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4 UM SOBREVOO PELO PINAB, GRUPO DE RELAXAMENTO E BEM


VIVER VILA SAÚDE E GRUPO CORPOMULHER

O embrião do PINAB começou a ser concebido em meados do ano de 2007


quando chegou ao Curso de Nutrição da UFFB uma docente compromissada em realizar
experiências na saúde coletiva fundadas por princípios da Educação Popular. Na época,
algumas alunas e alunos do Curso se sentiam incomodados e insatisfeitos com o currículo
e sua carência em ofertar componentes curriculares que abarcassem experiências na saúde
coletiva e, particularmente, na Educação Popular. Devido a esse descontentamento, antes
mesmo da chegada da professora ao departamento, de acordo com Cruz (2015), existia
um movimento entre as (os) estudantes para a elaboração de um projeto que pudesse
contemplar experiências em nutrição social e a prática do nutricionista na perspectiva da
Educação Popular. A partir disso, elas e eles pensaram e proporam o Projeto Práticas
Integrais de Nutrição na Atenção Básica, uma primeira versão do PINAB.
No entanto, sem o apoio de um docente para formalizar o projeto de extensão
junto à instituição, e para continuar lutando pela inserção de práticas coletivas e populares
em saúde no currículo do curso, as alunas e alunos tiveram que articular ações propondo
atividades alternativas junto as disciplinas práticas, como ao invés de fazer o estágio de
nutrição clínica ambulatorial na Clínica de Nutrição do Hospital Universitário Lauro
Wanderley (HULW), realizá-lo numa Unidade de Saúde da Família (USF) no bairro do
Cristo Redentor, por exemplo. A experiência deu certo e os estudantes continuaram
atuando voluntariamente nesta unidade até que conseguiram uma parceria com uma
docente do referido curso no segundo semestre de 2006 (CRUZ, 2015).
A intenção de construir uma experiência de trabalho social em nutrição a partir
da extensão alicerçada pelo diálogo e pela construção compartilhada da Profa. Ana
Cláudia Peixoto possibilitou a partilha de ideias com os estudantes, como também dos
propósitos educacionais, profissionais, sociais e humanos. Com essa parceria firmada, no
ano de 2007, o Projeto Práticas Integrais de Nutrição na Atenção Básica nasceu
oficialmente e foi formalizado como projeto de extensão popular vinculado ao
Departamento de Nutrição da UFPB. Em julho desse mesmo ano, conforme Cruz (2015),
foi realizada a primeira seleção de vinte extensionistas para participação no Projeto. A
imagem a seguir mostra o primeiro momento de reunião da coordenação do PINAB com
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os vinte estudantes selecionados para compor a primeira turma de extensionistas do


projeto.

Figura 15: Primeira reunião de acolhimento da coordenação do PINAB com a primeira turma de
extensionistas do projeto (Ago/2007).
Fonte: Blog do PINAB.

Após muitas realizações exitosas junto aos estudantes de nutrição, o PINAB


começou a ampliar seu escopo envolvendo também discentes e docentes de outros cursos
e departamentos da área de saúde da UFPB, e tornou-se, no ano de 2012, o Programa de
Extensão Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica,
legitimando a construção de um projeto de extensão comprometido com a concepção de
novos caminhos para a atuação do nutricionista na perspectiva da Educação Popular. O
campo de atuação continuou sendo o bairro do Cristo Redentor, território em que alguns
estudantes já desenvolviam estágio voluntário na USF, articulavam uma relação dialógica
com grande parte da equipe de saúde e conheciam pessoas da comunidade, instituições,
equipamentos sociais comunitários, lideranças etc (CRUZ, 2015).
As ações do PINAB vêm abarcando em sua prática ao longo dos seus quinze
anos de existência duas dimensões fundamentais: uma transversal e uma específica. A
transversal, é comum a todas (os) as (os) extensionistas e envolve ações como visitas
domiciliares, atividades de ensino e pesquisa, e viabilização de mostras e eventos; a
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específica, é direcionada a divisão das (os) extensionistas em grupos operativos para a


elaboração de ações comunitárias de Educação Popular em saúde. Dessa maneira, o
PINAB vem constituindo ações em diferentes grupos sociais de comunidades do bairro
Cristo Redentor, que em sua maioria estão em situação de exclusão social e econômica
(CRUZ, 2015).
Com o passar dos anos, as relações e os vínculos foram se ampliando e
fortalecendo principalmente com as lideranças das comunidades Jardim Itabaiana, Boa
Esperança e Pedra Branca. Nesses contextos, conforme Cruz (2015), os habitantes se
articulam por meio de associações e grupos comunitários para promover atividades
sociais que envolvem grupo de mulheres, coletivos de arte e artesanato, e iniciativas de
economia solidária. O campo dessas três comunidades é composto por instituições sociais
públicas importantes, como, por exemplo, Unidades de Saúde da Família (USF), Escolas
Municipais de Ensino Fundamental, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS),
Cozinha Comunitária, Centro de Atenção Integral à Saúde (CAIS), Associação
Promocional do Ancião (ASPAN), Pastoral da Criança e Creches.
Dentro desse cenário e diante de uma ampla experiência que vem sendo
construída por meio da atuação do PINAB na USF Vila Saúde e nos movimentos
comunitários locais, várias histórias e ações se encontram e se entrelaçam na produção e
realização de diversificadas atividades sociais (CRUZ, 2015). E é por meio da elaboração
e do acontecimento dessas atividades, que no ano de 2019, a minha história se mescla
com essa trajetória do PINAB a partir do encontro com o Grupo de Relaxamento e Bem
Viver Vila Saúde. Inicialmente esse encontro aconteceu por meio do estágio docência,
componente curricular obrigatório no processo de doutoramento em Educação, no
primeiro semestre do ano de 2019, realizado no curso de medicina, no componente
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curricular Módulo Horizontal A1 (MHA1): Saúde da Comunidade , sob a tutoria do
Prof. Pedro Cruz.
Além das vivências em sala de aula na UFPB, o estágio ocorreu por meio do
acompanhamento, observação e interação com a turma no Território do Cristo Redentor
e na Unidade de Saúde da Família (USF) Vila Saúde com o desenvolvimento de duas
frentes de atuação que envolveram atividades de Educação Popular em saúde com

