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Entre falas e discursos: as sensíveis relações entre política e poder

Primeira situação: falar, em alguns casos, implica, sobretudo em ter um discurso. O discurso não se manifesta
apenas no ato de falar, mas, sobretudo, em praticar uma ação que implica uma combinação entre “quando se fala” e
“enquanto se fala”. Discurso = ação: quando se fala + enquanto se fala.

Fala e Discurso
Quando nossas falas mudam de alguma forma, dizem que nosso discurso mudou, e depende não só das
situações sociais, mas principalmente do nível de conflito que tais situações abrigam, ou ainda quem muda o discurso
pode ser acusado de mentiroso, ou seja, a descontinuidade de práticas e discursos são características não aceitas
socialmente, dependendo dos atores. Ás vezes não falar é fundamental para que a ação pretendida tenha eficácia
discursiva. O discurso parece comportar uma ação a mais que a fala, além da fala, e como o discurso pode ser veiculado
mesmo sem fala, logo ele é uma ação especial. Como Michel Foucoaut propõe, o discurso é uma “posição” que o sujeito
precisa expressar em razão de interesses individuais ou coletivos. Como “lugar”, expressão de uma posição social, o
discurso de um político, por exemplo, tem intenções de poder.
Uma Visão Mais Ampla Sobre Política
A política se manifesta em diferentes âmbitos da sociedade, e não está conectada apenas ao Estado, como nas
empresas, na própria polícia, ou mesmo nas organizações criminosas etc. As milícias estão chegando ao ponto de
controlar no âmbito da política, obrigando a população a votar em seus candidatos. Em resumo política corresponde a
alguma forma de poder e às implicações decorrentes do mesmo, porém as maneiras pelas quais o poder é exercido em
um determinado contexto se reveste de grande complexidade. Entender essas maneiras requer um conhecimento
aprofundado dos contextos, no caso dos interessados no estudo sobre o poder, profunda perspicácia.
Michel Foucoaut diz que o poder não está presente somente na esfera política, mas está entranhado em todas as
instâncias da vida de cada pessoa, ninguém está a salvo dele, o poder não é somente repressor, mas também criador de
verdades e de sabedoria e onipresente no sujeito. Há antropólogos e sociólogos que estudam os fenômenos políticos, que
se dedicam a compreender as ações políticas e como se pode manifestar o poder em determinadas situações ou
contextos sociais, e o que se compreende é que: se os indivíduos poderosos agem para impor seus interesses, aqueles
que não tem poder também atuam, seja para contornar ou atenuar os efeitos do poder, mesmo para manifestar o não
reconhecimento do mesmo.
Em geral, um ato de poder extremo é precedido de uma série de outros atos, onde atores sociais também exercem
alguma forma de poder:

Deputado === Avoca foro privilegiado


Comete delito * === É instaurada a CPI
=== É expulso pelos pares antes da decisão oficial**
Série de decisões que
Moveram investigação
Policial e cobertura da
imprensa*
*Ato de poder
**Ato de poder extremo
Neste exemplo dado, o ato de poder extremo dos pares do deputado foi precedido por uma série de atos
de poder de outros atores sociais: os policiais, a imprensa e, provavelmente, o próprio deputado investigado. Outro
exemplo é o do policial militar que é julgado por uma instância que tem poderes sobre sua instituição, demonstrando
diferentes formas de exercício de poder.
Vimos como o poder em sua complexidade deve ser analisado, em primeiro lugar como uma divisão social do trabalho,
onde decisões são tomadas por uma série de atores diferentes, o que nos levará a considerar que nas falas e nas coisas
escritas, há diferentes discursos que constroem as decisões que resultam numa ação de poder.
Política E Poder
O discurso está intimamente relacionado com a política, discursar é fazer política, e a fala é um dos
instrumentos usados nessa prática ou o silêncio de quem está em uma posição social que lhe permite calar-se. A política
em resumo se manifesta a partir de um determinado interesse. Discurso é diferente de fala e política é diferente de
poder. Política não deve ser confundida com poder, há interligações importantes entre os dois, mas o exercício da
política requer que se tenha um compromisso com formas e procedimentos voltados para convencer e envolver as
pessoas e não lhes impor determinada situação, é envolvê-lo e não afastá-lo, é preciso que mesmo em um embate de
opiniões, haja uma boa convivência e espaço para todos, mesmo que uma posição prevaleça sobre a outra. No caso do
poder, é atributo do mesmo manifestar-se com mais ou menos violência dependendo do nível de resistência dos
opositores. Contudo não é apenas o sujeito que detêm o poder que pode fazer política, nem que ao fazer política um
sujeito esteja buscando apropriar-se do poder, necessariamente.

