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Revista JURIDICA da UNIVERSIDADE PORTUCALENSE @ N213 UNIVERSIDADE PORTUCALENSE 2008 | PORTO Todos os dios resorvados, conforme a leilagio om vig, dos textos, mapas, gravures e ctograas Solcta-se pamuta, On pre 'échange. Exchange wanted “Tascverkab ermunescht. Sottero intercameio, UPT - Universidade Portucalense Infante D. Henrique Departamento de Direito - Instituto Juridico Rua Dr. Anténio Bernardino de Almeida, 541-619 4200-072 Porto Tiagom 1000 exemplares Depésito Legal 25464708 iss Composieao Hoishop = Comunicago Marksting, Lea. PROIBICOES DA PROVA EM PROCESSO PENAL (CONCEITOS E PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS) ‘Manuel da Costa Andrade |. Introdugéio. Complexidade e ambiguidade bsicas. 1. Se todo 0 filosofar comega no espanto, também este meu discurso assenta num certo “espanto”. Que radica no facto de as proibi¢des de prova — as exclusionary rules do direito americano ou as Bewiesverbote do direito germanico — configurarem uma das areas da experiéncia juridica mais complexas, inseguras, “parquinsonianas” e expostas a dissengao e a controvérsia, E, por vias disso, uma drea problemdtica onde as respostas ¢ as solugdes surgem invariavelmente desencontradas e centrifugas. Em termos tais que quase néo ha problema ou constelagao factica que ndo merega dos autores e dos tribunais praticamiente tantas respostas como as vozes que as sopram. N&o raro mesmo, dos mesmos autores e dos mesmos tribunais, a pronunciarem-se, ‘em tempos diferentes, sobre os mesmos problemas. O que faz do direito das proibigdes de prova uma réplica de Babel: todos falam, mas pouco se entendem. Até porque, mesmo quando falam do mesmo, quase todos falam invariavelmente de coisas diferentes. Numa primeira aproximago pareceria — e ai a raz&o do espanto — que dificiimente se poderia referenciar dominio do direito mais propenso e mais exposto a sistemas de categorizagao geral e, por isso, mais ductil s maos duma elaboragao dogmatica, capaz de por de pé uma doutrina geral das proibigdes de prova. Isto é, uma teoria geral susceptivel de valer como gramética comum, intersubjectivamente estabilizada e, como tal, consensualmente aceite. Pelo menos ao nivel nuclear dos princfpios, das categorias fundamentais e das solugdes para as expressdes tipicas da fenomenologia casufstica segregada pela vida. Na verdade, as proibigdes de prova contendem com as manifestagSes de conflitualidade mais radicais da ordenagao comunitaria. Particularmente, do confit irredutivel entre a ordem e a liberdade. Nesta linha as proibigdes de prova contendem com os direitos fundamentais da pessoa, a comecar com a sua imponderavel dignidade; e, por outro lado, com as instituigdes basilares do Estado de direito democratico. Assim, na experiéncia e no regime das proibigbes de prova joga o Estado, detentor do jus puniendi, a sua “superioridade ética” (EB. SCHMIDT), aqueles fundamentos irrenunciaveis e indisponiveis que definem a Rechtskultur de que fundadamente fala HASSEMER. Como joga, em tiltima instancia, a legitimidade para aplicar penas. (Ora, se 0 regime das proibigdes de prova se joga ao nivel das coisas titimas dum sistema permanentemente exposto a “irritago” (LUHMANN) oriunda da liberdade improgramavel do individuo, nada mais fundado do que a expectativa de que os problemas a equacionar e a superar normativamente conhecessem jd respostas codificadas. A gozar da estabilidade e do consenso que 6 conatural 4s opgdes de fundo que iluminam a ja citada Rechtskultur. Em qualquer caso, nao pareceria desmesurada nem desajustada a expectativa de uma doutrina geral das proibigdes de prova, compreendida como sistema congruente de um conjunto de categorias e principios dogmiatticos, consonantes com um pertinente e democraticamente legitimado programa politico- -criminal. E, como tal, uma doutrina capaz de abrir em premissas normativas consolidadas de equacionagao e superagao dos problemas. S6 que, como comegémos por recordar, 6 precisamente o contrério que se dé. Na impressiva e desencantada voz de STRATE, quem hoje se dispée a “folhear os manuais & comenttirios de direito processual penal, sé encontra (em matéria de proibiodes de prova) confuséo em vez de conhecimento e orientagao”. E isto, ironiza, néo obstante o “céu dos conceitos estar completamente cheio de violinos”, 143 144 DOUTRINA Il. Razées e causas da complexidade e do desencontro. 