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Maria Cecilia de Souza Minayo PESQUISA QUALITATIVA EM SAUDE 7.a EDIGAO Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner 134. FASE DE TRABALHO DE CAMPO Emoutros momentos Parga Nina critica oadjetivo “qualitativo” ag tipo de pesquisa social tal como propomos aqui, dizendo que ela é simplesmente pesquisa social: “A oposigao qualitativo/quantitativo aprofunda um problema do totalmente resolvido nas ciéncias sociais de querer imitar os modelos quantificaveis das outras ciéncias fisicas e naturais” (1983, 83). Sua propostade realizar trabalho de campo através de entrevista aberta tem dois vieses: 0 primeiro é de complementar através de estudos de caso que se detenham numa realidade mais ou menos homegenea, as informacies muito agregadas que 0 IBGE fornece através de grandes projecoes estatisticas; 0 segundo é a certeza de que, através de entrevistas com informagdes chamadas “concretas” junto com aquelas provenientes da experiéncia e da opinitio das informantes sobre suas vivencias, podemos perceber melhor a5 complexidades da realidade. A convicgao de Parga Nina ¢ fruto de Jonga experiéncia com indicadores quantitativos e os limites de suas possibilidades. Para ele, para Cicourel, para Lazarsfeld ¢ outros autores com ampla experiéncia de ambas, as formas de abordagem, as infor ‘muagoes ndo-quantificaveis além de sua grande importancia, fazem parte da propria natureza das ciéncias sociais, que se dletiverem nas bordas visiveis da realidade, perdem a sua dinamica. Assim a pesquisa qualitativa torna-se importante parai (a) com- preender 08 valores culturais ¢ as representagoes de determinaclo Brupo sobre temas especificos; (b) para compreender as relagoes que smite ‘entre atores sociais tanto no ambito das instituigdes como dos oedegonne a ne ont das politicas pablicas e socials ee ae ae eat aplicagio técnica, como ‘A Onsexvacho Paxricirantt: wna Olea Particpmte pode se considera parte essen do ‘campo na pesquisa qualitativa, Sua importancia & de tal FASEDETRABALHODECAMPO 135 ordem que alguns estudiosos atomam nao apenascomo uma estraté- gianoconjunto da investigasio, mas como um método}em si mesmo, para compreensio da realidade, Schwartz &e Schwartz propoem-nos a seguinte formulagao: spante como um processo pelo qual mantém-se a presenga do observador numa situacdo social, coma Tinalidade de realizar uma investigacdo cientifica. O observador testa em relacdo face a face com os observados e, ao participar dat ida doles, no seu cendrio cultural, colhe dados. Assim 0 observa lor € parte do contexto sob observagdo, ao mesmo tempo modif- fo e sendo modificado por este contexto” (1955, 355)- “Definimos observacéo partic candi Essa conceituagdo aparentemente completa dos referides autores inaose podeconsiderar pacifica equetomamoscomo pontode partida: ino debate das ciéncias sociais. As controvérsias existem com relagao propria pratica de observacao, ao “o que” € a0 “como observar: [Em primeiro lugar vale dizer que é no seio da antropologia que se inicia a reflexdo sobre a estratégia de Obseroagio como forma: complementar de captacio da realidade empiric. A sociologia de tradigdo quantitativa é que, em principio, levantaas primeirascriticas ao que denomina “empirismo” ou “impressionismo” da pritica antropol6gica. A etnometodologia e a fenomenologia, correntes que privilegiam estudos empiricos, retomam para a sociologia o debate sobrea observacio. Influenciados pela antropologia, osetnometod = logos e os fenomenologistas instauraram no interior da sociologia a polémica sobre seus métodos, técnicas ¢ critérios de valielagao do conhecimento. ‘© marxismo tem desenvolvido muito pouco sua reflexdo sobre 0 tema, Existe uma polémica entre as varias correntes marxistas, que tende a paralisar a reflexao metodol6gica sobre a observacdo como ‘um momento de apreensdo do fendmeno. No entanto, hé algumas elaboracdes filosoficas sobre a logica dialética, de grande importan- cia, que lancam luz sobre a pratica do trabalho de campo. ‘Neste texto, tentaremos entrar no mérito da questéo Observagio articipante,abordandoas viriaslinhasconfrontantes de pensamento fe stia contribuigdo especifica para a construcéo de conhecimentos, tomo da Obserongio Participante lassico sobre 0 Trabalho de Campo dentro da ‘escritoem 1922 por B. Malinowski, a propésitodesua ‘0s nativos das Ilhas Trombiand no Pacifico (1978), do-se em conta que o estudo reflete as