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O componente curricular Módulo Horizontal A1 (MHA1): Saúde da Comunidade, foi ministrada pelo
Prof. Dr. Pedro Cruz.
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enfoque em Práticas de Abordagem à Família e Comunidade, e Práticas de Abordagem


Integrativa em Saúde. A Abordagem à Família e Comunidade abarcou visitas presenciais
nas residências por meio do exercício do diálogo e da escuta atenta sobre a vida e a saúde
das pessoas e da realização de orientações sobre alimentos, chás e atividades físicas, bem
como o acompanhamento e esclarecimentos de medicações prescritas pelos médicos da
USF, dentre outras atividades.
As Práticas de Abordagem Integrativa em Saúde na USF abrangeram atividades
como auriculoterapia, preparação de chás (cantinho do chá), elaboração e manutenção de
horta comunitária e sessões de relaxamento e foram articuladas pela procura da própria
comunidade. Ao longo do ano de 2019, as atividades na comunidade e na USF
aconteceram sistematicamente nas segundas-feiras pela manhã, dia pensado
estrategicamente pelo PINAB por ainda não haver atividades programadas e por ser
potencialmente atrativo pelo grande movimento devido ao acúmulo de demandas de
saúde do final de semana e pela possibilidade de envolver mais pessoas da comunidade
em ações que ampliavam e articulavam espaços de promoção da saúde de maneira
integral.
Para cada um desses espaços, um grupo de duas (ois) ou três estudantes foi
direcionado para atuar em parceria com uma protagonista popular com o intuito de
compartilhar e construir conhecimentos, e recepcionar afetivamente a comunidade que
estava no posto de saúde em espera por atendimentos médicos convencionais, como
também, atender as pessoas que procuravam por esses acolhimentos e cuidados
integrativos para ampliar o bem estar e construir práticas para o bem viver. A elaboração
destes espaços coletivos de encontro e cuidado comunitário foi orientada por princípios
da Educação Popular com enfoque no cuidado, no autocuidado e na integralidade, e
portanto, nas vivências com as práticas integrativas e complementares.
O cantinho do chá e a horta comunitária, por exemplo, eram dois espaços
diretamente ligados, pois os chás eram produzidos com as ervas plantadas na própria
horta, e conduzidos pela mesma protagonista popular, Antônia28. Nestes espaços, as (os)
estudantes aprendiam desde as funções das plantas medicinais, o plantio e a colheita, até
a feitura do chá numa cozinha da USF, sua apreciação e distribuição nas filas de espera

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Antônia Alves Matias tem formação em fitoterapia, alimentação saudável e auriculoterapia.
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da Unidade, momento em que podiam dialogar e acolher as pessoas com o oferecimento


de um chá, compartilhar um pouco dos seus benefícios e conhecer um pouco mais sobre
as pessoas, suas histórias e condições de saúde tecendo orientações dentro de suas
possibilidades e conhecimentos específicos. Na imagem a seguir podemos visualizar um
momento organizativo da horta comunitária, que conforme o relatório do PINAB (2016)
ganhou forças com a atuação do Grupo Horta no Vila em parceria com a comunidade, no
ano de 2016.

Figura 16: Organização da horta comunitária na USF Vila Saúde (Out/2016)


Fonte: Blog do PINAB.

O espaço da auriculoterapia, conduzido pela protagonista popular Quésia29, se


configurou em outro ambiente de acolhimento e aconteceu numa outra dinâmica de
abordagem a comunidade, pois necessitava de uma organização quantitativa do
atendimento para a viabilização do material utilizado (sementes e fitas adesivas), além de
precisar de um local tranquilo para a sua realização. A sua prática se dava, dessa maneira,
numa sala da Unidade.
Também era feita uma lista com os nomes das pessoas interessadas de acordo
com a ordem de chegada, o que dava a possibilidade da organização do número de pessoas

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Quésia Ribeiro tem formação em auriculoterapia.
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que poderiam ser acolhidas devido ao tempo e a quantidade de material, e que servia
também para a sequência do atendimento. Geralmente as pessoas que buscavam a
auriculoterapia, também procuravam o Grupo de Relaxamento fazendo com que houvesse
uma espécie de intercalamento entre os atendimentos.
Dentro do contexto dessas abordagens integrativas me situei e me aproximei da
fase inicial de organização das atividades do Grupo de Relaxamento e Bem Viver Vila
Saúde passando a fazer parte de suas ações em parceria com a protagonista popular,
Lurdinha, no ano de 2019. As segundas-feiras se tornaram dias de ida a USF para o
encontro presencial com o Grupo que ocorria das 7:30 às 9:30 da manhã, momentos em
que pude vivenciar encontros calorosos, alegres, afetivos e reveladores.
Inicialmente chamado de Grupo de Relaxamento, este espaço foi criado para
receber afetivamente a comunidade por meio do encontro, do diálogo e da escuta mútua.
Com o decorrer dos encontros, as pessoas da comunidade que buscavam por este
acolhimento começaram a construir uma relação de confiança e passaram a compartilhar
conteúdos íntimos de suas vidas como suas dores, problemas, angústias, e, também suas
alegrias, amores e vitórias cotidianas. Nessas partilhas de vidas e realidades, a construção
de caminhos e horizontes para um viver melhor foi sendo pensado, questionado,
conversado, sentido e movido entre as pessoas do grupo e em seus contextos. Assim, a
expressão Bem Viver, orientada pela concepção latino-americana dos povos originários
(ESTERMANN, 2011; KRENAK, 2020), foi inserida no nome do Grupo de Relaxamento
que passou a se chamar Grupo de Relaxamento e Bem Viver Vila Saúde.
Quando cheguei no Grupo, encontrei-me com uma aluna e um aluno do MHA1,
e com Lurdinha30. Esta protagonista popular se aproximou do Grupo por meio de um
convite feito pelo Prof. Pedro Cruz que a conheceu na ocasião de uma territorialização
feita no bairro do Cristo com estudantes do MHA1. A partir disso, ela passou a contribuir
com o seu conhecimento sobre os chás, ervas, plantas medicinais e massoterapia se
incorporando nas ações do grupo como coordenadora e representante da comunidade.
Nos primeiros seis meses vivenciei um período de integração em que pude
conhecer as pessoas, em sua maioria mulheres, e ouvir, dialogar, interagir e conviver,
para só então começar a desenvolver uma inserção mais sistemática e protagonista na

