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Digestão e absorção de nutrientes

1 Introdução

Embora uma quantidade significativa de digestão mecânica ocorra na


boca e no estômago, a digestão química dos alimentos nele é limitada a uma
pequena quantidade de quebra de amido e digestão incompleta de proteínas,
ou seja, a maior parte da digestão e absorção de nutrientes ocorre no intestino
delgado e, por isso, a estrutura desse órgão é especialmente adaptada a
essas funções, como pode ser visto na Figura 1. O seu comprimento
isoladamente já fornece uma grande área de superfície para a digestão e a
absorção, e a área é aumentada ainda por pregas circulares, vilosidades e
microvilosidades. O intestino delgado começa no músculo esfíncter do piloro
do estômago e termina no intestino grosso (TORTORA, 2016).

Figura 1 – Sítios de absorção para nutrientes.

FONTE: BORON; BOULPAEP, 2012.


A secreção intestinal, pancreática e hepática de enzimas e de bile é
essencial para a função digestória normal, pois quando o quimo entra no
intestino delgado, a digestão de proteínas cessa, já que a pepsina é inativada
no pH intestinal alto. Com isso, as enzimas pancreáticas e da borda em
escova, então, finalizam a digestão de peptídeos, carboidratos e gorduras
em moléculas menores que podem ser absorvidas (SILVERTHORN, 2017).

A motilidade do intestino delgado interfere na digestão, e deve ser


controlada de forma que os conteúdos intestinais sejam lentamente propelidos
para a frente por uma combinação de contrações segmentares e
peristálticas. Essas ações misturam o quimo com enzimas, as quais
expõem os nutrientes digeridos para o epitélio mucoso para absorção. Os
movimentos para a frente do quimo ao longo do intestino devem ser
suficientemente lentos para permitir que a digestão e a absorção sejam
completadas. A inervação parassimpática e os hormônios
gastrointestinais gastrina e CCK (colecistocinina) promovem a motilidade
intestinal, enquanto a inervação simpática inibe-a (SILVERTHORN, 2017;
TORTORA, 2016).

A maioria dos nutrientes absorvidos ao longo do epitélio intestinal vai


para capilares presentes nas vilosidades, para distribuição através do
sistema circulatório. A exceção são as gorduras digeridas, que a maioria vai
para vasos do sistema linfático. Esse sangue venoso proveniente do trato
digestório não vai diretamente de volta ao coração, na verdade ele vai para o
sistema porta-hepático, o qual possui dois conjuntos de capilares: um que
capta os nutrientes absorvidos do intestino, e outro que leva os nutrientes
até o fígado, órgão que atua como um filtro para remover substâncias
potencialmente nocivas, antes que entrem na circulação sistêmica
(SILVERTHORN, 2017).
Figura 2 - Sistema porta-hepático

FONTE: SILVERTHORN, 2017

2 Secreções

A cada dia, o fígado, o pâncreas e o intestino produzem mais de 3 litros


de secreções, cujos conteúdos são necessários para completar a digestão
dos nutrientes ingeridos. Essas secreções incluem enzimas digestórias,
bile, bicarbonato, muco e solução isotônica de NaCl (SILVERTHORN,
2017).

As enzimas digestórias são produzidas pelo epitélio intestinal e pelo


pâncreas exócrino. As enzimas da borda em escova intestinal são ancoradas à
membrana luminal das células e não são varridas para fora do intestino
conforme o quimo é empurrado para a frente. As vias de controle para a
liberação de enzimas variam, mas incluem vários sinais neurais, hormonais e
parácrinos. Em geral, a estimulação dos neurônios parassimpáticos do
nervo vago aumenta a secreção de enzimas (SILVERTHORN, 2017).

A bile produzida no fígado e secretada pela vesícula biliar é uma


solução não enzimática que facilita a digestão de gorduras (triacilgliceróis,
colesterol, fosfolipídeos, ácidos graxos de cadeia longa e vitaminas
lipossolúveis) (SILVERTHORN, 2017).

A secreção de bicarbonato para dentro do intestino delgado neutraliza


o quimo extremamente ácido que vem do estômago. A maior parte do
bicarbonato vem do pâncreas e é liberado em resposta a estímulos neurais e
à secretina (SILVERTHORN, 2017).