Questionamento do livro: Atende ao objetivo 2.


Em uma sociedade democrática, como se representa à brasileira, os cidadãos são os detentores do poder. No parágrafo
único do artigo 1º da Constituição Federal, está dito: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Em sua opinião, como o povo pode exercer o
poder diretamente, segundo os marcos constitucionais? E, segundo o mesmo texto constitucional, qual é a relação desse
poder com a política e a segurança pública?

Na Constituição Federal, você deve ler e procurar combinar dois capítulos previstos no Título II Dos Direitos e Garantias
Fundamentais. São eles o Capítulo 1: “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, com o Capítulo IV: “Dos Direitos
Políticos”. Ao analisar os textos, você deve refletir sobre os processos de manifestação política popular que vêm
impactando a conjuntura nos últimos dois anos e procurar responder se os mesmos têm contribuído para mudanças na
agenda política do país. Para isso, poderá, por exemplo, fazer recurso à polêmica proposta de criação dos chamados
Conselhos Populares, pela presidente Dilma Roussef, e derrubada no âmbito do Congresso Nacional poucos dias após a
reeleição da presidente, em outubro de 2014. Com base nesta reflexão, você deve se debruçar sobre o artigo 144 da
Constituição Federal, procurar discorrer o que significa a afirmação de que a segurança pública é um dever do Estado,
mas uma responsabilidade de todos, e aí responder se essa responsabilidade implica participação ou outra coisa.

Refletindo Um Pouco Mais Sobre o Poder

O poder corresponde tanto à capacidade de ação de um homem como também determinar o comportamento de
outro homem, o poder do homem sobre o homem, o pai sobre o filho, o patrão sobre o subordinado e etc. Como
fenômeno social, portanto poder é uma relação entre pessoas, entre homens. Sobre a esfera do poder podemos
especificar as diferentes formas de exercer o poder em nossa sociedade, o poder do médico em relação à saúde, do
policial com relação ao comportamento no espaço público, do professor no que se refere à educação, dos juízes e
advogados sobre o domínio da lei etc. No caso da polícia militar as ordens de um superior hierárquico podem significar o
uso da violência, em diferentes níveis.

E A Segurança Pública Nisso?