concepsoes ide seu autor, a rica experiéncia transmitida e as bases ele lancadas continuam atuais. Sua legitimidade {ntoofvel até hoje. Fundamenta-se na necessidade: (a) de ‘cientifica do estudioso; (b) dos valores da observacio (@) das técnicas de coleta, ordenacao e apresentacio do *evidéncias” . Chama atencao para a importincia do distinguir os resultados da observacao direta em rela- ‘dos nativos e suas interpretagoes cos fatos, eas ese inferéncias do pesquisador. ‘Seu trabalho ainda que criticado do ponto de vista do seu destino ‘servilismo ao colonizador britanico, ao mesmo tempo criow ;polémicas na classe dominante inglesa, porque lancou a huz ema da relativizagao da cultura, da organizacao complexa da vida ‘primitivos e de sua importancia social. Malinowski junto com Brown, outro antropélogo inglés, revolucionaram a antro- ‘nas trés primeiras décadas do século XX, sobretuco pelas s referentes aos métodos de trabalho de campo." aestrutura de uma sociedade encontra-se incorporada no sevasivo de todos os materiais: 0 ser humano", ki (1975, 40). Complementa posteriormente seu pensa- espeito da tarefa do etnografo: levasivonao tem uma visio integrada resultante do ‘a0 pesquisador organiz4-la a partir de trés pontos de Yer Malinowski 8 Argonaias do Pen « oxtos tenor 2 Paul, Eitora Abi, 1978 Ral vida real ou do Malinowski tem social que apreende “surveys"sumaciéncia a vida porque ela se faz. “Fa uma série de fend podem ser registrados coisas comoa rotina deun ‘com 0 corpo, da maneira das conversas e da existéncia de grandes antipatias passageiras: tionavel em que as v. comportamento dos indi 0 rodeiam” (1975, 55). Nesse texto, Malino ‘campo, atitude através da q desenvolver uma visio humanas através de eo! A partir dessa reflexdo es observacao participante. P ou implicitas nas atividades depois a forma como essas Em terceiro lugar, os sent simp: © preciso observar o aspecto | ‘sociais; ao lado das tradigées Ihe sao atribuidos; as idéias, Digitalizado com CamScanner ——_ 7 138. FASE DE TRABALHO DE CAMPO compreensio da totalidade de sua vida, verbalizados por pris, através de suas categorias de pensamento, ye ‘Embora Malinowski separe, para efeitos de estudo, a real social (verbalizacoes, comportamentos, estruturas) em coon sea intengdo a reconstrucio teGrica da fotalidade funciona, o "a, tabougo da constituicao” da sociedade analisada, através das regu Jaridades e do que ¢ tipico, de um grupo social. regu Para conseguir aprender a “totalidade funcional” Malinowski apresenta seu método, que nos principios gerais podemos resumir. (a) Ter objetivos realmente cientificos e conhecer 0s valores ¢ critérios da etnografia moderna.” [sso significa imergir na realidade mas ao mesmo tempo dominar instrumental tedrico. Uma atitude de observador cientifico consiste ‘em colocar-se sob 0 ponto de vista do grupo pesquisado, com respeito, empatia einsercao 0 mais intimo posstvel. Significaabertura para o grupo, sensibilidade para sua légica e sua cultura, lembrando- se de que a interagao social faz parte da condigao e da situagao de pesquisa: "Mas", diz Malinowski, “o etnégrafo ndo tem s6 que estender suas redes no lugar correto e esperar pelo que nela cairé. Deve ser um cagador ativo e dirigir para elas a sua presa e segui-las até as suas tocas mais inacesstveis” (1975, 45). Portanto tem que ser um perscrutador insistente, que estd sempre centre as balizas dos conhecimentos tedricos e das informacoes de ‘campo: emia te6rico ea familiaridade com os mais recentes Mlsdos cienuticos nto sto equivalentes a estar carregado de a aaa reconcebidas’ Se um individuo inicia uma pesquisa com 4 dsterminacio de provarcerashipdteses, se nto ¢ capa de en nae ein etntecesxitn ote rejeit-los sem a pressio da evidencia, ¢ de io dizer que Stcahomaat gene ene a FASE DETRABALHODECAMPO 139 aio emtanto a preparag teérca para a ida a campo é também sublimnada por Malinowski vndas, quanto mais problemas tourer para ocampo, quanto ais centchabituado: +e enformar suas teorias aos fatose a considerar cetiver a pu importancia paraa teria tanto melhor pacing os ato trabalho, As idéias preconcebidassdo permiionsse® cet area cient, mas problemas ante Vitis ees ess al qualidade dum pensadorcienificn cesses Probienas ance, pela primeira vez a0 observador, por seus estos teoricos” (1975, 45) locar-se em boas condigdes sundo ponto do método é col aberto a realidade do "(b) O seg ‘o e dispor-se a viver no contexto, de trabalh