Você está na página 1de 80

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

A GEOGRAFIA IMPERIAL DE HALFORD MACKINDER: O PAPEL DA


EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA E A GEOPOLÍTICA

Bryan Marques Moraes


Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Vitte

Campinas, 2018.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

A GEOGRAFIA IMPERIAL DE HALFORD MACKINDER: O PAPEL DA


EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA E A GEOPOLÍTICA

Bryan Marques Moraes


Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Vitte

Trabalho de Conclusão de Curso de Bryan Marques


Moraes, elaborado sob a orientação do Prof. Dr. Antônio
Carlos Vitte, com um dos requisitos para obtenção do título
de bacharel em Geografia.

Campinas, 2018.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Luiz e Siléia, por todo o apoio e carinho durante todas as etapas da minha vida,
em especial nos momentos de maior dificuldade. Aos meus irmãos, Rebecca e Matheus, pela
compreensão e paciência dispensada nesse momento tão importante da minha formação. Serei
sempre grato por tudo que vocês representam na minha vida.

Aos meus amigos e colegas de graduação, tão disponíveis e prontos para discussões
acadêmicas, políticas e futebolísticas, fato que tornou todos esses anos proveitosos e
inesquecíveis.

Ao meu grande amigo, Álvaro Donegá, companheiro de pesquisa científica, graduação e visitas
aos estádios de futebol de São Paulo, por caminhar lado a lado em todos os momentos da minha
formação como aluno, pesquisador e professor.

Ao professor Antônio Carlos Vitte pela orientação e incentivos, desde o primeiro ano de
graduação, quando me aceitou como PAD em História do Pensamento Geográfico, e me guiou
nos meandros da pesquisa científica, possibilitando minha caminhada e realização.
“Aquilo que alguém tem em si mesmo é, pois, o
mais essencial para uma vida feliz”
(Arthur Schopenhauer)
RESUMO

O anseio pela dominação imperial dos grandes Estados-Nações europeus, no final do século
XIX, tornou o território um elemento crucial na disputa pelo domínio global. Desse modo, como
ciência, a geografia buscava legitimar a expansão do domínio imperial europeu para além das
diversas regiões do globo. Nesse panorama, o geógrafo inglês Halford Mackinder (1861-1947)
tornou-se responsável pelo pensamento geográfico imperial inglês, voltando seus esforços em
duas vertentes: a educação geográfica e a geopolítica. No âmbito da educação geográfica,
Mackinder uniu os esforços oriundos da Royal Geographical Society e do grupo dos
educationalists, que batalhavam pelo reconhecimento da geografia no ensino escolar e nas
universidades. No início do século XX, Mackinder dirigiu sua atenção aos dilemas geopolíticos.
Assim, ele criou sua célebre teoria do poder territorial versus o poder marítimo, exposta em seu
artigo “O Pivô Geográfico da História”. A geopolítica moderna de Mackinder buscava
compreender o desequilíbrio entre os impérios, reelaborando a visão eurocêntrica que
predominou o mundo durante a era Colombiana. Em síntese, com base em uma linha geográfica
histórica, pretende-se identificar o papel da atuação de Mackinder como geógrafo imperial e
sua visão acerca da importância da educação geográfica e da geopolítica como ferramentas
capazes de assegurar o domínio e a soberania do Império Inglês.

Palavras chave: Mackinder, Halford John, Sir, 1861-1947; Geografia – Estudo e ensino;
Geopolítica.
ABSTRACT

The yearning for the imperial domination of the great European nation States, in the late
nineteenth century, made the territory a crucial element in the overall domain. Thereby, such
as science, geography sought to legitimize the expansion of the European imperial domain
beyond regions of the globe. In this panorama, the English geographer Halford Mackinder
(1861-1947) became responsible for the British imperial geographic thought, turning your
efforts into two lines: geographic education and Geopolitics. In the geographical education
field, Mackinder joined the Royal Geographical Society and the group of educationalists efforts,
who were fighting to the recognition of geography in school education and in universities. In
the beginning of twentieth century, Mackinder turned his attention to the Geopolitical
dilemmas. Thus, he created his greatest theory of territorial power versus maritime power,
shown in his article “The Geographical Pivot of History”. Mackinder’s modern geopolitics
sought to understand the imbalance between the empires, rethinking the Eurocentric vision that
dominated the world during the Colombian era. In summary, based on a historical geographical
line, it is intended to identify Mackinder’s role as imperial geographer and his view about the
importance of the geographical education and the Geopolitics as tools capable to secure the
domain and the sovereignty of the English Empire.

Key words: Mackinder, Halford John, Sir, 1861-1947; Geography – Study and teaching;
Geopolitics.
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

FRS – Fellow of the Royal Society.

FGS – Fellow of the Geological Society.

GA – Geographical Association.

RGS – Royal Geographical Society.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Os responsáveis pelo ensino de Geografia em Oxford e Cambridge antes de 1887. .. 6


Figura 2. Memorando de orientação emitido pela RGS em 1884. ........................................... 20
Figura 3. Memorando de orientação emitido pela RGS em 1884. ........................................... 21
Figura 4. Programa do Educational Department para as escolas elementares em 1885. ......... 23
Figura 5. Programa de Geografia pra a Gymnasia e Realschulen em 1882-3. ......................... 28
Figura 6. Halford Mackinder em 1886. .................................................................................... 36
Figura 7. Carta de Markham ao Vice-Chanceler de Oxford..................................................... 42
Figura 8. O staff da School of Geography. ............................................................................... 44
Figura 9. Criação de departamentos de geografia e cadeiras de geografia nas universidades
britânicas. .................................................................................................................................. 48
Figura 10. Mackinder no topo do Monte Quênia. .................................................................... 50
Figura 11. "The natural seats of power". .................................................................................. 61

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Composição dos membros da RGS. ......................................................................... 11


Tabela 2. Lista de escolas visitadas/abordadas por Keltie no Reino Unido. ............................ 22
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1

2. OBJETIVO GERAL ............................................................................................................... 3

2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................................... 3

3. METODOLOGIA ................................................................................................................... 4

4. A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA INGLESA ......................................................................... 5

4.1 A moderna geografia inglesa em perspectiva ................................................................... 5

4.2 A Royal Geographical Society (RGS) ............................................................................ 10

4.3 A trajetória da geografia em Oxford e Cambridge ......................................................... 12

4.4 O relatório de Scott Keltie .............................................................................................. 17

5. OS PRIMEIROS PASSOS DE HALFORD MACKINDER ................................................ 34

5.1 A Readership de Mackinder em Oxford ......................................................................... 38

5.2 A criação da School of Geography ................................................................................. 41

5.3 A geografia mackinderiana ............................................................................................. 45

5.4 A institucionalização da geografia .................................................................................. 46

6. A GEOPOLÍTICA INGLESA E O PAPEL DE MACKINDER .......................................... 49

6.1 A expedição ao Monte Quênia e o geógrafo legitimado ................................................ 49

6.2 Mackinder e Ratzel como expoentes da geopolítica imperial ........................................ 51

6.3 A causalidade geográfica de Mackinder ......................................................................... 54

6.4 O poder marítimo versus o poder territorial ................................................................... 56

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 65

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 68


1. INTRODUÇÃO

O final do século XIX é um período marcado por um mundo em transformação, no


contexto social e científico, onde os grandes impérios europeus disputavam os domínios
ultramarinos. Assim, a ciência geográfica, ferramenta imperial utilizada no âmbito da estratégia
geopolítica, concebia e legitimava a superfície terrestre como uma plataforma para a difusão do
modus vivendi europeu, enquanto que cientificamente autorizava a exploração de diversas
regiões do globo (RIBEIRO, 2014).

A premissa do território enquanto fundamento do sucesso imperialista foi objeto das


reflexões de Friedrich Ratzel (1844-1904) na Alemanha, de Paul Vidal de La Blache (1845-
1918) na França e de Halford John Mackinder (1861-1947) na Inglaterra. Para ele, o ensino de
uma geografia imperial permitiria ao Estado reforçar o sentimento de pertencimento da
coletividade dentro do Império.

Neste momento da história, os pensadores da geografia de cada império visavam


estabelecer o domínio da ciência geográfica sobre as ações imperiais. Ou seja, torná-la
ferramenta útil aos Estados como forma de garantir o sucesso imperialista. Pretende-se aqui
observar a trajetória de Mackinder nas discussões geográficas em dois momentos: o primeiro é
dedicado aos avanços na educação geográfica, no nível acadêmico e primário; o segundo
estabelece-se nas leituras e na concepção mackinderiana de geopolítica, ao estabelecer o poder
territorial como elemento chave para o estudo da sobrevivência imperial britânica.

Deste modo, o presente trabalho baseia-se em uma divisão em três partes. A primeira
parte busca estabelecer uma fotografia do que foi a geografia moderna nas universidades e
escolas inglesas, desde o período iluminista até o final do século XIX. Neste bojo, diversos
atores foram importantes e tiveram papel decisivo na sorte da geografia, como as universidades
de Oxford e Cambridge, e a Royal Geographical Society (RGS) e seus asseclas.

No segundo momento, o presente trabalho irá introduzir a figura de Halford Mackinder,


desde a sua formação acadêmica em Oxford, o seu engajamento com o tema educacional
geográfico e como ele aliou-se aos Fellows da RGS para fomentar o lugar de destaque da
geografia no cenário acadêmico e escolar. Nesse meio, entender-se-á a trajetória de Mackinder
como Lecturer em Oxford e depois Reader da School of Geography, cujo estabelecimento
atrela-se à vontade e realização pessoal de Mackinder.

Na terceira parte, o trabalho irá discorrer sobre a atuação de Mackinder no âmbito da


geopolítica. Desde a expedição ao topo do Monte Quênia, até a definição de sua teoria do poder
1
terrestre, Mackinder foi ator crucial do Estado Britânico, que encontrava na geografia uma
ciência capaz de assegurar a soberania mundial da pérfida Álbion.

Por fim, nas considerações finais, faz-se o necessário agrupamento da análise do papel
de Mackinder, em sua atuação na educação e na geopolítica, sempre buscando entender o
pensador em seu tempo, a realidade em que vivia e como seu contexto foi capaz de moldar e
consolidar a concepção geográfica de uma das mais brilhantes mentes da geografia moderna.

2
2. OBJETIVO GERAL

O objetivo deste trabalho consiste em identificar e analisar a trajetória de Halford


Mackinder na moderna geografia inglesa, em sua atuação na batalha pela educação geográfica
e sua concepção geopolítica da teoria do poder terrestre.

2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


Como objetivos específicos, procura-se neste trabalho analisar o papel de Mackinder
em três pontos fundamentais:

I. Entender o panorama histórico da geografia nas universidades e escolas inglesas, desde


o Iluminismo até o final do século XIX, identificando as nuances da geografia em
Oxford e Cambridge, além de entender a importância da criação da Royal Geographical
Society e o papel de seus membros na reinvindicação de um maior espaço da geografia
no ensino educacional inglês.
II. A partir da formação de Halford Mackinder em Oxford, compreender a formulação da
sua concepção de geografia e dos seus usos para o Império.
III. Analisar e discutir a concepção geopolítica formulada por Mackinder, dentro das
discussões do poder e disputa pelo equilíbrio dos impérios, na dualidade das forças
marítimas versus as forças terrestres.

3
3. METODOLOGIA

A metodologia do presente trabalho realizou-se com uma revisão bibliográfica, de


caráter exploratório sobre o tema, estabelecendo um plano de fundo histórico de mais de
quatrocentos anos da geografia no Império Britânico. Nesta revisão bibliográfica, procurou-se
estabelecer uma divisão do proposto em três pontos principais, cuja leitura e interpretação segue
uma linha temporal histórica e culmina em um entendimento linear sobre as mudanças
históricas e as participações de diversos atores no palco da geografia inglesa, até figurar a
presença de Halford Mackinder.

4
4. A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA INGLESA

Quando observada em perspectiva, percebe-se que a moderna geografia inglesa


percorreu diferentes caminhos nas universidades e centros de pesquisa, refletindo as mudanças
das concepções de mundo e de como cada visão de mundo representava uma geografia com
mais ou menos prestígio e espaço no mundo científico. Portanto, torna-se válido percorrer a
história da geografia inglesa, visualizando as suas mudanças com o passar do tempo e quais
anseios eram galgados por ela.

4.1 A moderna geografia inglesa em perspectiva

As origens da geografia moderna são frequentemente ligadas ao período do Iluminismo.


Os escritos de Alexander von Humboldt (1769-1859), Carl Ritter (1779-1859) e as expedições
científicas de homens como James Cook (1728-1779) são diagnósticos de uma geografia
moderna que expressava a mentalidade iluminista (LIVINGSTONE; WITHERS, 1999, p. 1).

Segundo Stoddart (1986), a geografia moderna é uma construção da ciência europeia


que teve seu momento decisivo quando o capitão inglês James Cook liderou uma expedição no
oceano Pacífico em 1769. O trabalho dos naturalistas e dos ilustradores que acompanharam
Cook exibiram três recursos que foram estratégicos para a formação da geografia como uma
ciência empírica moderna: o realismo na descrição, a classificação sistemática em suas coletas
e suas explicações por meio do método comparativo. Para Stoddart (1986, p. 35), foi a extensão
desses métodos científicos de observação, classificação e comparação de pessoas e da natureza
que tornou a geografia possível.

A história da ciência geográfica na Inglaterra data de um período bem anterior à divisão


acadêmica estabelecida no final do século XIX, no entardecer da era Vitoriana. Livingstone
(2003) pontua que existem boas razões para localizar as origens da geografia britânica como
disciplina muito antes disto. Para ele:
Geography, it is now clear, was taught in Britain universities long before its
formalization as a departmental discipline in the late nineteenth century. In Oxford,
for example, we know that ‘Descriptive Geography’ was taught by George Abbot and
John Prideaux in the decades around 1600 and by Peter Heylyn during the first half
of the seventeenth century; that ‘Mathematical Geography’ was taught at Magdalen
by William Pemble and John Bainbridge (the Savilian Professor of Astronomy) and
at Christ Church by John Hullet and Thomas Edwards at various stages during the
same century; and that numerous others were also engaged in various forms of
geography teaching over the following century and beyond (LIVINGSTONE, 2003,
p. 15).
Dessa forma, percebe-se uma abordagem geográfica que servia ao cenário da época, ou
seja, uma geografia descritiva e ligada aos campos da matemática e da astronomia. Assim como

5
a geografia do final do século XIX buscava atender aos objetivos e ideais de exploração e
dominação imperiais, a geografia dos séculos XVI e XVII circundava e permeava os interesses
dos conhecimentos científicos de seu tempo.
No final do século XVI, passou-se progressivamente a diferenciar o tema geográfico em
três esferas relativamente distintas, chamadas de geografia matemática, geografia descritiva e
a corografia. Os trabalhos na geografia descritiva cresceram dramaticamente, certamente
refletindo o apetite por novas informações geográficas que chegavam das navegações marítimas
(LIVINGSTONE, 2003, p. 16). Novamente, a geografia que mais servia ao contexto foi
privilegiada, pois o período das grandes navegações marítimas e do descobrimento de novas
terras representava a necessidade do domínio de novos conhecimentos geográficos.
A Figura 1 abaixo identifica aqueles que ensinaram geografia em Oxford e Cambridge
no período que data da década de 1540 o final do século XIX.
Figura 1. Os responsáveis pelo ensino de geografia em Oxford e Cambridge até o final do
século XIX.

Fonte: WITHERS; MAYHEW, 2002, p. 15.

6
É possível identificar uma tradição contínua de ambas as universidades no ensino de
geografia. Todavia, Baker (1935, p. 129) sugere que: “the progress of academic geography
during the period is largely concerned with the University of Oxford”. Tinham-se ali dois tipos
de instrução geográfica. De um lado, encontrava-se o ensino de geografia como um
complemento aos estudos históricos no currículo das humanidades, o que explica o trabalho de
Peter Heylyn1 em Oxford na década de 16202. Do outro, estabelecia-se a geografia matemática,
também descrita como “o uso dos globos”, um tema abordado em associações científicas,
notavelmente em conjunto com a astronomia e geometria (LIVINGSTONE, 2003, p. 21) que
foi consistentemente ensinada em ambas as universidades (WITHERS; MAYHEW, 2002, p.
15).

Portanto, em termos gerais, a concepção geográfica, tanto descritiva como matemática,


tinha presença constante em Oxford e Cambridge. Livingstone (2003, p. 23) alerta que as
associações matemáticas e astronômicas claramente fundamentaram o impulso científico do
início da geografia moderna. Contudo, seria errado considerar tais tendências como evidências
de que a geografia tenha cortado conexões com tradições anteriores de investigação, como a
magia natural. O impacto das ciências físicas no início da geografia moderna inglesa era
substancial, no entanto:
It does not exhaust the range of the subject’s connections with scientific enterprises.
During the eighteenth and nineteenth centuries, the traditions of natural history and
earth science had no less impact on geographical thinking and theory
(LIVINGSTONE, 2003, p. 23 apud BOWLER, 1992).
Assim, o impulso para mapear em todo o mundo a distribuição e padrões botânicos,
zoológicos e antropológicos proveu um estímulo para muitas expedições científicas nos séculos
XVIII e XIX. Esse ímpeto evolucionário expressou-se com maior evidência nas expedições e
contribuições científicas na Era Vitoriana.

O conteúdo cognitivo da então recente geografia moderna inglesa não foi circunscrita
pelos horizontes da ciência natural, entretanto. No meio do século XVII, a tendência humanista
da geografia foi anunciada por Peter Heylyn, que insistia que a história sem a geografia era
como “a dead carkasse having neither life, nor motion”. Desde seus primeiros dias nos

1
Peter Heylyn, retratava a relação entre a história e a geografia, autor do Microcosmus, or a little description of
the great world (1621).
2
Torna-se interessante trazer ao debate que Nathaneal Carpenter ensinava geografia matemática ao mesmo tempo
em que Heylyn lecionava geografia descritiva em Oxford, e Isaac Newton utilizou esse material através da
atualização da Geographia Generalis de Varenius feita por ele (WITHERS; MAYHEW, 2002, p. 15).

7
currículos acadêmicos, o tema geográfico passou a ser frequentemente ensinado como um
complemento à história (LIVINGSTONE, 2003, p. 26).

Livingstone (2003, p. 27) argumenta que esse vínculo persistente com a história revela
um impulso textual da linhagem geográfica para um gênero literário humanista que manifestou-
se na prática da corografia, um ramo da geografia, que em contraste com a universal geografia
matemática, preocupava-se com a descrição regional. Ele pontua que:
With roots in the tradition of the medieval chronicle, and by focusing on local
description and emphasising estate survey, provincial antiquarianism, shire
genealogy, and parochial chronology, chorography did a good deal to foster senses of
regional identity. Because its animus lay the specification of local differences,
chorography encouraged the practices of provincial sciences and a patriotc sense of
loyalty to place (LIVINGSTONE, 2003, p. 27).
Dessa forma, os esforços da corografia estavam ligados às questões da identidade local.
No nível local, a catalogação da cultura e da natureza regionais contribuíram para promover o
senso de orgulho do condado, chamado de shire pride. No nível nacional, a corografia britânica
contribuiu para um discurso geográfico mais amplo que:
Helped its scholars and practitioners develop a belief in the inherent superiority of
Protestants over Catholics, in therms of both their treatment of other peoples and the
climate determinism that made temperate Protestant northerners more just, industrious
and courageous (CORMACK, 1997, p. 13).
Ou seja, a descrição geográfica estava aliada aos ideais políticos e característicos dos
ingleses, cujo estabelecimento contribuiu para a construção do senso de identidade. Os braços
da geografia, descritiva, matemática e corográfica, foram indispensáveis para o
desenvolvimento da psyche inglesa como uma mentalité imperial, tecida junto à três
convicções:
That the world was measurable and therefore controllable; that the English had right
and duty to exercise dominion across the oceans; and that the peoples they
encountered did not match up to the excellence of English culture (LIVINGSTONE,
2003, p. 33).
Desse modo, a geografia inglesa, até o final do século XIX, foi marcada por uma
tendência enciclopédica, marcada pela exploração e coleção de informações geográficas, numa
“tendencia enciclopédica, que remonta sus raíces al siglo XVIII, se traduce en el XIX en
monumentales diccionarios geográficos y enciclopédicos” (CAPEL, 1981, p. 137).

