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Defesa dos direitos

coletivos e difusos
Raulino, Cátia
SST Defesa dos direitos coletivos e difusos / Cátia Raulino
Ano: 2020
nº de p.: 12

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Defesa dos direitos
coletivos e difusos

Apresentação
Desde a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, vemos que
a sociedade brasileira tem experimentado uma onda de processos coletivos e
transindividuais, apresentando grandes desafios ao Poder Judiciário. Direitos
advindos de violações do meio-ambiente, das relações de consumo, de práticas
de bioética e direitos humanos têm sido apresentado aos tribunais em diversas
instâncias.

Assim, os direitos coletivos e difusos são a grande novidade dos últimos anos no
processo civil brasileiro, principalmente quando consideramos as ações advindas,
como por exemplo, da Lei da Ação Popular –nº4717/65 e da Lei da Ação Civil
Pública – nº 7.437/85. E é sobre isso que falaremos nesta unidade. Bons estudos!

Defesa dos interesses e direitos


coletivos dos consumidores em juízo
De acordo com Cavalieri (2011, p.121):

Os direitos coletivos também têm titularidade indeterminável, todavia,


os titulares são identificáveis, pois tais direitos estão identificados a um
grupo, categoria ou classe de pessoas. Só são beneficiados os indivíduos
pertencentes ao grupo, categoria ou classe, sendo que o resultado
da demanda atinge a todos de modo uniforme. Eventual benefício ao
patrimônio do indivíduo será reflexo.

Aqui, diferentemente dos direitos individuais, há claros grupos de determinados


indivíduos como beneficiados pela proteção consumerista.

Sobre a tutela coletiva, assim como a tutela dos direitos difusos, temos
regulamentações e uma base legal muito parecida.

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Atenção
Há uma lei específica que disciplina a regra dos direitos difusos
e coletivos, que é a chamada Lei de Ação Civil Pública (Lei nº
7347/85). Essa será a lei básica que disciplinará de forma ampla a
proteção de direitos coletivos.

Wambieret al. (2015, p.87) fala sobre a relação entre a Lei de Ação Civil Pública
(LACP)e o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Percebe-se, claramente, que com a edição do Código de Defesa do


Consumidor acabou por crescer o âmbito de utilidade da ação civil pública.
Com o disposto no seu art. 21 ela passou a abranger vasto segmento que
precedentemente não encontrava cobertura normativa nem a indicação
de legitimados para a tutela.

Já a LACP, em seu art. 1º, deixa clara essa proteção ao consumidor:

Art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:(Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).[ ...] ll - ao
consumidor; [...] (BRASIL, 1985)

Essa mesma lei tutelará outros direitos coletivos e difusos. A ação civil pública
poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer. Continuando na seara desta ação, ela tornará possível o
ajuizamento de pedido cautelar objetivando evitar danos ao consumidor.

Os legitimados para propor a ação civil pública são os mesmos legitimados que já
vimos na proteção aos direitos individuais homogêneos. Neste caso, temos ainda a
previsão de substitutos na ação, caso um dos legitimados a abandone por qualquer
motivo.

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Uma parte importante dessa previsão legal é a possibilidade de o próprio juiz
comunicar ao Ministério Público ocorrências que legitimam a ação (art. 7º,
LACP/85).

Saiba mais
A profunde seus estudos sobre a questão do ônus probatório no
novo Código de Processo Civil a partir da leitura do link: http://
www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=18185.

A Ação Civil Pública tem por objetivo reprimir ou mesmo prevenir danos ao meio
ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico e turístico, por infração da ordem econômica e da
economia popular etc., podendo ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Saiba
Princípios mais
dos processos coletivos
A base legal do princípio é o art. 129, III, da Constituição Federal,
no título Outros interesses difusos e coletivos e no art. 5º, XXXV:
Neste tópico, estudaremos os princípios das ações coletivas,
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito” (BRASIL, 1988).
Princípio da não-taxatividade: É totalmente proibido limitar as hipóteses em que
será possível Complementa
propor ação coletiva.
o art. 1º, IV, da Lei da Ação Civil Pública: “qualquer
outro interesse difuso ou coletivo”.

Com isso, as limitações levadas a efeito tanto pela legislação infraconstitucional


quanto pela jurisprudência são inconstitucionais.

Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo


coletivo: Por este princípio, deve o Poder Judiciário flexibilizar todos os
pressupostos de admissibilidade processual para que possa enfrentar o mérito do
processo coletivo e, assim, reafirmar a sua função social: tornar mais fácil o acesso
à justiça, afinal, as ações coletivas são ações de interesse social.

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Reflita
Um determinado juiz, em vez de extinguir a ação coletiva por
ilegitimidade da parte autora, publica editais convidando outros
legitimados para assumirem o polo ativo da ação.

Neste caso, temos o interesse jurisdicional na ação. O próprio


juiz compreende que outras coletividades ou grupos devem estar
presentes na referida ação.

Princípio da presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação de direito


coletivo: De acordo com este princípio, basta a afirmação de direito coletivo para
que esteja automaticamente presumida a chamada legitimidade para a causa. No
que tange ao Ministério Público (MP), a aplicação do princípio decorre da própria
Constituição, pois nossa carta magna atribui legitimidade coletiva institucional,
bastando se tratar de direito social para, naturalmente, restar configurada a
legitimidade do parquet.

Princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva: Se durante o curso do


processo aquele que possui a legitimidade resolver desistir da ação, os motivos
deverão estar presentes e fundamentados. O princípio determina que é necessária
a análise da desistência. Se for considerada infundada, caberá ao MP assumir a
titularidade do feito se a ação houver sido originariamente proposta por qualquer
dos legitimados concorrentes (art. 5º, §3º, LACP).

Princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva: A prioridade se


justifica, pois os julgamentos coletivos acabam por atingir uma enorme gama
de indivíduos e de questões, o que acaba por tornar mais célere a justiça nesse
sentido.

Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum: Por tal


princípio, busca-se o aproveitamento máximo da prestação jurisdicional coletiva,
para que com isso novas demandas sejam evitadas, principalmente as realizadas
individualmente pelo consumidor e que possuem a mesma causa de pedir. É o que
se observa do sistema da extensão in utilibus da coisa julgada coletiva prevista no
art. 103, § 3º, do CDC, em que fica garantido ao titular do direito individual, caso
demonstre a procedência da sentença coletiva, de utilizá-la seu processo individual
(transporte in utilibus).

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Princípio do ativismo judicial ou da máxima efetividade do processo coletivo:
Este princípio se refere ao novo papel a ser desempenhado pelos magistrados.
De acordo com Cavalieri (2011, p. 111), “nas demandas coletivas, o próprio papel
do magistrado modifica-se, enquanto cabe a ele a decisão a respeito de conflitos
de massa, por isso mesmo de índole política”. Essa opinião, porém, é controversa.
Lenio Streck ou Eros Grau são duas boas sugestões de contraponto.

Saiba mais
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mantém
o portal atualizado sobre os direitos coletivos, não apenas
os consumeristas. Confira em: http://www.cnmp.gov.br/
direitoscoletivos/.

Princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva: São totalmente


cabíveis quaisquer tutelas do direito individual no direito coletivo: preventivas,
repressivas, condenatórias etc. Da mesma forma, podem ser utilizados também
todos os ritos e medidas eficazes previstos no sistema processual em casos
envolvendo consumidores.

Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva: art.15 da LACP e art. 16 da


Lei da Ação Popular (LAP). Comprovada a desídia dos outros legitimados ativos,
caberá ao parquet a promoção da execução coletiva. Dessa forma, ajuizada a ação
coletiva e julgada procedente, é dever do Estado, por mekko– por meio do MP –,
dar efetivação ao direito. O autor precisará executar a sentença proferida em ação
coletiva em 60 dias, senão o MP o fará.

Princípio da universalidade da jurisdição: Estas ações desejam atingir muitos


interessados. Sua finalidade só pode ser atingida a contento se partirmos da “ótica
dos consumidores da justiça”. Ou seja, para atingir a real eficácia para a qual
foram criadas, quanto maior a coletividade ou coletividades atingidas, maior é o
cumprimento de sua função jurisdicional.

Princípio da economia processual: Segundo este princípio, o processo coletivo


atinge a um só tempo os ideais de redução do custo econômico, em materiais e
pessoas, já que temos uma menor quantidade de processos individuais, uma maior
uniformidade e uma maior rapidez gerada pelos precedentes coletivos.

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Princípio da adequada representação: Está diretamente ligado aos seguintes
princípios: da segurança jurídica, do devido processo legal coletivo, da efetividade e
da tutela coletiva, pois procura fazer com a coletividade presente na ação seja bem
representada em sua demanda, quer dizer, por um legitimado ativo ou passivo que
efetivamente exerça o direito coletivo em sua plenitude e guie o processo com boa
técnica e probidade.

