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PEDAGOGIA DE PROJETOS: TRANSGREDINDO A LINEARIDADE

Isabel Petry Kehrwald e Maria Ângela Paupério Gandolfo

Um pouco da história: do que falamos?

Nos últimos anos, sob a influência dos avanços da ciência - da biologia e da psicologia no início
do século-, e das mudanças sociais causadas pela industrialização, urbanização acelerada e
pelas duas grandes guerras, a organização do ensino passou por um movimento educacional
renovador conhecido como Escola Nova. (Aranha, 1989)

Este movimento (final do século XIX na Europa e 1920 - mais fortemente na década de 30 no
Brasil) foi uma reação à educação tradicional alicerçada no silêncio e no imobilismo, no estudo de
conteúdos descontextualizados e no descompasso entre a escola e a vida, serviu como base para
propostas de ensino integrado, entre elas a Pedagogia de Projetos. (Santomé, 1998)
Quem abriu caminhos?
 Pestalozzi e Fröebel - século XVIII - apontam a necessidade de uma educação voltada
para os interesses e necessidades infantis
 Ferrière e Krupskaia e depois Makarenko- realizam experiências com projetos integrados
no início do século XX
 Montessori e Decrolly - a partir de 1907 - defendem os temas lúdicos e o ensino ativo.
Maria Montessori aponta a necessidade da atividade livre e da estimulação sensório-
motora e Ovide Decrolly sugere a aprendizagem globalizadora em torno de centros de
interesse
 Dewey e Kilpatrick - década de 20 - acentuam a preocupação de tornar o espaço escolar
um espaço vivo e aberto ao real. John Dewey, que esteve no Brasil valoriza a experiência e
considera que a educação tem função social e deve promover o sujeito de forma integrada,
principalmente valendo-se da arte
 Freinet - década de 30 - propôs a valorização do trabalho e da atividade em grupo para
estimular a cooperação, a iniciativa e a participação
 Paulo Freire - década de 60 - é destaque na educação brasileira com a introdução do
debate político e da realidade sóciocultural no processo escolar com a educação
libertadora e os chamados temas geradores. Suas idéias são mundialmente divulgadas
através de seus vários livros como Pedagogia do oprimido, Pedagogia da autonomia, entre
outros
 Jurjo Santomé e Fernando Hernández - década de 90 em diante- propõem o currículo
integrado e os projetos de trabalho (na Espanha) com repercussões no Brasil
 Antoni Zabala - década de 90 e século XXI - (Espanha) entende que a complexidade do
projeto educativo deve ser abordado por um enfoque globalizador no qual a
interdisciplinaridade está presente
 Jolibert na França, Adelia Lerner e Ana Maria Kaufman, ambas na Argentina, também
divulgam estudos sobre propostas educativas globalizadoras
 Miguel Arroyo, entre outros educadores brasileiros, defende a presença na escola dos
temas emergentes, de um currículo plural e aponta que
"Se temos como objetivo o desenvolvimento integral dos alunos numa realidade plural, é
necessário que passemos a considerar as questões e problemas enfrentados pelos homens e
mulheres de nosso tempo como objeto de conhecimento. O aprendizado e vivência das
diversidades de raça, gênero, classe, a relação com o meio ambiente, a vivência equilibrada da
afetividade e sexualidade, o respeito à diversidade cultural, entre outros, são temas cruciais com
que, hoje, todos nós nos deparamos e, como tal, não podem ser desconsiderados pela escola".
(Arroyo, 1994, p. 31).
São várias as modalidades de projetos educativos integrados, mas de um modo geral todas
envolvem atitudes interdisciplinares, planejamento conjunto, participação ativa e compartilhada
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entre professores e professoras e seus alunos e alunas, bem como aspectos da realidade
cotidiana de ambos. Dessa forma, todos são co-responsáveis pelo desenvolvimento do trabalho e,
principalmente, vislumbram a possibilidade de, cada um, expor sua singularidade e encontrar um
lugar para sua participação na aprendizagem.
A organização do trabalho escolar por projetos sugere o reconhecimento da flexibilização
organizativa, não mais linear e por disciplinas, mas em espiral, pela possibilidade de promover as
inter-relações entre as diferentes fontes e os desafios impostos pelo cotidiano, ou seja, articular
os pontos de vista disjuntos do saber, num ciclo ativo (Morin, 1981), aprendendo a utilizar fontes
de informação contrapostas ou complementares, e sabendo que ... "todo ponto de chegada
constitui em si um novo ponto de partida" (Hernández, 1998, p.48).