Voltando novamente à definição da geografia como objeto científico, Withers e


Mayhew (2002, p. 12) pontuam que tende-se a assumir que para que a geografia seja entendida
como uma disciplina acadêmica, ela deveria exibir algumas feições características da disciplina
moderna, como um departamento, um staff dedicado à esse departamento, a concessão de graus
de conhecimento do tema, e a formação de um quadro de alunos a serem treinados e aprovados
8
por um sistema. Essa estrutura simplesmente não existia a priori, antes de 1870 nas
universidades inglesas. As instituições, as pessoas e os graus de treinamento eram diferentes na
estrutura universitária moderna anterior. Tinha-se um diferente modus vivendi.

A universidade, contudo, não era o único meio institucional do qual a geografia


floresceu no início do período moderno. A corte real foi importante palco de influência para a
produção e consumo de conhecimentos geográficos. Livingstone (2003, p. 16) ilustra que na
Escócia do início do século XVII “court masques and triumphal processions constituted
theatrical spaces where the territorial idea of Britain as a ‘united kingdom’ was performed”.

Além das universidades e da corte real, entende-se que o avanço da geografia seguiu ao
menos por mais duas outras áreas institucionais: as salas de aula e as sociedades eruditas. Na
Inglaterra do século XVIII, boa parte dos ensinos geográficos trabalhados nas grammar schools
era comunicada no âmbito de um currículo humanista cujo raio foi circunscrito pela
aprendizagem clássica (LIVINGSTONE, 2003, p. 17).

Entretanto, Livingstone (2003, p. 17) pontua que a presença da geografia nas escolas
não pode ser solenemente atribuída apenas à tradição do humanismo cívico. Nas escolas
comerciais dedicadas às classes mercantis e instituições navais como a Chelsea Naval
Academy, a geografia matemática (evitada nas grammar schools) era ensinada.

Durante todo o século XIX, o império colonial inglês e as novas terras descobertas e
colonizadas constituíam o principal estímulo aos estudos geográficos. Para Capel (1981, p.
138), “en ese tiempo la principal llamada de la geografía como tal era la exploración y el viaje,
aunque en educación se prestaba alguna atención a la geografia física y política”. O autor refere-
se aqui à educação básica, de nível escolar infantil, e não à educação acadêmica.

Nota-se que a geografia inglesa assumiu diferentes formas em muitas diferentes áreas.
Seja como espécie de filosofia natural e matemática, ou como forma de retratos regionais, seja
nos textos escolares ou nas sociedades eruditas, seja como veículo de identidade nacional ou
local e como desejo imperial, a geografia manteve-se inextricavelmente interligada com o
contexto social, intelectual, religioso e político inglês (LIVINGSTONE, 2003, p. 38).

As salas de aula, os centros eruditos, a corte real e os centros universitários não foram
os únicos espaços onde a geografia proliferou. No início do século XIX surgiram várias
instituições formais e não formais que pretendiam promover e expandir os conhecimentos
geográficos. É neste cenário que surgiu a Royal Geographical Society.

9
4.2 A Royal Geographical Society (RGS)

A criação da Royal Geographical Society (RGS) demonstrou-se crucial para o processo


de institucionalização da geografia inglesa no final do século XIX. A RGS não foi fundada até
1830, mais de 60 anos depois de Cook adentrar o Pacífico. Sir Joseph Banks (1743-1820) foi
eleito presidente da Royal Society em 1778, posição na qual ele se manteve firmemente até sua
morte. Um homem arrogante e impetuoso, obcecado com a honra pública e cerimonial, ele
manteve por motivos invejosos o monopólio da ciência metropolitana na guarda da Royal
Society.
A man self-sufficient and intolerant to advise, haughty, vainglorious and not a little
puffed up by the honours he received from a King with whom he made it his business
to stand well (STODDART, 1986, p. 19).
Com o próprio Banks desempenhando o papel de liderança nas explorações, não havia
a necessidade da organização de um grupo formal para este propósito. Banks se opôs a formação
da Geological Society of London em 1807, e o resultado foi que o crescimento da especialização
da ciência geológica só foi refletida como uma organização pública com a fundação da Royal
Astronomical Society, em 1820, no ano da morte de Banks (STODDART, 1986, p. 19). Ou
seja, o poder confinado à um indivíduo contrário à criação de organizações científicas próprias
e fora do escopo da Royal Society impossibilitou o avanço e a organização científica na
Inglaterra por meio século.
Durante 1828 e 1829, a ideia da criação da RGS foi discutida por William Jerdan (editor
da Literary Gazette), William Huttmann (funcionário da India House) e John Britton. Foi em
12 de abril de 1830 que eles se encontraram formalmente na casa de Francis Baily, o primeiro
presidente da Royal Astronomical Society, com Capitão W. H. Smyth. A inclusão de Smyth foi
crucial, uma vez que ele envolveu o Capitão Beaufort, o Hydrographer of the Navy, e o
secretário permanente do Almirantado, John Barrow. Nesse momento, a ideia da criação da
nova sociedade científica transformou-se num estágio de reuniões formais e prospectos
impressos. Assim, Barrow, um membro do Raleigh Club3, em 16 de junho de 1830, organizou
uma reunião em que ele propôs a formação da RGS. (STODDART, 1986, p. 20).
A RGS, em princípio, era um clube para viajantes, cavaleiros, soldados e marinheiros,
além de um número considerável de cientistas, principalmente geólogos. Brotton (2014) indica
que a criação da RGS visava completar um círculo de instituições científicas estabelecidas na
metrópole britânica. Pode-se dizer que a fundação da RGS deve ser vista como uma parte de

3
O Raleigh Travellers Club, cujo nome homenageava o grande explorador elisabetano Sir Walter Raleigh
(BROTTON, 2014).
10
várias ações que ocorreram no início do século XIX por pessoas que tinham interesse na
organização e reconhecimento de seus campos de estudos (STODDART, 1980, p. 190).
A Sociedade (RGS) concentrava o ambiente de exploração e descobrimento, que se
manifestava na figura do “heroísmo”, no ato de explorar lugares exóticos. O explorador foi o
modelo ideal do herói masculino da sociedade Vitoriana, explorador que se colocava contra os
elementos e nativos hostis em regiões remotas do globo, em nome da ciência e do Império
(HEFFERNAN, 2003, p. 9).

A Sociedade buscou confirmar sua hegemonia de várias maneiras. Stoddart (1986, p.


21) diz que a primeira medida foi assegurar o patronato do novo Rei, Guilherme IV, fonte de
privilegio e honra, através da intercessão de Sir Robert Peel. Além disso, o irmão do Rei, o
Duque de Sussex, foi apontado como vice patrono. Do mesmo modo, como forma de expressar
sua exclusividade, a Sociedade foi criada num jantar particular no espaço de um clube privado,
da mesma forma como fizeram a Zoological, Geological e a Royal Society.
Stoddart (1986, p. 23) mostra que a RGS, desde o princípio, praticava a dispensação de
seu patrocínio por meio da distribuição de medalhas, uma técnica pioneira e fruto da iniciativa
de Sir Robert Peel na Royal Society em 1826. O próprio Rei criou fundos disponíveis à RGS
para a concessão de medalhas reais, a chamada “the Founder’s and the Patron’s”. Durante o
período entre 1832 e 1979, foram 280 premiações, sendo que desse total, 43 foram por suas
conquistas e avanço acadêmico, e 25 por trabalhos geográficos não exploratórios. Nos primeiros
50 anos da RGS, o número de acadêmicos honrados com medalhas foi pequena: Carl Ritter em
1845, John Arrowsmith em 1863, August Petermann em 1868, Mary Somerville em 1869 e
Keith Johnston em 1871. Esmagadoramente, o reconhecimento público era dado primeiramente
aos exploradores e depois aos surveyors, que eram na sua maioria militares. Somente após 1890
que acadêmicos passaram a serem reconhecidos regularmente. Todavia, mesmo nos 50 anos
seguintes, somente um punhado de nomes de profissionais geógrafos foram inclusos, como
Élisée Reclus, Albrecth Penck e William Morris Davis. Só após 1940 outros profissionais foram
agraciados em maior número, como Isaiah Bowman, L. C. King e Halford Mackinder.
Stoddart (1980, p. 191) mostra que a maioria dos 460 membros originais da RGS em
1830 eram “almost entirely... men of high social standing”.

Tabela 1. Composição dos membros da RGS.

1830 1872 1900


Duques 3 7 6

11
Condes 9 20 81
Outros pares 24 45 81
Baronetes, Cavaleiros 38 112 169
Oficiais Navais 32 133 142
Oficiais do Exército 55 289 552
FRS (Fellows of the Royal Society) 124 105 44
FGS (Fellows of the Geological Society) 19 18 15
Membros totais 460 2387 4031

Fonte: Stoddart (1980, p. 191).

Em primeiro lugar, nota-se o crescimento do número de integrantes ligados à Marinha


e ao Exército Britânico, demonstrando claramente a visão e o papel militar importante que a
RGS passou a cumprir nas décadas seguintes à sua criação. Nesse sentido, observa-se a queda
o número de membros ligados à outras Sociedades, como a Royal Society e a Geological
Society. O crescimento exponencial do número de membros, e a quantidade dos mesmos
ligados à área militar também é visível.

No início do século, o papel da RGS no progresso da exploração colonial mostrou-se


sua maior ocupação. Todavia, havia outro papel a ser desempenhado, em ambientes tão
desconhecidos e desafiadores para os fundadores da década de 1830, como o coração da África
e os ambientes polares. Stoddart (1986, p. 42) argumenta que:
In 1830, the population of England and Wales was 14 million, and that of the world
1,000 million. Perhaps only the Englishman in two lived in towns when the Society
was founded, and only one in five earned his living from industry. By the end of the
century the situation had been transformed. The country’s population stood at 37
million and the world’s at 1,600 million. The coming of the railway and the industrial
revolution had changed not only the face of the land but also the structure of the
population (STODDART, 1986, p.42).
Com a multiplicação das classes média e mais pobres, cientistas como Thomas Henry
Huxley (1825-1895) observaram para a necessidade de uma reestruturação radical dos objetos
e dos métodos de ensino na educação, na qual, segundo ele, a geografia possuía lugar central
(STODDART, 1981, p. 287). Nesse novo clima, a RGS foi quem melhor fez pressão pelas
mudanças na educação geográfica (STODDART, 1986, p. 42).

4.3 A trajetória da geografia em Oxford e Cambridge

Em Oxford, a geografia havia estado presente desde o século XVI (com destaque para
a presença de Hakluyt em Christ Church, 1572-1579) até o século XVIII, todavia “los cambios

12
em los sistemas de enseñanza de la universidad condujeron al declinar de la geografia en el
siglo XIX” (CAPEL, 1981, p. 138).

A geografia em Oxford data desde o século XVI, com a presença de Baldwin Norton,
Lecturer de geografia em 1541-1542. O tema geográfico continuou a ser ensinado em diversos
colégios de Oxford nos duzentos anos que prosseguiram, pelo menos até a metade do século
XVIII.

No início do século XVIII, a geografia estava num estado próspero em Oxford. Edmund
Halley (1656-1742), por exemplo, era o titular da cadeira de geometria, onde fez muito com
suas viagens científicas para estabelecer as fundações da moderna geografia física. Embora a
geografia fosse identificada muito proximamente aos campos da matemática e história, o tema
geográfico continuou a ser ensinado nas universidades. Scargill (1976) mostra que:
The Bodleian4 added to its wealth of books and maps. The generosity of the King
provided the library with its copy of Cook’s Voyages, and James Rennell presented a
copy of his famous Memoir of a map of Hindoostan, together with the map. £104 was
paid for the great Atlas of Cassini in 1800 (SCARGILL, 1976, p. 440).
Após isso, o declínio da geografia deu-se em parte pela decadência intelectual nas
universidades e, mais tarde, quando os sistemas de examinação forma reorganizados, a
geografia foi negligenciada (SCARGILL, 1976, p. 438). Capel (1981, p. 138) mostra que no
começo do século XIX, o estudo acadêmico de geografia encontrava-se num nível
extraordinariamente baixo, apesar da expansão colonial e da intensificação das viagens de
exploração.

Nas universidades não haviam praticamente lugares para a instrução da geografia como
um tema independente, uma vez que não se via ali nenhum contexto ou método de estudo digno
para um estudo sério. O ponto de vista comum foi expresso pelo Professor George Howard
Darwin (1845-1912) em Cambridge: “I cannot see how Geography pure and simple can be
made a subject of intellectual training” (UNSTEAD, 1949, p. 47).

A história da geografia acadêmica em Cambridge efetivamente começou, sobretudo,


não com movimentos internos em prol de uma reforma, mas com o crescente interesse externo
da RGS pela educação, particularmente nas universidades, com a influência de Francis Galton
(1822-1911) e Douglas Freshfield (1845-1934) no início da década de 1860. Este interesse
resultou primeiramente no estabelecimento de um programa de medalhas para alunos de escolas
públicas, baseados em provas e exames em geografia física e política criadas pela RGS. O

4
A Bodleian Library é a principal biblioteca de pesquisa de Oxford.
13
programa começou em 1869 e continuou até 1884, até ser julgado insatisfatório, uma vez que
das medalhas estavam disponíveis apenas para 16 escolas, e nesse período metade delas foram
somente para duas escolas. (STODDART, 1975, p. 219).

Tinha-se uma falta de unificação no contexto e no tratamento do assunto. Para uma


predominante extensão, a geografia era uma mera colocação de fatos sobre a superfície da terra
e as pessoas do mundo, sem maiores referências ocasionais sobre suas inter-relações. Mais do
que isso, tratava-se não de uma geografia, mas duas geografias completamente separadas: a
geografia física de um lado e a geografia política do outro.

A geografia física era baseada na astronomia, com estudos com uso dos globos, e
parcialmente na geologia, com definições cruas e lista de recursos físicos na superfície da terra.
A geografia política consistia em fatos sobre os países e suas capitais, pessoas e suas produções,
com pouca relação ou praticamente nenhuma com as condições físicas encontradas na
superfície do globo. Alguns poucos escritores pensavam em algumas conexões entre partes das
duas geografias, sendo que nesses casos seus trabalhos eram derivados direta ou indiretamente
de trabalhos de geógrafos alemães (UNSTEAD, 1949, p. 47).

Durante o século XIX, todo o modelo do sistema universitário inglês seguia os padrões
das universidades de Oxford e Cambridge, onde se educavam essencialmente os filhos da
nobreza e os futuros membros do clero. Ao longo do século, a necessidade de se dispor de
centros de ensino práticos resultou na formação de locais como o University College de
Londres, dando lugar a um impulso reformista nas universidades, estas motivadas pelo medo
de perderem sua situação de privilégio. As reformas se iniciaram em 1850, gerando a criação
de novos graus de formação em ciências, letras e laboratórios modernos de investigação
(CAPEL, 1981, p. 147).

O Educational Act de 1870 definiu que as escolas locais, as Board Schools, fossem
estabelecidas em áreas onde a educação voluntária por parte das igrejas demonstrava-se
insuficiente, e o princípio da educação elementar para todas as crianças foi legislado em 1876.
A RGS promovia a geografia como uma disciplina escolar crucial para o processo de
fundamentação da cidadania inglesa (JOHNSTON, 2003, p. 48). Repensava-se, portanto, a
geografia nos planos acadêmico e escolar.

Em 1850, a Honour School de Oxford foi reorganizada, e a geografia recebeu uma nova
medida de reconhecimento. Seu lugar como parte dos estudos clássicos foi confirmado, sendo
parte da referência dos estudos da ciência natural e história moderna. Dessa forma, a geografia

14
física seria oferecida como uma opção para a formação. Infelizmente, nenhuma alusão ao
ensino de geografia foi feita, quando na prática partes do tema forma incorporados pelo
departamento de geologia.

George Butler (1819-1890), Fellow of Exeter College desde 1842, apontou para o nível
insatisfatório do ensino de geografia em Oxford. A visão de Butler torna-se interessante uma
vez que ele iria se tornar diretor do Liverpool College, um colégio que alcançou grande sucesso
no esquema de medalhas da RGS (1869-84), que premiava as escolas públicas mais
competentes no ensino de geografia (SCARGILL, 1976, p. 440-41). Em 1872, vinte anos após
dar suas palestras em Oxford, Butler escreveu:
The study of Geography in this country has not until recently obtained a fair share of
attention. The possession of a certain knowledge of geography, sufficient for the
understanding of military campaigns and ancient and modern history has been
assumed at our Universities. But although at Oxford and Cambridge distinguished
professors have drawn attention to the great value and importance of geographical
knowledge, many students take their degrees, and even obtain his honours without
any adequate knowledge of Physical or Historical Geographical (...) Indeed, it is hard
to see how geography can be introduced so long as it is considered merely a
subordinate to history, or botany or zoology (SCARGILL, 1976, p. 441).
No verão de 1871, o Major-General Sir Henry Rawlinson (1810-1895) sucedeu Sir
Roderick Murchison (1792-1871) como Presidente da RGS, e logo escreveu para os Vice-
Chanceleres de Oxford e Cambridge. Extratos da carta de Sir Rawlinson foram citadas no The
Geographical Journal por Stoddart (1975) e Scargill (1976). A RGS estava particularmente
preocupada com o fato de que nem a geografia física ou política eram especificadas na lista de
assuntos e temas no exame acadêmicos e escolares ingleses, onde:
The elements of Political Geography are the groundwork of History, and Physical
Geography exhibits the field of Natural Science. The most learned of Continental
nations express this opinion by the character of their examinations: thus in the higher
forms of the Prussian ‘Gymnasia’ – whose system seems to have furnished, in some
degree, the model of the scheme now before the Universities – the pupils have to give
one-tenth of their time to Geography, and have to pass a compulsory, not an optional,
examination in it before they are allowed a certificate of fitness to enter a University...
in a school well furnished with appliances for geographical teaching, the mere
elements, which all ought to know, would be learnt in early boyhood with trifling
difficulty, while the more advenced knowledge which older boys would adquire, who
elected Geography, either Physical or Political, as one of the subjects of their
examinations, would be obtained without waste of effort, and without burdening the
memory names, to which no corresponding image existed in the mind (SCARGILL,
1976, p. 441).
We speak of geography, not as a barren catalogue of names and facts, but as a science
that ought to be taught in a liberal way, with abundant appliances of maps, models,
and illustrations... We look to the Universities, not only to rescue geography to being
badly taught in the schools of England, but to raise it to an even higher standard than
it has yet attained (STODDART, 1975, p. 219).

15
Nenhum passo foi dado pelas universidades até a Sociedade completar o reexame de
sua política educacional abolindo das escolas públicas o programa de medalhas, em 1884. Três
anos depois a RGS seguiu os apontamentos da carta enviando um memorando à Royal
Commissioners inquirindo sobre as universidades e as próprias universidades. Esse movimento
demandava urgência no “establishment of Geographical Professorships at both universities”
(KELTIE, 1886, p. 81).

O memorando não só apontava para o estabelecimento da cadeira de geografia por Carl


Ritter em Berlin, mas também em Halle, Marburgo, Estrasburgo, Bonn, Göttingen, Breslávia,
Neuchatel, Genebra, Zurique, Paris, Bordeaux, Caen, Lyon, Clermont-Ferrand, Nancy e
Marselha, uma lista que explicitava agudamente o atraso e a falta de reconhecimento geográfico
na Inglaterra (STODDART, 1975, p. 219).

Com base em Capel (1981), pode-se dizer que o avanço da geografia nas universidades
inglesas foi bem mais tardio do que em outros países europeus, principalmente em comparação
com os vizinhos imperiais, Alemanha e França, pois:
La consideración de la geografia en las universidades británicas era muy escasa entre
los años 1850 y 1880. En ese período la geografía era simplesmente una ciencia
auxiliar de la historia o de las ciencias naturales, y nadie veía la necessidade de su
institucionalización como especialidad científica universitaria (CAPEL, 1981, p.
147).
A resolução dessa questão pelas universidades e a RGS poderia pôr fim a um ciclo de
círculos viciosos na educação geográfica inglesa. Para Unstead (1949, p. 48) de fato, um círculo
vicioso estava envolvido, pois como a geografia não era considerada digna de estudo
acadêmico, instalações para o ensino e pesquisa não podiam ser concedidos, e até essas
instalações serem garantidas, a geografia não teve oportunidade de avançar e de merecer
reconhecimento. Havia um segundo círculo vicioso: não haviam professores qualificados em
geografia, pois não havia treinamentos, e sem treinamentos, nenhum professor seria capacitado.
Nas escolas públicas e middle schools, a atitude em relação à geografia era similar. Nesse
sentindo, surgia um terceiro círculo vicioso: escolas cujos alunos iam para a universidade não
podiam arcar tempo e dinheiro num tema que não teria reconhecimento mais tarde; e as
universidades não podiam arcar com o custeio de um tópico que as escolas não haviam
adequadamente educado seus alunos.