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Maria de Lurdes Rodrigues de Souza tem formação em fitoterapia e massagem relaxante.
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articulação das atividades do Grupo. Com o andamento dos encontros pude construir
conexões e caminhos com a dança na perspectiva da Educação Popular e,
consequentemente, conectar as mulheres e suas realidades aos fluxos desta pesquisa.
Nessa ocasião, nossas experiências dialógicas, criativas, artísticas e educacionais não se
deram, em momento algum, dissociadas do universo corporal. O falar, o pensar, o sentir,
o dançar e o fazer foram expressões vivas do corpo, que como nos ensina Merleau-Ponty
(1999) é a própria vida e a experiência do que somos, vivemos e sentimos.
Em diálogo com Lurdinha e pensando nos nossos encontros como possibilidades
de experienciar vivências por meio dos compartilhamentos de experiências por diálogos
interculturais (CRUZ, 2019; PEDROSA, 2019) mantendo conexões entre os saberes
populares, científicos e artísticos, e dos sentires pelas experimentações criativas em dança
(CYPRIANO, 2005; FERNANDES, 2000; GIL, 2004; LABAN, 1978; LEAL, 2012;
MILLER, 2007), pudemos propor três momentos vivenciais interligados: acolhimento,
aprofundamento e experimentação em dança com encerramento das atividades. Nesse
espaço, as vivências foram compreendidas como o instante vivido, o aqui-agora
(GONSALVES, 2016) experienciado, compartilhado e nutrido pela convivência em
grupo.
O primeiro momento, foi pensado como a hora do acolhimento para uma
sensibilização corporal mediado pela protagonista popular Lurdinha por meio da recepção
das pessoas na sala das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, realização de
massagem relaxante e exposição dialogada sobre as potencialidades curativas das ervas e
das plantas. Nesse instante, os diálogos giravam em torno da saúde com o
compartilhamento de dores e queixas emocionais e físicas, a reflexão de suas possíveis
causas, a articulação de ideias e atitudes para o enfrentamento de situações vividas no
cotidiano que causavam desgastes. Como também, pela troca de saberes sobre alimentos,
compostos naturais e chás capazes de auxiliar num tratamento alternativo, aliviar as
tensões e amenizar as dores.
A imagem a seguir mostra a nossa parceira Lurdinha com algumas ervas
medicinais (na mesa ao seu lado) para realizar explanações sobre suas propriedades e
efeitos.
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Figura 17: Lurdinha e as ervas medicinais.


Fonte: acervo pessoal (2019).

Na medida em que íamos dividindo histórias, partilhando conhecimentos,


interagindo e perguntando sobre os problemas apresentados, íamos conhecendo mais
intimamente as experiências de vida de cada uma e adentrando no segundo momento do
encontro. Essa fase foi dedicada ao aprofundamento dialógico pela continuidade dos
diálogos desenvolvidos no primeiro instante, reflexão e questionamento dos temas mais
relevantes e recorrentes apresentados pelas mulheres com o objetivo de juntas pensarmos
em ações libertadoras para a construção paulatina de um bem viver cotidiano.
Dessa maneira, a partir do compartilhamento das experiências, impressões,
opiniões, emoções, convicções, sofrimentos e dificuldades vividas no dia a dia, pudemos
identificar situações recorrentes, como traição conjugal, separação, dependência
financeira e violência doméstica. Essas circunstâncias vividas e relatadas pelas mulheres
aconteciam muitas vezes interligadamente e significavam um enfraquecimento subjetivo
e corporal fazendo com que vivessem aprisionadas no medo, na tristeza e na
desesperança. Sem forças para lutar e sair dessas situações findavam por agravar e
perpetuar os ciclos de violências e humilhações.
Essa identificação foi primordial para começarmos a refletir e discutir no Grupo
sobre as opressões vividas por muitas mulheres e que muitas vezes não eram percebidas
e nem entendidas como tal pelo fato de serem banalizadas e normalizadas. Por meio da
coletividade, empatia, respeito e solidariedade, pudemos partilhar sentimentos, exercitar
o olhar crítico, realizar questionamentos para suscitar hipóteses de pensamentos capazes
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de provocar o sonho com outras realidades possíveis de serem vividas a partir de práticas
e ações transformadoras e libertadoras.
Estruturamos perguntas que nos fizeram pensar e repensar, principalmente em
nossas relações familiares, espaço afetivo onde percebemos a ocorrência da maior parte
das opressões vividas pelas mulheres. Assim fomos nos indagando, dentre tantas outras
formulações, “preciso viver assim?”, “tem que ser assim?”, “o que me prende a essa
situação?”, “pode ser diferente?”, “a minha vida pode melhorar?”, “o que me impede de
sair dessa situação?”, “sou capaz de mudar?”, “o que posso fazer para mudar?”.
Foi possível perceber que o trânsito mais consciente e crítico entre a objetividade
da vida, a subjetividade dos sentidos produzidos diante das experiências vividas e a
construção de estratégias para o enfrentamento e superação de situações de violência
podiam fundar um caminho libertador social e emocionalmente, e provocar mudanças
significativas no viver. Nesse contexto, a dança se apresentou como uma aliada para nos
afetar sensivelmente e acessar estruturas subjetivas desumanizantes oportunizando outros
meios de sentir a força da vida e outros caminhos para gerar mudanças na qualidade do
viver com a desagregação de ciclos opressores sentidos e vividos no corpo.
A vivência da dança como ato criativo e a retomada da roda de conversa
constituiu o terceiro e último momento dos encontros. No Grupo de Relaxamento e Bem
Viver Vila Saúde a dança foi inicialmente desenvolvida por meio de experimentações
corporais inspiradas na Biodança, um meio de ampliar expressividades e provocar
dançares afetivos interligados com a nutrição da coletividade e do sentir da vida de cada
mulher para a construção de outras e novas formas de perceber-se, pronunciar-se, e
revelar-se para o mundo na transgressão da linearidade verbal e na circulação de caminhos
vitais mais criativos, flexíveis, ternos e protagônicos.
A Biodanza foi criada pelo antropólogo chileno Rolando Toro Arañeda, na
década de 1960, com a intenção de manifestar a vida poeticamente. Essa prática convida
para a interação, o encontro humano e a expressão plena da vida, seus sentidos e
subjetividades em profunda conexão consigo, com o próximo e com a natureza, por meio
de vivências coletivas que ativam o núcleo afetivo pela integração entre dança, música e
emoção, e entre o pensar, o sentir e o agir, podendo provocar transformações existenciais
com movimentações positivas de compromisso com a vida (GONSALVES, 2010;
SANTOS, 2017, 2009).
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Por meio de um caminho sensível envolvendo a criação de danças individuais e