A transgressão: Fernando Hernández e os projetos de trabalho

Hernández (1998) chama Projeto de trabalho o enfoque integrador da construção de


conhecimento que transgride o formato da educação tradicional de transmissão de saberes
compartimentados e selecionados pelo/a professor/a e reforça que o projeto não é uma
metodologia, mas uma forma de refletir sobre a escola e sua função. Como tal, sempre será
diferente em cada contexto. Há um conceito de educação que permeia esta modalidade de ensino
que entende a função da aprendizagem como desenvolvimento da compreensão que se constrói
a partir de uma produção ativa de significados e do entendimento daquilo que pesquisam,
identificando diferentes fatos, buscando explicações, formulando hipóteses enfim, confrontando
dados para poder realizar "uma variedade de ações de compreensão que mostrem uma
interpretação do tema, e, ao mesmo tempo, um avanço sobre o mesmo". (Hernández, 2000, p.
184)
Um problema, uma situação conflitante ou algo que está intrigando alunos e alunas pode ser um
bom início de projeto, uma vez que favorece o interesse e a busca das informações, esta
entendida como construção de saberes interligados. Indica também a importância de envolver no
projeto, várias áreas de conhecimento, presentes tanto na escola, como fora dela.
No que se relaciona à Arte, Hernández (2000) defende a idéia de educar para a compreensão da
cultura visual, relata projetos executados e sugere que se inicie com uma pergunta que poderá
ser um fio condutor de outras. Por exemplo:
- O que se pode aprender de uma imagem?
Desta questão é possível derivar outras três: o que foi pintado? de que falam estas obras? o que
se pode estudar e aprender de um quadro?
A partir das respostas do grupo, o professor/a vai compondo com seus alunos e alunas, um
roteiro de construção de conhecimento, no qual estão entrelaçados os objetivos, conceitos e
conteúdos elencados no planejamento pedagógico da área de Artes Visuais. Fica estabelecido,
também, quem registrará cada etapa do trabalho e como isso será feito. Os relatórios com os
registros dessas observações, servem de suporte para dar continuidade ao planejamento do
roteiro. É conveniente que o grupo possa contar com a assessoria de outros profissionais, de
modo que a pesquisa possa ser enriquecida com saberes de diferentes áreas do conhecimento.

Etapas de um projeto: como fazer?


Hernández aponta como possíveis etapas:
- determinar com o grupo a temática a ser estudada e princípios norteadores
- definir etapas: planejar e organizar as ações - divisão dos grupos, definição dos assuntos a
serem pesquisados, procedimentos e delimitação do tempo de duração
- socializar periodicamente os resultados obtidos nas investigações (identificação de
conhecimentos construídos)
- estabelecer com o grupo os critérios de avaliação
- avaliar cada etapa do trabalho, realizando os ajustes necessários
- fazer o fechamento do projeto propondo uma produção final, como elaboração de um livro,
apresentação de um vídeo, uma cena de teatro ou uma exposição que dê visibilidade a todo
processo vivenciado e possa servir de foco para um outro projeto educativo.
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Esta forma de organização de saberes que vai se construindo como uma rede, sensibiliza alunos
e alunas para aquilo que lhes interessa ou preocupa, legitimando a função social da escola.
Possibilita a validade do conhecimento aprendido, resultando numa melhor decisão para a
qualidade de vida na sociedade e reconhece o sujeito cidadão, capaz de se inserir no
pensamento coletivo para o compartilhamento de espaços e serviços comuns.
Incluir o aluno na análise e na decisão, de questões que lhe dizem respeito, contribui para o
desenvolvimento consciente de sua cidadania. A escola, em particular, é o lugar para oportunizar
este tipo de aprendizagem: o exercício da tomada de decisões, tanto individuais como coletivas.
Ao refletir sobre suas próprias concepções, frente às de outros, o aluno amplia seu repertório de
alternativas para uma determinada situação e provoca a desestabilização e o descentramento de
seus critérios de inserção na coletividade.
O/a professor/a frente aos projetos: o que fazer?
• é pesquisador da realidade e conduz os alunos/as ao exercício da observação, percepção,
análise crítica e criatividade
• compreende sua responsabilidade social e investe na interação
• sabe como se constrói conhecimento e planeja levando em conta o aluno real
• avalia permanentemente sua prática e a modifica
• é comprometido com novos paradigmas que orientam o pensar pedagógico
• é um observador constante e atento, mediando as ações e interagindo com seus alunos.
É importante ressaltar novamente que não há um método ou uma fórmula pronta para
desenvolver projetos, mas sim uma concepção diferenciada do/a professor/a em relação ao
ensinar e aprender. Esta será sempre uma relação de troca e de construções sociais interativas,
nas quais todos são importantes parceiros e colaboradores.
A seguir um exemplo de tópicos para um projeto educativo não linear para qualquer nível de
ensino que poderá ser desenvolvido a partir da pergunta: O que podemos aprender de um objeto
de arte?

BIBLIOGRAFIA DE APOIO:
ARANHA, M. L.. História da educação. São Paulo: Moderna, 1989.
ARROYO, Miguel. Escola plural. Proposta pedagógica Rede Municipal de Educação de Belo
Horizonte. Belo Horizonte: SMED, 1994.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto
Alegre: Artmed,1998.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre:
Artmed, 2000.

MORIN, E. El método: la naturaleza de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1981.


SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.

ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo
escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

HERNÁNDEZ, Fernando.; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de


trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5ed., Porto Alegre: Artmed, 1998.

PETRY KEHRWALD, Isabel. Ler e escrever em Artes Visuais. In: NEVES, Iara et al. (orgs.). 4ed.
Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001.
SACRISTÁN, J. Gimeno. A educação obrigatória: seu sentido educativo e social. Porto Alegre:
Artmed, 2001.

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