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FEMINISMO E POLITICA UMA INTRODUGAO- LUIS FELIPE MIGUEL E FLAVIA BIROLI Coprri desta edicin © Boiterspa Eder 2054 Copyright © Bliévia Millena Biroli Tolerski e Lnie Direct editorial Joana inking; Fics Laabelia Marcatt Conrdenacio de produgio Livia Campo, Assisténcia editorial Thaisa Baran Preparacio Carla Mello Marvina ¢ Claudia Mairna Revision Trais Ribas Diagramacio Schiffer Edivrial Capa Antonio KoA sabre trata Angela Dts (2015), de Ear aria Equipe da Boitempo Editorial Ana Yori Kaji, Arsur Renza, Bibiana Leme, Elaine Ramon, Fernanda Fantinel, Francico dor Santor, Kim Daria, Marlene Batic, Mauricia Barbora, Manda Coelho ¢ Renato Soar, CiP-8RASIL. CATALOGACAO Na FONTE NDICATO NACIONAL. B08 EDITORES DE LivRos, Miguel, Lt Fetipe Feminine plea: uma ineradurio I Laie Felipe Miguel Fliva Bic - |e. Sho Pn: Bitempa, 2014 Incl ibtingrais ISBN 978-85-7559.396-7 |. Feminismo. 2. Mulheres candies seine 3. Dien ds malhews. IT 4.15554 DD. 5.42 DU BH) F vedada a reproducio de qualquer parte deste livia sem 2 expressaautorizagio da editor I" eigio: nowembro de 2014 I¥ reimpresstor marco de 2015; 2% reimpresso: jlo de 2015 # reimpressto: main de 2016; 4 reimpresio: janeiro de 2017 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Edivores Associndo ida ara Peseta Leste, 373 9%A42.000 Sto Paulo SP “Tel he (11) 9875-7250 1 3872-6869 etivoreboinempoedivoral com be | war boitemspoeditatal cb wore blopabwitempn com br | woew fxcehook com/beiter ie? ror ewiner comfedivorabaitempe | waew youtube com/evboe Pe Af INTRODUGAO Flavia Biroli e Luis Felipe Miguel tcoria politica feminista é um corrente profundamente plural e diversi- ficada, que investiga a organi 0 social tendo como ponto de partida as desigualdades de género, Com essa andlise, evidenciam-se alguns dos limites m s importantes das instituigées vigentes, que, a despeito de suas pretenses democratica c igualitérias, naturalizam ¢ reproduzem assimetrias ¢ relagoes de dominagio. Evidenciam-se também limites das teorias politicas tradicion que tendem a ar sem questionamento a distingéo entre a esfera publica ¢ aesfera privada e que sio cegas & relevancia politica da desigualdade de género. Em certo sentido, toda teoria feminista é “politica’, na medida em que é fundante, no feminismo/ a compreensio de que os limites convencionais da politica o insuficientes para aprender sua dinamica real. Assim, a historia, a sociologia, a antropologia ou a psicologia feministas tém inegavel carater poli- tico, Nosso recorte para a “tcoria politica feminista” nao é a filiagao disciplinar de suas autoras (ou eventuais autores), mas as contribuigées que dialogam de forma mais direta com os grandes temas do pensamento politico, destocando-os pela introdugao, com centralidade, da categoria “género”. Este livro apresenta e discute, assim, as principais contribuigées feministas para o debate na teoria politica, privilegiando as discussdes que surgiram a partir dos anos/1980. De lA para c4, um rico debate ocorreu internacionalmente, de- finindo uma agenda mais ampla — nas discuss6es teéricas e também na pritica politica ~ para o feminismo. Ou talvez seja melhor di iinismos, uma vez que a pluralidade de abordagens é uma das caracteristicas que este livro busca respeitar. No debate internacional, ganham proeminéncia as autoras de lingua inglesa, o que expressa a atual hegemonia anglo-saxa na midia, no mercado editorial © no ambiente académico, mas também sao visiveis contribuigées distintas de feminismos como o francés, 0 italiano ¢ o latino-americano. Hi, nesse corpo teérico, um esforco para compreender permanéncias num processo histérico em que os direitos foram, de fato, ampliados. As explicagées para a convivéncia entre o aumento da participagio das mulheres em divers, arenas da sociedade ea persisténcia de limites & igualdade de oportunidades _ para nao falar numa igualdade mais substantiva no acesso a recursos e nas forms, de participagao — levaram 8 redefinigéo de problemas ¢ prioridades na anilise das democracias ¢ nos debates contemporineos sobre