Essa era a situação em meados da década de 1980, porém, a situação viria a mudar e ser
radicalmente transformada por dois desenvolvimentos paralelos que tomaram lugares
independentes a tempo de se aderirem dentro de três anos. Esses dois movimentos foram

16
centrados em Londres e Oxford respectivamente; o primeiro dentro do Council of the Royal
Geographical Society, e o último na pessoa de Halford John Mackinder (UNSTEAD, 1949, p.
48).

4.4 O relatório de Scott Keltie

Na Grã-Bretanha o princípio de ensino obrigatório tardou a ser adotado, e em 1860 era


possível dizer que “la Inglaterra propriamente dicha era el país de Europa donde está menos
generalizada la instrucción” (CAPEL, 1981, p. 144).

Foi notória a intenção da RGS de desenvolver os aspectos educacionais da geografia na


Inglaterra. Para tal, ela movimentou-se por meio de abordagens nas universidades de Oxford e
Cambridge, e introduziu, em 1868, o programa de premiação de medalhas nas escolas públicas,
por sugestão de Francis Galton, mas os resultados formam decepcionantes. Em janeiro de 1884,
o Council da RGS decidiu encerrar o programa. Tinha-se na RGS três linhas de raciocínio sobre
como encorajar o estudo geográfico nas escolas. O primeiro, capitaneado por Clements
Markham (1830-1916), visava fornecer a instrução de viajantes para pesquisa e mapeamento,
algo que já ocorria, além de instruir em cursos regulares e palestras sobre os elementos das
outras ciências que eram ligadas à geografia, como a astronomia, pesquisa de campo e
elaboração de mapas (WISE, 1986, p. 368). Markham era contrário ao apontamento de um
Professor de geografia pela RGS, uma vez que “no one in England possessed of enough
acquaintance with all the different branches of geographical knowledge” (WISE, 1986, p. 369).

Wise (1986, p. 369) aponta que uma visão diferente era definida por Francis Galton, um
dos principais nomes da RGS. Para ele, a Sociedade deveria indicar um Professor por um
período de tempo limitado, e seria o próprio Galton o responsável por se informar do estado da
educação geográfica na Inglaterra e no exterior, por meio de diagramas e mapas. O Professor
apontado pela RGS deveria dar aulas e palestras nas escolas, universidades e outros locais de
instrução que a Sociedade determinasse. O plano de Galton ganhou o favor do Special
Committee e uma moção para nomear um Professor para um termo de três anos com um salário
de £300 por ano, sendo a proposta apresentada ao Council em 25 de fevereiro de 1884. Todavia,
Douglas Freshfield não foi favorável ao plano, e adicionou uma emenda de qualificação no
sentido de que, se um Professor fosse nomeado, a RGS deveria comunicar às autoridades de
Oxford e Cambridge que o objetivo de estabelecer a instrução geográfica por meio de palestras
e aulas seriam entregues aos seus membros e sob sua autoridade.

17
Em 24 de março de 1884, Freshfield apresentou três resoluções para discussão no
Conselho. A terceira dessas, previa dar continuidade às instruções para os viajantes que
pretendiam viajar e fornecer a eles palestras sobre as ciências relevantes. A segunda resolução
seguia a linha de sua emenda anterior: era desejável apontar palestrantes, mas o apontamento
da RGS deveria ser comunicado juntamente com as autoridades de Oxford e Cambridge. A
primeira resolução, a que Freshfield realmente era favorável, pretendia alocar £150 na indicação
de um Inspetor, “to collect and arrange in the Society’s premises all the best books, maps,
models, diagrams, and appliances published in England or on the Continent, and to report
thereon” (WISE, 1986, p. 369).

Unstead (1949, p. 49) argumenta que dentro das discussões internas na RGS, Freshfield
recomendou que “It was a counsel of prudence of the part of the Educationalists... to postpone
discussion until they had time to strengthen their case by obtaining evidence of what was being
done on the Continent and particularly in Germany”.

Dessa forma, Freshfield redigiu uma carta para Markham em 11 de março de 1884, uma
carta que fornecia as bases para um acordo. As propostas de Markham de estender as instruções
para viajantes e incluir palestras sobre as ciências naturais foram aceitas por Freshfield. A chave
do debate era o aceite de Markham para apontar por um ano um Inspetor de Geografia, resultado
que significava um ganho de um ano, para que o relatório do Inspetor pudesse prover novas
evidências, significando novas oportunidades para discussão na RGS (WISE, 1986, p. 370).

No final, Freshfield induziu o Council à anunciar um Inspetor, para verificar por


correspondência ou por visitas à extensão, natureza e métodos geográficos educacionais e as
atitudes dos professores de geografia e das universidades, no Reino Unido e em vários países
da Europa, além de obter informações similares por correspondência dos Estados Unidos. O
Inspetor também requeria coletar espécimes dos melhores livros, arranjando e classificando
essas informações, para finalmente preparar um relatório incorporando os passos que ele
recomendaria ao Council para ampliar e melhorar o conhecimento geográfico no Reino Unido
(UNSTEAD, 1949, p. 49).

Foi em 24 de março de 1884 que o Council aceitou custear £250 para cobrir os custos
do Inspetor, incluindo seus gastos de viagens. Definiram-se dois principais candidatos à
posição. Em três de junho de 1884, o candidato John Scott Keltie (1840-1927) escreveu ao
Council solicitando o posto, onde disse:

18
“I have, for many years given especial attention to geography and for the last ten years
have written largely on geographical subjects, mainly in The Times, Nature,
Encylopaedia Britannica” (WISE, 1986, p. 370).
Subeditor da revista Nature, e tendo ele escrito artigos e revisões geográficas para o The
Times, especialmente sobre a exploração e aquisições europeias na África, Keltie tornou-se
membro da RGS em 1883. Segundo Wise (1983, p. 367), Keltie possuía uma combinação de
muitas qualidades, incluindo o interesse pelo tema geográfico, habilidade de acumular e
organizar informações, uma boa escrita e um alto grau de diligência.

Assim, Scott Keltie foi apontado como Inspetor em 23 de junho de 1884. A RGS lhe
emitiu um memorando de orientação por meio do jornal The Times, em 31 de julho. Dessa
forma, Keltie assumiu sua função imediatamente (WISE, 1986, p. 370). O relatório de Keltie
(KELTIE, 1886) detalhou as instruções da RGS para sua jornada.

19
Figura 2. Memorando de orientação emitido pela RGS em 1884.

Fonte: KELTIE, 1886, p. 9.

20
Figura 3. Memorando de orientação emitido pela RGS em 1884.

Fonte: KELTIE, 1886, p. 10.

Durante as visitas de Keltie às escolas e universidades inglesas, ele recordou que “I have
been received with courtesy and in many cases with simpathy”, e em suas visitas aos outros
países do continente europeu, “I was welcomed with cordiality proportionate to greater interest
taken in geography and geographical education” (KELTIE, 1886, p. 10). Na Inglaterra, Keltie
tomou como guia a lista de escolas convidadas à competir pelo programa de medalhas da RGS,
além de escolas que lhe pareciam representativas para os motivos de inspeção, marcadas com

21
o asterisco5 (KELTIE, 1886, p. 11). O método de procedimento de Keltie caracterizou-se pela
sua comunicação com os diretores das instituições, enviando-os o Memorando de Instruções da
RGS, em conjunto com uma lista de questões levantadas por ele, servindo principalmente como
um guia aos pontos e informações que lhe interessavam (KELTIE, 1886, p.12).

Tabela 2. Lista de escolas visitadas/abordadas por Keltie no Reino Unido.

Em Londres: Liverpool Institute*


- Christ’s Hospital* The College, Malvern
- City of London School* Manchester School*
- King’s College School* Marlborough College
- London International College University School, Nottingham
- Merchant Taylors’ * High School, Nottingham
- St. Paul’s* Repton
- University College School* Rossal
- Westminster School* Rugby*
- Royal Naval School, New Cross* King’s School, Sherborne
- Bedford College for Ladies* Shoreham
St. Peter’s College, Radley, Abingdon Shrewsbury
Bedford College Stonyhurst College, Blackburn
King Edward’s Schools, Birmingham* The School, Tunbridge
Brighton College Uppingham School
Bristol Grammar School* Wellington College
Charter House, Godalming* Winchester College
Cathedral Grammar School, Chester Victoria College, Jersey
Cheltenham College Aberdeen Grammar School
Clifton College* Em Edimburgo:
Dulwich College* - Academy*
Eton College* - High School*
Haileybury College - George Watson’s College*
Harrow* - Fettes College
Hurstpierpoint Em Glasgow:
Liverpool College* - High School*
- Academy*
Fonte: KELTIE, 1886, p. 79.

Keltie (1886) aponta que em muitos casos:


“The head-masters confessed that I should learn nothing by actual inspection, either
because they considered it a fallacious method of obtaining information, either
because they had told me in writing all that was to be learned, or because the subject
had admittedly only a pariah’s place on their programmes (KELTIE, 1886, p. 79).
Na maioria das vezes, ele não apenas participou de entrevistas com os diretores, também
assistiu aulas direto das salas, observando os aparatos e objetos utilizados.

5
(Apêndice A, p. 79 em KELTIE, 1886).
22
Para entender o cenário da geografia no plano nacional inglês e continental europeu,
Keltie visitou escolas elementares, de educação primária, high schools, colégios e
universidades. Pretendia-se de fato determinar uma fotografia real acerca do estado do ensino
geográfico, dos pequenos pupilos até os universitários.

Nas primary schools inglesas, o Inspetor da RGS argumentou que a geografia era
ensinada de acordo com um método prescrito com inteligência e entusiasmo. Em algumas
Schools Boards, como as de Londres, Birmingham, Edimburgo e Glasgow, notava-se um
grande avanço, muito com base no que é conhecido na Alemanha como Heimatkunde. Em cada
Board School em Londres, por exemplo, tinha-se um mapa da vizinhança das escolas, um mapa
com as divisões regionais e um mapa da cidade de Londres e seus arredores (KELTIE, 1886, p.
13). Apresenta-se abaixo o programa descrito pelo Educational Department para as escolas
elementares em 1885.

Figura 4. Programa do Educational Department para as escolas elementares em 1885.

Fonte: KELTIE, 1886, p. 84.

No que tange as High and Middle-Class Schools, tinha-se uma carga horária para a
geografia nessas escolas que contrastava com o tempo destinado para outras disciplinas.
Destinava-se para a geografia uma média de 1h30 de aulas por semana, enquanto os estudos
clássicos eram feitos de 8h à 16h por semana, e 4h à 8h semanais para matemática (KELTIE,
1886, p. 14).

23
Com muitas exceções, não havia um plano geral, um fio condutor geográfico capaz de
assegurar que “who pass through the entire curriculum of a school, shall have a complete course
of geographical teaching, embracing the elements of the various departments of the subject”.
Segundo Keltie, “in one of our greatest public schools it seemed to me that a boy might pass
through the complete curriculum and never get a single lesson in geography, and at best the
instruction he might get would be fragmentary and meagre” (KELTIE, 1886, p. 15).

Os professores, mesmo quando bem intencionados, tateavam no escuro, uma vez que
tinham apenas uma vaga noção da variação e da complexidade dos campos de ensino do tema
geográfico, pois raramente recebiam algum treinamento sobre os melhores métodos de ensino,
e queixavam-se sobre a escassez de bons livros, mapas e outros aparatos.

A declaração de um dos diretores de uma das melhores escolas públicas inglesas pode
ser tomada como a representação da posição das escolas dessa classe:
We have no systematic geography teaching in the school; that is, there are no definite
lessons given in geography, nor any separate masters for geography... I cannot say
that, with our provisions here, there is any guarantee that a boy on leaving the school
would carry away a satisfactory knowledge of geography. In the multiplicity of
subjects we teach, geography does no doubt somewhat get crowded out (KELTIE,
1886, p. 15-16).
Keltie visualizou que a posição insatisfatória atribuída à geografia nas escolas públicas
inglesas não devia-se aos professores, mas sim às condições sob as quais eles eram obrigados
a regular seus programas e métodos de ensino. Para ele:
There is no encouragement to give the subject a prominent place in the school
curriculum; no provision, except at elementary normal schools, for the training of
teachers in the facts and principles of the subject, and in the best methods of teaching
it; no inducement to publishers to produce maps, globes, pictures, reliefs, and other
apparatus of the quality and in the variety to be found on the Continent; while our
ordinary text-books are, with few exceptions, unskilful compilations by men who have
no special knowledge of their subject. In short, in the present condition of things, it is
thought that geography, like English, can be taught by anybody (KELTIE, 1886, p.
17).
Diante disso, constatava-se que a geografia não tinha lugar devidamente reconhecido
nas grandes escolas públicas inglesas. Nas escolas visitadas por Keltie, a geografia, em seu
termo geral, incluindo a geografia política (humana) e geografia física, era ensinada por
professores sem conhecimentos geográficos necessários para tal. E, além disso, a extensão e os
métodos de ensino dependiam diretamente do professor, onde “if he does not care for the
subject, he either does not teach it at all, or simply goes through the form of teaching it”
(KELTIE, 1886, p. 18).

24
A separação observada por Keltie, da geografia política e física na maioria das escolas,
era prejudicial. Embora ele não defendesse que as diferentes áreas geográficas necessariamente
devessem ser ensinadas por um mesmo professor, Keltie pontua que as duas sessões (física e
política) deveriam ser ensinadas seguindo um programa comum, capaz de conectar as nuances
do conhecimento geográfico. O Instrutor notou mais de uma vez o reconhecimento da
indispensabilidade da geografia para um completo entendimento da história. Todavia, a história
e a geografia deveriam ser ciências separadas, próprias, cuja tendência seria separar
inteiramente os dois temas, sendo cada um responsável por um professor distinto (KELTIE,
1886, p. 18).

Os métodos e aparatos utilizados no ensino geográfico inglês foram objeto de estudo no


relatório do Inspetor, onde “the appliances are bad, and as for method, there is none” (KELTIE,
1886, p. 20) e “anything like the precise and careful map-drawing generally insisted on in
Germany is probably not be found in England” (KELTIE, 1886, p. 21). Com raras exceções no
panorama inglês, não era possível encontrar um método de ensino completo e bem estruturado,
cujo resultado era uma essa posição insatisfatória da educação geográfica.

Nesse caso, os livros de geografia gerais eram quase todos compilados por pessoas que
não tinham nenhum conhecimento especial de geografia, uma vez que na Inglaterra acreditava-
se que, se qualquer um pode ensinar o tema, qualquer um pode escrever sobre ele, sendo que:
Since teachers themselves are, as a rule, quite ignorant, and as in England we find
none of the instructive manuals for the use of teachers to be found on the Continent,
it is the duty of the compiler to put everything into his work, the most prominent
features of which, as a rule, are long lists of names. The advenced manuals are thus
too bulky, and the kind of information given is of a superficial kind (KELTIE, 1886,
p. 23).
Esse cenário inglês diferenciava-se do cenário alemão, onde exceto por propósitos
restritos e acadêmicos, não encontrava-se manuais maciços e volumosos. Ali, os livros eram
realmente úteis, capazes de fornecer ao professor e ao aluno um texto breve para cada lição
diária.

Em relação as universidades inglesas, Keltie (1886, p. 26) alega que a atitude acadêmica
para com a geografia refletia na situação do ensino geográfico das escolas públicas. Para ele,
não havia dúvidas de que se as universidades de Oxford e Cambridge reconhecem devidamente
a geografia, dando à ela lugar em seus exames, ter-se-ia uma poderosa influência no tratamento
da disciplina nas escolas e colégios. Em 1884, não havia um único professor de geografia nas
universidades inglesas. Esse atraso da geografia nas universidades tornava-se ainda mais

25
evidente se comparado com o cenário alemão e francês, outros grandes impérios europeus que
entendiam e valorizavam a ciência e o ensino geográfico.

O plano de fundo inglês mostrava uma geografia era quase completamente


negligenciada como um tema da educação. Keltie resumiu a situação inglesa na opinião exposta
por uma autoridade educacional:
In Universities it is nil. In Public Schools, very nearly nil, as the Society’s
examinations for their medals have proved. And when it is attempted, it is given to
the most incompetent master, and he has a wretched set of maps. It is required for the
Public Services, and taught, I do not know how, by crammers. The only places where
geography is systematically taught in England, are the Training Colleges, male and
female, and the National Board Schools, with now, and of the last few years, some
few good High and Middle-Class Schools (KELTIE, 1886, p. 36).
Por fim, Keltie apontou que muito mais poderia ser feito se os professores tivessem um
melhor conhecimento do conteúdo, além de treinamentos acerca da melhor forma de ensiná-
los. Necessitava-se também de uma programa comum, elaborado em conjunto e capaz de cobrir
todo o campo geográfico sistematicamente, além da disposição de melhores livros, mapas e
outras ferramentas de ensino que são quase universais no restante do continente europeu.

Após o entendimento da situação na Inglaterra, Keltie voltou-se para o continente


europeu. Com informações recolhidas sobre Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Itália,
Holanda, Noruega, Suíça, Suécia e Espanha, ele pontou que “in all these countries educational
of all grades is more or less under the direction of the State” (KELTIE, 1886, p. 37).

Nesses países, para todas as diferentes classes e graus de escolas, o Estado descrevia e
determinava o caráter da educação a ser dada, os temas a serem ensinados, e os programas
gerais a serem seguidos. A geografia recebia o mesmo tratamento que a história, física e
química, por exemplo. E, além disso, não existia a separação do tema geográfico em duas partes
como na Inglaterra, tratava-se a geografia como uma ciência inseparável, onde todas as suas
partes complementavam-se.

O relatório de Keltie designou um considerável espaço para a elucidação do que era a


educação geográfica alemã, uma vez que “the Germany may be taken as the model which all
the other Continental countries are following, as far as their special circumstances will permite”
(KELTIE, 1886, p. 37).

Keltie (1886, p. 380) argumenta que na Alemanha, reconhecia-se a geografia como


ciência imperativa nas universidades. Em um espaço de doze anos, fundou-se doze
Professorships de geografia nas universidades alemãs. Essa medida não apenas melhorou a

26
educação geográfica nas escolas, mas também abriu um novo campo de pesquisa previamente
intocado por qualquer outro departamento de ciência nas universidades.

Tendia-se ainda separar a geografia da história. Em uma circular do Ministro da


Instrução Pública, datada de 31 de março de 1882, os diretores de escolas e colégios foram
instruídos à evitar, o máximo possível, deixar a geografia e a história sob a batuta do mesmo
professor. Uma vez que o professor detinha um treinamento especial para o ensino de geografia,
não havia motivos para ele combinar a geografia com nenhuma outra ciência ou linguagem. Os
professores dedicavam-se inteiramente à geografia.

Para o Professor Dr. Lehmann, de Halle e Münster, uma das maiores autoridades da
educação geográfica alemã, a geografia ainda não havia sido suficientemente reconhecida. Para
ele, o estabelecimento de cadeiras de geografia nas universidades havia ajudado, todavia muito
ainda deveria ser melhorado para os professores, como os métodos aplicados e o Lehrmittel
(material didático). Keltie diz que, como inglês familiar aos métodos e aparatos utilizados nas
escolas inglesas, era notável que a Alemanha estava muito à frente na instrução geográfica
(KELTIE, 1886, p. 38).

Na Alemanha, tinha-se o Heimatkunde como método de ensino elementar, onde era


combinado ou precedido pelo Anschauungslehre (ensino pela observação). Os livros de ensino
que existiam nesse estágio eram designados apenas para os professores, onde os alunos
obtinham suas noções geográficas por meio da observação e da prática. O método do
Heimatkunde parte da escala da cidade para o distrito, daí para a província, do regional para o
nacional, do país para o mundo, em cinco estágios (KELTIE, 1886, p. 39).

Keltie (1886, p. 40-41) descreveu uma aula do Heimatkunde em que esteve presente na
primeira classe de uma Bürgenschule da Saxônia, onde os alunos tinham consigo um pequeno
livro chamado “Hugo’s Heimatkunde von Sachsen”, em conjunto com um bom mapa da
província. Na parede da sala, encontrava-se um belo mapa físico, sem nomes, ao lado de um
grande mapa da Alemanha. Um aluno deveria ler uma sentença do livro, relatando o que pode
ser a natureza da superfície, de seus rios e de seus produtos minerais. Ali o professor
parcialmente questionava os alunos sobre seus conhecimentos próprios, e parcialmente lhes
davam informações, ajudando-os a expandir seus domínios. Assim, em relação aos metais e
minerais como ferro, carvão, chumbo e estanho, muitas informações úteis eram trazidas, como
seus métodos de trabalho e mineração. Espécimes de diversas substâncias que foram coletados
por próprios alunos eram mostrados para a classe. Os alunos eram instruídos a procurarem um

27
pedaço de carvão, algo de metal, latão, para trazer a sala, relacionando os achados com
instruções e mapas. As informações vistas durante a aula eram dos mais variados tipos, não
meramente topográficas, mas sobre os produtos, industrias, manufatureiras, associações
históricas na região, em suma, uma gama de conhecimentos que os pupilos eram treinados para
pensar e observar por eles mesmos.