O muco das células caliciformes intestinais protege o epitélio e lubrifica


o conteúdo intestinal, enquanto uma solução isotônica de NaCl mistura-se
com o muco para ajudar a lubrificar o conteúdo do intestino, um processo
similar ao passo inicial da salivação (SILVERTHORN, 2017).

2.1 Secreção de enzimas digestórias pelo pâncreas

A porção exócrina do pâncreas consiste em lóbulos, chamados de


ácinos, similares aos das glândulas salivarias. Os ductos dos ácinos esvaziam
no duodeno e, enquanto as células acinares secretam enzimas digestórias,
as células do ducto secretam uma solução de NaHCO3 (SILVERTHORN,
2017).

A maior parte das enzimas pancreáticas são secretadas como


zimogênios, que devem ser ativados no momento de chegada no
intestino. Esse processo de ativação é uma cascata que inicia quando a
enteropeptidase da borda em escova converte o tripsinogênio inativo em
tripsina (Figura 3). A tripsina, então, converte os outros zimogênios
pancreáticos em suas formas ativas (SILVERTHORN, 2017).

Os sinais para a liberação das enzimas pancreáticas incluem distensão


do intestino delgado, presença de alimento no intestino, sinais neurais e
hormônio CCK. As enzimas pancreáticas entram no intestino em um fluido
aquoso que também contém bicarbonato (SILVERTHORN, 2017).
Figura 3 - Ativação dos zimogênios pancreáticos

FONTE: SILVERTHORN, 2017.

2.2 Secreção biliar

A bile é uma solução não enzimática secretada pelos hepatócitos, as


células do fígado. Os componentes principais da bile são os sais biliares, que
facilitam a digestão enzimática de gorduras, pigmentos biliares, como a
bilirrubina, que são os produtos residuais da degradação da hemoglobina, e
colesterol, que é excretado nas fezes. Fármacos e outros xenobióticos são
depurados do sangue pelo processamento hepático e são também excretados
na bile (SILVERTHORN, 2017).
Os sais biliares, que agem como detergentes para tornar as gorduras
solúveis durante a digestão, são produzidos a partir dos ácidos biliares
esteroides, combinados com aminoácidos, e ionizados. A bile secretada pelos
hepatócitos flui pelos ductos hepáticos até a vesícula biliar, que armazena e
concentra a solução biliar. Durante uma refeição que inclua gorduras, a
contração da vesícula biliar envia bile para o duodeno através do ducto
colédoco (SILVERTHORN, 2017).

Os sais biliares não são alterados durante a digestão das gorduras.


Quando eles alcançam a seção terminal do intestino delgado (o íleo), eles
encontram células que os reabsorvem e os enviam de volta para a
circulação. De lá, os sais biliares retornam para o fígado, onde os hepatócitos
os captam novamente e os ressecretam. Esta recirculação dos sais biliares é
essencial para a digestão das gorduras (SILVERTHORN, 2017).

3 Digestão e absorção das gorduras

A digestão de gorduras é complicada pelo fato de que a maioria dos


lipídeos não é solúvel em água. Com isso, o quimo aquoso que deixa o
estômago contém uma emulsão de grandes gotículas lipídicas, que tem menos
área de superfície do que partículas menores. Para aumentar a área de
superfície disponível para a posterior digestão enzimática da gordura, os sais
biliares quebram a emulsão de partículas grandes em partículas menores
e mais estáveis. Como os sais biliares são anfipáticos, suas regiões
hidrofóbicas se associam à superfície das gotas lipídicas, ao mesmo tempo que
a cadeia lateral polar interage com a água (SILVERTHORN, 2017).

Posteriormente, como mostrado na Figura 4, a digestão enzimática das


gorduras é feita por lipases, enzimas que removem dois ácidos graxos de cada
molécula de triacilglicerol, formando um monoglicerol e dois ácidos graxos
livres. Entretanto, a cobertura de sais biliares da emulsão intestinal também
dificulta a digestão, uma vez que a lipase é incapaz de penetrar nos sais
biliares. Por essa razão, a digestão de gorduras também requer a colipase, um
cofator proteico secretado pelo pâncreas. A colipase desloca alguns sais
biliares, permitindo que a lipase acesse as gorduras por dentro da cobertura de
sais biliares (SILVERTHORN, 2017).

Figura 4 - Digestão e absorção das gorduras

FONTE: SILVERTHORN, 2017

As gorduras são absorvidas primariamente por difusão simples. Ao


saírem de sua micela, difundem-se através da membrana do enterócito para
dentro da célula (SILVERTHORN, 2017).