coletivas interligadas às realidades emocionais das pessoas, as vivências na Biodança
podem afetar o corpo em tempos e jeitos diferenciados. Esse fazer que se dá
primeiramente pelo sentir pode remexer e ressignificar identidades, gestualidades,
percepções, sentimentos, pensamentos, relacionamentos e ações, favorecendo o
reconhecimento das pessoas enquanto seres históricos, artísticos, culturais, emocionais,
biológicos, cósmicos.
Inicialmente, propor uma dança que não objetivava ensinar passos e técnicas
específicas, mas possibilitava a criação de gestualidades originais, técnicas e estéticas
próprias e afetivas causou um certo estranhamento no Grupo. Percebemos que as
experiências anteriormente vividas com a dança pelas mulheres tinham sido dentro de
uma perspectiva tradicional e bancária gerando a convicção de que ela era uma linguagem
acabada, com conhecimentos já construídos, pronta para ser transferida, assimilada e
reproduzida sem a necessidade de interferências e criações de novos saberes a partir das
significações individuais e coletivas diante das realidades corporais, sociais, emocionais,
culturais e políticas vividas.
Diante disso, foi natural estranhar uma proposta que trazia a ideia de uma dança
que ainda não existia e que só poderia passar a existir por meio de cada participante e de
seus corpos falantes (MERLEAU-PONTY, 1999). A imprevisibilidade de um resultado
e a possibilidade de assumir inexistências temporárias como parte de um processo
artístico e educativo libertador, causou medo, mas também instigou a curiosidade de ser
parte central para a produção de novos saberes e aprendizagens. Embarcamos juntas nesse
desafio e pudemos vivenciar paulatinamente o desabrochar da criatividade por meio dos
gestos dançados, dos diálogos interculturais e das construções coletivas do conhecimento.
Em um de nossos encontros do ano de 2019, tivemos a oportunidade de ter a
participação da Profª Elisa Gonsalves para falar sobre a prática da Biodanza e propor
vivências com o Grupo. Nessa oportunidade, o Prof. Pedro e discentes de medicina que
cursavam o componente curricular MHA1 também estiveram presentes para desfrutar
deste momento e compartilhar experiências, danças e aprendizados. Nas imagens abaixo
podemos ver o primeiro momento desse encontro permeado pela exposição dialogada
sobre a Biodanza (Figura 16) e logo depois a vivência prática da mesma (Figura 17).
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Figura 18: Profª Elisa Gonsalves em exposição dialogada sobre a Biodanza.


Fonte: Graça Lima.

Figura 19: Vivência em Biodanza com participação de alunas de medicina, Prof. Pedro e protagonista
popular.
Fonte: Graça Lima.

Nas rodas dançantes vivenciadas a partir da referência em Biodança pudemos


experimentar a abertura da linguagem da dança pela possibilidade da criação de
movimentos por meio de improvisações pautadas por situações vividas, emoções e
percepções de cada participante. Para iniciar o trabalho criativo pela improvisação
adotamos como ponto de partida elegermos algumas músicas populares que tinham
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marcado a nossa trajetória e eram importantes para nós. Assim selecionamos músicas
como “o que é, o que é ?” (Gonzaguinha), “o amanhã” (Simone), “tocando em frente”
(Almir Sater), “trem-bala” (Ana Vilela), “de volta pro aconchego” (Elba Ramalho), “toda
menina baiana” (Gilberto Gil) e “asa branca” (Luiz Gonzaga), por exemplo. Com as
músicas escolhidas pude selecionar e adaptar alguns exercícios da Biodança para propor
a criação da nossa dança procurando integrar música, movimento e relacionamento, tripé
fundamental para deflagrar vivências significativas na Biodança (SANTOS, 2019).
Dessa forma, vivenciamos no Grupo propostas como: roda de integração inicial
(roda de comunicação visual e afetiva em que todas dançaram com as mãos dadas
seguindo o ritmo da música e acentuando a unidade do grupo), caminhada sinérgica
(caminhada natural pelo espaço no ritmo da música aumentando a integração motora),
sincronização rítmica em pares (dança em contato visual e corporal no ritmo da música
estimulando a capacidade rítmica e a integração), segmentares de pescoço, ombros e
quadril (giro lento da cabeça, ombros e quadril facilitando a dissolução de tensões),
encontro com abraço (caminhada em contato visual encontrando afetivamente com um
abraço), auto acariciamento de mãos e rosto (toque suave e lento nas mãos e rosto num
ato de amor e cuidado consigo percebendo o próprio corpo), e a posição geratriz de
expansão da estrela (abertura de braços para sentir a existência no mundo de maneira livre
e expandida).
As mulheres demonstraram interesse e participaram ativamente de todas as
experimentações propostas. Tais experiências inspiradas na Biodança trouxeram para o
Grupo a possibilidade do desenvolvimento de danças vinculadas as significações
existenciais de cada uma estimulando a expressão de suas identidades e aumentando os
sentidos de pertencimento dentro do Grupo. Na cumplicidade de olhares e toques, e na
geração de mais confiança para partilhar gestualidades muito particulares pudemos
fortalecer a abertura e a disponibilidade para o criar. A partir disso, foi possível gestar
outras formas de falar ultrapassando os sentidos da comunicação verbal pela expressão
de danças pessoais libertas de modelos pré-determinados e intensamente ligadas a novas
construções afetivas, técnicas e estéticas inspiradas nas raízes corporais, e nos jeitos
únicos de atribuir sentidos e gestualidades para constituir uma linguagem original na
dança.
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A dança abriu novas possibilidades, espacialidades e temporalidades corporais


