, histéricos ¢ erticas sobre a arte. Iss0 se deu especialmente na tradigdo alema, onde se desenvolverain diversas escolas importantes. E foi o que se deu, desde o inicio, uma tradigio marxista mais geral, que foi especialmente ativa ¢, ‘acentue-se, multiforme nos tiltimos anos. Antes de nos voltarmos para essa direa complexa atual, de- vemos assinalar alguns exemplos importantes de historia © and- lise eulturais que nao diriamos serem sociolégicos, mas nos quais salguns coneeitos © métodos fundamentais foram estudados prat camente. Dentre eles, destacam-se, além da obra de Vieo ¢ de Herder as quais jé falamos, Ruskin (1851-56 ¢ 1857) ¢ Burck- hardt (traduzido em 1878), juntamente com a obra de Dilthey (raduzida em 1976). Pode-se dizer que obras desse tipo — e hii muitos outros exemplos possiveis — tém inicio de maneira mais cevidente, a partir da arte © da cultura coneretas em questio e, assim, podem ser atribuidas 4 histéria ou & critiea. Contudo, dis- tinguem-se da histéria e da eritiea da arte por introduzirem cons- cientemente, ainda que de manciras variivei ativos como elementos necessirios de deserigao ¢ de anilise. Sua coineidéneia com a atual sociologia cultural, na tradi liva, €, pois, evidente. Em estudos modemos, podemos distinguir trés amplas ses: (j) sobre as condigSes soeiais da arte; (i) sobre material so- cial nus obras de arte; (i) sobre relagoes sociais nas obras de arte. 20 (i) Condigdes sociais da arte ; ( trabalho sobre as condigdes sociais da arte sobrepée-se, evidentemente, & estética geral ¢ a alguns ramos da psicologia, fem como a histéria. Hé, de fato, dentro desse tipo de trabalho, uma divisio tedrica importante entre, por um lado, abordagens primordialiente estéticas e psicoldgicas e, por outro, abordagens primordialmente hist6ricas, Cettos trabalhos do primeiro tipo abstém-se totalmente de consideragdes sociais € passam ao largo de nosso contexto atual. Ha, porém, tendéncias significativas, ba- seadas primordialmente em dados “estéticos” c “psicolégicos” aque (a) introduzem condigées sociais como modificadoras de um processo humano, no mais relativamente constante, ou (b) esta lecem periodos gerais da cultura humana dentro dos quais flores- ccem determinados tipos de arte. Exemplos da primeira encon- tram-se em Read (1936) © em outras obras de orientagdo geralmente “social-freudiana”; da titima, com alguns precedentes em Nietzsche (1872) e Frazer (1890), encontram-se em Weston (1920), Jung (1933) em Frye (1957). O aspeeto comum mais interessante de trabslhas esse tipo, ‘5 quais em geral se afastam decididamente da sociologia ¢, de fato, muitas vezes so hostis a ela, é a relagdo gue mantém com certa tendéncia do pensamento marxista sobre arte. Nem Marx nem Engels esereveram sistematicamente sobre arte; contudo, posigdes tedricas importantes tiveram origem neles. A mais co- hecida dessas posigdes refere-se a andlises de material social ¢ de relagdes sociais em obras de arte, e seri discutida mais adiante. Ha, porém, trabalhas marxistas sobre as origens e sobre tipologias da arte que se enquadram adequadamente nesta pri- Meira segio, Exemplos disco sio Plekhanov (traduzido em 1953), ue relaciona a arte com “instintos primitivos” ou com “impul- 803"; Kautsky (1927), que relaciona o desenvolvimento da atte com o comportamento animal evoluido; Caudwell (1938), que re- laciona a arte com 0 “genctipo”; ¢ Fischer (1963). Certos ele- Mentos dessas abordagens, associadas (como também em Caud- Well) a orientagdes especificamente histéricas, encontram-se em Lukics (1969) e em Marcuse (1978). a * cos” ou “simbolismo sexual” para ofer E importante dar destaque aos trabalhos desse tipo, assina- Jando seu possivel valor, em comparago com a versio mais aca- nhada das condigdes sociais da arte (muitas vezes chamada de “sociologismo” ov de “relativismo sociolégico”), a qual € mais comumente associada ao marxismo. Nenhum estudo sobre arte pode, afinal, desprezar os processos ¢ necessidades fisieas do or- ganismo humano, com os quais (ver capitulo 4) seus meios de produgao possuctn tao estreito envolvimento. Bles podem ser es- tudados diretamente pela fisiologia e pela psicologia experi- mental, mas ha, pot outro lado, o problema importante da variabilidade dos tipos de obras produzidas a partir dessas bases (presume-se) comuns, sobre evidéncias da antropologia ¢ da histéria. As correlagGes nessa drea, em especial em obras niio- Imarxistas, mas também na maior parte das obras marxistas até 0 momento, tendem a provir menos da anélise equilibrada das evi- déncias do que de conceitas a priori, de modo geral de espécie rigorosamente contemporines, aos quais aquelas evidéncias, quando existem, sio agregadas & guisa de ilustragao. E 0 que se \dé na abstragdo de “priticas magicas” ou de “motivos econémi: explicagdes genéricas dda arte de outras culturas. Todos esses conceitos foram aplicados 4 pinturas rupestres pré-historicas, com resultados diversos mas sempre arbitritios. Enquanto isso, a abstragio de um “instinto lestético”, isolado de suas condigées e de outras relagdes, ainda ue muitas vezes se aproximasse