Uma vez dentro dos enterócitos, os monoacilgliceróis e os ácidos graxos


movem-se para o retículo endoplasmático liso, onde se recombinam,
formando triacilgliceróis. Os triacilgliceróis, então, combinam-se com
colesterol e proteínas, formando grandes gotas, denominadas quilomícrons.
Devido ao seu tamanho, os quilomícrons devem ser armazenados em
vesículas secretoras pelo aparelho de Golgi, para depois deixarem a célula por
exocitose. Seu grande tamanho também impede que eles atravessem a
membrana basal dos capilares. Em vez disso, são absorvidos pelos capilares
linfáticos, os vasos linfáticos das vilosidades. Dessa forma, os quilomícrons
passam através do sistema linfático e, por fim, entram no sangue venoso logo
antes que ele se direcione para o lado direito do coração (SILVERTHORN,
2017).
4 Digestão e absorção dos carboidratos

Cerca de metade das calorias que ingerimos estão na forma de


carboidratos, principalmente amido e sacarose. Outros carboidratos da dieta
incluem os polímeros de glicose glicogênio e celulose, dissacarídeos,
como a lactose e a maltose, e os monossacarídeos glicose e frutose. A
enzima amilase quebra longos polímeros de glicose em cadeias menores de
glicose e no dissacarídeo maltose (Figura 5).

Figura 5 - Digestão e absorção dos carboidratos


FONTE: BORON; BOULPAEP, 2012.

A digestão do amido inicia na boca com a amilase salivar, mas essa


enzima é desnaturada pela acidez do estômago. A amilase pancreática,
então, retoma a digestão do amido em maltose (FIGURA 5A). A maltose e
outros dissacarídeos são quebrados pelas enzimas da borda em escova
intestinal (FIGURA 5B), conhecidas como dissacaridases (maltase, sacarase e
lactase). Os produtos finais absorvíveis da digestão de carboidratos são
glicose, galactose e frutose (SILVERTHORN, 2017).
Devido à absorção intestinal ser restrita a monossacarídeos (Figura
5C), todos os carboidratos maiores devem ser digeridos para serem usados
pelo corpo. Os carboidratos complexos que podemos digerir são o amido e o
glicogênio (nós não somos capazes de digerir celulose por não termos as
enzimas necessárias). Como resultado, a celulose da matéria vegetal torna-se
uma fibra dietética e é excretada não digerida (SILVERTHORN, 2017).

A absorção intestinal de glicose e galactose usa transportadores


idênticos àqueles encontrados nos túbulos renais proximais: o simporte apical
Na+-glicose SGLT e o transportador basolateral GLUT2 (Figura 5B). Esses
transportadores movem tanto a galactose quanto a glicose (SILVERTHORN,
2017).

A absorção de frutose, entretanto, não é dependente de Na+ Figura


5C). A frutose move-se através da membrana apical por difusão facilitada
pelo transportador GLUT5 e através da membrana basolateral pelo GLUT2
(SILVERTHORN, 2017).

5 Digestão e absorção de proteínas

Diferentemente dos carboidratos, os quais são ingeridos em formas que


variam de simples a complexas, a maior parte das proteínas ingeridas são
polipeptídeos ou maiores. Contudo, nem todas as proteínas são igualmente
digeridas pelo ser humano. As proteínas vegetais são as menos digeríveis.
Entre as mais digeríveis está a proteína do ovo, 85 a 90% encontra-se em uma
forma que pode ser digerida e absorvida (SILVERTHORN, 2017).

As enzimas para a digestão de proteínas são classificadas em dois


grupos amplos: endopeptidases e exopeptidases (Figura 5).

Figura 6 - Digestão e absorção das proteínas


FONTE: SILVERTHORN, 2017

As endopeptidases (Figura 6B), mais comumente chamadas de


proteases, atacam as ligações peptídicas no interior da cadeia de
aminoácidos e quebram uma cadeia peptídica longa em fragmentos menores.
As proteases são secretadas como proenzimas inativas (os zimogênios que
citamos anteriormente) pelas células epiteliais do estômago, do intestino e do
pâncreas, e só são ativadas quando alcançam o lúmen do trato GI. Exemplos
de proteases incluem a pepsina secretada no estômago, a tripsina e a
quimotripsina, secretadas pelo pâncreas (SILVERTHORN, 2017).