2. Vistas as coisas numa maior aproximago, nao seré dificil sinalizar as razes da complexidade e desencontro e, por vias disso, ultrapassar o espanto. Se bem vemos as coisas, comegam por sobrelevar aqui a fragmentaridade e a descontinuidade da ordem juridica positiva e, sobretudo, as assimetrias que medeiam entre os rentes e pertinentes ramos do ordenamento juridico. A saber: a Constituicao, o direito penal substantivo e 0 direito processual penal, as areas do direito por onde, de forma conjugada ¢ complementar, passa a disciplina positivada das proibigdes de prova, a) Apertinéncia e intervengao do direito penal substantivo afigura-se natural. Além do mais, porquanto muitos dos factos estigmatizados e proscritos como proibigdes de prova configurarem igualmente factos criminalmente tipicos, a titulo, por exemplo, de Violagao de domicilio, (art. 190° e 378%) Devassa da vida privada (art. 192° CP), Violagao de segredo (art. 195° CP), Violagdo de correspondéncia ou de telecomunicagses (art, 194° @ 384? CP), Coaceao (art. 154° CP), Gravagées e fotogratias ilcitas (art. 199° CP), etc. Nao é menos decisiva e determinante a intervengao do direito constitucional, como primeira redugiio da complexidade do regime das proibigbes de prova. Logo porque, na conhecida intuigdo de HENKEI, o direito processual penal é direito constitucional aplicado. Depois e sobretudo, porque a Constituigao procedeu ela prépria & consagracao positivada dos principios e das normas primeiras —e directamente aplicaveis (art. 18%) — do regime das proibigdes de prova. Acolhendo- -nos & Constituigdio portuguesa recordamos, por mais expostos, os artigos 32%, n® 8 @ 348, n? 4 e 4. Segundo 0 primeiro: “sao nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacgao, ofensa da integridade fisica da pessoa, abusiva intromisséo na vida privada, no domicilio, na correspondéncia ‘ou nas telecomunicaagoes”. Enquanto isto, o segundo consagra a inviolabilidade do domicfi do sigilo de correspondéncia e dos meios de comunicagao. E proctama: ‘proibida toda a ingeréncia das autoridades pdblicas na correspondéncia, nas telecomunicagdes e nos demais meios de comunicagéo, salvos os casos previstos na lei em matéria de proceso criminal’. Para além disso, 6 ainda a Constituicdio que reconhece e tutela os direitos fundamentals — a comegar pela dignidade ‘humana o valor supremo da axiologia constitucional e, como tal, iredutivel, indisponivel e subtraido a toda a forma de ponderagdo, relativizacao ou funcionalizagao — @ os impoe as instancias do processo penal como referentes das proibigdes de prova. De qualquer modo, a Constituiga emerge como a fonte normativa privilegiada das chamadas proibigdes aut6nomas de valoragao (selbsténdige Vewertungsverbote). b) O quadro normativo-positivo das proibigdes de prova, que fica sumariamente recenseado, resulta sobremaneira descontinuo ¢ fragmentario, & espera do indispensavel labor heuristico ¢ hermenéutico do intérprete e aplicador. As lacunas resultam particularmente expostas e comprometedoras em dois momentos nucleares do regime. Desde logo, 0 ordenamento juridico positive portugués é totalmente omisso nna resposta a dois problemas, distintos entre si, se bem que complementares, ambos a juzante da identificagdio de uma proibicdo de valoragao, porque légica e normologicamente posteriores Aquele momento: em primeiro lugar, determinar quais as provas cobertas pela proibicao de valoragao; e, em segundo lugar, precisar em que medida a proibigdo de valoragdo se prolonga @ projecta sobre as provas mediatas. No primeiro caso — os autores alemées falam a este propésito de Fortwirkung, contraposto ‘a Fernwirkung (efeito-a-disténcia) — e uma vez identificada uma concreta proibigao de valoragao', irata-se de definir 0 respectivo Ambito e extenso. Um problema que assume particular relevo * Neste sentido, por exomplo, SALIGER, pp. 50s. PROIBIGOES DA PROVA EM PROGESSO PENAL (CONCEITOS E PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS) tedrico no campo dos chamados métodos proibidos de prova (art. 126° CPP), que citamos a beneficio de ilustragdo. Suponha-se que um arguido, objecto de tortura, presta declaragbes auto- \eriminatorias, declaragdes que vem depois a repetir e a confirmar, & margem de coacgdo e, hoc sensu, livre. A declaracao de prova que inquina a primeira declaragao, abrange também estas tiltimas? Até onde se estende 0 efeito inquinante da proibigao de valoragéo? O que deve acontecer, que medidas devem ser tomadas para circunserever a proibicao de prova? No segundo caso e depois de identificada uma proibigdo de valoragao e balizado o seu alcance, trata-se de determinar se e em que medida a proibigao de valoragao se comunica as provas que foram obtidas através da da prova proibida. E 0 problema do efeito-a-disténcia, ou do Fernwirkung de que falam os autores alemdes © que os autores @ os tribunais americanos versam sob a chamada fruit of the poisonous tree doctrine. Exemplo de escola — arquétipo que acaba de conhecer uma manifestagao paradigmatica com o chamado caso-Frankfurt, recentemente julgado pelo OLGFrankfurt © a que voltaremos —: 0 arguido, suspeito de homicidio, é sujeito a tortura, confessa o crime e deciina o lugar onde escondeu o cadaver. O que permite encontrar © cadaver e cerliicar que as manchas de sangue encontradas no corpo e na roupa do arguido, eram de sangue da vitima. A proibic&o de valoracéo que inquina a confissao do arguido comunica- -se também as provas logradas a partir da mesma confisséo? c) Também esta longe de ser completa a resposta ao problema de saber se e em que medida a violagao duma proibigdo de produgao de prova tem como resposta normativa a proibi¢go de valoragao de prova. Isto é, em que medida a proibicdo de valoracao configura a resposta contrafactica & violagao de uma proibigdo de producao de prova. este propésito, cabe, contudo, assinalar que o legislador portugués acabou por ir aqui relativamente longe. Pelo menos, em comparacao com ordenamentos mais poximos como 0 alemao, que apenas prescreve uma expressa e inequivoca proibigdo de valoragdo para 0 caso da violagdo dos métodos proibidos de prova (§ 136 a) da StPO), correspondentes aos atentados mais graves ¢ intoleraveis & dignidade humana, a integridade e a liberdade. E mais alargado 0 espectro de proibigées de valoragdo expressamente positivadas pelo legislador portugués, J& sob a forma explicita de proibicdo de valoracao, jé cominando a prova com a sango da nulidade. Assim, para além dos métodos proibidos de prova (art. 126° CPP), a proibigao de valoragao esta prevista para a recusa de parentes afins (art.134° CPP), 0 depoimento indirecto ou hearsay evidence (art. 129° CPP), o reconhecimento de pessoas e objectos (arts. 147°, 148° e 149° CPP), as escutas telefénicas (art. 189° CPP) e as provas ndo produzidas ou examinadas na audiéncia (art. 335° CPP). Apesar deste espectro alargado, continuam a subsistir no direito positive portugués importantes ¢ relevantes lacunas em matéria de proibigo de valoragao. E 0 que pode ilustrar-se com o regime das buscas e, particularmente, das buscas domiciliérias, matéria em que o siléncio da lei vem provocando profundas e irreconcilidveis divergénoias entre os autores e entre os tribunais. 3. a) Para além de fragmentario e lacunoso, 0 regime juridico das proibigdes de prova esté ainda condicionado pelas incongruéncias e assimetrias entre os diferentes ramos de direito —direito constitucional, direito penal substantivo e direito penal sadjectivo — que Ihe asseguram expresso positivada. Ramos de direito cujas relagdes estdo longe de obedecer a um modelo de linearidade, em que as decisées tomadas no ramo de direito normologicamente precedente, ‘se transmitissem como premissas das decisbes a assumir pelo(s) ramo(s) de direito supostamente ‘subsequente(s). Tal ndo se dé, ou, pelo menos, nao se dé de forma necessaria e invaridvel. Nem sempre 0 output dos primeiros ramos se convertem em input dos segundos. 