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Geotecnologias Aplicadas Ao Combate Ao Trabalho Escravo No Maranhão No Período de 2003 A 2017
Geotecnologias Aplicadas Ao Combate Ao Trabalho Escravo No Maranhão No Período de 2003 A 2017
1. INTRODUÇÃO
O Brasil desde sua formação histórica possui uma ligação com o trabalho
escravo, o qual se iniciou com a exploração de mão de obra indígena e se consolidou
com a exploração de negros africanos e seus descendentes. Mesmo após a sua abolição
formal, em 1888, a escravidão permaneceu e, ao longo dos anos, adquiriu novos
formatos.
Conforme Rocha e Brandão (2013), a situação do Brasil perante o trabalho
escravo contemporâneo é ainda muito problemática, visto que os dados disponíveis no
relatório de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que, entre 1995,
quando iniciaram as ações de fiscalização voltadas ao enfrentamento do trabalho
escravo no Brasil, e o segundo semestre de 2012, 39 mil pessoas foram encontradas em
situação de trabalho análogo ao de escravo, dentre elas, mulheres, crianças, homens,
brasileiros e estrangeiros.
Ainda segundo os autores, o trabalho escravo atinge, principalmente, o
trabalhador no meio rural, em diferentes atividades tanto no meio rural como no meio
urbano, ligadas à pecuária, à produção de carvão, à extração do látex e de madeira, à
produção de cana de açúcar, área de construção civil, demolição de edifícios, comércios
atacadistas e varejistas, são algumas das atividades com registro de pessoas submetidas
às condições análogas ao trabalho escravo.
Segundo Piovesan (2017), o trabalho escravo contemporâneo constitui a segunda
atividade ilícita mais lucrativa do mundo, apenas perdendo para o narcotráfico, gerando
lucro estimado em US$ 150 bilhões por ano, segundo o Escritório da ONU contra
Drogas e Crimes, e alcançando cerca de 25 milhões de vítimas.
Face a isto, entendemos como de suma importância para o auxílio ao combate ao
trabalho escravo, a utilização das Geotecnologias que consistem em ferramentas de
apoio significativo para o desenvolvimento de pesquisas, bem como ações de
planejamento e de gestão que se relacionam diretamente com a estrutura do espaço
geográfico evidenciando o meio técnico-científico-informacional. Assim, o presente
artigo tem como objetivo analisar a distribuição espacial do trabalho escravo no estado
do Maranhão e o destino dos trabalhadores em migrações interestaduais.
2. OBJETIVOS
2.1 Geral
Analisar a distribuição espacial do trabalho escravo no estado do Maranhão e o
destino dos trabalhadores em migrações interestaduais.
2.2 Específicos
Identificar os estados de destino dos trabalhadores maranhenses e os municípios
maranhenses que estão envolvidos no fornecimento de mão de obra em
condições análogas a de escravo;
Elaborar mapas temáticos, a partir dos dados obtidos relativos ao trabalho
escravo;
Apontar as estratégias adotadas pelo governo federal, estadual e municipal para
diminuir estes casos.
3. METODOLOGIA
A realização dessa pesquisa foi executada a partir da pesquisa bibliográfica
envolvendo autores que promovem discussões sobre trabalho escravo tanto em âmbito
nacional como estadual, valendo ressaltar a importância das reflexões acerca do trabalho
escravo contemporâneo e do espaço geográfico, apoiando-se, respectivamente, nas
leituras e estudos de Esterci e Figueira (2007) e Girardi (2008); e de Santos (1996).
Ainda assim, foi de suma importância o levantamento de referenciais teóricos
que abordam as Geotecnologias como parte fundamental das técnicas de
Geoprocessamento que pode ser compreendida como um conjunto de conceitos,
métodos e técnicas de diversas origens que, opera sobre uma base de dados
georreferenciados, onde os registros dos eventos se transformam em ganhos de
informação (XAVIER DA SILVA, 2011).
A partir das reflexões acerca das técnicas de Geoprocessamento ainda se fez
necessário compreender a operacionalização dos dados da pesquisa por meio do
software QGIS 2.18, este que se trata de um SIG (Sistema de Informações Geográficas),
ou seja, trata-se de um sistema computacional que objetiva o cunho geográfico
trabalhando um número infinito de informações (FITZ, 2008).
Posteriormente, efetuou-se a coleta de dados do Observatório do Trabalho
Escravo da Organização Internacional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho
que permitiu a criação de um banco de dados convencional na dinâmica espaço-
temporal (2003 a 2017) com as seguintes categorizações: o número de resgate de
naturais por Unidade Federativa e o fluxo migratório de destino destes egressos, além
da identificação dos municípios maranhenses de naturalidade dos trabalhadores e do
número de trabalhadores resgatados no estado do Maranhão. Assim, a conformação do
banco de dados convencional foi permitida a partir da utilização do princípio da
localização onde, segundo Fitz (2008, p. 17) “[...] mostra que a ocorrência de um
determinado fenômeno pode ser localizada”.