permitindo o perigo, a ousadia, a criatividade, a presença e a potência de lançarmo-nos
experimentalmente e expressivamente no ar, sem certezas ou resultados preconcebidos, e
sem medos de perdermo-nos e acharmo-nos sucessivamente retomando e ampliando os
sentidos da existência. Sendo assim, ela desorganizou, desinstalou e deu uma reviravolta
na maneira lógica de falar, pensar e conceber saberes sobre si, o outro e o mundo no
momento mesmo em que a construímos por meio de ações poetizadas.
Constituir linguagens pelas marcas dos corpos no tempo e espaço vivido pelas
mulheres representou corporificar histórias abarcando suas potencialidades e limitações
físicas, suas riquezas expressivas. A relação estabelecida entre a Biodanza e a
improvisação orientada pelas experiências de vida foi uma forma de vivenciar e
compreender a elaboração de uma linguagem própria, afetiva e libertadora na dança.
Nesse contexto, nossas danças surgiram como um acordar e um espreguiçar no mundo.
Marques (2010), observa que a experiência da improvisação na criação em dança
motivada pelo mundo vivido, percebido, sentido e imaginado, revela o corpo encarnado
da história, da educação, da cultura e das subjetividades humanas. Além de possibilitar
as pessoas envolvidas a fundação de outros olhares no mundo contemporâneo gerando
conexões sociais, políticas e culturais mais abrangentes no próprio corpo, implicando a
valorização e ressignificação de experiências e saberes. Mediante a experiência com a
improvisação inspirada pela Biodança, uma mulher do Grupo começou a perceber que
que estava se sentindo cansada e sobrecarregada com os afazeres domésticos porque as
outras pessoas de sua casa estavam sem responsabilidades. A partir desse novo olhar, ela
tentou transformar a dinâmica da sua casa chamando as pessoas para o diálogo buscando
estabelecer acordos para a participação coletiva na realização das tarefas da casa
equilibrando, com isso, a carga de trabalho, e ganhando tempo e disposição para realizar
outras atividades, como caminhar, por exemplo.
A dança, nesse sentido, foi um meio para incentivar o protagonismo feminino na
criação de formas singulares de expressar-se, falar-se, alegrar-se e mover-se no mundo
em gestos mais fluidos e dançados para um caminhar na vida com mais leveza, segurança
e crença na capacidade fundante para criar novas plasticidades e possibilidades para o
viver. Retornar ao diálogo ao final das experimentações em dança foi uma maneira de
partilharmos as sensações vivenciadas, as perspectivas construídas e anunciar possíveis
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atitudes para gerar o bem viver no tempo presente. Além de possibilitar o encerramento
das atividades do dia com projeções para as pautas a serem propostas, revisitadas e
dialogadas nos encontros subsequentes. Como também de projetarmos novas ideias e
fazer ajustes necessários.
Nesse movimento de conhecimentos e reconhecimentos, o corpo em sua
historicidade foi percebido como principal repertório e referência para a elaboração e
reelaboração dos conteúdos das nossas práticas vivenciais. Elas foram sendo construídas
e reconstruídas mediante as respostas que emergiam na dinamicidade dos diálogos por
meio das vozes faladas, sentidas e dançadas. Nestas experiências as mulheres foram as
principais porta-vozes de suas percepções, opiniões e realidades, bem como da produção
de diálogos e conhecimentos significativos articulados pelas circunstâncias de vida.
Com os sentidos de pertencimento mais aguçados, a participação, a confiança, a
solidariedade, a fala e a escuta foram configurando o protagonismo dentro do grupo e
proporcionando o repensar de contextos vividos tentando melhor entendê-los e
transformá-los a partir de enfoques femininos e anseios próprios. Fomos fortalecendo,
com isso, a comunidade feminina e o movimento de mulheres populares na luta por serem
protagonistas de suas histórias e por viveres mais prazerosos.
A valorização e o incentivo da participação das mulheres no Grupo pelas trocas
dialógicas, vivências integrativas em saúde e experiências criativas em dança foi
modificando significativamente pontos de vista desqualificadores que abarcavam, dentre
outros aspectos, a descrença, a desvalorização e a diminuição de suas potencialidades,
pensamentos e ações, e foi gerando o sentimento de mais confiança, alegria e entusiasmo
por poderem ser quem eram, falando, opinando, ouvindo, sentindo, criando, ou seja,
protagonizando suas histórias dentro do Grupo e também para além dele. O
reconhecimento qualificador cotidiano foi se mostrando fundamental para ajudar a
ampliar suas crenças em suas humanidades e nas suas vocações, como realça Freire
(2011) de serem mais.
Acreditar que eram importantes, criativas, inteligentes, capazes de construir
saberes e elaborar estratégias de enfrentamento e superação para os problemas vividos, e
de serem inventivas estética e artisticamente por meio da dança foram alguns dos aspectos
que fundaram em suas realidades a possibilidade de pensar a vida a partir de outros
horizontes, perspectivas, sentires e linguagens. Dessa maneira, a dança foi um meio
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criativo que mostrou potencialidade para organizar corporalmente o bem viver pela
conexão entre pensamento, sentimento e ação.
Nesse cenário, a articulação entre a realidade, o diálogo intercultural, o sentir e
a geração de expressividades puderam favorecer um olhar e uma atitude diferenciada
diante da vida por meio do desenvolvimento da confiança, criatividade, protagonismo e
autonomia. No decorrer dos nossos encontros fomos percebendo o encorajamento das
mulheres em acreditar mais em si mesmas e a tomar atitudes e decisões capazes de
provocar mudanças em seus cotidianos como o fato de romperem o silêncio em suas vidas
e começarem a falar, opinar e dar limites, bem como de se darem o direito de passear e
descansar quando quisessem interferindo no quando, onde, o quê, com quem e como
queriam realizar suas experiências.
Nesse caminho, as mulheres foram sinalizando por meio de suas falas sobre seus
cotidianos atitudes que começavam a envolver decisões próprias e que realçavam a
condição de serem sujeitas de suas vidas anunciando protagonismos na construção de
possibilidades para um viver diferenciado do que se tinha anteriormente como reivindicar
mais diálogo com as pessoas da família, e combater ambientes e relações que as
diminuíam, desprezavam e aprisionavam em sofrimentos físicos, emocionais e mentais,
por exemplo. A participação ativa foi revelando para o Grupo de Relaxamento e Bem
Viver Vila Saúde o fortalecimento de identidades e a (re)experimentação dos sabores e
dos sentidos da própria vida conspirando para a libertação.
A imagem abaixo representa um desses momentos de convívio, diálogo e escuta
com o grupo. Nesta ocasião, no lado esquerdo da imagem, podemos observar que o
atendimento de auriculoterapia estava acontecendo no mesmo local do Grupo de
Relaxamento. Em algumas oportunidades, muitas mulheres solicitaram essa união entre
os grupos para que pudessem participar dos diálogos, das partilhas de experiências, dos
acolhimentos e das construções de sugestões e ideias coletivas para a tentativa da
superação dos desafios enfrentados no cotidiano.
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Figura 20: Roda de diálogo no Grupo de Relaxamento e Bem Viver Vila Saúde.
Fonte: Maria de Lourdes Souza (2019).