145 146 DOUTRINA E 0 que, de resto, se compreende. Direito constitucional, direito penal e direito processual- -penal emergem em boa medida como sistemas normativos espeerficos e auténomos. Servem valores, supdem conflitos, mobilizam racionalidades e apelam para “circulos hermenéuticos” especificos. Sao de alguma modo sistemas autorreferentes e, como tais, autopoiéticos, podendo naturalmente desembocar em solugSes divergentes e centrifugas. b) Neste quadro, sobra particularmente exposta a assimetria entre o direito penal € 0 direito processual-penal.. Contra o que poderia esperar-se, as suas relagdes no obedecem a um princfpio de harmonia arquetipica a ponto de se poder afirmar que os factos criminalmente ilfcitos so sempre processulamente inadmissiveis e, inversamente, 08 factos criminalmente licitos so sempre processualmente legitimos. S6 que nem uma nem outra destas assergdes S40, na sua pretensdio de enunciados gerals ¢ abstractos, pertinentes @ verdadeiras. Uma compreenséo das coisas que vera a sua plausibilidade acrescida a vista da singularidade da ilicitude penal (material), marcada pelas notas da dignidade penal e da caréncia de tutela penal, que a singularizam.e a contrapdem face s demais manifestagdes de ilicitude da ordem juridica globalmente considerada. Resumidamente, nem todas as manifestagSes de ilicitude atingem o limiar da ilicitude penal. Se 6 assim, em geral, também o é nas relagdes entre a ilcitude penal e a “ilictude” processual. A luz do exposto bem se compreende que haja factos criminalmente licitos — porque atipicos ou justificados — e que, apesar de tudo, impenda sobre eles o estigma das proibigses de prova. E 0 que podemos ilustrar com a violagao do sigilo de correspondéncia, em que a proibigéo de prova vai muito para além do criminalmente ilicito. Isto sabendo-se que a tutela criminal da correspondéncia resulta particularmente limitada e descontinua porque, em geral, vinculada a uma “carta fechada’ como objecto tipico da conduta. Nada, porém, impede que a devassa da correspondéncia feita sobre carta jé aberta, sendo criminalmente Iicita, configure uma proibig&o de prova. E as coisas s6 ganham em clareza e impressividade se daqui passarmos ara 0 campo das acgdes de devassa conta a vida privada ou dos atentados contra 0 direito & palavra ou & imagem. Também aqui, meios de prova, & partida penalmente licitos, podem ter contra eles a mais intransponivel das proibigdes de prova. E isto porquanto 0 processo penal pode configurar, ele préprio, sede auténoma de devassa ou de manipulagdo arbitréria da palavra ou da imagem. Por exemplo, uma gravagao pode ter sido licitamente (vg., por consentimento) produzida; s6 que a sua utilizago sem consentimento em proceso penal acaba por actualizar a danosidade social e o ilicito criminal das gravagées ilicitas, podendo, por isso, impender sobre ela o estigma das proibigdes de prova. ) Por seu turno, também o facto de um meio de prova dar corpo a um ilicito criminal tipico ndo determina, sempre nem necessariamente, a sua exclusao do processo penal a titulo de proibigéo de prova. Desde logo, a prova pode ter sido ilicitamente obtida por um particular, por exemplo, por furto, e ser legitimamente valorada em processo penal. Para além disso, 0 processo pode, em concreto, valer como sede auténoma de justificagio de um facto criminalmente ito, por vias disso, abrindo a porta a legitimidade da valorac&o processual-penal. Assim, a utllizagao em processo penal de uma gravagao llicitamente produzida pode estar coberta pelo direito de necessidade e, como tal, justificada, se for, por exemplo, o meio necessario para afastar a condenagao de um inocente. Hé mesmo dominios face aos quais a doutrina e a jurisprudéncia maioritérias sustentam que a ilcitude criminal ndo afasta a legitimidade da valorago processual. Tal vale sobremaneira Para as provas obtidas a custa da violagao do sigilo profissional. ‘Sabe-se que a generalidade dos ordenamentos juridicos — vg., o portugués (art. 135° CPP) € alemao (§53 StPO) — reconhecem as pessoas sujeitas a segredo profissional (médicos, PROIBIGOES DA PROVA EM PROCESO PENAL (CONGEITOS E PRINGIPIOS FUNDAMENTAIS) advogados, etc.) e chamadas a depor como testemunhas, o direito de recusar depoimento sobre factos pertinentes ao sigilo