Uma parte essencial do Heimatkunde consiste em levar os alunos para excursões nos
distritos nos arredores da escola. Os pupilos, com mapas em suas mãos, identificam os
principais recursos, tornando-se familiarizados com as cidades, os rios, os distritos de
mineração e as fábricas e indústrias. Dessa forma, tanto nas redondezas da escola como em
locais mais distantes, o método servia para ilustrar os elementos e princípios do conhecimento
geográfico, aliados com os experimentos de observações e conexões na disciplina.

O ensino na Gymnasia e Realschulen, as Higher Schools alemãs, abrangem a geografia


histórica, geografia matemática, geografia física e política. O programa ilustrado abaixo refere-
se ao ano escolar de 1882-3.

Figura 5. Programa de Geografia pra a Gymnasia e Realschulen em 1882-3.

Fonte: KELTIE, 1886, p. 44.

Todo esse curso estende-se por nove anos. Nesse cenário, a geografia recebe o devido
reconhecimento no certificados de conclusão de todas as escolas alemãs. Destaca-se que seja
28
em escolas preparatórias ou escolas comuns, os alunos devem passar pelo Anschauungslehre e
pelo Heimatkunde antes de começar o curso descrito acima.

O ensino nas Higher Schools alemãs era bom e com métodos similares em Leipzig,
Frankfurt, Halle e Göttingen. Tinha-se nas escolas o reconhecimento do valor da geografia,
onde os alunos que deixam a escola carregavam consigo um bom conhecimento geográfico,
sendo ele “A serious subject of education, legislated by the government, and taught to a large
extent by trained teachers for two hours a week in schools of all grades, with a wealth apparatus
not to be met with in this country” (KELTIE, 1886, p. 48).

Nas universidades alemãs, os professores de geografia nas universidades recebiam o


mesmo respeito e tratamento que outros professores. Os salários oficiais eram essencialmente
os mesmos, geralmente cerca de £400 por ano, com adições de acordo com a proporção e
número de alunos. Não era obrigatório em nenhuma turma de estudantes fazer geografia, mas
para determinados propósitos os alunos precisavam passar por um exame em geografia, sendo
que eram oferecidas palestra regulares sobre o tema, com o número de alunos variando de vinte
à oitenta pessoas. Essas palestras regulares ocorriam de três a quatro vezes por semana, sendo
abertas ao público geral. Para estudantes que queiram fazer um estudo especial no tema
geográfico, e que desejavam se qualificar melhor como professores, existem aulas adicionais,
chamadas Übungen, duas vezes por semana (KELTIE, 1886, p. 48-49).

Além da Alemanha, a França também destacava-se por sua posição frente ao ensino de
geografia nas escolas e universidades. Em 1871, o Professor Levasseur do Collège de France e
o Professor Himly de Sorbonne fizeram um relatório oficial para o Ministro da Educação, com
os resultados da inspeção pessoal de ambos sobre a posição da geografia nas escolas e
universidades francesas. No relatório, os professores concluíram que a geografia, no plano
geral, era mal ensinada. Desde o relatório, o tema da educação geográfica passou a receber
atenção direta do Departamento de Educação da França, resultando em uma presença
substancial nos programas de todas as escolas (KELTIE, 1886, p. 61).

O Anschauungslehre e o Heimatkunde eram ensinados nas escolas primárias, e para as


higher schools francesas o programa era bem similar ao que ocorre na Alemanha. Entretanto,
tanto nos estágios iniciais e mais avançados, “there seems to me to be a lack of the variety and
thoroughness which mark the teaching of geography in German schools. The Heimatkunde, for
example, is too often mere topography”. Nas universidades francesas, a geografia era
considerada um estudo sério, e estava gradualmente obtendo o lugar que deveria ter nas Facultés

29
de l’État. Na Superior Normal School de Paris, Keltie encontrou a geografia ensinada uma hora
por semana, na responsabilidade do Professor Paul Vidal de La Blache. Em uma conversa com
Keltie, La Blache admitiu que os livros e atlas franceses deixavam a desejar (KELTIE, 1886,
p. 62).

O retrato apresentado por Keltie evidenciava que a geografia recebia uma consideração
mais séria na educação de todas as grades escolares nos países continentais, com o exemplo
mais latente vindo da Alemanha. Em suas conclusões, o Inspetor pontou que: “their is no State
Department, and no central body to legislate for schools above the primary grade” (KELTIE,
1886, p. 75). Keltie não propôs que a RGS devesse ocupar o papel do Estado em assumir essa
responsabilidade. Todavia, lhe pareceu correto que a Sociedade possuía o poder e o escopo para
suprir a necessidade de impulso necessário para induzir os órgãos públicos que coordenavam a
educação britânica à elevar o patamar da educação geográfica.

Quanto as escolas britânicas, Keltie aponta que as duas maiores fraquezas são o
conhecimento dos professores acerca da geografia, e da necessidade de organização dos
programas e métodos de ensino. Para tal, necessitava-se de professores treinados, textos de
ensino, mapas e aparatos de caráter superior para aumentar o nível da geografia que é ensinada
(KELTIE, 1886, p. 77).

Essa diferença de abordagem da geografia nas escolas e universidades na Inglaterra e


em outros países europeus como Alemanha e França devem-se a alguns fatores. Segundo
Heffernan (2003, p. 11), com a mudança no balanço do poder na Europa no fim da Guerra
Franco Prussiana em 1870-1, a geografia recebeu um inesperado impulso. Nesse contexto, uma
agressiva expansão colonial fora do continente europeu seria uma maneira de reafirmar um
poder nacional que estivesse ameaçado ou vulnerável no velho continente. Isto posto, as
décadas finais do século XIX foram caracterizadas por um surto de expansões coloniais, onde
cada Império visava aumentar seu poder sobre os inimigos, reais ou imaginários. Essa disputa
por novos territórios enfatizava a utilidade prática da geografia e cartografia. No final do século
XIX, “geography had become unquestionably the queen of all imperial sciences... inseparable
from the domain of official and unofficial state knowledge”.

Nesse sentido, iniciaram-se na Alemanha e França um ensino de geografia nesses novos


moldes geográficos. O sistema universitário alemão foi significativamente reformado durante
o século XIX, tendo muita influência das ideias de Wilhelm von Humbold (1767-1835), da
Universidade de Berlim. Os alemães e franceses entendiam que um currículo geográfico bem

30
constituído nas escolas e nas universidades era a chave para o sistema educacional. Na França,
buscou-se introduzir a nova geração de alunos a beleza, a riqueza e variedade dos seus pays,
detalhando-os e demonstrando sua importância no contexto nacional e sua responsabilidade no
mundo cada vez mais amplo. Para tal, estabeleceu-se na França entre as décadas de 1880 e 1890
doze novas cadeiras de geografia, pois buscava-se equipar e adequar à nova geração de
professores de geografia (HEFFERNAN, 2003, p. 12).

Hudson (1972, p. 142) elucida que a urgência para o avanço na pesquisa e treinamento
geográfico no final do século XIX relaciona-se com os efeitos da Guerra Franco-Prussiana. Para
o Chief Justice Charles P. Daly, President of the American Geographical Society “a war fought
as much by maps as by weapons”, e atribuiu o triunfo alemão ao “skillful military movements
performed by any thoroughly acquainted with all the geographical features of the country over
which it was moved”. A importância da geografia na vitória prussiana sobre a França estimulou
o estudo geográfico na Alemanha, e as preocupações militares influenciaram o governo
Prussiano a estabelecer cadeiras de geografia em cada uma das universidades do Estado, em
1874.

A Grã-Bretanha, talvez por sua insularidade, e talvez porque tivesse a vantagem de uma
liderança confortável no início da renovada corrida imperial, ficou para trás em relação ao
continente no ensino de geografia. O rápido desenvolvimento da educação geográfica na
Europa deve, portanto, ser atribuída em grande parte aos renovados interesses dos poderes
imperiais europeus de controle das colônias em outros continentes. Observava-se,
principalmente pós 1870, “el interés de esa disciplina para el comercio y la política” (CAPEL,
1981, p. 155).

O Inspetor da RGS trabalhou com eficiência e velocidade, uma vez que possuía alta
experiência como investigador e repórter, além de um genuíno interesse pela geografia e pela
educação. Perto de 17 de maior de 1885, menos de dez meses depois de seu apontamento, seu
Relatório foi entregue nas mãos da RGS. Ele visitou sete países europeus, entre novembro e
dezembro de 1884 e abril de 1885, e obteve pareceres de outros países. Aonde quer que tenha
ido, Keltie recolheu o trabalho dos alunos, livros de texto, modelos, mapas, atlas e ferramentas
de ensino que foram coletadas e enviadas a Londres para uma exibição (WISE, 1986, p. 371).
Seu relatório foi “the basis for a ‘crusade’ that involved not just the approaches to Cambridge
and Oxford... but also series of other ‘events’, including a travelling exhibition of maps, atlases,
books, apparatus, and pupil’s work (JOHNSTON, 2003, p. 49).

31
Keltie recomendou ao Council algumas que ações deveriam ser tomadas. Por exemplo,
advertiu que as universidades deveriam ser abordadas com um programa adequado com o
reconhecimento da geografia como uma ciência própria e com relações com outros braços do
conhecimento. Ele também advogou pelo estabelecimento de uma cadeira ou de uma instrução,
e sugeriu ao Council que: “if a competent man should be found, a man of adequade knowledge
and sound well-balanced judment, opportunity might be taken of giving some clear ideas of
what geographers would propose to include in the field of their science” (UNSTEAD, 1949, p.
50).

A exibição de Keltie, devido à quantidade de material recolhido por ele, como livros,
mapas, atlas e espécimes dos trabalhos de alunos, foram todos classificados e catalogados. No
espaço de seis meses, tudo estava pronto em três grandes salões numa galeria em Londres para
a abertura em 8 de dezembro de 1885 (WISE, 1986, p. 372). Um programa de leituras e
discussões foi arranjado para acompanhar a Exibição. Em 15 de dezembro, E. G. Ravenstein
(1834-1913) palestrou “On the Aims and Methods of Geographical Education”, advogando a
adoção dos princípios do Heimatkunde que poderia ser estendido a partir da escala local para a
escala global (WISE, 1986, p. 373). O próprio Keltie deu a segunda palestra em 22 de dezembro
de 1885, “On Geographical Appliances”, enfatizando o valor dos estudos em laboratórios, do
ensino em campo aberto e métodos de interpretação de mapas. A palestra foi significante para
os propósitos da exibição, uma vez que foi indicada ali o que ele considerava como objetivo
para o ensino de geografia:
We want the pupil to realize as vividly as possible the actual appearance of the various
regions and countries of our globe, their physical aspects, their outward
characteristics, the vegetation which clothes them, the animals which roam over them,
the people who dwell therein, the climate which dominates all. More than that, the
pupil ought to be trained to trace out the interaction of the various features upon each
other, and most important and instructive of all, the action and interaction beetween
man and his geographical surroundings, the struggle between him and the forces of
nature (UNSTEAD, 1949, p. 51).
As palavras de Keltie fizeram-se importantes uma vez que ele pregava a união do estudo
geográfico, a junção dos temas físicos e humanas no escopo da geografia, união que foi vista
por ele no tratamento científico alemão e francês. Dessa forma, torna-se fundamental para a
Inglaterra abordar a geografia sob mesmo prisma unificado.

A terceira palestra foi dada em 19 de janeiro de 1886 por James Bryce (1838-1922),
“Geography in its Relation to History”, acerca do encontro da geografia e da história como
ciências que encontram-se no bojo do estudo das diferenças ambientais e na descoberta dos
vários efeitos sobre o homem como uma criatura política e formadora de estados criada pelo
32
ambiente geográfico. Na semana seguinte, o Professor Henry Nottidge Moseley (1844-1891),
em “On the Scientific Aspects of Geographical Education”, ressaltou a importância da
geografia física e a necessidade do tema geográfico fazer parte do ensino nas universidades. A
exibição e a série de palestras foi um sucesso indubitável, com mais de 4.000 pessoas visitando
o espaço em Londres (WISE, 1986, p. 373).

A ação adicional proposta por Freshfield foi discutida pelo Council em 28 de junho de
1886. Abordagens deveriam ser feitas nas universidades de Oxford e Cambridge, com
programas para a indicação de Lecturers ou Readers com assistência financeira por parte da
RGS. Exibições custeadas em até £100 deveriam ser oferecidas ao estudantes de geografia que
participaram das palestras nas universidades para investigações geográficas, seja geografia
física ou políticas, aprovadas pelo Council. A revista Proceedings deveria ser enviada para
quarenta livrarias de escolas públicas. Em setembro de 1886 a Exibição passou a rodar o país,
passando por Manchester, Edimburgo e Bradford, chegando em Birmingham para ser vista na
reunião anual do British Association for the Advancement of Science. Era uma oportunidade
muito boa para ser perdida, e Freshfield expôs sua plataforma para o tema geográfico. Havia
quatro pontos principais, onde a geografia era:
The comprehensive name for the study of man’s physical environment on the surfasse
of this planet and of the interaction between in and the human race. Second, geography
had a coordinating role for the sciences by supplying a frame in which to exhibit and
review the local relations and interaction of the natural sciences. Thirdly, it enabled
one to appreciate the reciprocity between the physical constitution of coutries on the
one hand and the development of their people and states on the other. Fourthly, it had
an exceptional value as the transitional and connecting link between the natural
sciences and history: it was the mediator and univer’ between the rival camps of
educationalists, classical and scientific (WISE, 1986, p. 373).
As ações prosseguiram, e um comitê da British Association foi apontado:
For the purpose of cooperating with Royal Geographical Society in endeavouring to
bring before the authorities of the Universities of Oxford and Cambridge the
advisability of promoting the study of geography by establishing special chairs for the
purpose (WISE, 1986, p. 374).
O comitê reuniu membros de Oxford e membros de escolas públicas. Resolveu-se em
12 de janeiro de 1887 solicitar à British Association o apoio às representações e ofertas que
estavam sendo feitas às universidades pela Sociedade. Neste momento, torna-se imperativo
trazer à luz do debate um nome crucial para a trajetória da ciência geográfica inglesa, Halford
Mackinder.

33
5. OS PRIMEIROS PASSOS DE HALFORD MACKINDER

Halford John Mackinder (1861-1947) nasceu em Gainsborough, Lincolnshire, condado


da região leste da Inglaterra, em 15 de fevereiro de 1861. Filho de pais formados em medicina,
Mackinder recebeu uma bolsa de estudos Junior Studentship em Christ Church, Oxford, no ano
de 1880 (BLOUET, 2005). Mackinder interessou-se desde cedo pela geografia e política. Em
1943, já com 82 anos, ele rememorou que
Minha primeira lembrança de assuntos públicos remonta ao dia de setembro de 1870
em que, ainda um pequeno garoto que acabara de entrar na escola primária local, levei
para casa a notícia, que eu tinha sabido por meio de um telegrama afixado na porta da
agência dos correios, que Napoleão III e todo seu exército haviam se rendido aos
prussianos em Sedan (BROTTON, 2014, p. 228).
Em Oxford, o jovem Mackinder se juntou à Sociedade Kriegspiel, que oferecia a seus
membros formação militar em exercícios, manobras e tiros (BROTTON, 2014, p.228). Aceito
na Junior Studentship, ele passou a estudar ciências físicas sob a batuta de Henry Moseley,
frequentando laboratórios e museus da universidade. Em 1883, Mackinder recebeu o diploma
em ciência natural. No seu quarto ano em Oxford, optou por ler sobre a história moderna, pois
mostrava-se curioso para descobrir se as ideias sobre a evolução, cujas quais havia dominado
durante os anos de estudos no mundo natural, poderiam ser aplicadas ao desenvolvimento
humano (BLOUET, 2004).

Seu influenciador, Henry Moseley, ocupava a cadeira Linacre de Anatomia Comparada,


e participara da expedição Challenger (1872-76), um estudo patrocinado pela RGS de ciência
marinha que cunhou o termo “oceanografia”. Tendo sido orientado por Charles Darwin (1809-
82), Moseley era um firme crente na teoria da evolução, mas também ensinou a Mackinder a
importância da distribuição geográfica: como a geografia afeta a biologia na evolução na
moldagem das espécies (BROTTON, 2014).

Em 1884 e 1885, Mackinder estudou Direito, onde chegou a mudar-se para Londres, e
foi aprovado pelo exame Bar (teste que determina a aptidão para a prática da profissão) em
1886. Por conta própria, defendeu alguns casos no interior da Inglaterra (BLOUET, 2005).
Durante seus estudos em Oxford, Mackinder estabeleceu uma longa amizade com Michael
Sadler (1861-1835), o responsável por reorganizar a Oxford University Extension.

O contato de Mackinder com a tradição da exploração geográfica científica aumentou


na medida em que passou a ter contato com membros da RGS como Henry Bates (1825-92),
naturalista e autor de Naturalist on the Amazons (1863), o alpinista Douglas Freshfield, o
pioneiro da educação Scott Keltie e Clements Markham, que explorou os Andes e trouxe

34
consigo plantas como cinchona, cuja casca produz quinina, um elemento utilizado para tratar a
malária (BLOUET, 2004b).

Com o engajamento de Sadler em trazer jovens mentes para as discussões e debates


sobre a extensão do ensino para além dos limites da universidade, Mackinder passou a trabalhar
em vários cursos em diversos centros de extensão, ensinando geografia. Em razão de suas
frequentes visitas a Londres para seus estudos em direito, Mackinder acabou conhecendo e
estabelecendo contato com diversas figuras que integravam a RGS, num encontro que trataria
de mudar o rumo da ciência geográfica imperial britânica (BLOUET, 2004a).

Mackinder tornara-se um importante nome no ambiente acadêmico, começando por suas


palestras no Oxford Extension Movement sobre sua “nova geografia”. Foi reportado que em
uma de suas palestras em Manchester, Mackinder falou para mais de 105 professores de escolas
elementares. Os relatos sobre as palestras de Mackinder alcançaram Francis Galton, um
poderoso membro da RGS.

Foi no final de 1885 que o caminho de Mackinder se entrelaçou com as pretensões da


RGS. Na Exibição de Keltie, Mackinder se encontrou e discutiu com os membros da Sociedade,
e com o desenrolar do tempo, a Sociedade viu em Mackinder um potencial e competente
homem, capaz de prover “some clear ideas of what geographers would propose to include in
the field of their science” (WISE, 1986, p. 374). De fato, Mackinder destacava-se:
As a young man he had carried the crusade for geography out into the country,
travelling some 30.000 miles (48.000 km) and giving 600 extension lectures on
physiography and the new geography in the 1880s (STODDART, 1981, p. 291).
Keltie reportou seu achado à RGS e pediu ao jovem Mackinder que escrevesse ao
Council do que se tratava sua “nova geografia”. Em resposta, Mackinder preparou um artigo
que foi referendado à Clements Markham, que reportou de volta ao Council: “I am inclined to
anticipate that the reading and consideration of this paper will form an era in the history of our
Society”. A RGS foi convencida de que Mackinder satisfazia o desejo de Freshfield de
encontrar um representante na geografia que fosse capaz de assegurar uma audiência por meio
de sua inteligência e seu poder de fazer a geografia atrativa, e o artigo de Mackinder foi
preparado para leitura no encontro da RGS em 31 de janeiro de 1887 (UNSTEAD, 1949, p. 52).

A leitura de Mackinder em On the Scope and Methods of Geography (MACKINDER,


1887) advogou pela união do tema geográfico e o estudo da reciprocidade entre a ação humana
e o meio físico natural. Uma decisão de apoio à Mackinder veio de Francis Galton, James Bryce
e, categoricamente, de Douglas Freshfield (WISE, 1986, p. 375).

35
Figura 6. Halford Mackinder em 1886.

Fonte: COONES, 1989, p. 17.