Esta outra imagem expressa um momento de encontro e parceria entre o Grupo


de Relaxamento, com estudantes do curso de medicina, do MHA1, e a protagonista
popular do grupo de auriculoterapia, na porta da sala destinada para as Práticas
Integrativas e Complementares em Saúde.

Figura 21: Sala do Grupo de Relaxamento e Bem Viver Vila Saúde. Da esquerda para direita: Pedro e
Késia (discentes MHA1), Leila e Quésia (protagonista popular do grupo de auriculoterapia).
Fonte: Pedro Nascimento (2019).

No ano de 2020, devido à grande demanda e a falta de infraestrutura básica das


salas da unidade de saúde, como espaços físicos pequenos e falta de disponibilidade de
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cadeiras, por exemplo, as ações do relaxamento e auriculoterapia passaram a acontecer


no Salão Paroquial da Igreja São Lucas, localizado no mesmo bairro. No entanto, a horta
e o cantinho do chá permaneceram na unidade pela necessidade da colheita das ervas
medicinais e da distribuição do chá e diálogo com as pessoas presentes nos corredores da
Unidade.
A Igreja São Lucas já era uma grande parceira de outros projetos do PINAB
cedendo o seu amplo salão paroquial para a realização de atividades diversas e
contribuindo amplamente para o envolvimento e a participação da comunidade em ações
educativas populares que envolviam formações e vivências de práticas integrativas e
complementares em saúde. Dando continuidade a essa parceria firmamos o andamento
das atividades dos Grupos de Relaxamento e Auriculoterapia neste espaço e seguimos nas
segundas-feiras como de costume.
Essa mudança de localidade levou um tempo para as pessoas se adaptarem, pois
muitas vezes, as mulheres iam para a Unidade, passavam pelo atendimento médico e já
aproveitavam para participar dos Grupos. Com a mudança, dependendo do movimento e
da demanda pelas (os) médicas (os) era ou não possível participar das duas ocasiões na
mesma manhã. Quando a segunda-feira estava menos intensa e mais fluida, muitas
conseguiam ir aos dois lugares, pois o salão paroquial ficava perto e o deslocamento era
rápido, mas nos dias com mais movimento e demanda pelas (os) médicas (os) não era
possível realizar as duas ações devido ao tempo que se perdia na Unidade. Nesse caso,
para não arriscar perder os encontros dos Grupos, as mulheres tiveram que reorganizar a
rotina e o momento em que iam para o posto de saúde e para o salão paroquial.
Podemos observar na imagem a seguir a amplitude do novo ambiente facilitando
o uso de cadeiras e a circulação de pessoas, além de viabilizar oficialmente a união
espacial entre os grupos de relaxamento e de auriculoterapia. No primeiro plano da
fotografia, ocorre uma roda de conversas e compartilhamento de experiências e saberes
do Grupo de Relaxamento, enquanto no segundo plano, acontece o atendimento do grupo
de auriculoterapia. Esse ambiente favoreceu a movimentação das pessoas entre os Grupos
e enriqueceu as práticas em dança pela sua extensão que permitiu maior expansão e
exploração do espaço.
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Figura 22: Grupo de Relaxamento e Grupo de Auriculoterapia.


Fonte: Leila Araújo (2020).

Também podemos ver nesta fotografia, na segunda posição, da esquerda para


direita, a presença de Quésia, protagonista popular anteriormente responsável pelo Grupo
de Auriculoterapia, e que neste momento participava do Grupo de Relaxamento e Bem
Viver dialogando e compartilhando suas experiências de vida. Como também a
participação de um homem, companheiro de uma participante do Grupo que resolveu
acompanhá-la e vivenciar por alguns dias as nossas atividades.
A saída de Quésia do Grupo de Auriculoterapia coincidiu com a transição dos
atendimentos da USF para o Salão Paroquial da Igreja São Lucas. Não por esse motivo,
mas por estar morando em outro território e enfrentar diversos problemas pessoais. Foi
então realizado um diálogo com a equipe organizadora dos Grupos (protagonistas, Prof.
Pedro e eu) e decidido coletivamente que seria mais prudente ela atuar no seu atual
território de moradia construindo acessos, relações e contribuições sociais dentro do seu
contexto vivido cotidianamente. Após a sua saída, Quésia passou a nos visitar
eventualmente.
Nessa outra imagem visualizamos Lurdinha acolhendo, cuidando e fazendo uma
massagem relaxante numa participante do Grupo de Relaxamento.
130

Figura 23: Massagem relaxante.


Fonte: Acervo pessoal (2020).