profissional. Como de todos os lados se acentua, este direito a0 siléncio, esgota-se apenas no direito a recusar depoimento. Ele néo significa, concretamente, ‘que ao profissional assista o direito de escolha entre depor ou no, estando, se o fizer, justificado, Noutros termos, 0 processo penal nao configura, por si, instancia ou razo bastante de justificagao da violacao arbitréria do segredo. A justificagao s6 pode ocorrer ou por consentimento do titular do segredo ou por concorréncia de justificagao extraprocessual (direito de necessidade ou de prossecussio de interesses legitimos). Brevitatis causa, se 0 profissinal optar por nao se prevalecer do direito ao siléncio, ele incorreré em responsabilidade criminal, circunstAncia que, a seguir-se ‘a doutrina e a jurisprudéncia maioritérias, ndo determina a ilegitimidade da recolha e valoracao do depoimento em proceso penal’, d) Também n&o & dificil identiticar manifestagdes de assimetria entre o direito constitucional e 0 direito processual penal ordinario. Assimetrias que radicam sobretudo na circunstancia de a Constituigéo abrir &s instancias do processo penal um largo horizonte de compressao legitima dos direitos fundamentals. Sé que tal tem de dar-se mediante intervengao necesséria do legislador ordinério. Isto em nome dos imperativos de legalidade e de reserva de lei a que obedece toda a limitagaio dos direitos fundamentais. Significa isto que as intromiss6es das instancias do processo penal nos direitos fundamentais s6 seré legitima se e na medida em que o legistador ordinario © tiver consignado. E aqui que radicam, nao raro, as assimetrias: o legislador ordinario pode ter consagrado a compressao de certos direitos fundamentais e ser omisso em relagéo a outros, sendo certo que também a restrigdo destes ultimos seria igual ¢ inequivocamente consentida pela Constituigao. Mas ela nao serd admissivel enquanto tal possibilidade nao for legalmente sancionada. Recorda-se, a beneficio de exemplo, a experiéncia das proibigbes de prova em matéria de escutas telefinicas e de gravagées nao consentidas das conversagées cara-a-cara, A generalidade das legislagdes consagram solugdes mais ou menos restritivas, mais ou menos amplas, de escutas telefénicas admitidas para fazer face a um catélogo mais ou menos extenso de crimes. Mas elas so, em geral, omissas quanto & admissibilidade processual das gravagdes das conversas directas entre pessoas. Esta era, por exemplo, a situago vigente em Portugal até 1998 (Lei n® 58/98, de 25 de Agosto e, posteriormente, Lei n® 5/2002, de 11 de Janeiro)”, Neste contexto, questiona-se se as soluges consagradas na lei para as escutas podem aplicar-se as conversas directas. E a resposta nao pode deixar de ser negativa, por maior que seja a forca das razGes de analogia ou dos argumentos a fortiori que possam mobilizar-se em sentido contrario. E que a legitimidade constitucional tem de ser aqui complementada com a legitimidade que s6 0 legislador ordindrio pode outorgar. e) As assimetrias estendem-se mesmo ao interior da propria lei processual penal ordindtia. Onde a disciplina das diferentes fases ou momentos deixa subsistir descontinuidades mais ou menos significativas. Como sucede com as jd assinaladas e decisivas lacunas que medeiam entre momentos nucleares como a passagem das proibi¢Ses de producdo para as proibi¢des de valoragao e destas para o efeito-a-distancia. 4. a) As causas de complexidade e centrifugicidade referenciadas no sistema normativo das proibig6es de prova, sfo potenciadas e multiplicadas por factos sitados no ambiente. E so particularmente potenciadas pelas transformagdes recentemente registadas na experiéncia e nas representagGes colectivas sobre o crime e a resposta a dar ao crime. Sao transformagdes que t€m ido invariavelmente no mesmo sentido: o do reforgo dos valores e dos interesses associados 2 Este 6 porém, um entendimento contra o qual se ergue um rimero crescente de vozes e que, em qualquer caso, nfo merece ‘onosso aplauso. Cf infra. 3. primeira das les veio estender os regime das escutas telefénicas &s gravagtes de conversas face-a-ace. 147

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