Diferenças conceituais do termo “público”: Nos países Anglo-Saxões, o universo é delimitado por sujeitos representados
como iguais em direitos e deveres, Na França o universo ilimitado, voltado para todos os cidadãos da República Francesa,
No Brasil o universo é específico e público é aquilo que pertence ao Estado, ao governo.
Nos EUA segurança pública pode ser entendido como um conjunto de práticas voltadas para a proteção da
propriedade, dos direitos individuais que são inerentes a uma comunidade responsável, o público aqui é um universo de
indivíduos representados como iguais em direito, este universo forma aquilo que é common (comum) da qual se origina
as regras que presidem as relações em seu interior. Já no segundo caso segurança pública pode ser entendida como um
conjunto de conhecimentos institucionalizados, voltados para o controle por parte do Estado, de comportamentos de
sujeitos desiguais em direito. Assim o Estado é o público que se desenvolve em uma comunidade, na qual se origina o
poder, de maneira autônoma em relação à sociedade. O Estado preserva o poder a fim de manter a ordem pública, esta
sendo divorciada de valores sociais e políticos mais amplos, valores estes que embora sejam administrados no interior da
sociedade, que abriga múltiplas moralidades, tende a ser desconsiderado.
Questionamento final. Atende aos objetivos 1, 2 e 3
Em agosto de 2014, a então presidente Dilma Rousseff proferiu o discurso de abertura da 69ª Assembleia
Geral da ONU. Na ocasião, ela afirmou que a comunidade internacional era incapaz de lidar com antigos conflitos e
impedir o surgimento de novas crises. Para ela, o ano de 2015 despontava como “um verdadeiro ponto de inflexão”. A
presidente afirmou que a geração de líderes mundiais, à qual ela própria pertencia, foi “incapaz de resolver velhas
disputas e evitar o surgimento de novas”. “O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas de conflito”,
acrescentou. Dilma fez referência, na época, à “persistência da questão da Palestina, ao massacre sistemático do povo
sírio, à trágica desestruturação nacional do Iraque, à insegurança na Líbia, aos conflitos no Sahel, assim como à Ucrânia”.
E concluiu: “Cada intervenção militar não nos permite caminhar na direção da paz, e sim no aprofundamento dos
conflitos”, levando a uma “trágica proliferação no número de vítimas civis e catástrofes humanitárias”. Considerando
tudo o que discutimos nesta aula, procure responder:
a) Para quem se dirigia o discurso da Presidente e a partir de que “lugar” ela proferia sua fala?
b) O discurso da presidente era um discurso político ou um discurso de poder? Discuta.
c) Como você analisa a relação do discurso da Presidente e o processo eleitoral que corria, paralelamente, no Brasil?
Você deve procurar, neste exercício, ater-se às distinções que fizemos, ao longo do texto, entre discurso e fala, política e
poder, e lembrar que a análise do poder deve ser feita enquanto um processo. Você deve responder lembrando que o
discurso foi feito no âmbito da Organização das Nações Unidas, mas também que estava ocorrendo um processo eleitoral
naquele período. E não deve deixar de pensar se o discurso da presidente não poderia ser feito para o público brasileiro e,
neste caso, quais seriam as possíveis implicações. Os discursos de poder podem ser veiculados em diferentes contextos, e
esses discursos que tem impacto sobre a segurança pública.

Conclusão:
Vimos que o discurso não se constitui apenas em uma manifestação aleatória de um jogo linguístico. Ele decorre do
“espaço” construído em torno do mesmo por sujeitos sociais concretos, posicionados de forma mais ou menos simétricas
- ou assimétricas - em que legitimam, seja pela imposição do consenso, seja pelo uso da violência, as trocas estabelecidas.
A esgrima de argumentos (nem sempre resultado de comunicação, podendo mesmo ser sua recusa) tende a ser
igualmente legitimada pelos lugares precedentes, os quais autorizam os atores a utilizarem os termos empregados em
contextos relacionais específicos. E tudo em um jogo discursivo no qual palavras, práticas, comportamentos, ausências e
silêncios compõem cenários variados sobre o jogo do poder. É baseado nessa reflexão que foram propostas atividades, de
forma que você compreenda que as relações entre política e poder são muito complexas e estão disseminadas por toda
parte.

Resumo
Esta primeira aula foi dividida em três partes. Na primeira, dediquei-me a estabelecer conteúdos que ajudassem você a
desnaturalizar às noções de discurso e fala, muitas vezes compreendidos como sinônimos. Discuti que, embora haja
vinculações, “fala” é uma ação, enquanto “discurso”, expressa à veiculação de significados e um posicionamento social.
Apresentei também alguns conceitos fundamentais, tais como poder e política. O primeiro classificado como a capacidade
de intervir sobre a vontade de outro, e o segundo como uma ação capaz de veicular um interesse, nem sempre
expressando um interesse de influenciar a vontade de outro. Muitas vezes, pode ser uma ação de resistência a
manifestações de poder. Avancei de forma gradativa até que fosse possível vincular a noção de discurso à prática política.
Chamei a atenção para as maneiras como esta pode se aproximar ou distanciar da dimensão de poder. Fiz recurso a
possíveis experiências sensíveis do alunado do presente curso, problematizando os discursos de poder que podem ser
referidos à noção de segurança pública. Discuti a noção de público em três tradições político-jurídicas diferentes, (EUA,
França e Brasil), afirmando que, na nossa tradição, o que é público costuma ser representado como um domínio do
Estado, e não da sociedade. Ao chamar a atenção para essa noção, afirmei que ela pode ser observada em diferentes
contextos, preparando você para os assuntos que serão examinados ao longo das próximas aulas.

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