Destarte, fez-se necessário o georreferenciamento deste banco de dados
convencional para a introdução no SIG, ou seja, a modificação na estrutura de dados
objetiva uma configuração espacial para as representações cartográficas. Para tanto, a
confecção dos mapas temáticos parte da definição do Sistema Geodésico de Referência1
para os dados espaciais, destacando a utilização do SIRGAS 2000 no Sistema de
Coordenadas Geográficas2. Com isto, permitiu-nos confeccionar mapas do tipo Zonal
que representou o levantamento de dados a partir da inserção nos territórios demarcados
das Unidades Federativas; o tipo Círculo representou estatisticamente o número de
trabalhadores resgatados por município calculados a partir do raio do círculo, utilizando
o cálculo da área de uma circunferência determinada por 𝐴 = 𝜋𝑟² ; além do tipo Fluxo
1
O Sistema Geodésico de Referência permite, conforme Fitz (2008, p. 32) “[...] estabelecer a relação
entre um ponto do determinado terreno e um elipsoide de referência [...]”.
2
As Coordenadas Geográficas representam de forma direta qualquer ponto sobre a superfície da Terra
partindo de um sistema sexagesimal (FITZ, 2008).
utilizado para identificar o deslocamento dos trabalhadores maranhenses e os locais de
destino por meio de setas detalhando a proporção do movimento.
Por fim, estas representações cartográficas permitiram refletir as áreas de
concentração de trabalho escravo no Maranhão e das áreas propícias aos movimentos
migratórios interestaduais para correlacionar a importância das geotecnologias enquanto
estratégia preventiva ao trabalho escravo, onde possibilitou as análises para a redação da
pesquisa.
4. RESULTADOS
Consoante à ligação histórica de escravidão no território brasileiro mencionada
anteriormente, esta é fruto das relações sociais dentro do espaço geográfico, uma vez
que o espaço além de ser formado por um conjunto indissociável e solidário, ele
também é contraditório, motivado pela interação de sistemas de ações e sistemas de
objetos (SANTOS, 1996). E neste contexto de relações, os trabalhadores submetidos às
condições de trabalho escravo contemporâneo refletem as chamadas forças produtivas e
estas possuem uma relação de interdependência com as relações de produção
(SANTOS, 1996).
Nesta perspectiva de relação de produção e de forças produtivas, o trabalho
escravo aparece enquanto como forma de violência em atividades seja no campo e/ou na
cidade, decorrente, principalmente, das contradições e desigualdades do capitalismo que
se vale também de atividades não capitalistas para se desenvolver (GIRARDI, 2008), e
dessa forma, propicia ao trabalho escravo contemporâneo apresentar um caráter
diversificado de atuação abrangendo diversos setores.
Assim, o trabalho escravo no Brasil nunca deixou de existir, apenas se
transformou as modalidades de dominação dos trabalhadores praticadas pelo sistema
patronal (ESTERCI E FIGUEIRA, 2007). Embora atualmente seja tipificada enquanto
crime pelo Código Penal Brasileiro, uma vez que, conforme a Lei nº 10.803, artigo 149,
de 11 de dezembro de 2003 “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, que restringindo, por qualquer meio, sua locomoção
em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
Assim, a prática ilícita trabalho escravo propiciada pelos empregadores é
observada a partir dos dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil 3, o
qual desde 2003 até 2017, em relação à naturalidade dos trabalhadores resgatados no
Brasil tem-se que o Maranhão ocupa a 1º posição dos egressos por naturalidade, ou seja,
são 8015 (22,85% do total nacional) de trabalhadores nascidos no estado que foram
vítimas de trabalho escravo. Desses, 6442 declararam residir, no momento do resgate,
no estado - 1ª posição no Brasil, com 18,35% dos egressos por residência.
A abordagem feita pelos empregadores, comumente chamados de “gatos,
recrutam os trabalhadores, e estes são submetidos às condições insalubres de trabalho
provém das falsas promessas de um trabalho decente, salário digno e moradia adequada
(RIBEIRO, 2017), uma vez que o custo com a alimentação e com o transporte pelos
empregadores no processo de recrutamento tornam-se dívidas para o trabalhadores
quitarem, ou seja, dívidas impagáveis que, conforme Zeidler (2006, p. 35-36) “[...]
quanto mais laboram, mais endividados ficam [...] os trabalhadores que tentam fugir, ou
desrespeitam as determinações impostas, são muitas vezes feridos, quando não
assassinados”.