grupo pesquisado”. Malinowski estava se referindo a sua experiencia concrcia entre os indigenas, onda a lingua, 0s costumes ea organiza cercoctal oapelavam de um ladoa “imergir” para entender. De outro indo, a comunidade dos “brancos” presentes na localidade era uma tentucdo permanente de evasdo, de busca do habitual econhecido:Se substantivamente a situacao de um pesquisador de comunidades primitivas é diferente, a disposigao de integrar-se no contexto de pesquisa permanece como condicdo preliminar de uma boa investi- gacdo empirica. E neste ponto invocamos a contribuigao da fenome= nologia, representada por Schutz nas ciéncias sociais, para apro- fundar o tema da relacdo pesquisador-pesquisado considerado por ele como um encontro de “intersubjetividades”, Primeiramente Schutz. coloca em destaque a especificidade do “campo de agao” do cientista social: Certamente "114 uma diferenca essencial na estrutura dos objetos, dos pensa- mento ou constructos mentais formados pelas ciéncias sociais € elas ciéncias naturais. (..) O mundo da natureza tal como & explorado pelo cientista natural, néo ‘significa’ nada para as moléculas, atomos e elétrons que nele existem. © campo de observacdo do cientista social, entretanto, quer dizer, a realidade 140 FASEDETRABALHO DE CAMPO. social, tem um significado especificoe umaestruturade relevincig 0 seres humanos que vivem, agem e pensam dentro dessa realy dade” (1954, 266-267), te Para Schutz, preocupado com a cotidianidade do “homem co. mum” do “homem da rua” os objetos de pensamento, construidos pelocientista social, tem que estarbaseadosnos objetosde pensamen, to construidos pelo senso comum dos homens que vivem cotidians, mente dentro dessa realidade. ‘A fenomenologia pensa a relagéo pesquisador/pesquisado como ‘uma interagio onde as estruturas de significados de ambos sio observadas e traduzidas para os constructos consistentes de um quadro referencial te6rico. Para isso, Schutz propdealgumas atitudes no trabalho de campo: (a) Oobservador deve colocar-se no mundo de seus entrevistados, buscando entender os principios gerais que os homensseguemna sua vida cotidiana para organizar suaexperiéncia, particularmente as de seu mundo social. Desvendar essa Iogica é condigdo preliminar da pesquisa;(b) Manteruma perspectivadinamica que ao mesmo tempo leve em conta as relevancias dos atores sociais, etenhaemmenteoconjuntoderelevancias de sua abordagem tebrica, o que lhe permite interagir ativamente com 0 campo; (c) Abandonar, naconvivéncia, uma postura externa “decientista’, entrandonacena social dos entrevistados como uma pessoa comum que partilha do cotidiano, Isto ¢, sua estrutura de relevancias tebricas fica implicita Sua linguagem no campo ¢ a mesma do senso comum dos atores sociais (1953, 1-38) A abordagem de Schutz é também em larga escala aprovada & seguida por Cicourel nas suas andlises sobre o observador partici pante, Esse autor insiste particularmente na construcao do “modelo do ator” pelo pesquisador: 0 observadorcientfico necessita de uma teoria que fornesa Um le ‘modelo do ator, o qual esta orientado para agir num m objetos com caracteristicas atribuidas ao senso comum. 0 observa- dor precisa distinguir as racionalidades cientificas que us Pa! ordenar sua teoria e seus resultados, das racionalidades do sens? comum que atribui aos atores estudados” (1975, 110). FASE DETRABALHODECAMPO 141 Frisa Cicourel: “Os dois conjuntos de contextos — 0 cientifico e do senso comum — siio construcdes feitas pelo cientista” (1975, 110). © mesmo item do método sobre a insergao do pesquisador no campo ¢ também aprofundado por Raymond Gold através da pro- posta de quatro situagoes teoricamente possiveis, que vao doextremo “participante total” a outro extremo “observador total”. Essa classi- ficacdo, ainda que esquematica tem 0 mérito de incluir posturas intermediarias que contemplam a observagao participante em dife- rentesrealidades. Certamenteasnogoesde “familiar” e“estrangeito” ficam entao relativizadas e podem se aplicar tanto ao contato com os poves primitivos ou grupos de nossa propria sociedade que nos sio também desconhecidos, sociologicamente falando, Por Participante-Total entendemos o Status do pesquisador que se propoe a participar inteiramente, “como nativo"? em todas as dreas da vida do grupo que pretende conhecer. Isto significa na pratica “representar com sucesso papéis exigidos no cotidiano” ou ainda, segundo Cicourel, “fingir