justica. Vale observar que o feminismo nao se debruga sobre uma questio “local, zada”, As relagdes de género atravessam toda a sociedade, ¢ seus sentidos e seus efeitos nio estio restritos as mulheres. O género é, assim, um dos eixos centrais que organizam nossas experiéncias no mundo social. Onde hd desigualdades que atendem a padroes de género, ficam definidas também as posicées relativas de mulheres ¢ de homens ~ ainda que o género nao o faca isoladamente, mas numa vinculacio significativa com classe, raga e sexualidade. As lutas feministas tiveram diferentes expressdes, heterogéneas como o proprio feminismo. A relacio entre essas lutas ¢ 0 feminismo te6rico é fun- damental, produzindo debates em que as fronteiras entre a luta politica ¢ 2 atividade intelectual ¢ académica sao, em geral, mais porosas do que nas cor- rentes predominantes da teoria politica. (Nas lutas pelo voto feminino e pelo acesso das mulheres a educagao, assim como na exigéncia de direitos iguais no casamento € do direito ao divércio, do direito das mulheres & integridade fisica a controlar sua capacidade reprodutiva, o feminismo pressionou os limites da ordem estabelecida, é claro, mas também das formas de pensar 0 mundo que a legitimavam. No processo de suas préprias lucas, o feminismo foi capaz de transformar sua agenda e também sua reflexdo sobre o mundo social. Para as sufragistas estadunidenses do século XIX, por exemplo, a conquista do voto “seria 0 Milenio para as mulheres’, como observou acidamente Angela Davis. A pifi: Presenca feminina nos espagos de poder apés a obtencio desse direito indicou * necessidade de identificar os mecanismos de exclusio mais profundos, além 63 restrico consignada em lei. O mesmo se pode dizer das reformas dos cédigos civis ou do acesso & educagio. Cada vez mais, em ver da incorporacio das mu- Iheres & ordem existente, profunda dessa ordem. tornava-se clara a necessidade de uma transformagi° ——_______ "Angela Y. Davis, Women, race & class (Nova York, ntage, 1983). A edigio original é de 198! Al mrKoDUao 9 Em muitas das frentes das lutas ferninistas, a exigencia foi a idadania igual para mulheres ¢ homens. Mas o deciframento do sentido dessa igualdade implicava ir além da isonomia legal ¢ inquirir as condigoes reais de eristéncia delas ¢ deles, questionando premissas basicas das hierarquias sociais ¢ do fun- cionamento das instituigées. A critica ao individuo “abstrato” do pensamento liberal, aquele que ¢ igual a todos os outros, independemente de suas circunse tancias concretas, é recorrente na claboragio tedrica vinculada as dernandes por emancipag4o dos grupos dominados. E também o caso do feminismo, gue mantém, desse modo, uma relagio tensa com o liberalismo € os direitos que se definem a partir das premissas dele. Nas correntes mais préximas do socialismo ¢ do marxismo, o feminismo tematizou, a0 mesmo tempo, as relacdes de género ¢ a estrutura de classes des sociedades contemporaneas. Isso significou um debate sistemético com outros movimentos politicos e correntes te6ricas, numa reinterpretacéo da prioridade das desigualdades de género e dos interesses das mulheres nas estratégias poli- ticas, nas andlises e, de modo amplo, nos ideais € nos referenciais normativos que orientam os combates por justi¢a social. A luta feminista foi e, segundo acreditamos, deve ser também por transformagées que Jevem a sociedades mais justas do ponto de vista de suas estruturas econdmicas, sem perder de vista as especificidades de género. O ferinismo negro permitiu avangar na compreensio dos mecanismos de reprodugao das desigualdades justamente ao exigir que 2 igualdade de oportunidades entre mulheres ¢ homens nao correspondesse 2 um siléncio sobre as mulheres que compartilham, com os homens que esto na base da piramide social, as desvantagens decorrentes de sua posicéo de raca e de classe. _ No Brasil, pais marcado por desigualdades profundas, onde € patente 2 concentragao no acesso a recursos ¢ a efetiva influéncia politica, a posicao das mulheres se modificou ao longo das tiltimas décadas. E algo visivel, por exemplo, no ensino superior