As exopeptidases liberam aminoácidos livres de dipeptídeos por


cortá-los das extremidades (Figura 6B), um por vez. As aminopeptidases
agem na extremidade aminoterminal da proteína, enquanto as
carboxipeptidases agem na extremidade carboxiterminal. As
exopeptidases digestórias mais importantes são duas isoenzimas da
carboxipeptidase secretadas pelo pâncreas. As aminopeptidases
desempenham um papel menor na digestão (SILVERTHORN, 2017;
TORTORA, 2016).
Os produtos principais da digestão de proteínas são aminoácidos livres,
dipeptídeos e tripeptídeos, todos os quais podem ser absorvidos. A estrutura
dos aminoácidos é tão variável que múltiplos sistemas de transporte de
aminoácidos ocorrem no intestino. A maioria dos aminoácidos livres são
carregados por proteínas cotransportadoras dependentes de Na+ similares
às encontradas nos túbulos proximais renais. Poucos transportadores de
aminoácidos são dependentes de H+ (SILVERTHORN, 2017).

Os dipeptídeos e tripeptídeos são carregados para os enterócitos


pelo transportador de oligopeptídeos PepT1 que usa o cotransporte
dependente de H+ (Figura 6C).

Uma vez dentro das células epiteliais, os oligopeptídeos têm dois


possíveis destinos: a maioria é digerida por peptidases citoplasmáticas em
aminoácidos, os quais são, então, transportados através da membrana
basolateral para a circulação, e aqueles que não são digeridos são
transportados intactos através da membrana basolateral por um trocador
dependente de H+ (SILVERTHORN, 2017).

6 Regulação da digestão e absorção intestinais

A regulação da digestão e da absorção intestinal vem primariamente de


sinais que controlam a motilidade e a secreção. Sensores no intestino
desencadeiam reflexos neurais e endócrinos de retroalimentação para regular
a taxa de entrega do quimo pelo estômago e antecipam informações para
promover a digestão, a motilidade e a utilização de nutrientes. Os sinais de
controle para o estômago e o pâncreas são ambos neurais e hormonais:

I. O quimo entrando no intestino ativa o sistema nervoso entérico, que,


então, reduz a motilidade gástrica e a secreção, retardando o
esvaziamento gástrico. Além disso, três hormônios reforçam o sinal de
“motilidade reduzida”: secretina, colecistocinina (CCK) e peptídeo
inibidor gástrico (GIP);
II. A secretina é liberada pela presença de quimo ácido no duodeno,
inibindo a produção ácida, diminuindo a motilidade gástrica e
estimulando a produção de bicarbonato pancreático para neutralizar o
quimo ácido que entrou no intestino;
III. A CCK é secretada na corrente sanguínea se uma refeição contém
gorduras. A CCK também diminui a motilidade gástrica e a secreção de
ácido. Como a digestão de gordura ocorre mais lentamente que a
digestão de proteínas ou de carboidratos, é fundamental que o
estômago permita que apenas pequenas quantidades de gordura entrem
no intestino em um determinado momento;
IV. Os hormônios incretinas GIP e o peptídeo similar ao glucagon 1 (GLP-1)
são liberados se a refeição contém carboidratos. Ambos, GIP e GLP-1,
atuam por antecipação para promover a liberação da insulina pelo
pâncreas endócrino, permitindo que as células se preparem para
receber a glicose que está para ser absorvida. Eles também retardam a
entrada do quimo no intestino, diminuindo a motilidade gástrica e a
secreção ácida;
V. A mistura de ácidos, enzimas e alimentos digeridos no quimo
normalmente formam uma solução hiperosmótica, e os osmorreceptores
na parede do intestino são sensíveis à osmolaridade do quimo que
entra. Quando estimulados pela alta osmolaridade, os receptores inibem
o esvaziamento gástrico.

Um resumo da regulação da digestão pelos mecanismos citados


anteriormente está descrito na Figura 7.
Figura 7 - Integração das fases gástrica e intestinal

FONTE: SILVERTHORN, 2017


REFERÊNCIAS
BORON, W. F.; BOULPAEP, E. L. Medical Phisiology. 2. ed. Philadelphia:
Elservier, 2012.

SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 7. ed.


Porto alegre: ARTMED, 2017.

TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Princípios de anatomia e fisiologia. 14.


ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.

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