mais da obra, suprimiu © pro- blema global das priticas interligadas, porém variiveis. Antidotos teéticos admiriveis contra esse tipo de procedi- ‘mento podem ser encontrados na importante obra de Mukarovsky (iraduzida em 1970) ¢ de Morawsky (1974). Em termos de socio- logia da cultura, essa area pode ser agora redefinida como um estudo das situagdes e das condigdes das pritieas (ver capitulo 4). ‘Temos, pois, que observar em detalhe os modos pelos quais pro- ‘cessos bioldgicos constantes ¢ meios de produgo relativamente varidveis tém-se associado entre si de modos especificamente wages sociais (hist6rico-sociais) determinadas. Contudo, em 22 | _eundo a qual as obras de arte incorporam diretamente material "eg comparagio com a massa de especulacdo conceitual, essa s fogia fundamental da cultura ainda mal comegou. (ii) Elementos sociais em obras de arte O estudo de elementos sociais em obras de arte tem sido muito amplo © com freqiiéneia é entendido, apenas, como todo 0 contetido de uma sociologia da cultura. Na verdade, grande parte dele é mais propriamente histérica, mas contém uma formulago cou pressuposto sociolégico importante. Pode-se perecber isso me- thor na teoria da “base © superestrutura”, generulizada eficiente- mente para a cultura por Plekhanov (irad. em 1953). Os proble- mas desse conceito sio discutidos em Williams (1977). Dentro dessa tendéneia, os “fatos” bésicos ou a “estrutura” bisica de uma dada sociedade c/ou periodo so aceitos ou sdo estabelecidos por analise getal, © scu “reflexo” nas obras conerctas é mais ou ‘menos dirctamente identificado. Assim, tanto 0 contetido quanto a forma do novo romance realista do século XVIII podem ser apresentados como dependentes dos fatas, jd conhecidos, da cres- cente importéncia social da burguesia comereial. Exemplo res- Peitado e vigoroso desse método pode ser encontrado em Lu- kées (1950). (iii) Relagaes sociais nas obras de arte Em sua maior complexidade, a andlise dos clementos 'S0-) [esis em obras de arte estende-se até o esto das relagdes so Isitis. Tss0 se dd especialmente quando a idéia de “reflexo” — Social preexistente — é modificada ou substituida pela idéia de “mediagio A mediagio pode teferirse primordialmente aos processos de composigio necessirios, em um determinado meio; como tal, indica as relagdes priticas entre formas sociais e artisticas (er adiante) Em seus usos mais comuns, porém,refere-se a um| odo indireto de relagio entre a experigneia e sua composigao. A Sma desse modo indireto é interpretada diversamente nos dife- 23 rentes usos do conceit. Assim, por exemplo, o romance de Kafka, O processo, pode ser lido a partir de diferentes posigdes, como (a) mediagdo por projecdo — um sistema social arbitritio irracional nao é diretamente descrito, em seus priprios termos, ‘mas sim projetado, em seus tragos essenciais, como invulgar e estranho; ou (b) mediaedo pela descoberta de um “correlato ob- Jetivo” — compiem-se uma certa situago e personagens para produzir, de forma objetiva, os sentimentos subjetivos ou conere- tos — uma culpa inexprimivel — de que se originou o impulso para a composigao; ou (e) mediagao como funcdo das processos sociais basicos de consciéncia, nos quais certas crises, que de ‘outra forma nio se podem captar diretamente, so “cristalizedas” em detetminadas imagens ¢ formas de arte diretas — imagens que, entdo, iluminain uma condigio (social e psicolégica) biisiea: nao apenas a alicnagao de Kafka, mas uma alienagdo generali- zada, Em (0), essa “condigao bisica” pode referir-se, de maneira varidvel, & natureza de uma época como um todo, de uma deter- minada sociedade num periodo determinado, ou de um grupo determinado dentro daquela sociedade naquele periodo. Todas essas referéncias, porém de mancira mais dbvia a segunda e especialmente a terecira, so potencialmente sociolégicas, mas, implicam tipos muito diferentes de andilise a partir da reconsti- tuigao de relagdes diretas de contetido ou de forma. Estudos ulilizando esses conceitos ¢ métodos encontram-se em Ben- jamin (traduzido em 1969), Goldmann (1964), Adorno (1967a) © na obra coletiva da importante escola de Frankfurt (ver Jay, 1973). Formas ‘Tem havido certa convergéncia entre a anilise de elementos sociais e relagdes sociais em obras de arte e a andlise de eontetido de material de comunicagdes acima descrita. Com o pressuposto. ‘comum de que o contetido ¢ sistematicamente reconstituivel, por teflexo ou por mediagio, elas possuem ampla base comum e tém, ambas, produzido muitas obras de valor. Porém, nos tltimos 24 | anos, houve uma convergéncia mais poderosa, tanto em estudos sobre a arte quanto em estudos sobre comunicagdes, em tomo do conceito de “formas”. Essa énfase foi teorizada c exempliticada de maneira notivel em Lukics (traduzido em 1971), Goldmann (traduzido em 1975) ¢ em Bloch et ali (traduzido em 197), onde é também vigorosamente discutida. Discusséo mais extensa desse tipo de anélise social encontra-se nos capitulos 5 ¢ 6, Formas e relacées sociais A partir da andlise daquilo que se pode definir, dentro dessa tendéncia, como as formas sociais