no mercado de trabalho. Se as mulheres pobres estiveram desde sempre integradas ao mundo do trabalho, ainda que quase sempre em condigées precarias, ha um numero cada vez maior de mulheres em atividades profissionais nos patamares mais altos de remuneragao € reconhecimento social. E, na segunda metade do século XX, inverteu-se a tendéncia que fazia com que elas tivessem menos escolaridade do que os homens. Em 2001, 12,1% das mulheres tinham mais de des anos de estudo, em comparagio a 9,7% dos homens; em 2008 esses nimeros chegavam a 17,3% 10. FEMINISMO E POLITICA eres ea 14,3% no dos homens”. Ou seja a vantagem em favop no caso das mull ; ‘ Enere as matriculas no ensino superio, das mulheres continuou se ampliand! em 2009, quase 60% eram de pessoas ; “entanté « aspectos das desigualdades no Brasil. A taxa de escola entanto, revelam outros entre as mulheres brancas era, envio, de 23,8%, mas manecia abaixo dos 10%’. Em suma, ha algumas lo. do sexo feminino. Os mesmos dados, no rizacdo no ensino superior entre as mulheres negras per mulheres que tém acesso ao ensin 0 superior €a carreiras profissionais, mas essa / €uma posigio bastante distinta daquela da maioria delas. Quando se observa o rendimento dem acsferas e oportunidades sio expostos de mod especificas de género se tornam mais aparentes. respondido a posigdes melhores nem equanimes para de trabalho, comparativamente aos homens.(A taxa de ocupagso entre as mu- Iheres, que era de 45,2% em 2002, chegou a 49,2% em 2013, mas permanece mais de quinze pontos abaixo da dos homens! O rendimento mensal médio dos trabalhadores homens é, por sua vez, quase 0 dobro do das mulheres ~ em (>) 2012, a média do rendimento deles foi de 1.430 reais, enquanto a delas foi de 824 reais. Hé quase trés vezes mais mulheres do que homens entre quem ganha ulheres e homens, os filtros no acesso lo semelhante — eas desigualdades Tempo de estudo nao tem cor- as mulheres no mercado aié meio saldrio minimo, mas ha crescentemente menos mulheres nas faixas de renda.a partir de dois salérios minimos, ¢ essa proporsao ‘se inverte quando se chega ao topo da piramide. Nos estratos com rendimento maior do que vinte salirios minimos, ha quase trés vezes mais homens do que mulheres‘. A rend também oscila segundo o sexo € a cor dos individuos. Nos dois extremos estéo a renda média dos homens brancos a das mulheres negras — a dos primeiros 6 quase trés vezes maior que a das tiltimas. Mas a renda expressa também 38 desigualdades entre as mulheres ~ a renda média das mulheres negras € 44% menor que a das mulheres brancas’. (Os dados podem ser conferidos nas “Séries estatisticas e séries histéricas” do IBGE, dispon* Sener Hseriesestatistcas.ibge.gov.brilista_tema.aspx?op=08cno=G>; acessado em: 11 ov as ad las dsigualdades de género e raga (Brasilia, \pea, ONU Mulheres, SPM SepPi* ania Pesquisa nacional por amortra de domictis 2012: sintere de indicadores (Rio de Janciro, IBGE IDEA, Retrato das desigualdades de género e raga, cits p. 35. “ i INTRODUGAO._IT Nio se trata s6 da remuneragao, Em muitos locais de trabalho, as mulheres sio expostas cotidianamente a pressées ¢ constrangimentos que nao fazem parte da vivéncia dos homens, do assédio sexual as exigéncias contraditérias de in- corporar tanto o profissionalismo quanto uma “feminilidade” que é construida como sendo 0 oposto. Em conjunto, a vigéncia dos esteredtipos, as estruturas de autoridade ainda dominadas pelos homens ¢ as miiltiplas responsabilidades adicionais, que sao tipicas da condigao feminina nas sociedades marcadas pelo sexismo, tornam a experiéncia do trabalho assalariado mais penosa para as mulheres do que para os homens, o que, de formas diferentes, ocorre em todos os niveis da hierarquia de ocupacées. Além de expor a posicao relativa dos individuos no acesso a recursos ¢ oportunidades, essas desigualdades sio indicativas da vulnerabilidade maior das mulheres ¢ daqueles que delas dependem, sobretudo quando os arranjos_ familiares se distanciam do padrao convencional. Em 1981, 17% das familias eram chefiadas por mulheres; em 2009 esse percentual