O que é a geografia? Essa era a questão permeava o discurso de Mackinder, cuja


indagação urgia por uma resposta por dois motivos. Em primeiro lugar, os geógrafos passaram
a reivindicar a uma posição devidamente reconhecida no currículo das escolas e universidades
inglesas. Nessa linha:
The world, and especially the teaching world, replies with the question, “what is
geography?”. There is a touch of irony in the tone. The education battle now being
fought will turn of the answer which can be given to this question, can geography be
rendered a discipline instead of a mere body of information? This is but a rider on the
36
larger question of the scope and methods of our science (MACKINDER, 1887, p.
141).
O segundo motivo jazia no fato de que, por mais de meio século, diversas sociedades
promoveram ativamente a exploração do mundo, cujo resultado natural foi a descoberta de
todos os cantos do planeta. Os contos de aventuras e descobrimentos deram lugar aos
questionamentos acerca dos detalhes, do aprofundamento do que se descobrira, onde os
membros das sociedades geográficas questionam-se, “what is geography?” (MACKINDER,
1887, p. 141).

A unicidade do tema geográfico era crucial na visão de Mackinder, que questionava, “is
geography one, or is it several subjects?”, a geografia física e a geografia política são dois
estágios de uma investigação, ou são elas sujeitos separados e condicionados a serem estudados
por diferentes métodos, como um apêndice da geologia e da história? (MACKINDER, 1887, p.
142). Para ele, geografia é a ciência cuja função principal é traçar a interação do homem na
sociedade e muito de seu ambiente que varia localmente. Para isso, antes dessa interação poder
ser considerada, os elementos que devem interagir necessitam ser analisados. Um dos desses
elementos é o meio ambiente, alterado e variado pelo homem, onde é função da geografia física
analisa-lo, onde
We hold that no rational political geography can exist which is not built upon a
subsequent to physical geography. At the present moment we are suffering under the
effects of an irrational political geography, onde, that is, whose main function is not
to trace causal relations, and which must therefore remain a body of isolated data to
be committed to memory. Such a geography can never be a discipline, can never,
therefore, be honoured by the teacher, and must always fail to attract minds of an
amplitude fitting them to be rulers of men (MACKINDER, 1887, p. 143).
Mackinder (1887, p. 144) definiu que a função da geografia política é detectar e
demonstrar as relações que subsistem entre o homem na sociedade e seu ambiente que varia
localmente. Preliminarmente a isso, dois fatores devem ser analisados. É a função da geografia
física analisar um desses fatores, o ambiente variado, “varying environment”, pois nenhuma
outra ciência poderia realizar essa função. Dessa forma, nenhuma outra análise pode exibir os
fatos em suas relações causais e em sua verdadeira perspectiva. Assim sendo, nenhuma outra
análise irá “firstly, serve the teachers as a discipline; secondly, attract the higher minds among
the pupils; thirdly, economize the limited power of memory; fourthly, be equally trustworthy,
and, fifthly, be equally suggestive”.

Novamente, em vias de elucidar sobre a fulcral necessidade de ser unir os temas


geográficos, Mackinder descreve a geografia como uma árvore que divide-se em dois grandes
galhos que, no entanto, estão inextricavelmente entrelaçados. Como objeto da educação, e como

37
base para uma frutífera especialização dentro do tema geográfico, deve-se insistir no ensino e
na apreensão de uma geografia como um todo (MACKINDER, 1887, p. 145).

A união da geografia física e política fortaleceria o objeto científico geográfico,


conforme a experiência de Keltie na Alemanha apontara, pois:
To the practical man, whether he aim at distinction in the State or at the amassing of
wealth, it is a store of invaluable information; to the students it is a stimulating basis
from which to set out along a hundred special lines; to the teacher it would be an
implemented for the calling out of the powers of the intellect, unless indeed to that
old-world class of schoolmaster who measure the disciplinary value of a subject by
the repugnance with which it inspires the pupil (MACKINDER, 1887, p. 160).
A leitura de Mackinder apresentava sua clara declaração sobre a natureza essencial,
valor e tratamento da geografia, e suas relações com outros ramos do conhecimento, além de
seu lugar na educação (UNSTEAD, 1949, p. 52). Após a leitura do Scope and Methods, o jornal
The Times declarou, em 18 de fevereiro de 1887 que “The paper... was meant to show that the
subject could be trained in a way that would make it worthy to take its place alongside of other
departments of scientific research”.

Foi em 10 de fevereiro de 1887 o primeiro encontro entre a delegação da RGS, composta


por Francis Galton, Hon. G. C. Brodrick e Douglas Freshfield, com os delegados do
Hebdomadal Council of Oxford. Em 18 de fevereiro, os representantes da RGS reuniram-se
com membros do comitê do Senate of the University of Cambridge (WISE, 1986).

No início da reunião em 28 de fevereiro de 1887, o General Strachey, Vice-Presidente


da RGS, anunciou que a Sociedade havia oficialmente informado que a Universidade de Oxford
iria estabelecer uma Readership de Geografia por cinco anos, com a indicação de Halford
Mackinder, em junho do mesmo ano. Os acordos finais foram alcançados em maio, onde a RGS
decidiu contribuir com £150 por ano pelos cinco anos, valor que era metade do custo do salário
do Reader. As discussões em Cambridge continuaram por um tempo. Em fevereiro de 1888,
quatro palestras sobre os “Princípios da Geografia” foram dados na universidade pelo General
Strachey. A escolha do Lecturer em Cambridge ocorreu em 12 de junho de 1888, com a escolha
de F. H. H. Guillemard (1852-1933). Desse modo, o primeiro objetivo da RGS, de fazer os
apontamentos nas universidades, foi alcançado quatro anos depois da indicação de Keltie como
seu Instrutor (WISE, 1986, p. 375), abrindo-se o caminho para o reconhecimento da geografia
no ensino acadêmico inglês (UNSTEAD, 1949, p. 53).

5.1 A Readership de Mackinder em Oxford


Foram várias as dificuldades encontradas por Mackinder em seu início como Reader em
Oxford. Não havia uma sala especial reservada para o ensino de geografia, o orçamento era
38
curto e não se encontravam alunos em que a geografia fosse parte essencial de seus cursos.
Tinha-se pouco encorajamento pela presença da geografia nos exames e avaliações nos
programas de curso em Oxford. Mackinder palestrava duas vezes por semana, uma sobre
geografia física e outra sobre a geografia histórica. O público para a geografia física foi pequeno
nos primeiros anos, contrastando com a alta audiência do público na geografia histórica. O
próprio Mackinder falou sobre o tema em uma carta enviada ao Council da RGS em novembro
de 1888:
The geography of the British Isles with special reference to history’ as 80, of whom
60 were undergraduates (mostly reading for History Honours). The physical
geography of continents’ numbered 7, of whom only 5 were members of the
university, mainly geologists. During the past year, and at the present time, I have
always had for two or three men, with a strong inclination to Geography, who would
make it a speciality were there sufficient opportunity and inducement (SCARGILL,
1976, p. 444-5).
O método de ensino de Mackinder sobre a geografia histórica era dificultado pela
ausência de bons mapas e outros aparatos de ensino. Em uma carta à RGS, ele descreveu que
necessitava de “a set of really good blackboards for the use of coloured chalks, a series of large
diagram-maps for lecture illustrations, and one or two sectional models beginning with a model
of the British Isles, coloured geologically to show the relation of relief to structure”. Ele também
escreveu para as autoridades da universidade, que acabaram lhe garantindo uma soma de £100
em 1889 para providenciar a aquisição de materiais ilustrativos para suas palestras. Dois anos
depois, a RGS em conjunto com Oxford, concordou em contribuir anualmente com £50 para
criar uma bolsa de estudos em geografia, com objetivo de encorajar o estudo científico
geográfico. Todavia, a bolsa de estudos provou ser basicamente uma bolsa de viagem escolar,
e o programa foi encerrado após 4 anos, tendo os bolsistas viajado por toda a Europa, pois em
“1892 Mr. Grundy went to Greece and wrote on the battle of Hatra, 1893 Mr. Cosens Hardy
went for Montenegro, 1894 Mr. Beazley went in a steamer round Africa, 1895 Mr. Gunther
studied the volcanic region of Prosilipo” (SCARGILL, 1976, p. 445).

Entre 1886 e 1892, a RGS também contribuiu £60 por ano com a Oxford Extension
Movement, organização em que Mackinder ainda estava muitíssimo integrado. Seus cursos de
extensão em 1888 e 1889, por exemplo, incluíram uma aula sobre “History and geography of
international politics”, refletindo seu crescente interesse pela política e as questões do mundo
contemporâneo. No segundo de seus pareceres anuais à RGS, em 1894-95, Mackinder reportou
que “the great majority of my students are reading for History Honours, and it is clear that if
the Readership is to have an established position and a wide influence in the University, it must
be through the History School”. Anteriormente, ele havia introduzido um “elementary course
39
with should attempt to convey to them (history students) a general but clear and vivid
conception of the theatre of history”. Considerando-os potenciais futuros professores,
Mackinder estimulava a participação de mulheres em suas palestras ao admitilas sem o
pagamento de honorários, além da presença de estudantes estrangeiros que estavam residentes
em Oxford no período. Ainda no parecer de 1894-95, ele voltou a observar que “I cannot help
feeling that what we now most urgently need is the means of giving a more complete
geographical training to a select few of our students”. Esse passou a ser o alvo de Mackinder, e
se Oxford não poderia prover esse passo, ele iria procurar em outros lugares (SCARGILL, 1976,
p. 445).

Em 1892, Mackinder viajou aos Estados Unidos para observar o ensino geográfico que
estava tomando lugar em várias universidades norte-americanas. Em seu retorno, ele aceitou o
convite para ser o Diretor do novo colégio de extensão de Reading. Christ Church, colégio de
Oxford, tinha assumido uma espécie de responsabilidade missionária no empreendimento de
Reading, e no mesmo ano de 1892, o Governing Body elegeu Mackinder como a Student
(Fellow) of the College, com tarefas e deveres especiais em Reading. Ele tomou
responsabilidade no desenvolvimento da história e geografia, em paralelo com suas atividades
da Readership de Oxford, que mantiveram-se não afetadas. Em fevereiro de 1892, a RGS
renovou sua contribuição de £150 anuais para a Readership em Oxford por um segundo período
de cinco anos, pois não pretendia-se criar um compromisso com tempo indefinido. Neste
momento, o Council da RGS ansiava saber se, no caso da subvenção fosse retirada, se a
universidade teria condições de manter a Readership (SCARGILL, 1976, p. 446).

Notava-se a influência de Clements Markham, que tornou-se Presidente da RGS em


1893 e era altamente crítico sobre a forma que a RGS trabalhava na promoção da educação
geográfica, uma vez que não havia nenhum controle do Council sobre as atividades exercidas
na Readership em Oxford. Desta forma, uma carta foi enviada ao Vice-Chanceler de Oxford,
informando-o que a Sociedade não pretendia renovar a contribuição de 150£ para a Readership
após 1887, no final do segundo período de cinco anos firmado por eles. Neste momento, a RGS
já havia contribuído em £2000 para a Universidade, outros £1500 para a Readership, £200 nas
bolsas de estudos, e £300 nos trabalhos da universidade de extensão. A Universidade de Oxford
respondeu em 1896 que manteria a Readership, todavia reduzindo o salário anual de £300 para
£200 (SCARGILL, 1976, p. 446).

40
5.2 A criação da School of Geography

No final do século XIX, Mackinder engajou-se em mais um projeto em prol da educação


geográfica no Império Inglês. Em março de 1895, Mackinder escreveu uma carta pra Markham,
dizendo:
We want in England something corresponding to the Geographical Institute of
Vienna, or least to the less developed geographical department of Harvard University.
This I have naturally wished to see at Oxford, but am now coming to conclusion that
in the interest of National Education, it would be a more general advantage were it in
London. It is of prime importance that we work of the Readership at Oxford should
be not abandoned, but on the other hand the two or three university students who are
occasionally attracted by the lectures to a special study of Geography might follow
their postgraduate course as easily in London as at Oxford (SCARGILL, 1976, p.
446).
Segundo Scargill (1976, p. 446), neste momento Mackinder desenhou um esquema
detalhado para criação da London School of Geography, tendo uma estimativa de um custo
anual de £1200. Em março de 1897, o Council of the RGS concordou em contribuir com £400
por ano, sendo que £800 seria disponibilizado em outubro de 1898. Todavia, os planos do
London Country Council eram outros, e o projeto foi abandonado. Mackinder, ainda não
vencido por completo, avisou a Sociedade que as autoridades de Oxford deveriam estar
preparadas para uma abordagem sobre o estabelecimento de uma Escola na universidade.

Assim, Markham escreveu uma carta pessoal ao Vice-Chanceler de Oxford:

41
Figura 7. Carta de Markham ao Vice-Chanceler de Oxford.

Fonte: SCARGILL, 1976, p. 447.

A iniciativa de Markham colheu frutos rapidamente. Após o assunto ser discutido pelo
Hebdomadal Council, o Vice-Chanceler, W. R. Anson, respondeu em 24 de outubro de 1898
que, com efeito imediato, a universidade estava bem disposta em relação às propostas, e
convidou à RGS para confirmar sua oferta (SCARGILL, 1976, p. 447).

No início de 1899, representantes da RGS foram convidados para se reunirem com um


comitê do Hebdomadal Council, em favor de trabalharem nos detalhes acerca do plano para a
criação da School of Geography. A reunião ocorreu em Oxford em 2 de fevereiro, sendo os
representantes do RGS Clements Markham, G. C. Brodrick, Sir Charles Wilson, Sir Thomas
Holdich e o Major Leonard Darwin. Na reunião, sugeriu-se que:
42
The scholarships be for the promotion of postgraduate study; the resident teachers
give practical instruction, for example, in cartography; that a committee of
management be set up consisting of seven persons, three being nominees of the RGS
(SCARGILL, 1976, p. 448).
A universidade acordou em contribuir com metade dos £800. Nesse sentido, assumiu-
se que Mackinder iria assumir o novo departamento, e seu salário seria aumentado para £300.
Ele teria que ter um residente assistente e arranjos foram feitos para que outras palestras também
fossem dadas na Escola. Em outra carta enviada ao Vice-Chanceler, Markham escreveu:
The great ability of Mr. Mackinder as a lecturer in Geography is well know to us, and
we have full confidence that he will make good use of the considerable opportunity
now offered. In order to secure harmonious working it seems desirable that the Reader
should be considered as the director of the School under the Committee and that the
should be invited to attend the meetings.
The Council are anxious that the resident assistant, whose payment is to be provided
for, should be a thorough physical geographer, as well a surveyor and cartographer.
We also hope that special courses of lectures may be provided on ancient geography,
and on climatology and oceanography, as it is understood that are residents at Oxford
who are well qualified as regards those subjects (SCARGILL, 1976, p. 448).
De sua parte, Mackinder planejou um esquema organizacional para a nova Escola, sendo
ele aprovado, primeiro pelo Council da RGS, depois pelo comitê apontado pela universidade,
no primeiro semestre de 1899. Com um certo grau de pressa, buscava-se implementar o
esquema acadêmico no próximo ano letivo, uma vez que Mackinder planejava explorar o Monte
Quênia no verão daquele ano. Conforme o Vice-Chanceler escreveu a Markham em 9 de março
de 1899, “It is important to get this through so as to give Mackinder time to secure his staff
before he goes off, as he intends to do in the middle of May, on a journey of exploration in
Africa, and then we can get out scheme into work when the October term begins” (SCARGILL,
1976, p.448).

O apontamento de Mackinder como Reader e chefe do novo departamento de geografia


por um período de cinco anos foi aprovado em 1 de outubro de 1899. Dentro do esquema
proposto por ele, Mackinder palestraria duas vezes por semana na Michaelmas e Hilary Terms
sobre “The topographical and historical geography of Europe” e em Trinity Term sobre “The
history of geography”. Seu assistente, que iria receber 270£ por ano, palestraria duas vezes na
semana sobre “The physical geography of the land”, e atenderia na escola todo dia da semana
para auxiliar em trabalhos práticos na geografia física, na pesquisa de campo e cartografia
(SCARGILL, 1976, p. 449).

Afim de acomodar a nova School of Geography, a universidade tornou disponível o


andar superior do Old Ashmolean Museum na Broad Street. Duas salas foram equipadas para
as palestras e aulas. A universidade arcou com mais de £400 para fornecer as salas e outros

43
£100 em 1903 em equipamentos. O escolhido como assistente, ou Assistant to the Reader and
Lecturer in Regional Geography, foi o Dr. A. J. Herbertson (1865-1915). H. N. Dickson (1866-
1922) foi apontado como palestrante em geografia física e G. B. Grundy (1861-1948) como
palestrante em geografia antiga. (SCARGILL, 1976, p. 449).

Figura 8. O staff da School of Geography.

Fonte: SCARGILL, 1976, p. 450.

O jornal The Times, publicou um artigo em 29 de março de 1899 que postulava a Escola
como um empreendimento imperial bem-vindo, uma vez que:
The serious mistakes made and the risks of war incurred by geographical ignorance
have often been referred to, with the establishment of this school there will be no
excuse of such ignorance among those who have the conduct of the Empire’s affairs
(WITHERS, 2001, p.86).
44
5.3 A geografia mackinderiana

Nos anos de Mackinder em Oxford, ele dedicou-se a investigar as qualidades que um


geógrafo deveria portar (SCALEA, 2014, p. 343). Para ele, o conhecimento pode ser definido
como uma disciplina ou como um campo de pesquisa. Quando considerado uma disciplina, o
objeto requer uma clara e precisa definição para fins de organização. Deve exibir uma ideia
central e uma consistente cadeia de argumentos. Por outro lado, nenhuma investigação teórica
pode manter o investigador dentro de limites definidos, embora ele seja, no entanto,
praticamente limitado pela natureza das artes de investigação às quais ele serviu seu
aprendizado. O pesquisador será, então, escritor de livros didáticos, e enquanto a pesquisa é
fertilizada por sugestões nascidas do ensino, a prática educacional será iluminada pelas certezas
e incertezas ao lidar com os fatos. A geografia “satisfies both requirements, it has arts and an
argument” (MACKINDER, 1895, p. 374).

A observação, a cartografia e o ensino são três artes correlatas, e muito ligadas ao mapas,
que caracterizam a geografia, sendo que:
The observer obtains the material for the maps, which are constructed by the
cartographer and interpreted by the teacher. It is almost needless to say that the map
is here thought of as a subtle instrument of expression applicable to many orders of
facts, and not the mere depository of names which does duty in some of the most
costly English atlases (MACKINDER, 1895, p. 375).
Com algumas exceções, na Inglaterra tinha-se bons observadores, cartógrafos ruins e
professores talvez tão piores quanto os cartógrafos. Como resultado, nenhuma pequena parte
da matéria-prima da geografia era inglesa, enquanto o campo da expressão e interpretação eram
alemães (MACKINDER, 1895, p. 375). O geógrafo ideal mackinderiano era:
A man of trained imagination. He has an artistic appreciation of land forms, obtained,
most probably, by pencil study in the field. He is able to depict such forms on the map,
and to read them when depicted by others, as a musican can hear music when his eyes
read a silent score. He can visualize the play and the conflict of the fluids over and
around the solids forms. He can analyze an environment, the local resultant of world-
wide systems. He can picture the movements of communities driven by their past
history. He can even visualize the movement of ideas and of words as they are carried
along the lines of least resistance. In his cartographic art he possesses an instrument
of thought of no mean power it may or not be that we can think without words, but
certain it is that maps can save the mind an infinitude of words (MACKINDER, 1895,
p. 376).
Dessa forma, unia-se a capacidade de imaginação com mãos e técnicas precisas. O
geógrafo ideal mackinderiano relaciona-se com outros braços do conhecimento, pois como
cartógrafo, iria produzir mapas e gráficos para uso escolar e acadêmico; como educador, iria
fazer os mapas falarem; como um mercador, soldado ou político, iria exibir compreensão
treinada e iniciativa para lidar com os problemas práticos no espaço da superfície terrestre, onde

45
“there are many Englishmen who possess naturally these or compensating powers, but England
would be richer if more such men, and others besides, had a real geographical training”. A
Inglaterra deveria se espelhar nos métodos de organização e treinamentos alemães, pois haviam
dois sistemas de examinação importantes para a geografia alemã: o doutorado filosófico nas
universidades e o facultas docendi do Estado. Os candidatos do doutorado apresentavam três
temas científicos, um principal e dois complementares. Os estudantes de geografia, por
exemplo, usualmente elegiam a geografia como tema principal, e a história e geologia como
complementares. Já os exames estatais do facultas docenci, mais severos e de efeitos mais
gerais, resultavam no fato de que cada professor secundário alemão deveria assegurar a
qualificação no Estado no tema que lecionava (MACKINDER, 1895, p. 376)

Keltie já havia visto que na Alemanha a geografia possuía a mesma posição e valor que
os outros objetos científicos do conhecimento como as linguagens, história, matemática, física,
química, geologia, zoologia e botânica. A qualificação garantia o direito de ensinar nas escolas
alemãs (KELTIE, 1886, p. 49). Além disso, as universidades alemãs possuíam institutos
geográficos, estruturados com salas de trabalho e palestras, com ferramentas e coleções
geográficas, além de aulas combinadas com seminários, exercícios cartográficos, escrita de
teses e práticas de campo.