de arte, houve alguma evolu- fo da anilise de suas formagGes sociais correspondentes, Bom exemplo disso eneontra-se em Goldmann (1964), © ha estudos pioneitos eldssicos em Gramsei (traduzido em 1971) ¢ em Benja- min (traduzido em 1973). Mais uma vez, existe aqui certa conver- géncia com os trabalhos de tradigdo mais diretamente sociolégica «especialmente (embora muitos problemas tedricos sejam nesse caso levantados), com Mannheim (1936 ¢ 1956), bem como com certo mimero de estudos empiricos sobre determinados grupos ¢ condigdes (cf. Beljame [1948}). A sociologia das formagdes culturais, © suas relagdes com a sociologia das instiwigdes mais amplamente praticada, é examinada mais ditetamente nos capitulos 2 ¢ 3, Weotogia cil at sinslat uma dca pasticularmente importante ¢ dti- da sociologia da cultura que, na atual convergéncia, tem tido Posigio proeminente e, por vezes, predominante. Trata-se do con. Junto de problemas associados ao dificil termo “ideologia”. ica, 220leeia” € um termo indispensivel na anilise sociol’- deen tS © brimeiro nivel de difieuldade é se ele & usado para on de ot) 88 crencas formais ¢ conscientes de uma classe K€ outro grupo social — como no uso vulgar de “ideols- 25 ‘gico” para indicar prinefpios ou posigGes tedricas gerais ou, tan- tas veres desfavoravelmente, dogmas, ou (b) a visdo de mundo ou perspectiva geral caracteristica de uma classe ou de outro grupo social, a qual inclui crengas formais © conscientes, mas também atitudes, habitos e sentimentos menos conseientes © menos articulados ou, até mesmo, pressupostos, posturas ¢ compromissos inconscientes. E evidente, em primeiro lugar, que a anilise sociolégica da cultura tem muitas vezes, ¢ até mesmo primordialmente, que tra- balhar com o sentido (a). Esse ¢ modo principal pelo qual a produgo cultural pode ser relacionada, freqiientemente com muita preciso, com classes sociais ou outros grupos que podem, também, definir-se em outros termas sociais, mediante andlise politica, econémica ou ocupacional. Mas logo fica evidente tam- ‘bém que a anzlise cultural ndo pode estar Timitada ao nivel das ‘erengas formais € conscientes. E preciso que cla se estenda em dois sentidos. Primeiro, para aguela drea mais ampla de sentimentos, atitudes pressu- postos que comumente mateam, de maneira muito caracteris- tica, a cultura de determinada classe ou outro grupo. Essa dea mais ampla ¢ menos palpsvel ¢ importante também para reve- lar a cultura em mudanga daquilo que, visto de outro modo (em termos econdmicos, digamos), é uma classe que perdura e pet- siste, Em dreas como essa, descobrimos uma “coloragi0” glo- bal vivida ¢ uma ampla drea de pritica social conereta, que sto culturalmente especificas ¢, pois, analiticamente indispensé veis. A seguir, em segundo lugar, hi necessidade de ampliagio até aquela érea de produgio cultural manifesta, a qual, pela natureza de suas formas, nio é, ou nao é primordialmente ou apenas, a expressio de ctengas formais ¢ conscientes: néo filo- sofia, ou religiao, ou teoria econdmica, ou teotia politica, ou dircito, mas teatro, fiegao, poesia, pintura. De fato, muitas vezes ha ligagdes intimas entre as crengas formais € conscientes de uma classe ou outro grupo ¢ a produ- ao cultural a ela associada: as vezes, ligagdes diretas com as cerengas, em contetido manifesto que contém; muitas vezes, 26 gages identificaveis com as relagdes, perspectivas e valores que as erengas legitimam ou normalizam, como em escolhas caracte- risticas (énfases ¢ omissées) de temas; muitas vezes, ainda, liga- goes analisveis entre sistemas de crenga e formas artisticas, ou entre eles ambos © uma “posigao ¢ posicionamento” no mundo, essoncialmente subjacente. Mas, entéo, 0 uso de “ideologia” como um temo comum «em estigios de analise essencialmente diversos como esses pode ser confuso € causar confusio. No caso do contetido manifesto, nio ha problema, As escolhas caracteristicas podem também, sem muito esforgo, set chamadas de “ideol6gicas”, embora algo deva muitas vezes ser atribuido a uma persisténcia, diversamente con- dicionada, de determinadas formas artisticas que incorporam esse {ipo de eseolha, No caso de congruéneias mais profundas ede congruéneias possiveis é que 0 uso de “ideologia” levanta mais problemas, uma vez. que, se ideologia é um ponto de refe- réncia de importincia ou, até mesmo, um ponto de partida, nesses niveis bisicos de produgo e reprodugio social, € dificil, como vimos anteriormente em relagio a certos usos de “cultura”, saber 0 que resta para todas os demais processos sociais. ___Além disso, embora “ideologia” conserve, pelo peso do uso lingiistico, 0 sentido de crengas organizadas (quer formais e conseientes, quer difusas © indefinidas), pode-se muitas vezes ‘Supor que tais sistemas constituem a origem verdadeira de toda a produgio cultural (¢, de fato, de toda a demais produgao social). No easo da arte, isso seria muito gravemente redutor. Excluiria, Por um lado, os processos diretamente fisicos © materiais (ef. bitulo 4) em que tantas artes se baseiam. Por outro lado, excluitia queles prncessos fundamentais de