havia dobrado, chegando a 35,2%°. Mas a renda per capita média nas familias chefiadas por mulheres, ~sobretudo por mulheres negras, é bastante inferior & das familias chefiadas por homens. Em 69% das familias chefiadas por mulheres negras, essa renda & “menor que um saldrio minimo, indice que cai para 41% no caso das familias chefiadas por homens brancos’. As mudangas nos arranjos familiares podem ser expressivas de redefinigées nas relacées de género, com deslocamentos nos papéis convencionais, em que a domesticidade feminina corresponderia a po- sigao do homem como provedor. Coexistem, no entanto, com a permanéncia do machismo, com a auséncia de politicas puiblicas adequadas para reduzir a vulnerabilidade relativa das mulheres e, justamente por isso, com uma dinamica em que elas acumulam desvantagens em comparacao aos homens. A falta de creches e de politicas adequadas para a conciliagéo entre a rotina de trabalho ¢ 0 cuidado com filhos pequenos penaliza as mulheres, muito mais do que os homens, em sociedades nas quais a divisio dos papéis permanece atada a compreensdes convencionais do feminino e do masculino, As mulheres continuam a ter a responsabilidade exclusiva ou principal na criagao dos filhos no trabalho em casa. Além disso, a violéncia doméstica € sexual se mantém (Os dados podem ser conferidos nas “Séries estatisticas ¢ séries histéricas” do IBGE, cit. 7 IPEA, Retrato das desigualdades de género e raga, cit., p. 35. 5 2 3 2 4 7 4 5 2 2 L 4 YERR PARGES 12 FEMINISMO E POLITICA em patamares significativos, a despeito dos avangos na legislacao € da main, efetividade na punigéo aos agressores — mulheres continuam sendo morta, ~ por serem mulheres, em sua maioria por companheiros ou ex-companheiros, chegando a aproximadamente 5 mil mortes por ano no Brasil, considerado periodo entre 2001 e 2011. Embora essas dimens6es da realidade tenham enor. me impacto nas oportunidades dos individuos ¢ mesmo na vida que imaginarn € buscam para si, sobretudo nas camadas mais pobres da populacao, nao sin temas que estejam recebendo a atengao da ampla maioria das abordagens na teoria politica. A esfera privada e, sobretudo, o ambito das relagées familiares, afetivas e domésticas, nao existem ou nao sao construidos como varidvel politica relevante para a maior parte das correntes dos estudos. ~ O impacto dessa divisio desigual do trabalho e do usufruto do tempo ~ 0 tempo semanal dedicado pelas mulheres ao trabalho doméstico no Brasil seria, segundo pesquisas recentes, 150% maior que o tempo dedicado pelos homens’ - se desdobra em injustica distributiva e barreiras a igualdade nas oportunidades, como jé foi dito. E hé mais nesse caldo. Deixando para trés os esteredtipos que definiam as mulheres como menos interessadas na politica, é preciso considerar essas desigualdades para compreender por que elas continuam sub-representa- das, como grupo, em todos os ambitos da politica brasilei A eleigéo de uma mulher para a Presidéncia da Republica em 2010 tem efeito simbélico — ainda que nao exista, por ora, qualquer avango especifico na agenda feminista que tenha derivado dela. O percentual de cadeiras ocupadas por mulheres na Camara dos Deputados permanece inferior a 10%. Na politica local, a situagéo néo é melhor — as mulheres ocupam cerca de 12% das cadeiras nas Cimaras de Vereadores ¢ nao ultrapassam 0s 10% no cargo de prefeitas Na cobertura dos meios de comunicagéo, em que visibilidade, atribuicéo de competéncia politica e adeséo potencial dos eleitores podem andar juntas ¢ fazer diferenca na construcao de uma carreira politica, as mulheres s40 poucas ¢ su2 imagem ainda se mantém ligada aos esteredtipos de género convencionais’. A complexidade da composigao do grupo mulheres, t6pico discutido pelas reoris feministas e bastante presente neste livro, nao apaga um fato: a decisio sobre leis e politicas que afetam diretamente as mulheres é feita no Brasil, ainda hoje * Tbidem, p. 36-7. > Luis Felipe Miguel e Flivia Biroli, Caleidoscépio convexo: mulheres, politica ¢ midia (Sio Paulo Editors Unerpe 201), iépio convexo: mulheres, politica e midis ( mernopugho 13 e como foi ao longo de toda a nossa histéria, por homens. O sentido dessa iscrepincia entre influéncia politica ¢ presenga na sociedade — as mulheres final, pouco mais de 50% da populagéo - é um tema prioritério para a ica fermi teoria polit De que modo 0 machismo, ou o patriarcado como forma de organizagao das relagdes sociais, numa expressio que ser retomada de maneira mais precisa neste livro, reduz as oportunidades de participacao social das mulheres? Quai do’? com que mais de oitenta anos depois da conquista do sufragio feminino clas mecanismos sociais limitam a participacéo delas nas esferas piblicas, faz permanecam marginais na politica? Como a divis4o sexual do trabalho ¢ os estereétipos do feminino edo masculino que ela mobiliza marcam a socializacao das criangas, colaborando para um futuro desigual da perspectiva do género? E em que dimensoes da vida as mulheres permanecem como menos do que cidadas, tendo sua autonomia restrita e, em alguns casos, sendo ainda definidas _»/ como meios para a satisfacao masculina? Como, enfim, as desigualdades de género se realizam em conexdes complexas com as de classe e de raca, com= pondo injusticas que obstruem a construgio de sociedades mais democraticas ¢ igualitérias? As respostas a questées como essas so discutidas e disputadas nos debates te6ricos no feminismo, como se vera em todos os capitulos deste livro. io, por outro lado, ainda hoje, ¢ a despeito das criticas ¢ do impacto das aborda- gens feministas, questées ausentes ou marginais nas correntes hegeménicas da teoria politica. Teorias da democracia, teorias da justica, teorias que estariam centradas na problemética da liberdade ¢ da autonomia dos individuos pas- sam ao largo dessas questées quando silenciam sobre o impacto do género na Posigdo social dos individuos e sobre a relacio estreita entre as hierarquias em diferentes esferas da vida.\O siléncio sobre 0 impacto casado das relagoes de poder no mundo doméstico, no mundo do trabalho ¢ no mundo da politica é particularmente “produtiv ", isto é define o limite para muitas reflexdes ¢ as coloca numa posigo em que acabam por justificar as coisas como elas sao. A reflexéo critica sobre a dualidade entre. esfera piiblica ea esfera privada, Ponto de partida comum as abordagens feministas na teoria politica, colabora _ justamente para a problematizagao desses entrelagamentos, Expo Poder em dimensoes da vida cotidiana que nao es de boa parte da teoria polit as relagdes de io No escopo das reflexdes » © que é fundamental a propria definigio do Politico no feminismo, Mas nao se trata simplesmente de incluir mais aspectos ee 14, vesntsmo F pottrica no rol daqueles que sao considerados politicos, ag da vida, ou mais problem: ns it definig6es da politica no feminismo modificam, potencialmente, as prioridades nodebate piblico. Colaboram para expor também os limites da universalidade como posigio “neutra” a partir da qual se definiriam a relevancia e 0 grau de interesse piiblico dos diferentes temas e questées. A universalidade é colocad, ‘ cdo dos direitos dos individu em xeque, sobretudo como base para a definigéo = das mulheres tornam patente visdes que se consolidam a partir da posicao parci ‘ a 0 fato de que as posicées hegeménicas sao também perspectivas ¢ posicionadas, mas foram, a partir da experiéncia masculina (¢ néo de qualquer homem, mas dos homens brancos e proprietarios), amplamente traduzidas como “humanas” ¢ “cidadas”. Aparecem, assim, desprovidas de marcas de género, de classe, de pertencimento num sentido mais amplo. A critica feminista ganha radicalidade ¢ forga quando as abordagens sao capazes de incorporar nessa problematizagao 0 fato de que as relacées de género impactam as experiéncias, mas 0 exercicio do poder — assim como as formas de dominagio e de exploracio — se d4 também internamente ao grupo | “mulheres”. Uma democracia igualitéria depende, portanto, do enfrentamento / daquilo que faz rodar as engrenagens do género, mas também as de classe ¢ de raga. Por isso, nos debates presentes neste livro, a definigéo de quais sio as | desigualdades