Questionava-se, além do papel do geógrafo, o papel do aluno. No que o aluno irá se


tornar? Nas palavras de Mackinder:
If you are to make citizens, and good citizens, you must give – on a low plane, I admit,
but in a degree – the sence of proportion, that sense of perspective, that outlook which
come from what is known as the study of humaner letters in a University... What we
have essentially to remember is that they (the pupils) are going out into the world, and
they ought to be sent out curious in regard to that world (WELPIOX, 1914, p. 292).
5.4 A institucionalização da geografia
Segundo Johnston (2003) a institucionalização de uma disciplina acadêmica não
envolve apenas:
The creation of teaching departments but also an infrastructure for disciplinary
promotion – both to itself and to the wider world. This usually has three main
components: a formal organisation to ‘represent’ the discipline; journals in which
practitioners’ work can be published; and meetings at which those active in the
discipline could meet and discuss common concerns, including their research work
(JOHNSTON, 2003, p. 58-59).
Capel (1981, p. 155-156) aponta que “la institucionalización universitaria de la
geografia a partir de los años 1880 se hizo esencialmente considerado a ésta como una ciencia
integradora de fenómenos físicos y humanos”. Além das atividades em Oxford e Cambridge,
teve-se em 1893 a criação da Geographical Association (GA), que “nació, en 1893, con el fin
46
de coordenar a los professores de geografía, y fue controlada desde el comienzo por los docentes
universitarios preocupados por la mejora de la enseñanza de la geografía” (CAPEL, 1981, p.
227). A fundação da GA em 1893 permitiu coordenar os professores do ensino primário e
secundário da disciplina e apresenta-los aos novos métodos de estudo e docência à partir da
universidade (CAPEL, 1981, p. 155).

Foi neste cenário em que definiram-se as bases de uma mudança da visão acerca do
ensino geográfico, com o papel aglutinador fundamental de Mackinder. Utilizando-se da
trajetória iniciada pela RGS na década de 1870, em conjunto com a constatação irrefutável do
estado do ensino de geografia na Inglaterra no relatório de Keltie, Mackinder foi capaz de
pensar uma geografia unificada, cujas duas principais vertentes, política e física, deveriam ser
estudadas e praticadas em conjunto, fortalecendo-as mutualmente.

O fin de siècle britânico foi marcado pela busca da sustentação do seu grande poder
imperial, uma vez que temia-se o poder emergente dos Estados Unidos, da Rússia e,
principalmente, da Alemanha. Foi neste bojo político que Mackinder desejava “uptade the
English educational system and curriculum in line with the German structure to meet the needs
of the modern commercial and political world” (MAYHEW, 2000, p. 773).

Unstead (1949, p. 57) aponta que Mackinder “was the right man, in the right place, at
the right time”. O homem certo, pois compartilhava uma visão clara sobre a geografia, uma
ciência indispensável ao Império Britânico, e também era ciente da necessidade da unicidade
do tema geográfico no âmbito da educação, tanto no nível elementar como no nível acadêmico.
Estava no lugar certo uma vez que seus esforços entrelaçaram-se aos da RGS, onde o trabalho
de Galton, Markham e Freshfield possibilitaram o testemunho de Keltie por sobre o panorama
e as diretrizes a serem tomadas no plano educacional inglês. E foi o homem na hora certa uma
vez que ele representou o sopro de mudança necessário no enfretamento do status da geografia
nas escolas e universidades.

A geografia de Mackinder atentava-se para a necessidade dos geógrafos em não só


prover informações uteis quanto aos recursos de um país, mas também advertir sobre a melhor
maneira para explorá-los (HUDSON, 1972, p. 145). Nas últimas décadas do século XIX, a
disciplina geográfica estava implicitamente, se não explicitamente, ligada ao imperialismo
inglês, não apenas em seus objetivos materialistas, mas também com a tarefa de criar o
sentimento de uma “superioridade nacional”. Assim como ocorria nos outros impérios
europeus, ciência e imperialismo “marched arm-in-arm during the nineteenth century, as

47
supremely ambitious, universalising projects concerned to know all, to understand all and, by
implication, to control all” (JOHNSTON, 2003, p. 46). Para Capel (1981, p. 173) “la geografia
se convertió desde la segunda mitad del siglo XIX en una ciencia al servicio de los intereses
imperialistas de los países europeus”.

Figura 9. Criação de departamentos de geografia e cadeiras de geografia nas universidades


britânicas.

Fonte: STODDART, 1981, p. 290.

Com um desenvolvimento acadêmico tardio, o estabelecimento da geografia como uma


disciplina acadêmica também tardou de ser vista no nas universidades (STODDART, 1981, p.
288). Para os fins educacionais, não havia dúvida de que o campo da geografia carecia de uma
definição (KELTIE, 1886, p. 31). Foi na figura de Mackinder que a educação geográfica inglesa
encontrou seu expoente, tanto para defendê-la, como para explorá-la.

48
6. A GEOPOLÍTICA INGLESA E O PAPEL DE MACKINDER

Na primeira metade deste trabalho, é notória a importância de Mackinder no âmbito das


discussões sobre a educação geográfica na Inglaterra, e quais suas funções frente as ambições
do Império. Entretanto, após a virada do século XIX para o século XX, Mackinder passou a
dedicar grande atenção às discussões no âmbito geopolítico, cujo envolvimento culminou na
célebre teoria do Pivô Geográfico da História (MACKINDER, 1904).

6.1 A expedição ao Monte Quênia e o geógrafo legitimado

O estabelecimento da School of Geography de Oxford em 1899 foi concluído após a


exploração de Mackinder no continente africano. Blouet (2004b, p. 323) pontua que “when
Mackinder set off to climb Mount Kenya in 1899 he had been schooled in the British, imperial,
scientific-exploratory tradition by Professor Moseley and the officers of the RGS”.

Segundo Blouet (2004b), os motivos de Mackinder em escalar o Monte Quênia não


eram puramente científicos, pois, em primeiro lugar, representava a busca pessoal de Mackinder
por uma legitimação como explorador, como geógrafo. Em segundo lugar, “the Mount Kenya
expedition was a part of the imperial expansion. Without British government funding the
Uganda railway, Mackinder’s Expedition would not have taken place” (BLOUET, 2004b, p.
323).

Kearns (2009) mostra que quando Mackinder decidiu explorar o Monte Quênia, ele
estava decidido em
To gain his explorer’s spurs and prepared the attempt to become the first European to
climb the second-highest peak in East Africa, Mount Kenya ‘to be generally regarded
as the complete geographer it was still necessary at the time for me to prove that I
could explore as well as teach’. In the summer of 1899 Mackinder went to Kenya,
anxious to use the opportunity of a new railway before any German competitor could
likewise steal this head-start on the ascent (KEARNS, 2009, p. 45).
O próprio Mackinder descreveu sua jornada ao continente africano (MACKINDER,
1900). Sua disputa era a disputa do imperialismo inglês contra o imperialismo alemão,
responsável por alcançar o topo do Kilimanjaro em 1889 com o alemão Dr. Hans Meyer.
Mackinder revelou que:
It appeared, therefore, that when the Uganda railway had reduced the distance from
the coast to Kenya by two-thirds, it should be possible, with no great expenditure of
time, to convey a well-equipped expedition in a state of European health to the foot
of the mountain, and that such an expedition would have a reasonable chance of
completing the revelation of its alpine secrets (MACKINDER, 1900, p. 453-4).
Em sua equipe, estavam “Mr. C. B. Hausburg, who shared with me the expense of the
Expedition, Mr. E. H. Saunders, a collector, Mr. C. F. Camburn, a taxidermist, César Ollier, an

49
Alpine guide from Courmayeur, and Joseph Brocherel, a porter from the same village”
(MACKINDER, 1900, p. 454).

O grupo chegou ao Zanzibar em 28 de junho de 1899, e ao penetrarem no continente


africano, foram várias as adversidades enfrentadas por Mackinder e seus exploradores. Com
esforços e persistência, Mackinder descreveu a visão do topo do Monte Quênia:
The central peak of Kenya is a pyramid of highly crystalline rock, cleft as the summit
into two points, standing north-west and south-east of one another, the north-western
being some 30 or 40 feet higher than the other, and the two perhaps 1000 feet higher
than any other point on the mountain.
The Masai have a legend that they had their origin on Kenya, and I propose that twin
points should be named after the great Masai chief, Batian, and Nelion, his brother. I
owe the suggestion to Mr. S. L. Hinde. Nearly three-quarters of a mile to south-
eastward an ice-clad peak, visible from the plains of Laikipia, rises to about 16,300
feet, and for this I suggest the name of the living Masai chief, Lenana. Between
Lenana and the central peak are glacier passes from which descend to northward and
southward respectively, the two chief glaciers of Kenya, which have been named after
Gregory and Lewis (MACKINDER, 1900, p. 468).
Figura 10. Mackinder no topo do Monte Quênia.

Fonte: MACKINDER, 1900, p. 469.

50
A exploração de Mackinder lhe rendeu o nome de um vale, o Mackinder Valley. O feito
de Mackinder foi muito comemorado pelos ingleses, para o desgosto dos rivais alemães.
Conforme descreve Kearns (2009):
Having got the top on 13 September, Mackinder telegraphed news of his sucess to
Keltie at the International Geographical Congress meeting in Berlin. Keltie was able
to announce the triumph to the Congress at the start of October for this competitive
element was an important part of the imperial context of the Expedition, and in this
regard the triumph was both Britain’s and Mackinder’s (KEARNS, 2009, p. 46).
Como resultado, além do prestígio pessoal de Mackinder e do orgulho inglês, um
trabalho importante de mapeamento e pesquisa de campo foi feita na África, cujos resultados
foram:
A plane-table sketch of the upper part of Kenya, together with rock specimens, two
route surveys along lines not previously traversed, a series of meteorological and
hypsometrical observations, photographs by the ordinary and by the Ives colour
processes, collections of mammals, birds, and plants, and a small collection of insects.
But we were unfortunate enough to lose a portion of our plants on the homeward
journey (MACKINDER, 1900, p. 475).
De volta à Inglaterra, Mackinder portava um status de legítimo explorador, um geógrafo
capaz e testado, pronto para assumir o papel de liderança na geografia do império. Neste
momento, de início de século XX, observa-se uma inflexão na carreira de Mackinder. A batalha
pela educação, apesar de seus plenos esforços, dá lugar à uma dedicação cada vez mais intensa
aos temas políticos e geopolíticos, onde:
This commitment to the Empire pulled Mackinder between politics and education
despite his best efforts to make them serve each other. In a typical letter to Keltie of
1901, Mackinder promised that he was about to give up some of his many
responsibilities for ‘what I want to devote the remainder of my working life to is the
modernization of our English education. It appears to me that the whole future of
Britain depends ultimately on this (KEARNS, 2009, p. 49).
Com o cenário político e econômico mundial, Mackinder acreditava que era o momento
de “turn the attention to social and economic questions and, in particular, to the challenges
facing an imperial people” (KEARNS, 2009, p. 63).

6.2 Mackinder e Ratzel como expoentes da geopolítica imperial

Capel (1981, p. 199) descreve Mackinder como “un ferviente imperialista” que sempre
considerou as necessidades do Estado em suas investigações, onde “la aplicación de la geografía
a los problemas del Estado siempre estuvo en la mente de Mackinder” (CAPEL, 1981, p. 200).

Na política inglesa, o objetivo central no fim do século XIX e início do século XX era
manter seu status de grande potência. Mayhew (2000) aponta que:
For both Liberal Imperialists and tariff-reforming Conservatives, the key problem for
fin de siècle Britain was to maintain her status as a great power. This was in large part
a geographical issue: both groups took pride in Britain’s insular position, but feared
51
that the large emergent nations, the United States, Russia and above all Germany –
would usurp British supremacy, this being enabled by the abundant resources
available to such massive continental powers (MAYHEW, 2000, p. 773).
Percebe-se aqui que os grupos políticos de poder ingleses, os Liberais Imperialistas e os
Conservadores, já viam na insularidade britânica uma possível fraqueza frente à ameaça
continental oriunda, principalmente, dos alemães. Dessa forma, os políticos buscaram:
Developed programmes, rhetorical and practical, designed to combat a perceived
deterioration in Britain’s position as a world power, which involved improved
efficiency at home coupled with a drawing together of the British empire, the aim
being to form a trading bloc capable of competing with the Germans in a struggle
between national economies which was frequently described in pseudo-Darwinian
language (MAYHEW, 2000, p. 774).
Os grandes impérios europeus estavam marcados por uma reflexão científica cada vez
maior, tendo em vista o papel da geografia nacional dentro das disputas internacionais e
imperialistas (CAPEL, 1981). Na Inglaterra, esse raciocínio foi capitalizado na figura de
Mackinder, e na rival Alemanha, coube ao geógrafo Friedrich Ratzel (1844-1904) pensar e
estabelecer uma geografia imperial à serviço da nação.

Bilbao (2015) pontua que:


Sus trabajos estaban fuertemente influenciados por la cultura y el contexto
sociopolítico de su tiempo, cuestión que es necesario considerar en el análisis de la
evolución del pensamiento científico y disciplinar en la geografía política, geografía,
ciencias Sociales y en las humanidades (BILBAO, 2015, p. 66).
Em Ratzel, sua geografia moderna foi marcada pela análise do fenômeno da
territorialidade humana a partir de uma teoria científica que era marcada pelo Lebensraum, o
espaço vital, que “se trataba de un área geográfica dentro de la cual se desarrollaban los
organismos vivos, cuyo tamaño dependía de las capacidades soberanas del Estado, entendido
como la institución que unifica a los pueblos apoyado por un territorio y la historia común”
(BILBAO, 2015, p. 68).

Para Ratzel, a posse e a luta pelos espaços territoriais eram a síntese da disputa pela
sobrevivência do império alemão. Segundo Bilbao (2015, p. 68)
En el caso de Ratzel, desde una concepción orgánica y materialista del espacio,
surgieron teorías referidas a qué características y tamaño debían tener los territorios
para assegurar la proyección de un Estado en el tiempo, y otras que consideraban a las
fronteras como estructuras que evolucionaban en virtud de la posibilidad de los
pueblos de ampliar sus espacios para asegurar la supervivencia de una población
creciente.
Costa (2016, p. 33) argumenta que Ratzel utilizou a ideia do Estado como um
organismo, uma vez que o solo condiciona as formas elementares e complexas de vida e, sendo
o Estado uma forma de vida, seu comportamento será semelhante aos dos seres vivos na terra,

52
cuja lei é nascer, avançar, recuar, estabelecer relações e declinar, num ciclo que nasce e renasce.
Dessa forma, a analogia do solo, por suas características intrínsecas:
“Favorece ou emperra” o desenvolvimento dos Estados, é a ideia de que eles
dependem de determinadas condições naturais, tais como a forma de relevo, as
condições de circulação marítima e fluvial, baseada na evidência empírica de que os
“grandes Estados” desenvolveram-se sobre essas bases (COSTA, 2016, p. 33).
O papel do solo é fundamental, crucial e determinante na visão de Ratzel, uma vez que:
O homem, vem como a maior de suas obras, o Estado, não é concebível sem o solo
terrestre. Quando nós falamos de Estado, designamos sempre, exatamente como no
caso de uma cidade ou estrada, uma fração da humanidade ou uma obra humana e, ao
mesmo tempo, uma superfície terrestre (RATZEL, 1987, p. 60).
Esse raciocínio ratzeliano permite entender o desenvolvimento político das nações pela
via da ampliação do espaços dominantes. É de suma importância observar que esse momento
da história europeia, tendo em vista a disposição de um mundo cada vez mais em escala global,
com a emergência de potências mundiais, culminam por apresentar estratégias “antes de tudo
globais, isto é, ‘projetos nacionais’ tendem a assumir cada vez mais um conteúdo
necessariamente internacional” (COSTA, 2016, p. 59).

Hobsbawm (1989) traz luz ao debate quando firma que:


A essa altura torna-se difícil separar os motivos econômicos para a aquisição de
territórios coloniais da ação política necessária para este fim, pois o protecionismo de
qualquer tipo é a economia operando com a ajuda da política (HOBSBAWM, 1989,
p. 102).
O panorama descrito pelo historiador inglês mostra que o imperialismo expressava uma
fase histórica do capitalismo marcada pela expansão territorial e econômica dos Estados em
todo o mundo. Segundo Costa (2016), o comportamento imperialista nos níveis econômicos e
territoriais das grandes potências:
Assentava-se em dois movimentos principais, envolvendo estratégias de dominação
em escala global: disputas hegemônicas de vizinhança, circunscritas aos espaços
sujeitos à influência direta de cada Estado – caso da Europa, principalmente, e
competição pelo domínio dos territórios de expansão colonial. Ambos os movimentos
envolviam, simultaneamente, lutas no nível do poder dos estados e concorrência
internacional entre os capitais monopolistas de cada grande potência (COSTA, 2016,
p. 60).
Entretanto, Costa (2016, p. 33) alerta que a analogia do solo e a disputa pelo espaço não
se trata de um determinismo estreito, ou meramente causal. Para ele, o solo e seus
condicionantes físicos são apenas um dado geral capaz de gerar desenvolvimento estatal se, a
nação ou o povo, antes de tudo, conseguir organizar essa capacidade potencial em algo efetivo.

Neste momento da história, Mello (1999) ilustra que:


O mercado mundial encontrava-se desigualmente repartido em impérios coloniais e
esferas de influência entre um reduzido grupo de grandes potências. Países que se
53
constituíram em Estados modernos precoces, como a Inglaterra e a França, saíram à
frente na corrida imperialista, apossando-se da maior e melhor parte do butim
colonial. Porém, países que constituíram Estados nacionais tardios, como foi
especialmente o caso da Alemanha, chegaram atrasados na partilha colonial, quando
a divisão estava praticamente concluída e, segundo Bismarck, só haviam sobrado
“pântanos e desertos”. Até subsequentes rivalidades interimperialistas, ávidas por uma
nova divisão do mercado mundial, arrastaram as grandes potências a uma corrida
armamentista que, na virada do século, agravou ainda mais a crise europeia (MELLO,
1999, p. 29).
Tendo em vista a necessidade da geografia se atentar aos debates de escala nacional e
internacional, Ratzel e Mackinder receitavam necessidades diferentes aos geógrafos de seus
países. Para Ratzel, o maior engajamento dos geógrafos nos estudos políticos e espaciais
“ocorreria pela compreensão das relações entre o Estado, o território e o projeto geopolítico
alemão” (COSTA, 2016, p. 78). Para Mackinder, era necessário optar pela “introdução de uma
‘visão estratégica global’ nos estudos geográficos e nas elites do país” (COSTA, 2016, p. 78).

6.3 A causalidade geográfica de Mackinder

Segundo Aron (1979, p. 205), o espaço geográfico “é considerado com teatro, e não
mais como meio6 quando o observador só leva em conta algumas de suas características”. Dessa
forma, o geopolítico vê no meio geográfico “o terreno em que se desenrola o jogo diplomático
e militar”. Na visão do filósofo francês:
A sorte da Inglaterra seria inconcebível sem sua posição insular. A segurança contra
as invasões, que nem Veneza nem a Holanda tiveram no mesmo grau, a importância
dos seus recursos alimentares, os trigais do Sul, e mais tarde as minas de carvão, deram
à diplomacia inglesa uma liberdade de ação que os Estados europeus continentais não
conheceram. De um lado, a Inglaterra devia sua potência defensiva à natureza: podia
manter-se fora dos conflitos da Europa, pondo-se momentaneamente ao lado do
partido mais fraco; decidir as controvérsias, no momento oportuno, com um corpo
extraordinário, reservando o grosso das suas forças às tarefas de manter a supremacia
naval e a expansão imperialista. A Inglaterra aproveitou sua situação insular para
conduzir uma política que um Estado em outra situação geográfica não poderia
executar. Esta política, contudo, não foi determinada pela situação, que deixava uma
certa margem de escolha, oferecendo alternativas de ação diferentes. A escolha feita
não foi acidental, nem inexplicável, mas também não foi imposta pelo meio natural
(ARON, 1979, p. 204).
Mackinder trabalha a ideia de causalidade geográfica, ou geographical causation in
universal history, em seu Magnum opus apresentado ao mundo em 1904, a teoria do Pivô
Geográfico da História (MACKINDER, 1904). Entretanto, Aron (1979) acredita que não há de
fato qualquer traço de causalidade geográfico no conjunto da história universal apresentado por
Mackinder. Todavia, Mello (1999) argumenta que a concepção de uma:
Ordem mundial estruturada como unidade compacta permitiu a Mackinder
desenvolver a ideia de uma história universal baseada na causalidade geográfica. A

6
O meio é natural e histórico, definido concretamente e compota todos os traços que os especialistas na fauna, na
flora, nos solos e nos climas tem condições de identificar (ARON, 1979, p. 198).
54
proposta de Mackinder era realizar uma abordagem da história mundial à luz dos
fenômenos e dos fatos da geografia. Para ele, a unificação do mundo pelo terceiro
surto expansionista oferecia a oportunidade inédita de generalizar e correlacionar as
realidades geográficas globais e os processos globais, sintetizando-os numa fórmula
abrangente e capaz de exprimir (MELLO, 1999, p. 32-3).
Certain aspects, at any rate, of geographical causation in universal history.
(MACKINDER, 1904, p. 422).
Aron (1979, p. 210) discorre que Mackinder partiu de fatos geográficos, como a
distribuição desigual de terras e águas no mundo, os recursos e as particularidades do clima,
relevo e solo. Mackinder teria relacionado os vários tipos de povoamento com os fatos
geográficos, porém, seria ele o último a sugerir a determinação das populações pelo meio.