No mês de março do ano de 2020, passamos por uma interrupção brutal nos
nossos encontros presenciais, pois fomos surpreendidas (os) mundialmente por um vírus
que poderia ser mortal e que rapidamente se espalhou pelo planeta transformando-se
numa pandemia. As pessoas ao redor do mundo precisaram se isolar fisicamente para
evitar o contágio pelo Covid-19, e, com isso, desacelerar a multiplicação do vírus e
diminuir as taxas de internamentos em hospitais e óbitos. Na cidade de João Pessoa a
declaração do isolamento social aconteceu no dia 11 de março. Como medida protetiva e
como forma de continuar com as nossas atividades optamos pela utilização de recursos
tecnológicos envolvendo a internet para a realização de encontros virtuais.
Vivenciamos um período árido em que precisamos nos isolar e distanciar
fisicamente. Passamos a viver a maior parte do tempo dentro de nossas casas, algumas
com suas famílias, outras sozinhas, saindo apenas para o estritamente necessário. Ficamos
sem o calor dos nossos abraços, mas não enfraquecemos enquanto coletividade feminina,
pois conseguimos manter os encontros e os vínculos afetivos e sociais pelos dispositivos
131

tecnológicos Zoom e Google Meet, e também pelo grupo de whatsapp, ferramenta já


conhecida e utilizada pelo grupo desde o ano de 2019, meios possíveis para darmos
continuidade as ações dos Grupos todas as segundas-feiras pela manhã.
As dúvidas sobre a constituição de um trabalho em EP distanciada fisicamente,
mas aproximada pela virtualidade foram muitas, mas optamos em arriscar e experimentar
uma vez que essa era a única possibilidade de prosseguir garantindo medidas preventivas
e protetivas com relação a nossa segurança e saúde. Atravessamos um período de
adaptação para aprender a usar as ferramentas virtuais Zoom e Google Meet e nos
acostumarmos com elas. Fomos tocando mesmo sem saber direito e sem gostar tanto
daquele formato, mas alegres por termos essa possibilidade de permanecermos juntas. O
tempo foi passando, a pandemia foi se estendendo e terminamos o ano com as nossas
rodas dialógicas sendo virtuais.
Nesse novo formato, tivemos a participação ativa de quatro alunos do PINAB31,
sendo três de medicina e um de fisioterapia, na articulação das nossas vivências. Pela
particularidade dessa situação os Grupos se integraram no Grupo de Relaxamento e
passaram a acontecer num único momento. Isso significou que a prática da
Auriculoterapia pela sua especificidade sofreu uma interrupção pela impossibilidade da
presencialidade física. De maneira cuidadosa e sensível, fomos pensando em como
poderíamos propor, motivar e dinamizar os diálogos interculturais virtuais. Assim, foram
surgindo ideias com a evocação de outras linguagens como a música e a poesia para
tentarmos sensibilizar e materializar falas e danças falantes.
Estes estudantes em articulação com a protagonista popular Antônia,
responsável pelos espaços do Cantinho do Chá e a Horta Comunitária, desenvolveram
também uma ação dedicada a produção de textos informativos como forma de manter
viva essa prática na comunidade, promover a produção de saberes e contribuir com a
saúde coletiva por meio das plantas. Esses textos foram divulgados em redes sociais,
como Instagram e Whatsapp, mais especificamente no perfil do PINAB32 e no grupo do
Whatsapp Relaxamento e Bem Viver, passando a se chamar Cantinho do Chá Virtual.

31
Os alunos são Felipe Marques da Silva (CCS), Laís Maria Silva de Carvalho (CCM), Pedro Nascimento
Araújo Brito (CCM) e Sara Rebeca da Silva Oliveira (CCM).
32
O perfil pinab.ufpb foi criado em 13 de fevereiro do ano de 2019, destinado a divulgação de ações
educativas propostas e vivenciadas por estudantes e populares envolvidos com as atividades do PINAB por
meio das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.
132

Nesse ano, novas angústias foram surgindo e a emoção do medo se intensificou,


principalmente pelo medo de morrer. Percebemos que nesse tempo pandêmico o apoio
solidário e emocional era de fundamental importância para todas nós tentarmos manter a
calma e a esperança por dias melhores. Por esse motivo, optamos por manter a estrutura
dos encontros dividido em três momentos, propondo algumas alterações na organização
das vivências.
O primeiro momento foi pensado como a hora do acolhimento com a chegada
de todas na sala e a escuta dos seus estados emocionais. O segundo; foi considerado como
a hora do autocuidado com a realização de exercícios de respiração e alongamento, e de
práticas integrativas como ioga e meditação, além da dança. O terceiro e último momento,
foi articulado como a hora da ação dialógica e discussão com a apresentação de dinâmicas
diferenciadas, como uso de imagens, clipes de música, letras de música e poesias, por
exemplo, para suscitar nossas conversas e impressões sobre a vida.
A ampliação de linguagens como forma de provocar outras leituras de si, do
outro e do mundo potencializaram o desenvolvimento da atenção plena do corpo e
enriqueceram as nossas reflexões e percepções revelando novas conexões com a
realidade, bem como novas produções estéticas como no caso de um poema escrito por
Erluce da Silva, intitulado O Grande Encontro, exposto a seguir, suscitado pelas
experiências vividas no Grupo de Relaxamento e pelas suas significações:

Um dia me chamaram
Para de um grupo participar
E quando disseram o nome
Bem alegre pude ficar
Relaxamento e Bem Viver
Me pus a imaginar
Em tempos de Pandemia
Todo mundo a se preocupar
Relaxar e bem viver
É tudo de bom que há

Gente boa tem demais


Solidária e capaz
E a cada reunião
Se acolhe mais um irmão
Com o objetivo de aliviar a solidão
Tratando de vários assuntos
Saúde, Amor e Paixão
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Tem gente de toda idade


Jovem, velho e ancião
Porém caminhamos juntos
Na mesma direção
Para vencermos a Pandemia
Com muita determinação

Antônia com suas vivências


Nos leva a refletir
Lourdes com os chás
A saúde faz fluir
E Leila com sua meiguice
Tranquila nos faz sentir

A turma jovem transmite


Força e alegria
Tocando e alongando
O corpo com maestria
Felipe, Pedro, Sara e Laís
O Quarteto da Sabedoria

Raça, coragem e determinação


À Josenilda não falta não
Nem às formigas ela dá sossego
Cuidando com bravura
da sua plantação

E, assim, o grupo caminha


Sob a orientação de Pedro Cruz e companhia
Que a cada encontro nos encoraja
A vencermos a Pandemia
Tomando todos os cuidados
Que a OMS fala todo dia