relevantes ¢ das formas para o seu enfrentamento é, ela mesma, um tépico central. Sem pretender fazer um inventério exaustivo ou uma andlise em profundi- dade da presenga do feminismo na area, os capitulos que se seguem discutem algumas das questées geradas ou reconstruidas pela teoria feminista, que hoje nao podem ser ignoradas por nenhuma reflexdo sétia sobre a politica: a distingao entre as esferas publica privada, a vinculacdo entre a estrutura (familiar ea justica social, a relasio entre igualdade e diferenca, o conccito de 7, identidade,o sentido da representagio politica o valor da autonomia, Também sio discutidos trés problemas mais especificos, agenda dos movimentos de mulheres e cuja rel demonstrar. que encontram centralidade na levancia a teoria feminista busct Na luta pelo direito a0 aborto e nas. polémicas sobre a legitimidade : fia ¢ do exercicio da prostituigio, estio presentes debates sobre # cidadania, as liberdades, a autonomia individual ¢ a relagao entre individuo ¢ sociedad, que fazem com que as respostas que damos a cada uma dessas ques” ‘6es tenham impacto profundo no entendi sociais estamos promovendo, da pornogra imento de quais valores politicos ¢ —— rNTRODUGAO. 15 Este livro resulta das pesquisas e das publicagées de seus autores na area de género e politica nos iiltimos anos. E fruto, mais diretamente, de duas cole- tineas de textos feministas que organizamos®, Escrevendo as introducées das duas obras, percebemos a necessidade de uma introdugao, a0 mesmo tempo ampla ¢ acessivel, & teoria politica feminista. As duas coletaneas, por sua vez, foram respostas a caréncias que sentimos quando ministramos em conjunto a disciplina Género e Politica, no programa de pés-graduacao em ciéncia politica da Universidade de Brasilia, em 2009. Os capitulos que se seguem buscam preencher essa lacuna, discutindo um leque variado de abordagens que definiram o debate feminista a partir das tiltimas décadas do século XX. O objetivo é fornecer um panorama da teoria politica feminista, focando suas principais contribuicées ¢ seus maiores debates internos. Pretendemos oferecer uma visio de diferentes vertentes do feminismo, por vezes até bastante contrastantes, 0 que nao significa que os capitulos nao assumam posicao. Os capitulos sao assinados individualmente, 0 que permitiu acomodar eventuais diferencas de énfase ¢ de estilo, mas todos eles foram extensamente discutidos pelos dois autores, antes e durante 0 proceso de redagio. Enfrentamos, neste livro, 0 problema do uso dos géneros feminino e mascu- lino. Temos consciéncia de que a lingua contribui para produzir a naturalidade com que 0 masculino é entendido como sendo o genérico da humanidade, o que levaaesforgos no sentido de encontrar alternativas mais neutras de expressio. No caso do portugués, esse esforco é muito trabalhoso, uma vez que dificil produzir uma sentenga sem que as marcas de género estejam presentes. Para evitar maior artificialidade no texto, com 0 consequente custo para o leitor (e leitora), optamos por seguir a regra gramatical padrao, com a esperanca de que essa capitulagao diante da lingua nao implique menor Animo para mudar a sociedade. Os autores agradecem aos integrantes do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades da Universidade de Brasilia (Demode), interlo- cutores constantes das discussées que atravessam este livro, especialmente aos colegas Danusa Marques ¢ Carlos Machado. Também as alunas eaos alunos de graduacio e pés-graduagao participantes dos projetos de pesquisa Desigualdades © Flavia Biroli e Luis Felipe Miguel (orgs.). Teoria politica ¢ feminismo: abordagens brasileiras (Vinhedo, Horizonte, 2012); Luis Felipe Miguel e Flivia Biroli (orgs), Teoria politica feminista textos centrais (Vinhedo/Niter6i, Horizonte/Eduff, 2013). Ss" i — os” 16 primis b POLITICA coria politica ¢ Dircito ao aborto e semtid » perspecti sda edemoecr Por fim, agra BFAdecey, maternidade, com quem partes do livro foram debati feitura prévia de todo o original. em KN ORARCKO WO SIMBOLO NA CRIANCA

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