Mello (1999), no entanto, elenca que a causalidade geográfica na história aproxima


Mackinder do determinismo marxista, pois “o primado atribuído aos condicionamentos
geográficos revela a existência de certos paralelismo entre Marx e Mackinder, uma vez que
amos têm da história uma visão materialista, unicausal e teleológica” (MELLO, 1999, p. 33).

Dessa forma, o autor argumenta que:


Esquematicamente, a concepção marxista tem como fundamento irredutível a
determinação da base econômica sobre a superestrutura político-ideológica, a luta de
classes entre proprietários dos meios de produção e detentores da força de trabalho, a
destruição do sistema capitalista pela revolução proletária e a construção de uma
futura sociedade comunista. A visão mackinderiana baseia-se no condicionamento
exercido pelas realidades geográficas sobre os processos históricos, no confronto
secular entre as potências oceânicas e as potências continentais, assim como no
declínio da supremacia mundial do poder marítimo e no advento da era pós-
colombiana do poder terrestre (MELLO, 1999, p. 33).
A visão de Mello (1999, p. 34) diz que em Marx, as transformações da tecnologia
impulsionavam a expansão das forças de produção de tal modo que, em algum momento do
estágio do desenvolvimento capitalista, ter-se-ia um conflito entre as relações de produção
existentes. Em Mackinder, o advento das inovações tecnológicas nos meios de transporte
terrestre, como as ferrovias e as locomotivas, dariam ao poder terrestre uma mobilidade superior
à do poder marítimo, o que poderia acarretar na suplantação do poder marítimo pelo poder
terrestre.

Mello (1999, p. 35) aponta que, segundo o materialismo geográfico de Mackinder, as


coerções, as servidões e os desafios impostos pelo meio ambiente acabam por influenciar
decisivamente a história dos povos, modelando em larga medida seu caráter nacional e
desenvolvimento neles uma vocação predominantemente marítima ou continental.
Desenvolveu-se assim:
No primeiro caso, países insulares ou possuidores de alto coeficiente de maritimidade
condicionavam o desenvolvimento de uma vocação oceânica em seus habitantes,
como predestinando-os às atividades navais e mercantis. Os exemplos mais
55
destacados seriam os cretenses, os fenícios e os gregos na Antiguidade, assim como
os portugueses, os espanhóis, os holandeses e os ingleses na Era Moderna. No segundo
caso, países mediterrâneos ou de conformação predominantemente terrestre
favoreciam em seus povos o desenvolvimento de uma vocação continental e de
tendências expansionistas. Os exemplos mais destacados seriam os citas e o persas no
mundo antigo, os germanos e os mongóis no medievo, assim como os alemães e os
russos na Época Contemporânea. Entre os dois extremos situavam-se, numa posição
intermediária, aqueles países que possuíam um adequado equilíbrio entre sua massa
territorial e sua fachada litorânea. Aqui, os fatores geográficos imprimiam aos povos
um caráter nacional híbrido ou anfíbio, que condicionava o desenvolvimento
alternado ou simultâneo de ambas as vocações. Esse seria o caso dos cartagineses e
romanos do mundo antigo, dos bizantinos e sarracenos na Idade Média, bem como
dos franceses e norte-americanos na Era Contemporânea (MELLO, 1999, p. 35-6).
Em linhas gerais, Mello (1999) identifica que:
O traço comum às duas concepções é a consciência da servidão que, em última
instância, governa o papel do indivíduo na história: uma liberdade de ação na qual a
virtù das classes ou das nações está submetida inexoravelmente à fortuna dos fatores
econômicos ou fatos geográficos (MELLO, 1999, p. 35).
Neste momento, introduz-se os conceitos do poder marítimo e o poder territorial. É essa
dualidade, esse embate entre forças que move e instiga o pensamento geopolítico de Halford
Mackinder.

6.4 O poder marítimo versus o poder territorial

O início do século XX foi marcado pelo predomínio das ideias do poder marítimo, da
soberania da força do mar sobre as forças da terra, com a predominância do Império Britânico
por meio de seu poderio marítimo. Esse cenário de força do mar foi resultado de acontecimentos
e relacionamentos entre os povos durante séculos, uma vez que:
A Weltanschauung vitoriana, impregnada pela ideologia colonialista da “missão
civilizadora” da raça branca, era essencialmente ocidentalista e eurocêntrica. Essa
visão de mundo remontava ao começo dos tempos modernos, quando o geógrafo
Gerardus Mercator (1512-1594) transpôs para a projeção cartográfica que leva seu
nome a centralidade conquistada pelo continente europeu na cultura, na política e na
economia mundiais a partir do século XVI (MELLO, 1999, p. 13).
Mackinder nomeou esse período da história de “Era Colombiana” (MACKINDER,
1904). Para ele, esse momento da história havia se encerrado no início do século XX, pois já
não havia mais oceanos a serem explorados, terras desconhecidas e novos continentes a serem
conquistados. A concepção mackinderiana de geopolítica tem como elementos norteadores:
A visão compreensiva do mundo como sistema político fechado, a ideia de história
universal baseada na causalidade geográfica e o postulado da luta entre o poder
marítimo e o poder terrestre (MELLO, 1999, p. 27).
Em primeiro lugar, Mackinder observou que o ciclo histórico da época colombiana,
iniciado quatro séculos antes por dois movimentos expansionistas, em diferentes pontos
extremos da Europa, havia se encerrado. Esses dois movimentos foram marcados pelas suas
diferentes formas de ação, onde:
56
A ocidente, navegando pelo Atlântico e realizando o périplo africano, a expansão
marítima portuguesa em busca do caminho para as Índias; a oriente, partindo do Grão-
Ducado de Moscou e ultrapassando os montes Urais, a expansão territorial russa em
direção aos vastos espaços da Sibéria. Embora pouco divulgada no Ocidente,
obscurecida que foi pela epopeia das grandes navegações, a conquista das estepes
siberianas pelos russos, produziu, a longo prazo, consequências tão relevantes quanto
a descoberta da rota do Cabo pelos portugueses e o domínio do Novo Mundo pelos
espanhóis. Essa dupla expansão - o controle dos mares pelos europeus ocidentais e a
posse da mais extensa massa territorial contínua do planeta pelos russos - demarcou
nos séculos seguintes a oposição oceanismo versus continentalismo e descortinou o
cenário do embate entre o poder marítimo e o poder terrestre pela hegemonia mundial
(MELLO, 1999, p. 28).
No início do século XIX, quando a Inglaterra parecia invulnerável, Mackinder:
Olha para o passado e o futuro; procura descobrir no passado as condições necessárias
à vitória do Estado insular; no futuro, a medida em que as circunstâncias que explicam
em boa parte a grandeza britânica estão destinadas a desaparecer (ARON, 1979, p.
207).
Costa (2016, p. 77) pontua que Mackinder acompanhou períodos importantes para a
histórica contemporânea e em períodos bastante significativos para a evolução do pensamento
geográfico-político, com a transição do século XIX para o XX, com as transformações no
continente europeu que afetaram o mundo. Ele observou o contexto em que o mundo parecia
formar um sistema global fechado, integrado, onde diz:
Falando em termos globais, podemos estabelecer um constante entre a época
colombiana e a precedente, destacando como característica essencial da primeira a
expansão da Europa, contra uma resistência quase nula, enquanto a Cristandade
medieval achava-se encurralada em uma pequena região e ameaçada pela barbárie
externa. Daqui em diante, na era pós-colombiana, novamente nos depararemos com
um sistemas político fechado e, o que não é menos importante, a esfera de ação do
mesmo será o mundo inteiro (MACKINDER, 1904, p. 422).
Dessa forma, a constituição de um espaço político mundial iria afetar o comportamento
externo dos Estados, uma vez que “cada movimento, em qualquer parte do globo, repercutirá
imediatamente no equilíbrio de forças” (COSTA, 2016, p. 80). Ressalta-se aqui um termo
fundamental para o entendimento da discussão geopolítica da época: o equilíbrio. O equilíbrio
entre os impérios, ou melhor, a falta dele, era motivo de preocupação e tornava-se, assim, o
foco de estudo dos geopolíticos imperiais.

O século XIX representou à Inglaterra insular desenvolver uma política internacional


bifronte, pois era isolacionista em relação à Europa e imperialista nas outras regiões do globo,
sendo que:
A Pax Britannica foi o corolário do sistema regional, multipolar e homogêneo, que
durante um século impediu a eclosão de uma guerra generalizada na Europa. O fecho
da abóbada desse sistema era Grã-Bretanha, cuja economia industrial,
parlamentarismo monárquico, império ultramarino e comércio internacional estavam
protegidos pelo escudo da Royal Navy. A vitória sobre o poder terrestre francês
representou o triunfo do poder marítimo e da estratégia naval britânicos (MELLO,
1999, p. 14).
57
Todavia, não foi um súdito de Sua Majestade o fundador da teoria do poder marítimo.
Coube ao almirante americano Alfred Thayer Mahan (1840-1914) estabelecer as bases do poder
do mar, onde na “virada do século XIX, o Sea Power de Mahan tornou-se a bíblia dos
defensores do destino manifesto estadunidense e dos partidários da política de expansão do
poderio naval norte-americano” (MELLO, 1999, p. 15).

O nome de Mahan, oficial da Marinha, formado pela Naval Academy of Annapolis e


professor do Naval War College de Newport (COSTA, 2016, p. 69) parece evocar
imediatamente imagens de navios cinzas e o azul do mar. Ele listou seis fatores fundamentais
que poderiam afetar o desenvolvimento do poder marítimo: “geographical position, physical
conformation, extent of territory, number of population, national character and governmental
character” (JONES, 1955, p. 492). Mahan sintetiza o modo pelo qual ele articula o seu conceito
de poder marítimo:
Nestes três elementos – produção, com a necessidade de troca entre os produtos;
navegação, através da qual esta troca é realizada; e colônias, as quais facilitam e
alargam as operações de navegação e tendem a protegê-las através da multiplicação
de pontos de apoio – encontra-se a chave para boa parte da histórica (bem como
política) das nações marítimas (MAHAN, 1890, p. 28).
A abordagem de Mahan baseia-se em uma concepção integrada de todas as atividades
ligadas ao mar, sendo sua teoria não restrita apenas à análise sobre o poder naval ou sobre o
comércio marinho. Para ele, “é fundamental a natureza e o grau de envolvimento de toda a
população de um país com as atividades marítimas, decorrendo daí as possibilidades concretas
de constituição de um poder de fato nessa área” (COSTA, 2016 p. 70). No que diz respeito à
extensão do território e sua influência no poder marítimo, Mahan é taxativo:
Mais que o total de quilômetros quadrados de um território, o que conta é a extensão
de seu litoral e a característica de seus portos. Apesar disto, diz ele, esses fatores em
si de nada servem, se não forem considerados o tamanho e a distribuição de sua
população. Mais que isso, é preciso que esta população esteja estruturalmente ligada
ao mar e a todas as suas atividades modernas correlatas (COSTA, 2016, p. 74).
Mahan pregava que os Estados Unidos perseguissem uma melhor posição relativa
quanto ao poder marítimo em escala regional e global, tendo como referência a Inglaterra, dona
da hegemonia marítima mundial. Presumia-se assim que, Mackinder, o mais famoso
geopolítico inglês, viesse a confirmar essa tendência, todavia:
Em seu opúsculo de janeiro de 1904, contrariando todas as expectativas, mesmo a de
seus colegas ingleses, ele defende a ideia de que a disputa pela hegemonia em escala
global dependia da importância cada vez maior do que ele chamou de poder terrestre
(COSTA, 2016, p. 79).

58
A dialética entre mar e terra é histórica e profunda em vários sentidos. Segundo Aron
(1979), esses dois elementos parecem simbolizar duas maneiras de ser do homem, levando-o a
duas atitudes típicas:
A terra pertence sempre a alguém, a um proprietário, individual ou coletivo; o mar
pertence a todos, porque não é propriedade de ninguém. O império das potências
continentais se inspira no espírito de posse; o das potências marítimas, no espírito do
comércio. Se a terra e a água representam os dois elementos que conflitam no cenário
mundial, isto se deve ao fato de que a política internacional é intercâmbio e
comunicação. As guerras criam também relações entre indivíduos e coletividades,
embora de índole diferente das do comércio. Os nômades da terra e do mar (os
cavaleiros e os marinheiros) formam dois tipos diferentes de império, são
profissionais de duas modalidades diversas de combate. O movimento não tem o
mesmo papel na terra e no mar. O desejo de reduzir ao mínimo os perigos da batalha,
o esforço do estrategista que reúne suas forças num campo de batalha, para opor ao
inimigo uma frente contínua, não tem equivalência na imensidão do oceano. Antes
dos avanços tecnológicos que renovaram os meios de comunicação, lançar-se à
navegação marítima era aceitar a incerteza da sorte; confiar na improvisação, no
controle de circunstâncias imprevistas, graças a iniciativa individual (ARON, 1979,
p. 207).
Mackinder estava ciente deste dualismo entre o mar e a terra, e a consideração do destino
do seu país nutriu e orientou sua concepção geopolítica. Na época colombiana, a cartografia de
Mercator definiu a Europa como posição central, basilar dos assuntos internacionais. O
geógrafo britânico:
Substituiu a secular visão eurocêntrica por uma nova abordagem que questionava
radicalmente o tratamento geohistórico tradicional dispensado aos europeus. A
Europa era vista como um continente à parte, com um processo histórico endógeno e
autossuficiente que remontava à Antiguidade greco-romana e ao mundo mediterrâneo
(MELLO, 1999, p. 13).
A proposta do poder terrestre de Mackinder relativizava a centralidade histórico-
geográfica europeia, pois a deslocou do centro para o oeste do planisfério, tornou o Velho
Continente parte integrante de um sistema político fechado mundial e subordinou sua história
à dinâmica da história asiática (MELLO, 1999).

Aron (1979, p. 208) indica que Mackinder temia a destruição do Império Britânico por
um Estado continental pela acumulação de recursos, ou por meio da ocupação, a partir da terra,
da malha de bases britânicas, situadas em ilhas ou penínsulas, onde:
Durante séculos a Grã-Bretanha se beneficiou de circunstâncias favoráveis; a Europa
estava dividida, e a segurança das ilhas britânicas, garantida; elas dispunham de
recursos, em homens e matérias primas, da mesma magnitude dos Estados rivais. Com
clarividência, o geógrafo inglês percebeu, no início do século XX, que as duas
variáveis principais deviam alterar-se num sentido desfavorável à potência marítima
(ARON, 1999, p. 208).
A capacidade de mobilidade é uma questão chave na análise da teoria de Mackinder,
uma vez que, para ele:

59
A emergência de um domínio terrestre opõe-se à hegemonia marítima (esta no caso
consolidada historicamente). A questão em jogo, no caso, é a de “capacidade de
mobilidade”, que opôs no passado os “meios de navegação a cavalos e camelos”, com
clara supremacia dos primeiros. Mackinder reconhece esse fato, ao destacar o papel
da circulação marítima e a do poder naval nas modernas estratégias em nível mundial,
elogiando Mahan (COSTA, 2016, p. 81).
É válido frisar que a teoria do Pivô Geográfico tinha como ideia chave:
A existência de uma rivalidade secular entre dois grandes poderes antagônicos que se
confrontavam pela conquista da supremacia mundial: o poder terrestre e o poder
marítimo. O primeiro sediava-se no coração da Eurásia e, mediante uma expansão
centrífuga, procurava apoderar-se das regiões periféricas do Velho Mundo e obter
saída para os mares abertos. O segundo, situado nas ilhas adjacentes ou nas regiões
marítimas eurasianas, controlava a linha circunferencial costeira do grande continente
e, mediante uma pressão centrípeta, procurava manter o poder terrestre encurralado
no interior da Eurásia (MELLO, 1999, p. 11).
Dessa forma, a abordagem mackinderiana baseou-se em uma singular concepção
geohistórica que enfatizava especificamente a integração da história e estabelecia, portanto, um
nexo de causalidade que se tornou o ponto crucial da teoria do poder terrestre. Assim, Aron
(1979) define Mackinder como um “anti-Mahan”, uma vez que o almirante se impressionou
com o papel decisivo do mar sob os impérios, já Mackinder voltou seus olhos para o futuro,
entendendo que:
As estradas de ferro e os motores a explosão permitem triunfar sobre o espaço terrestre
tão eficazmente como os navios a vapor triunfam sobre o espaço marítimo. O que
angustiava o patriota inglês anima as esperanças dos nacionalistas alemães. Termina
a era da potência marítima, começa a da potência continental (ARON, 1979, p. 211).
O conceito do Heartland (MACKINDER, 1904) é entendido pela “terra central” cobre
o interior e a parte setentrional da massa euroasiática, estendendo-se do litoral ártico aos
desertos da Ásia Central. Seu limite ocidental passa entre o mar Báltico e o mar Negro, ou entre
o Báltico e o Adriático (ARON, 1979, p. 206).
A teoria do Heartland foi elaborada sobre a base da esquematização geográfica,
mediante a consideração simultânea de um elemento constante (a oposição terra-mar,
poder continental-poder marítimo) e três elementos variáveis (a tecnologia do
deslocamento em terra e no mar; a população e os recursos que podem ser utilizados
na rivalidade entre as nações; a extensão do campo diplomático) (ARON, 1979, p.
206-7).
A teoria do poder terrestre tinha sua pedra angular no papel estratégico atribuído à “Pivot
Area, a área pivô, na política de poder das grandes potências. O termo Pivot Area designava o
grande núcleo do continente euroasiático e seus limites correspondiam, em linhas gerais, ao
gigantesco território da Rússia czarista” (MELLO, 1999, p. 16). Nessa massa terrestre contígua
composta pela Europa Oriental e a Ásia:
Relacionando as características climáticas e topográficas com os movimentos de
população e incursões dos povos dessa região em direção ao Ocidente, Mackinder
conclui pela existência de um autêntico “domínio terrestre”, relativamente pouco
povoado, mas dotado de características que permitiram aos seus povos (nômades em
60
sua maioria) estenderem sua influência na Europa Ocidental às demais regiões
asiáticas e até mesmo ao norte da África. Essa massa terrestre, com aproximadamente
54,4 milhões de km² de terras contíguas, possuiria, segundo ele, uma “area core”, em
espaço central, por ele chamado de coração continental (COSTA, 2016, p. 81).
Figura 11. "The natural seats of power".

Fonte: MACKINDER, 1904, p. 435.

Para Mackinder:
A exploração dos imensos recursos daquela região basilar daria ao Estado que a
controlasse condições para desenvolver uma economia autárquica e um inexpugnável
poder terrestre. Entrincheirado no coração do Velho Continente, esse poder terrestre
autossuficiente poderia resistir ao assédio e às pressões do poder marítimo (MELLO,
1999, p. 16).
No momento em que a mobilidade terrestre aumentava prodigiosamente, a Pivot Area
estava em vista de possuir os recursos, materiais e humanos, necessários ao império mundial.
A Europa oriental é a zona de articulação entre a “terra central” e as regiões marginais, abertas
para o oceano, onde os povos eslavos e germânicos se encontram (ARON, 1979, p. 208). Os
alemães, passíveis de unificar o heartland sobre uma só soberania, poderia superar e suplantar
o domínio inglês.