Defesa dos interesses e direitos difusos


dos consumidores em juízo
Podemos afirmar que os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação
dos titulares, indivisibilidade do direito (o objeto do direito não pode ser cindido
– ou atende a toda sociedade ou não atende ninguém) e sua origem meramente
factual. Assim como nos direitos coletivos, os difusos são protegidos em juízos
através da ação civil pública.

Antes de adentrar nessa especificidade, Cavalieri (2011) nos lembra que muitas
vezes em ocorrências em que os direitos difusos são desrespeitados, os
consumidores podem também individualmente buscar a tutela de seus direitos em
juízo. Vejamos o exemplo usado pelo autor em seu livro:

Reflita
“Digamos que um vendedor de remédios anuncie um medicamento
milagroso que permita que o usuário emagreça 5 kg por dia apenas
tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento à sua
saúde. Seria um caso de enganação tipicamente difusa, pois é
dirigida a toda comunidade. Agora, é claro que uma pessoa em
particular pode ser atingida e enganada pelo anúncio: ela vai à
farmácia, adquire o medicamento, ingere o comprimido e não
emagrece. Ou pior, toma o comprimido e fica intoxicada. Nesse
caso, esse consumidor particular tem um direito individual próprio,
que também, obviamente, está protegido. Ele, como titular de um
direito subjetivo, poderá exercer todos aqueles direitos garantidos
na Lei n. 8.078/90. Poderá, por exemplo, ingressar com ação de
indenização por danos materiais e morais.” (CAVALIERI, 2011, p.
111)

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Perceba que, no caso citado, um direito difuso foi desrespeitado, porém o
consumidor teve a possibilidade de ver seu direito individual ligado a esse
desrespeito devidamente tutelado, independente da propositura de demanda
coletiva.

Ainda sobre os direitos difusos, eles são tutelados via ação civil pública, portanto
vamos continuar estudando pontos importantes desta ação em continuidade ao
que já vimos na defesa dos direitos coletivos.

Vejamos então o que ocorrerá quando o MP determinar a inexistência de


fundamento para a propositura:

Citação
Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as
diligências, se convencer da inexistência de fundamento para
a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos
autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o
fundamentadamente.

§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação


arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta
grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério
Público.

§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público,


seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento,
poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas
ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou
anexados às peças de informação.

§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e


deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme
dispuser o seu Regimento.

§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de


arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério
Público para o ajuizamento da ação. (BRASIL, 1985)

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Todo esse procedimento que será realizado para possibilitar o arquivamento
garante que as autoridades do MP não arquivem por motivos pessoais, já que a
decisão de arquivamento deve ser homologada. Por outro lado, se o MP, no curso
de suas funções na ação civil pública, solicitar quaisquer informações ou provas e
isso foi omitido ou retardado na busca de um arquivamento, teremos aí um crime
caracterizado (art. 10,LACP/85).

Na ação civil pública, para evitar maiores danos as partes, o juiz poderão ainda
conferir o chamado efeito suspensivo aos recursos, protegendo, portanto, o
consumidor de danos maiores.

No que tange aos efeitos da coisa julgada, veja como a LACPtratou da questão:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-
se de nova prova. (BRASIL, 1985)

A LACP, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos
e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do CDC,
como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente
diversa.

Atenção
Distinguem-se os conceitos de eficácia e de coisa julgada. A coisa
julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença.

O art. 16 da LAP, ao impor limitação territorial à coisa julgada, não alcança


os efeitos que propriamente emanam da sentença. Os efeitos da sentença
produzem-se erga omnes – para além dos limites da competência territorial do
órgão julgador. Recurso Especial improvido.

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Conclusão
Nesta unidade, estudamos uma matéria que é de suma importância para os
operadores jurídicos, pois uma parte da temática sobre direito do consumidorse
dedica aos casos de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos.

A consolidação desses direitos se apresenta com uma roupagem mais social na


busca da concretização do acesso à justiça, facilitando o exercício da cidadania e
da concretização de um dos fundamentos da república: o princípio da dignidade
humana.

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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Lei de Ação Civil Pública. Diário Oficial
da União, 25 jul. 1985.

CAVALIERI, S. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

WAMBIER, T. A. A. et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil:


artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2015.

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