Como expressa o poema, o acolhimento virtual significou, dentre tantas outras


coisas, um instante do dia para compartilharmos emoções e os sentidos atribuídos a
pandemia, além das dúvidas e os esclarecimentos sobre os cuidados e os comportamentos
preventivos contra o coronavírus. Apesar de distantes fisicamente nos sentimos acolhidas
e cuidadas umas pelas outras. Pudemos falar, ouvir, sentir e fortalecer os vínculos afetivos
com amorosidade, respeito, solidariedade e atenção. Fomos nos nutrindo, dessa forma,
com o que tínhamos de mais precioso, a nossa humanidade.
134

Essa mudança no formato, que transitou do presencial para o virtual, nos gerou
algumas dificuldades na participação plena do grupo, pois algumas mulheres, por
diferenciados motivos, tiveram dificuldades em lidar com os aplicativos de reunião
virtual. Nos casos daquelas que enfrentaram dificuldades por não conhecerem o aplicativo
e/ou por sentirem medo de testar algo desconhecido no aparelho celular, mas que tinham
internet suficiente e expressaram a vontade de participar dos encontros, foram realizados
por parte das (os) estudantes apoios individualizados para orientações e esclarecimentos.
Esse suporte técnico ocorreu via Whatsapp por meio de mensagens escritas,
áudios, prints de tela, ligações e até por vídeos produzidos de forma caseira explicando
como fazerem para baixar o Google Meet, por exemplo, e acessarem a chamada a partir
do link enviado pelo grupo do Whatsapp. Para aquelas que decidiram não participar por
outras dificuldades como limitações com a internet ou por não gostarem do formato
virtual de reunião, adotamos o grupo do Whatsapp como forma de manter e atualizar o
contato, e dialogar cotidianamente. Além disso, também realizamos ligações telefônicas
eventualmente.
O grupo do Whatsapp se configurou como um meio muito potente para não
perdermos o vínculo e a comunicação, principalmente com essas mulheres que não
participaram das reuniões virtuais. Foi uma maneira também de continuarmos partilhando
experiências cotidianas acompanhando realidades por meio de fotos, vídeos, áudios e
diálogos escritos, oferecendo apoio afetivo individual e coletivo e reforçando orientações
preventivas referentes ao Covid-19, bem como esclarecendo dúvidas sobre o assunto
sempre que possível dialogando e lançando pequenos textos explicativos.
Também tiveram aquelas que resolveram não participar virtualmente do Grupo
de Relaxamento por não haver nenhuma identificação com o formato e/ou por terem
dificuldades com a internet. Nesses casos, tentamos manter o vínculo por meio de ligações
telefônicas para atualizar o acolhimento e a escuta atenta de suas notícias de vida,
buscando apoiar, pensar e construir conjuntamente alternativas e possíveis soluções para
os problemas relatados. Aconteceu também, em menor parcela, aquelas que não mais
conseguimos nos comunicar e que se desvincularam do Grupo completamente.
Dessa maneira, conseguimos manter uma boa participação e envolvimento da
comunidade feminina, e acompanhar grande parte do Grupo por meio do encontro, do
acolhimento, da escuta e do diálogo em diferenciadas maneiras de comunicação. Além
135

disso, também pudemos vivenciar nas reuniões virtuais experimentações corporais


diversas. Nas imagens abaixo (5, 6, 7) é possível visualizar alguns desses momentos
coletivos ocorridos na plataforma virtual Google Meet.

Figura 24:Roda de conversa virtual.


Fonte: Acervo pessoal (2020).

Figura 25: Vivência de alongamento.


Fonte: Acervo pessoal (2020).
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Figura 26: Abraço virtual.


Fonte: Pedro Cruz (2020).

No final do ano de 2020, o grupo de Grupo de Relaxamento e Bem Viver Vila


Saúde possibilitou originar, com a participação de algumas mulheres, o Grupo
CorpoMulher para o aprofundamento das vivências em dança na perspectiva da EP e o
desenvolvimento desta pesquisa. A partir daí, algumas mulheres passaram a participar de
dois grupos com dias e atividades virtuais diferenciadas.
No ano de 2021, com a continuidade da pandemia e a necessidade do isolamento
físico, o PINAB manteve suas ações por meio virtual. Os encontros foram acontecendo
remotamente e o modo de reunião virtual foi se revelando como uma possibilidade de
fortalecer processos humanizadores na medida em que pudemos nos encontrar e
aprofundar os vínculos afetivos e comunitários, nos solidarizar com as experiências
coletivizadas, dialogar respeitando a diversidade cultural, escutar empaticamente e
construir saberes coletivamente.
Esses aspectos vividos pelo grupo foi mostrando que era possível dar
continuidade ao trabalho em EP em ambientes virtuais desde que não se perdesse a
intenção humanizadora, libertadora e criativa capaz de configurar outras formas de
pensar, viver e atuar no mundo, distanciadas da lógica dualista, competitiva, excludente
e mercantil dos sistemas hegemônicos.
No ano de 2022, iniciamos as atividades no mês de março de modo remoto, mas
com avanço da vacinação contra a Covid-19 e a flexibilização do isolamento físico em
todo o país alguns grupos foram sendo criados por residentes, profissionais da USF e
137

lideranças comunitárias, inclusive por algumas participantes do Grupo de Relaxamento,


e iniciaram o movimento de retorno das atividades presenciais. Dessa forma, algumas
mulheres do Grupo começaram a participar presencialmente de outros grupos de
acolhimento e saúde coletiva do PINAB, como Grupo Saúde Comunitária e Grupo da
Dor, realizados na Igreja São Lucas nas segundas e sextas-feiras respectivamente.
Com o andamento desses grupos presenciais e a aproximação com a proposta e
tema do Grupo de Relaxamento, a participação virtual no nosso Grupo começou a
diminuir. Assim, foi necessário reavaliarmos a sua continuidade considerando a
existência de outros grupos presenciais com propostas muito parecidas no mesmo
território. Por um tempo, tentamos permanecer de modo virtual, mas a adesão passou a
ser muito pequena e de comum acordo com as poucas pessoas que iam virtualmente,
decidimos suspender as atividades fortalecendo as participações nos grupos presenciais.
Nessa ocasião, acordamos manter o grupo de whatssapp que permanece até os dias de
hoje.

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