Mapa 1: Mapa do número de resgates de naturais no contexto nacional - 2003 a
2017
3
Sistematiza os dados relativos a Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado fornecidos pelo
Ministério do Trabalho do Brasil e em seguida organizados, normalizados e tratados pelo SMARTLAB
MPT-OIT. Disponível em: http://observatorioescravo.mpt.mp.br/
No que tange ao número de trabalhadores resgatados por município no
Maranhão (Mapa 2), o município que apresentou o maior número de resgates4 foi
Açailândia5 com 456 trabalhadores com condições análogas ao trabalho escravo. O
segundo município com maior número de trabalhadores resgatados foi Santa Luzia com
333 resgates, seguido de João Lisboa com 108 resgates, ambos municípios localizados
na mesorregião oeste maranhense.
Mapa 2: Mapa do Número de Trabalhadores Resgatados por Município no
Maranhão – 2003 A 2017
4
Segundo nota explicativa do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil: O total de resgates foi
calculado com base em informações extraídas do Banco de Dados COETE (MTb, 2003 a 2017), que
inclui beneficiários e não-beneficiários do Seguro-Desemprego - modalidade trabalhador resgatado. O
total de egressos com naturalidade e residência declaradas foi calculado com base nos registros
administrativos do seguro-desemprego nessa modalidade, i.e., restringe-se aos trabalhadores
habilitados ao recebimento do benefício (grifo nosso). Por isso, verifica-se uma diferença de 1733
trabalhadores, na modalidade naturalidade, em relação aos dados apresentados pelo Relatório produzido
pela Coordenadoria de Análise e Pesquisa de Informações do Ministério Público do Trabalho, que analisa
os mesmos dados, só que no período de 2006 a 2015 aqui utilizados para identificar variáveis relativas à
idade e escolaridade dos trabalhadores resgatados.
5
Os trabalhadores resgatados em Açailândia possuem um perfil diferente, com uma trajetória ocupacional
que compreende uma experiência anterior de trabalho assalariado na indústria madeireira – que teve forte
participação na economia do município nos anos 1970/80. Atualmente, esses trabalhadores dividem seu
tempo entre o trabalho agrícola (em fazendas, carvoarias e atividade de reflorestamento) e pequenos
negócios urbanos realizados na sede do município de Açailândia. (CARNEIRO; MOURA, 2016. p. 381).
Conforme Carneiro e Moura (2016), Açailândia se destaca pela importância dos
empregos gerados no comércio, na atividade siderúrgica e na agropecuária,
predominado neste último segmento a atividade pecuária e o reflorestamento para
produção de carvão vegetal. Ainda segundo os autores, a estrutura da propriedade da
terra é bastante concentrada em Açailândia; contudo, tanto a pecuária como o
reflorestamento não abrem espaço para a reprodução de formas camponesas de
arrendamento, limitando a possibilidade de reprodução dos trabalhadores de Açailândia
através desse mecanismo.
Além disso, o Maranhão também tem sido palco de avanço do agronegócio,
resultando na expulsão de populações tradicionais indígenas e quilombolas – que, assim
como os pequenos agricultores, acabam sendo expostas às redes de escravidão
contemporânea, ajudando a explicar por que as pessoas necessitam de migrar como a
existência de casos de trabalho escravo.
De acordo com o CDVDH e CPT (2017), o Maranhão é considerado o principal
fornecedor de mão de obra para as redes contemporâneas de escravidão no país. No
período de 2003 a 2015, a proporção de pessoas naturais do Maranhão entre os
trabalhadores resgatados ficou em 23%, bem acima da estatística dos outros estados. O
Maranhão, porém, também escraviza, pois, os municípios que encabeçam a lista dos que
mais fornecem mão de obra para a escravidão são, em parte, os mesmos que lideram o
ranking dos casos de trabalho escravo dentro do estado.
Relevamos o contexto das migrações como fator importante no que se tange à
produção e a reprodução no tempo e no espaço de uma sociedade, assim, conforme
Santos (2004):
“O fenômeno das migrações aparece, portanto, estreitamente ligado à
organização da economia e do espaço, vistos de um ponto de vista
dinâmico. Essas migrações são uma resposta a situações de
desequilíbrio permanente e contribuem para agravar esses
desequilíbrios econômicos e espaciais, geralmente em favor de zonas
já evoluídas”. (SANTOS, 2004, p. 306)
Para tanto, a utilização das geotecnologias por meio das representações
cartográficas através da técnica dos fluxos objetiva demonstrar o movimento destas
migrações dos trabalhadores maranhenses para as outras Unidades Federativas,
conforme os Mapas 3, 4 e 5, onde representam os anos com maior intensidade destes
movimentos migratórios.
Mapa 3: Mapa do Fluxo Migratório dos trabalhadores Maranhenses - 2007
Mapa 4: Mapa do Fluxo Migratório dos trabalhadores Maranhenses - 2008