elaboragio e reclaboragiio que Constituem as elementos especificos, a diferenga dos elementos abstratveis, da atte importante, Esses processos distribuem-se desde (a) ilustragio ative (ainda relativamente simples) até (b) ipos de reinvengiio ativa ¢ de descoberta exploratéria e, essen- lmente, (2) tensio, contradigo ou 0 que, alhures, se chamaria vegilverséncia, Distibuemese, também, desde © que pode set ‘©, simplesmente, como a “translagao” da “ideologia” para cle- 27 mentos diretamente sensoriais, até aquilo que, em termos das ptocessos fisicos © materiais do trabalho artistico, & visto mais como producao de um tipo distinto ¢ geral. Devemos, pois, observar que, a menos que fagamos essas extensies ¢ ressalvas, a “ideologia”, até mesmo em algumas vi- ‘gorosas tendéncias contempordneas da andlise marxista, ¢ talvez especialmente nesses casos, estar, na verdade, repetindo a hist6- ria da “cultura” como conceito. Em seus usos mais especificos, cla tem muito a contribuir & guisa de corregio dos usos generali- zados de “cultura”. Pode demolir 0 que € muitas vezes a falsa generalidade de um “modo de vida global” para distinguir atri- buigdes a classes especificas € a outtos grupos. Como tal, é de fato um termo metodolégico esseneial numa atuante sociologia da cultura, Mas em scus usos mais amplos ¢ generalizados, pode tornar-se notavelmente semelhante ao “espitito formador™ das teorias cultursis idealistas, ¢ isso pode continuar sendo assim quando atribui (mas nao inelui nem especifica) categoria de “ul- tima instaneia” & economia ou ao modo de produgaio. © equivoco nao € a gencratidade como tal. As ideologias gerais, em sua plena profundidade ¢ elaborago, devem, de fato, sser encaradas como das mais notaveis formas de produgo eultu- ral coletiva. Por outro lado, porém, exatamente porque todas as ideologias significativas sio, na verdade, profundas e elaboradas, € que 0 conecito nao pode ser abstraido como uma espécie de “espitito formador”, das raizes de toda a produgao cultural. Dizer que toda pritica cultural é necessidade “ideoldgica” ndio quer dizer nada mais (como em alguns outros usos correntes) sendo que toda pritica é significativa. Nao obstante as dificuldades de sobreposigao com outros usos mais eomuns, esse sentido ¢ aceiti- vel. Mas isso é muito diferente de descrever toda produgao cultw- ral como “ideologia”, ou como “orientada pela ideologia”, porqui © que nesse caso se omite, como nos usos idcalistas de “cult € 0 conjunto de complexos processos conerctos pelos quais uma “cultura”, ou uma “ideologia”, é ela propria produzida. E com | cesses \processos produtivos & que necessariamente esti preoct pada uma completa sociologia da cultura. Estudar “uma ideolo- | 28 ja" ¢ 0 que “ela” produz constitui uma forma reconheeivel de | Filosofia idealist. O que o socidlogo cultural ou o historiador altura estudam so as priticassocias eas relagSes eultumis que roduzem nfo s5 “uma cultura” ou “uma ideologia” mas, coisa © rmito mais sigificativa, agueles modos de ser © aquclas obras | } ‘Uma segunda forma de patronato, muito mais generalizada, era a de uma corte, ou de uma familia poderosa, na qual no havia uma organizacao implicita de artistas como parte da organi- zagio social geral, mas onde, de maneira freqiientemente muito ampla, contratavam-se artistas, muitas vezes com titulos que rep- resthtam verdadeiros casos de “reconhecimento oficial”. Particu- larmente em pintura © miisiea, esse tipo de patronato foi extrema- ‘mente importante ¢ durou por muitos séeulos. Os detalhes de seus atranjos eram variados, nos muitos milhares de casos, mas © que, de modo geral, ¢ verdadeiro quanto a sua forma de relagées so” SASS £ au o artista era tipicumente contratado ou eomissionado Hidualmente como um (rabalhador profissional. Essa é uma St fundamental de desenvolvimento a partir daquela em que tas inanelta substancial nas etapas anteriores, ¢ residvalmente mas Posteriores — os artistas constitufam, por si ss, uma contig Peeifiea de organizagio social. Ao mesmo tempo, sob as igBes gerais dessa forma de patronato, dentre todas a mais 39 conhecida, determinadas formas menos espeeificas de organiza gio profissional nas artes estavam muitas veres presentes, numa ctapa diversa: de mancira evidente, no sistema do mestre ¢ apren- diz, 0 qual, por veres, era semelhante aquele numa drea mais geral de artes e oficios (ver adiante, pp. 58 ¢ segs.) E interessante examinar essa distingao relativamente & ‘enorme quantidade de arte — pintura, eseultura, arquitetura, mit sica e (em sentido diferente) literatura — procuzida dentro das relagées sociais varidveis da Igreja erista. Algumas das obras ‘mais conheeidas desse tipo s4o pelo menos andlogas as do patro- rato na corte; a grande quantidade de obras de arte encomendada pela Corte do Vaticano é um exemplo dbvie. Contud, hii tam- bém uma trea menos definida, na qual os artistas dedicavam-se & atte religiosa, no apenas, e por vezes tkio prineipalmente, por ser essa a encomenda desejada por seu patrono direto, mas porque cles mesmos se identificavam com 0 objetivo religioso do qual a