61
Na disputa entre os poderes marítimos e terrestre, Mackinder destacou dois fatos
recentes (na época), que produziram efeitos diversos:
O primeiro, representado pelo canal de Suez, que aparentemente fortaleceu o poder
marítimo, já que aumentava a sua mobilidade; em segundo, as ferrovias, que, se
inicialmente funcionaram como vias de conexão entre os mares e certas áreas
interiores, ao tornarem-se transcontinentais provocaram justamente o fortalecimento
do poder terrestre, substituindo o camelo e o cavalo e tornando-se um elemento
fundamental de mobilidade para o coração continental (COSTA, 2016, p. 82).
Esse novo espaço, o heartland, é o Império Russo e suas virtualidades, que constituíam
o novo polo de poder mundial, fato que segundo Mackinder não deveria ser negligenciado.
Dessa forma, em seu mapa sobre os “assentos naturais do poder”, ele aponta que:
Russia replaces the Mongol Empire. Her pressure on Finland, on Scandinavia, on
Poland, on Turkey, on Persia, on India, and on China, replaces the centrifugal raids of
the steppmen. In the world at large she occupies the central strategical position held
by Germany in Europe. She can strike on all sides and be struck from all sides, save
the north. The full development of her modern railway mobility is merely a matter of
time. Nor is it likely that any possible social revolution will alter her essential relations
to the great geographical limits of her existence. Wisely recognizing the fundamental
limits of her power, her rulers parted with Alaska; for it is as much as a law of Policy
for Russia to own nothing over seas as for Britain to be supreme on the ocean
(MACKINDER, 1904, p. 436).
Dessa forma, essa Pivot Area tem condições de expandir o seu poder em escala mundial,
mesmo porque não possui oponentes de peso em condições geográficas similares, no caso,
potências continentais (COSTA, 2016, p. 83). A ameaça do poder terrestre poderia
desestabilizar o equilíbrio do poder mundial, até então repartido e hegemonizado por potências,
como a Inglaterra.

A rivalidade oceanismo versus continentalismo é secular, e na concepção


mackinderiana, os processos históricos eram passíveis de serem interpretados à luz da oposição
entre oceanismo e continentalismo (MELLO, 1999), de tal maneira que:
Durante o século XIX, a rivalidade anglo-russa representou um tour de force entre o
poder terrestre czarista e o pode marítimo britânico, que ficou conhecido como Big
Game. Operando desde as linhas interiores de sua posição central, a Rússia buscava
romper seu isolamento geográfico mediterrâneo e expandir-se para as regiões
litorâneas com o objetivo de conquistar saídas para os “mares quentes”. Manobrando
a partir das linhas exteriores de sua posição insular, a Inglaterra procurava garantir o
domínio das regiões costeiras e das ilhas da periferia eurasiana, vedando aos russos o
aceso do Mediterrâneo, ao Índico e ao Pacífico. Contudo, na virada do século XIX
para o XX, o conflito anglo-russo havia arrefecido diante do agravamento da
rivalidade anglo-germânica, cujos antagonismos navais, comerciais e coloniais
prenunciavam o confronto entre a grande potência marítima e a maior potência
continental europeia. Esse embate foi exacerbado depois de 1898, quando o poder
terrestre alemão desencadeou uma corrida naval que, em poucos anos, transformou a
marinha germânica na segunda maior esquadra do planeta, superada apenas pela
Royal Navy (MELLO, 1999, p. 38).

62
A tese defendida por Mackinder era que o poder terrestre poderia conquistar as bases do
poder marítimo, possibilitando assim o surgimento de um poder anfíbio. O temor inglês
fundamentava-se no fato de que “bem mais propícias as condições para o poder terrestre
construir uma esquadra e lançar-se ao oceano a partir de uma plataforma continental, que para
o poder marítimo organizar um exército e lançar-se à terra a partir de sua base insular”
(MELLO, 1999, p.40). Dessa forma, para Mackinder:
Uma Alemanha alçada à condição de potência anfíbia representava enorme perigo
tanto para as pretensões continentais russas quanto para os interesses navais russos.
Assim, a mudança na conjuntura geopolítica e estratégia europeia obrigou ingleses e
russos a deixarem as rivalidades do Big Game, juntando-se aos franceses contra o
inimigo comum (MELLO, 1999, p. 52).
Todavia, quais as possíveis motivações para a expansão da Alemanha para além de seus
domínios terrestres já estabelecidos? Bilbao (2015) pontua que a concepção ratzeliana
Postulaba que entre la distribución espacial de los seres vivos y el tamaño de una
Tierra que no crece, existía um claro contraste del cual se originaba una lucha por los
espacios, los seres vivos intentaban ampliar sus territorios a expensas de sus vecinos
y la lucha se hacía aguda cuando los organismos ocupaban completamente un espacio
restringido. Para los grupos vencidos, la disminución del espacio provocaba hambre,
miseria y la decadencia general de su fuerza vital. Su teoría puede reducirse a la idea
de que cada grupo, su espacio y a cada espacio sus limites, que no son sólo líneas,
sino más bien campos de lucha fijados por la naturaleza (BILBAO, 2015, p. 68).
Aron (1979) argumenta que Mackinder entendia a natureza da sociedade industrial, pois
considerava que uma nação moderna poderia ser considerada como um empreendimento
industrial: ela é rica devido à sua capacidade produtiva, na medida do rendimento do trabalho.
Este rendimento faz com que aumente o número de pessoas que podem vivem num dado espaço.
Mackinder não deduzia esses fatos que a luta pela terra estava em vias de perder
intensidade ou significação, uma vez que o crescimento em intensidade permitiria
contornar a necessidade de expandir o espaço habitável. Muito pelo contrário, constata
que a concentração demográfica alimenta novos ódios entre os povos, levantando o
temor da fome. Quanto maior a população dentro das fronteiras do Reich alemão,
maior o seu medo de que venha a faltar espaço, e de que mais tarde faltem os alimentos
e as matérias-primas. Os alemães, escrevia Mackinder, precisam dos eslavos para
produzir uma parte dos alimentos que consomem, e para adquirir os produtos
manufaturados que fabricam. Por isto são conduzidos, pelo receio, a aventuras de
conquista, obrigados a manter um domínio que é indispensável à sua existência
(ARON, 1979, p. 212).
Dessa forma, o mundo como uma unidade compacta, o primado da causalidade
geográfica e a oposição terra-mar compõem os três grandes pilares da filosofia da história que
está na origem do poder terrestre. Mayhew (2000) aponta que:
Initially, then, it would appear that Mackinder is allowing geographical facts
presented in narrative and visual forms to drive his political analyses, promoting
geography to a sovereign role as the ‘new’ geography advocated. This would accord
with his recorded belief that the facts of geography had some causal influence (though
not a fully deterministic one) over political actions (MAYHEW, 2000, p. 783).

63
Aron (1979) elucida que Mackinder e sua concepção geográfica, da dualidade entre o
poder marítimo e o poder terrestre, foram base para diversos pensamentos ideológicos políticos,
sendo principalmente adotado pelos alemães. Por fim, o conceito fundamental enraizado na
visão de Mackinder era que o espaço seria, pela sua extensão ou qualidade, o motivo de luta
entre as sociedades.

64
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Halford Mackinder tornou-se o símbolo da geografia moderna inglesa. Desde muito


cedo ligado ao tema da educação geográfica, o geógrafo inglês foi fundamental no
estabelecimento de uma nova visão da geografia, nos meios acadêmicos e nas escolas primárias.
Um mero apanhado de informações tornou-se uma disciplina científica.

Contudo, percebeu-se que a lida de Mackinder pela educação foi consequência de


décadas de negociações entre os mais diversos atores, como os membros da RGS, os
educationalists, como Francis Galton, Douglas Freshfield e Scott Keltie, com seu relatório
sobre o estado do ensino de geografia (KELTIE, 1886).
Mackinder’s well-known work as an educationalist, trying to carve out a space for
geographical education at all levels from primary school to university, derived, then,
from a sense that the world system has shifted in a way which demanded a changed
function from geography, just as this shift was perceived to necessitate a new
conception of the foundations of British politics (MAYHEW, 2000, p. 776).
Os atores envolvidos foram pragmáticos, centrados nas questões práticas e usuais do
tema geográfico; foram pedagógicos, atentaram-se sobre a educação nas escolas e no
treinamento de professores, escreveram livros e lutaram sobre o que deveria ser ensinado;
trouxeram para os problemas conhecidos uma gama quase desconcertante de treinamento
formal e interesse obtido antes mesmo da própria geografia estabelecer-se como uma disciplina
formal, e por fim; unificaram o campo geográfico e destacaram a importância do trabalho de
campo, da pesquisa (STODDART, 1981, p. 292).

Mackinder reconhecia os esforços da RGS nas medidas para alterar essa situação, como
o programa de medalhas para as melhores escolas públicas, o apontamento de um Inspetor para
reportar acerca do ensino geográfico na Europa e nos domínios ingleses, a fundação de
lectureships em universidades e a instituição de um sistema de treinamento para exploradores.
Diante do exemplo alemão, poder-se-ia efetivamente colocar a geografia no cerne da educação
britânica. Para tal, necessitava-se de uma centralização, e isso ocorria por dois motivos.
Primeiramente, os geógrafos ingleses careciam, acima de tudo, de uma tradição. Variava-se
muito nas avaliações e aplicações de conceitos, e a educação clássica mantinha sua supremacia,
utilizando-se de programas e currículos artificiais (MACKINDER, 1895, p. 377).

Os geógrafos alemães, mesmo na sua modernização, possuem uma tradição, baseados


em Humboldt, Ritter, Berhaus e Perthes. Em segundo lugar, “we need a worthy object-lesson,
which is attainable under existing circumstances only by the concentration of funds, and by the

65
co-operation of several leaders” (MACKINDER, 1895, p. 378). Mackinder desejava
estabelecer uma geografia inglesa em que:
Geographical examinations would consistently test not merely memory for small
detail, but clearness of apprehension, breadth of view, and power of statement,
whether in word or map; that teachers would have the knowledge needed for socratic
rather than dogmatic teaching, and that students of geography would exercise the
powers of analysis and composition, and not merely observe and remember
(MACKINDER, 1895, p. 378-9).
Além de sua importância no campo geográfico educacional, Mackinder tornou-se o pai
da geopolítica moderna inglesa, com seu Pivô Geográfico da História (MACKINDER, 1904),
uma vez que, diferentemente de seus patriotas contemporâneos, ele:
Dirige a sua atenção preferencialmente para imensa área terrestre constituída pela
Eurásia, fixando-se na ideia de que a história dos povos e nações da Europa foi forjada
em grande parte como reações sucessivas às ameaças externas provenientes da Ásia
(COSTA, 2016, p. 80).
Segundo Mello (1999):
Essa visão mackinderiana foi em 1904, uma formulação intelectual, audaciosa,
arrojada e revolucionária. Numa época de hegemonia global da civilização europeia,
a noção de sistema político fechado, utilizada para qualificar a nova realidade
mundial, era indubitavelmente uma formulação inédita, pioneira e inovadora, cujo
enorme alcance para a compreensão das questões internacionais do século recém-
iniciado ultrapassava em muito a tacanha mentalidade eurocêntrica da era vitoriana
(MELLO, 1999, p. 31).
Embora inglês e defensor ferrenho da Coroa, Mackinder não turvou seu olhar com um
sentimento de invencibilidade, pelo contrário, mesmo filho de um império soberano marítimo,
olhou para a história e compreendeu o futuro, ao seu ver, em um cenário de mudanças globais,
onde as disputas tornavam-se cada vez mais duras pelo espaço e pela terra.

Sua distinção entre o poder marítimo e o poder territorial calcava-se no temor de que:
Se a fortaleza continental eurasiana conseguisse apossar-se de uma vasta frente
oceânica, o poder terrestre poderia canalizar parte de seus vastos recursos para o
desenvolvimento de um poder marítimo. A ascensão de um poder anfíbio, sem rival
no continente eurasiático, e capaz de rivalizar com a Inglaterra nos oceanos, acabaria
finalmente por suplantar o poder marítimo britânico na luta pela preponderância
mundial (MELLO, 1999, p. 16).
Neste cenário, com as relações internacionais tornando-se cada vez mais complexas,
Mackinder (1904) indicou que:
From the present time forth, in the post-Columbian age, we shall again have to deal
with a closed political system, and none the less that it will be one of world-wide
scope. Every explosion of social forces, instead of being dissipated in a surrounding
circuit of unknown space and barbaric chaos, will be sharply re-echoed from the far
side of the globe (MACKINDER, 1904, p. 422).
Por fim, a teoria do Pivô Geográfico da História (MACKINDER, 1904) reelaborou a
visão eurocêntrica de mundo que predominou durante a era Colombiana em três aspectos:

66
Historicamente, a evolução da civilização europeia deixa de ser vista como um
processo endógeno e autocentrado, circunscrito inicialmente aos povos mediterrâneos
e depois aos países atlânticos, para subordinar-se à dinâmica mais abrangente da
história asiática. Geograficamente, a Europa deixa de ser enfocada como um
continente à parte, separado da Ásia pela barreira dos Urais, para transformar-se numa
das penínsulas da Eurásia. Cartograficamente, a Europa foi deslocada da posição axial
que ocupava na projeção Mercator, cedendo seu lugar a Pivot Area, região basilar da
massa terrestre eurasiática (MELLO, 1999, p. 42-3).
Dessa forma, Mackinder estabeleceu os parâmetros de sua concepção geopolítica, sendo
que, assim como Ratzel, “ambos aportaron modelos teóricos y métodos para la comprensión de
la realidad espacial y política que caracterizaba al mundo en el cual les correspondió vivir”
(BILBAO, 2015, p. 66), onde, na inovadora concepção mackinderiana:
A Eurásia possuía um grande núcleo mediterrâneo, a área pivô ou coração continental,
em torno do qual se articulavam quatro penínsulas ou regiões marginais: a Europa, o
Oriente Médio, a Índia e a China. Enquanto o pivô eurasiático era escassamente
povoado por belicosas tribos nômade-pastoris, nas regiões periféricas desenvolvia-se
uma vida mais sedentária e concentravam-se dois terços da população do planeta. O
desenvolvimento da civilização europeia, comprimida nos estreitos limites de seu
compartimentado território peninsular, poderia ser concebido como o resultado de
uma bem-sucedida reação de seus povos às frequentes invasões perpetuadas por
hordas nômade-pastoris a partir da região central da Eurásia (MELLO, 1999, p. 43).
Essa dialética das invasões asiáticas versus reação europeia forneceu a Mackinder o
nexo da correlação histórico-geográfica global que embasa sua teoria do poder terrestre
(MELLO, 1999, p. 44). Aron (1979, p. 205) discorre que a geopolítica combina uma
esquematização geográfica das relações diplomáticas e estratégicas, aliando uma análise
geográfico-econômica dos recursos, e uma interpretação das atitudes diplomáticas em função
do modo de vida e do meio.

Com o dualismo do poder marítimo versus o poder terrestre, tem-se a dialética do


sedentário e do nômade, do terrestre e do marinho. A geopolítica moderna de Mackinder
procurava entender o desequilíbrio entre os impérios, e dotado de uma consciência espacial, foi
capaz de visualizar o apetite espacial dos impérios sobre o solo, no seio das interações entre a
superfície líquida e as massas terrestres do planeta.

67
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARON, R. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Universidade de Brasília, 1979.

BAKER, J. N. L. Academic geography in the seventeenth and eighteenth centuries. Scottish


Geographical Magazine, 51, p. 129-43.

BILBAO, A. P. Los aportes de Friedrich Ratzel y Halford Mackinder en la construcción de la


geografía política en tiempos de continuidades y cambios. Revista de Geografía Espacios, vol.
5, n. 9, 2015, p. 64-81.

BLOUET, B. Mackinder, Sir Halford John (1861–1947). Oxford Dictionary of National


Biography. Oxford: Oxford University Press, 2004a.

BLOUET, B. “The Imperial Vision of Halford Mackinder”. The Geographical Journal, vol.
170, no. 4, 2004b, p. 322–329.

BLOUET B. ed., Global Geostrategy: Mackinder and the Defence of the West. Geopolitical
Theory Series. London and New York: Frank Cass/Routledge, 2005.

BROTTON, J. A história do mundo em doze mapas. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2014.

CAPEL, H. Filosofía y ciencia en la geografia contemporánea: una introducción a la Geografia.


Barcelona: Barcanova, 1981.

COONES, P. The Centenary of the Mackinder Readership at Oxford. The Geographical


Journal, vol. 155, n. 1, 1989, p. 13-23.

CORMACK, L. B. Charting an Empire: Geography at the English Universities, 1580-1620.


Chicago, IL: University of Chicago Press, 1997.

COSTA, W. M. da. Geografia política e geopolítica: Discursos sobre o Território e o Poder.


São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.

HEFFERNAN, M. Histories of geography. In: HOLLOWAY, S.; RICE, S.; VALENTINE, G.


Eds. Key Concepts in geography. London: Sage, 2003, p. 3-22.

HOBSBAWM, E. A era dos Impérios (1875-1914). 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

HUDSON, B. The New Geography and the New Imperialism: 1870-1918. Antipode, 9, 1972,
p. 140-153.

JOHNSTON, R. The Institutionalisation of Geography as an Academic Discipline. In:


WILLIAMS, M.; JOHNSTON, R. A Century of British Geography, British Academy, 2003.

68
JONES, S. B. Global Strategic Views. Geographical Review, vol. 45, n. 4, 1955, p. 492-508.

KEARNS, G. Geopolitics and Empire: The legacy of Halford Mackinder. New York: Oxford
University Press Inc., 2009.

KELTIE, J. S. Report of the Council of the RGS. Report of the Proceedings of the Society in
reference to the improvement of geographical education. Londres: Murray, 1886, p. 1-156.

LIVINGSTONE, D. N. British Geography 1500-1900: an imprecise review. In: WILLIAMS,


M.; JOHNSTON, R. A Century of British Geography, British Academy, 2003.

LIVINGSTONE, D. N.; WITHERS, C. W. Geography and Enlightenment. The University of


Chicago Press, 1999.

MACKINDER, H. J. On the Scope and Methods of Geography. Proceedings of the Royal


Geographical Society and Monthly Record of Geography, vol. 9, n. 3, 1887, p. 141-174.

MACKINDER, H. J. Modern Geography, German and English. The Geographical Journal,


vol. 6, n. 4, 1895, p. 367-379.

MACKINDER, H. J. A Journey to the Summit of Mount Kenya, British East Africa. The
Geographical Journal, vol. 15, n. 5, p. 453-476, 1900.

MACKINDER, H. J. The Geographical Pivot of History. The Geographical Journal, vol. 23,
n. 4, 1904, p. 421-437.

MAHAN, A. T. The Influence of Sea Power Upon History. London: Methuen & Co Ltda. 1965,
Ed. Orig., USA, Little, Brown & Co, 1890.

MAYHEW, R. Halford Mackinder’s “new” political geography and the geographical tradition.
Political Geography, vol. 19, n.6, 2000, p. 771-791.

MELLO, L. I. A. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999.

RATZEL, F. La géographie politique. Paris, Fayard, 1987.

SCALEA, D. Mackinder and the professionalization of geography in Great Britain. Bollettino


Della Società Geografica Italiana Roma, série XIII, vol. VII, 2014, p. 339-359.

SCARGILL, D. I. The RGS and the foundations of Geography at Oxford. The Geographical
Journal, vol. 142, n. 3, 1976, p. 438-461.

STODDART, D. R. The RGS and the foundations of Geography at Cambridge. The


Geographical Journal, vol. 141, n. 2, 1975, p. 216-239.

69
STODDART, D. R. “The RGS and the ‘new geography’: changing aims and changing roles in
nineteenth century science”. The Geographical Journal, vol. 146, 1980, p. 190-202.

STODDART, D. R. Geography, Education and Research. The Geographical Journal, vol. 147,
n. 3, 1981, p. 287-297.

STODDART, D. On Geography. Oxford: Blackwell, 1986.

UNSTEAD, J. F. Halford John Mackinder and the New Geography. The Geographical Journal,
vol. 113, 1949, p.47-57.

WELPIOX, W. P. The educational outlook on geography. The Geographical Teacher, vol. 7,


n. 5, 1914, p. 291-297.

WISE, M. J. The Scott Keltie Report 1885 and the Teaching of Geography in Great Britain.
The Geographical Journal, vol. 152, n. 3, 1986, p. 367-382.

WITHERS, C. W. J. A Partial Biography: The formalization and Institutionalization of


Geography in Britain since 1887. In: DUNBAR, G. A. Geography: Discipline, Profession and
Subject since 1870, p. 79-119, 2001.

WITHERS, C. W.; MAYHEW, R. J. Rethinking ‘disciplinary’ history: geography in British


universities, 1580-1887. Transactions of the Institute of British Geographers, vol. 27, n. 1,
2002, p.11-29.

70

Você também pode gostar