organizagio social imediata era a forma manifesta acessivel. Essa integragio voluntéria € significativamente diferente do easo do outro extremo desse espectro, onde o artista individual esté, de fato, disponivel para empregar-se, para louvar ou enfeitar de- terminada corte ou familia que o tiver empregado. Pois, em- ‘bora as relagdes econdmicas imediatas fossem muitas vezes s melhantes, como a forma especifies da troca patronal, as Jiais completas podem ser consideradas varidveis, uma ver. que se admita o fato de haver um servigo voluntirio © independente de tipo social ¢ religioso. Na verdade, no seio da Igreja, tinha havido uma relagik mais andloga 4 dos artistas instituidos das ordens sociais anterio- res. Nos mostcitos, particularmente, podemos encontrar muitos ‘casos interessantes dle formas esp bora reguladas por regris religiosas manifestas € no por regras se cculares (c, nesse sentido, relativamente deslocadas da integragio de uma organizagio desse tipo na organizagio social imediata como ‘um todo), faneionavam, na pritica, como organizagies culturais de grande importaneia no saber, na literatura, na dramaturgia © nas artes visuais. Uma vex que a ordem era primordialmente reli- icas de organizagiio que, em- 40 cla deve ser diferenciada de ondens culturais espectficas, sioss, “da mais distinta das relagGes sociais do patronato. ate uma ordem desse ipo, muiles prodatores tomaram-se me especialists, conto ainda nos termos de uma organiza esl ue vai alm de sua especializagio. A transigio para 0 fatronato celesiistico — transigdo naturalmente mareada » efos cagios intermediios e sobrepostos — fot uma tran- para aguelas formas de profssionasmo, implicando mobi- ne disponibilidade para emprego, caructcrsticas da segunda ji) Protegdo ¢ manutencdo © A tereira forma de patronato & de novo distinta, por ocu- par-se menos com o conttato ou comissionamento direto de a {istas do que com a provisio de algum tipo de protegio ou reconhecimento social. As companhias teatrais da Inglaterra clizabetana séo bons exemplos desse tipo. Podia ainda haver algum comissionamento direto, ¢ alguma manutengao (con- trato) direta, mas a principal fungio desse patronato eta o apoio social, nas condigdes sociais ¢ legais inseguras em que viviam teatros ¢ atores. Pode-se ver essa forma relativamente explicita adaptar-se dentro do processo de associagio de deter- minadas obras a determinados nomes influentes: de fato, 0 pa- trono a quem eram dedieadas. Essa era uma forma de apoio social mais moderada, que caminhava na diregao da mera reco- mendagio social. Muitas vezes nao implicava relagdes de troca econémica. O que realmente estava sendo trocado, num de- tetminado tipo de sociedade marcada por patentes desi- gnaldades de classe, era reputagéo ¢ honra confiantemente eciprocas. (iv) Patrocinio necessirio, pois, distinguir esse tipo de patronato de um uatto tipo, mum periodo em que havia relagées sociais de arte ualitativamente novas, determinadas pela produgo cada vez 4 mais regular de obras de arte como mercadorias para venda gene- ralizada. Em qualquer dessas formas, havia a permanéncia de cle- mentos das formas anteriores de patronato, agora, porém, em so- ciedades mais complexas ¢ mais abertas. Os patronos do primeira «e segundo tipos ofereeiam hospedagem, recompensa ¢ (em alguns ‘casos do segundo tipo) retribuigao monctiria direta; neste tiltimo ‘caso, porém, por obras especifieamente realizadas para cles © (quando isso era importante) possuidas por cles. O patrono do tercciro tipo, que oferecia reputagdo © protegao social, atuava muitas vezes dentro de condigdes em que a obra era, parcial ou totalmente, oferecida a um publico pagante; os teatros publicos lizabetanos eram, nesse sentido, instituigSes inteiramente comer ciais. O patrono do quarto tipo, embora dando seqiiéneia a algu- mas dessas fungies anteriores, atuava mais plenamente dentro de ‘um mundo em que era normal a produgdo de obras de arte para vender. Sua fungio era a de oferecer apoio inicial, ou estitmulo inicial, a artistas que iniciavam sua carreita no mereado, ou que ‘eram ineapazes de, dentro dele, sustentar determinado projeto. A relagdo t{pica era a monetéria, e vei a generalizar-se, desde 0 patrono individual até a forma de lista de subscrigiio do século XVIII (pré-publicagao). Porém, havia ainda um residuo das fun- Ges de reputagdo ¢ recomendagio social. Patrocinio comercial, Esta quarta forma de patronato sobre- viveu dentro de condigdes em que as relagdes de produto e de mereado se haviam tomado predominantes, De fato, ela ainda pode ser encontrada em nossa época, em alguns casos indivi- duais, mas também em novas formas de patronato. Num sentido limitado, algumas empresas industriais e comerciais tém ingres- sado no patronato do segundo tipo, anilogo ao das cortes e fami- lias, contratando obras para seu proprio uso ou propricdade. Porém, embora alguns desses easos sejam desse tipo simples, ou- {ros esido mais diretamente envolvidos com as eondigécs moder- nas de mereado, quer sob a forma de investimento, quer sob a forma de propaganda institucional. a2 (00 puiblico como “patrono” ; {6 *patronato” piiblico, com recursos oriundos de tributagao, possi alguns elementos de fungdes c de atte comuns a formas ores, mas apresenta algumas definigdes bastante novas de fo, tais como a manutengio © expansio deliberada das artes ‘> uma questo de politica pablica geral. Muitas das contro- dreias a respeito das novas instituigdes que atendem a esses ob- vos podem ser encaradas, quando examinadas de perto, como es a respeito de formas diversas de patronato — estimulo intervengo, no interior do mercado ou fora de seu Ambito — também, ¢ crucialmente, a respeito de distingGes entre rela sociais de patronato (em que se considera que 0 eonjunto do iblico simplesmente substituiu a corte, a familia, ou o patrono vidual) € as relagdes sociais altemativas de uma arte agora _publicamente instituids. (Os modelos hist6ricos mais acessiveis so todos do periodo de formas diversas de patronato, ¢ no surpreende que sej estes que tém predominado nas formas das novos conjuntos de piiblico. Contudo, ha uma grande tensio entre esses modelos ¢ 0 fator da renda publica, Os modelos historicos de artes instituidas ou integradas, a diferenga das artes patrocinadas, esto extrema- mente mais distantes, em tipos de ordens sociais diversas, para que seja f¥eil compreender os prineipios em que se basciam, Contudo, a earacteristica definidora de todas as relagdes sociais de patronato é a situagao privilegiada do patrono. Dentro das formas variiveis de autodefinigao das honras ou responsabili- dades que acompanham esse privilégio, 0 patrono é definido como alguém que pode dar ou no dar sua encomenda ou seu apoio. As relagies sociais especificas desse privilégio provém, aturalmente, da ordem social como um todo; ali é que os pode- RS € cs recursos do patrono estiio arrolados ou protegidos; nos {ermos mais emis, ele esté fazendo o que quer com o que Ihe Pettence. E esse fato, antes de mais nada, que toma a definigio de {ualquer conjunto ptiblico em termos de patronato, extraindo sua autoridade ¢ recursos da suposta vontade geral da sociedade, uando menos, controverso €, no extremo, totalmente inaplicavel. 43 Contudo, as relagdes costumeiras das varias formas de patronato, € de artistas como “clientes”, tém, na pritiea, persistido nessas formas que, sob outros aspectos, so novas. Artistas e mercados Historicamente, existe um longo periodo de sobreposigio entre relagées sociais de patronato © de mereado nas artes. Em Principio, porém, elas podem ser prontamente diferenciadas. A jprodugao para o mercado implica a coneepgio da obra de arte ‘como mereadoria, ¢ do artista, ainda que cle possa definitr-se de foutra forma, como um tipo especial de produtor de mereadorias Mas hi, por outro lado, fases de produgio de mereadoris, essen- cialmente diferentes. Todas elas implicam produgio para simples, toca monetiria; a obra & posta venda e & comprada e, desse modo, possuida. Porém, as relagdes sociais dos artistas parcial ou totalmente envolvides na produgio de mercadorias sao, de fato, extremamente variiveis. (iArtesanal Existe a situagio simples, antiga, mas que ainda persiste fem muitas dreas, do produtor independente que poe a propria cobra a venda. Comumente, chama-se a isso de artesanal. O pro= dutor é totalmente dependente do mercado imediato, mas, dentro das condigées deste, sua obra permanece sob seu controle em todas as ctapas, €, nesse sentido, ele pode con- siderar-se independente. (i Pés-artesanat A fase seguinte da prodngao de mercadorias € muito diferente tem, cla mesma, duus etapsas. Em primeito lugar, o produtor vende sua obra nio diretamente, mas a um intermediirio distribuidor que, cntio, se toma, na maioria dos casos, seu empregador de fato, ainda que ocasional. A seguir, em segundo lugar, o produtor “4 ude sua obra mn intermeditio produto, e comegam ainsi ver alagGes sipicamente capitalists, O intermedirio ineste compa ca visrdo so ere; ago sats eagtes com 0 lo € que sio dirctas. De ieecs observar as complexas relagdes dessa fase pés- resanal fundamental, por exemplo, na evolugao dos livreiros due passam a editores. A fase caracteriza-se tipicamente pela ra direta das obras em questio. Em grande parte de sues Condiges imediatas, o produtor continua sendo um artesio Thus, agora, num mereado mais complexo ¢ mais otganizado, “gm que depende pratieamente de intermedidrios. Vale salientar “gue, dentro dessa situagio, pode haver variagSes signiieativas do proprio proceso produtivo, Em dado nivel, 0 produtor ‘ainda oferece scu produto, uma obra terminada antes de ser posta d venda, Na medida, porém, cm que essas relagdes se tomam normais ov, em eertas dreas, predominantes, cle pode, afinal, basicamente, estar oferecendo seu trabalho para produ- zit obras de determinado tipo conhecido. Existe grande complexidade pritica nas diversas etapas de transigio enire esses relacionamentos fundamentalmente altema- tivos. Isso também se verifien naguele outro nivel em que o pro- dutor define, para si mesmo, a natureza de sua obra, Ai est a ofigem das diseussées muito importantes ¢ difiecis a respeito das relagées entre « responsabilidade do artista para com sua obra c sua “responsabilidad”, “obrigagio”, ou “sujeigao” a um “piblico” ou a um “mercado” Algumas dessas discussdes rep: tem, no fundo, velhas diseussSes a respeito das relagdes entre artista seu patrono; outras delas, porém, com a expansio, a difu- So © o relative deslocamento das relagdes sociais do artista nesst sentido, sio qualitativamente novas. E significativo, por exemplo, ue @ reivindieagéo do artista por “liberdade”, por “eriar eomo {RE tower” foi fits muito mais comumente aps a instiuigdo on predominantemente de mercado, ¢ com elas se rela wm, tanto positiva quanto negativamente arteg 39 © Pode dizer que a fase artesanal on que a fase po anal de relagses de mereado tenha terminado. De fato, as 45 fases parecem variar de uma arte pare outra, Assim, ne pintura, ‘em que as relagdes de patronato em obras encomendadas direta. mente (0 exemplo mais simples é 0 retrato) também continuaram a existir, hd ainda alguns exemplos de relagdes artesanais € mui- tas pés-artesanais, sendo que estas estao ainda em sua primeira fase, em que as relagées de um pintor com uma galeria que vende suas obras geralmente se encontram ainda na fase distributiva, Na musica, onde ainda existem também relagdes de patronato em, obras encomendadas, ainda ha relagdes pés-artesanais predomi- nantemente distributivas quanto a obras eruditas ¢ partituras tra- dicionais, enquanto na misiea popular a segunda fase pos-artesa- nal, produtiva, ja se estabeleceu hi muito tempo, ¢ tem havido importante movimento em diregao a fases posteriores de relagées, de mereado. Em literatura, embora ainda haja casos de relagdes artesanais © pés-artesanais distributivas, as relagdes pés-artesa- nais produtivas predominam ha muito tempo, ¢ importantes mu- ‘dangas intemas tém levado grande parte da atividade editorial na diregao de uma fase posterior de mereado. Essas diferengas entre as artes sio importantes por si mes- mas e também para lembrar que as relagdes sociais de artistas, estio intimamente relacionadas com os recursos técnicos de pro- dugio de cada uma das artes. A questo geral dos efeitos relacio- nais desses recursos de produgo seri diseutida no capitulo 4, mas alguns de seus efeitos institucionais sio registrados aqui, & ‘medida que ocorrem. (iti) Profissional de mercado ‘As mudangas intemas nas relagdes pés-artesanais proda- tivas na literatura slo de especial significado para a compreen. so da fase de mercado seguinte. Elas sio de fato muito com- plexas, uma vez que hi tanto uma ctescente capitalizagao dos intermedirios produtivos — os editores modemos — quanto uma crescente profissionalizagio, de determinado tipo, entre os escritores. Os dois indicadores significativos dessas relagies em mudanga so 0 copyright e 0 royalty. 46 se periodo de tecnologia cultural, e particularmente no % mea reprodutibiidade impressa superou de muito a om parte dos demais tipos de reprodugio amtstca, € isso tor OF Tica a questao da propricdade da obra. As relagBes (pds-ar- is) produtivas de um esctitor eom um editor podiam ser, € vamplamente, perturbadas por outros editores (“piratas”, na- pais ou estrangeiros) que reimprimiam € vendiam a obra sem. Teer mengao ao autor. Longa luta dos escritores para instituir primeiro copyright nacional e, depois, o intemacional resultou P26 num novo coneeito de propriedade literiria, como também ‘novas (ou pelo menos aprimoradas) relagdes sociais dos escri- Pois, muito embora as obrs ainda fossem transferidas a “jntermedirios produtores, sua propriedade universal tendia a per- manecer nas miios do produtor. O novo relacionamento tipico foi ‘um contrato negociado para uma forma ou periodo determinado de publicagio, com cliusulas varidveis sobre suas condigdes ‘duragio, Como expressio desse relacionamento, o royalty — pa- gamento relativo a cada exemplar vendido — veio substituir a antiga forma da compra de uma s6 vez. esse modo, 0 escritor tomou-se patticipante do processo direto de mercado da venda de sua obra. Tém-se discutido inte “minavelmente sobre as condigdes dessa participagdo, ¢ a pritica cada vex mais comum de adiantamentos sobre royalties em ceria medida a tem modificado, ao restaurar um elemento de compra. O resultado geral, porém, a despeito de sua grande desi- gualdade entre eseritores, foi um tipo determinado de relaciona- mento social que pode ser definido como uma forma de in- dependéncia profissional no seio das relagdes de mereado integradas predominantes. Tipicamente, os escritores passaram Aenvolver-se em relagdes com 0 mercado como um todo, ein vez de relucionar-se com determinado intermediério produtivo, ¢ ssa generalizago de plenas relagdes de mercado levou-os, em Sua maioria, para além da fase pés-artesanal ¢ para dentro da fase do mercado profissional organizado. Intermediarios adicionais, tais como agentes literiries, marcam essa fase ais desenvolvida, 47 Percepcdo do “mercado”. Em toxas essas fases de mer. cado, 0 produtor podia ainda ser visto como um eriador, embora, na pritica, por toda parte, houvesse ressalvas quanto a isso. 0. artesio, © pés-artesdo em relagSes produtivas ou distributivas ine diretas € © profissional de mereado, todos eles atendiam necessa- riamente, em algum momento, ainda que em graus marcadamente diversos, aquela forma de demanda ou de demanda projetada, que cera mediada, de modo eada vez mais indireto, pela forma da rela- do de venda conereta. Na verdade, a produgo para o mereado, como objetivo que assume prioridade sobre qualquer outro, esta muito evidente em cada uma das fascs, embora haja grande nic mero exemplos de produtores Iutando contra as tendéncias do mercado, ou efetivamente ignorando-as. Culturalmente, essa inte- ago € essencial, pois define as relagdes sociais dos artistas em. nivel diferente do da maioria dos outros tipos de produgao. Ca racteristicamente, toma-se dificil, mas também necesséirio, nessa fase de mercado, distinguir essa forma de produgdo de outras com as quais mantinha relagdes econdmicas andlogas. Nossas distingdes convencionais entre “artesio”, “artifice” e “artista” pertencem a essa fase do mercado eultural, mas como reagio a suas dificuldades internas. Na raiz dessas distingdes encontra-se a tentativa de uma diferenciagao entre a produgio de um tipo de objeto ¢ a de outro, Isso pode expressar-se como uma contraposigo entre 0 “meramente utilitirio” € 0 “arifstico”, ou, por outro lado, entre © “util” © 0 “meramente cultural”, Nao hd divida alguma de que por toda a extensio coberta por essas tentativas de distin- {g6es hi diferengas essenciais de imediatez e de percepgio de liso ¢ de necessieade. Pader-se~i afirmar, de fato, que isso ‘sempre foi assim, tanto em condigdes de pré-mereado como de mercado. Pode-se construir uma hierarquia plausivel de neces- sidades materiais ¢ culturais na qual a panela ou 0 sapato sempre serio mais “necessérios”, e, nese sentido, mais “iteis”, do que a pintura, o conto ou a cangio. Porém, o modo mais satisfatrio de examinar essa dificil questio nao é em tet mos abstratos, supra-histéricos mas examinando os modos 48 problemas de necessidade © uso so onganiza- tieamente, em ordens sociais especificas. ; } que veimos, entio, & que a hierarquia do uso € da nevessi- oA cla mesma, rekactonada com o cariter das relagSes de a erpanizadoras. Onde foi necessitio, por exeinplo, fazer ede arte como forma de representagio das relagdes de pa co vigentes, o¥ como forma de relagSes priticas com 0 jo natural, ou — como antas vezes — como forma de repro- ‘de determinada ordem social ou sécio-metal da hicrarquia é radicalmente diverso do que no inicio. Na ade, sabe-se muito bem que sociedades que, de acordo qualguet padro posterior, ctam muito pobres, consagra- vm muito tempo, cnergia ¢ recursos significativos a produgao aquilo que hoje seria percebido como objetos de arte. Em das as fases posteriores, mais organizadas, desse tipo, em época em que a pritica da arte tanto se difereneiata como se especializara, a instituigio de artistas como parte da organiza- 40 social geral ainda cra, eomo vimos, normal. ‘A dificuldade excepeional do lugar da produgo “cultural” nas sociedacles modemas pode pois, por sua vez, ser estudada em termes de suas relagées com a orem produtiva geral. E aqui ha, de saida, uma dificuldade, jé que a ordem produtiva geral, no decorrer dos séeulos de desenvolvimento do capitalismo, tem sido predominantemente definida pelo mercado, ¢ a “proxiugiio cultural”, como vimos, tem sido eada vez. mais assimilada és con- digdes desse mercado; contudo, tem havido, em medida conside- rivel, resisténcia a qualquer plena identidade entre produgio cul- tural e produgio geral, sendo uma das formas dessa resistencia as distingdes entre “artesio”, “artifice” e “artista” ¢, de forma corre- lata importante, a distingiio entre “objetos de utilidade” ¢ “objetos. de arte”, Seria correto, pois, dizer que a origem dessas modemas Aiffculdades é na verdade a economia de mereado, mas, por outro lado, em vista das tentativas de distingdes, nao seria certo — de fato, seria gravemente redutor — dizer que a orcem de mereado generalizada transformou toda produgéo cultural em um tipo de Produto de mercado, Pois, enquanto as formas anteriores de rela- Jos quais esses 49 ges de patronato sio, em geral, resquicios de sociedades mais integradas culturalmente, muitas das formas posteriores so © tamente intervengdes ou no interior das forgas nofmais do mer- cado, ou, por vezes, contra elas ou fora delas. Vemo-nos assim, ¢ io pela primeira vez, ao estudar sociedades economicamente ba- seadas em modos de produgao eapitalista, diante de determinadas assimetrias significativas entre as relagdes sociais do modo de produgio predominante © outras relagGes no interior da ordem social e cultural geral, Nao se deve exagerar a respeito dessas assimetrias. De fato, ‘a maior parte das relagdes de produgio cultural tem sido assimi- lada as condigdes do mereado em desenvolvimento. Algumas, porém, no foram, e ¢ significativo que estas sejam justifieadas tem termos de tipos de produgo que sio importantes “em si e por si mesmas”, Com base nisso, elas siio diferenciadas da “produ

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