papéis": “Quero sugerir com isso que o valor crucial, no quedizrespeitoaos resultados da pesquisa, reside mais na auto-orientagao do partici- pante total do que no seu papel superficial quando inicia oestudo* (Cicourel; 1975, 91-92). Esse tipo de participagao corresponde mais aos pesquisadores que seenvolvem no estudo de sociedades primitivas como o mostra Lévi- Strauss: “Quando assume, sem restrigio mental esem segunda intensdes, as formas de vida de uma sociedade estrangeira, 0 antropélogo pratica a observagdo integral, aquela além da qual ndo hé mais Como native", “tomnar-senativo", expressdes que signficam identificagio maior possivel como grupo pesquisado, 142. FASE DETRABALHO DE CAMPO nada, a nifo ser a absorcio definitiva — © & um risco — qo observador pelo objeto de sua observacio” (1975, 216) ose risco de imersio total tem sido assumido por muitos pesquisa dores que praticam a Pesquisa Participante ou Pesquisa-Acao como cbservam certos estudiosos (Durham: 1986, 17-38; Zaluar: 1986, 107-126) ° cme beer ¢ significativamente diferente do status anterior porque o pesquisador deixa claro parasie parao grupe, sua relagao como meramente de campo. A participacao, no.entanto, tendea soramais profunda possivel através da observacio informal, da vivencia juntos de acontecimentos julgados importantes pelos entrevistados e no acompanhamento das rotinas cotidianas. A cons, cincia, dos dois lados, de uma relacéo temporaria (enquanto dura trabalho decampo) ajuda aminimizaros problemas deenvolvimento que inevitavelmente acontecem, colocando sempre em questio a suposta “objetividade” nas relacoes. O Obseroador-comio-Participanteé uma terceiramodalidade de obser- vacio participante. E empregada freqiientemente como estratégia complementar ao uso das entrevistas, nas relacdes com os “atores” Trata-se de uma observacao quase formal, em curto espaco de tempo € suas limitagoes advém desse contato bastante superficial Como Obseroudor-Totalo pesquisador mite interacao diretacom esinformantes, mas nao sai da cena do trabalho de campo. Os sujeitos da investigacao nao sabem que esto sendo observados pesquisa dos, Como técnica de estudo, a “observacao total” é raramente usada deforma purae,sim tem um papelcomplementar em relacaoaoutras “stratégias de apreensao da realidade (Gold: 1958, 217-223) asin g Ratt pos de paptsestereotipados por Gold, s podemser 2 es fins analiticos. Na verdade nenhum el @ ndo ser em condizoes especiais, Em diferentes {ases do trabalho decampo, um procedimente pode ser privilegiado é py itdas as condigées de pesquisa, aos aconte- 3 invents mais ou menos importantes e a propria cstratigian it tavesiiencto,o parametro mais objetivo das diferentes Mals do que a definicdo priori do tipo de pesquisador que 5° FASEDE TRABALHO DECAMPO 143 deseja ser no campo, ¢ preciso considerar a observacio participante ‘como um processo que é construfdo duplamente pelo pesquisador e pelos atores sociais envolvidos. Esse proceso possui momentos cruciais que devem ser encarados, tanto operacional quanto teorica- mente. O primeiro deles ¢ a entrada em campo. Paul Benjamin, numa reflexdo sobre a entrada em campo nos diz que: “ oportuno e as vezes mesmo essencial fazer 0s contatos com as pessoas que controlam a comunidade. Essas pessoas podem ter status na hierarquia de poder ot posig6es informais que impoem. respeito. O apoio delas ao projeto pode ser crucial eelas podem ser iiteis para se fazer outros contatos” (1953, 430). Aexperiéncia confirma e relativiza essas observacdes do antropé- Jogo americano. Certamente as pessoas que introduzem o pesquisa~ dor no campo sdo com ele responsaveis tanto pela sua primeira imagem, como por portas que se abrirao ou se fecharao. O relato de Berreman sobre sua experiéncia numa comunidade himalaia é bas- tante elogiiente sobre isto (1975, 123-177). O perfil dos informantes, a qualidade dos dados recolhidos téma vercomoimpactodaentrada ¢daapresentacao do pesquisador. Noentanto, sua “sensibilidade" a0 campo pode minimizar os aspectos que dificultariam a coleta de dados, buscando por si préprio outros informantes do que os “ofi- cialmente” apresentados e criando em torno de sua pessoa e de seu trabalho um lastro de confiabilidade. Frente a situagao particular da Pesquisa, esta em jogo a capacidade de empatia, de observagio e de aceitagao do pesquisador que nao pode ser transformada em re- ceituario pratico. Umsegundomomentodainsergao (segundo momentoaquienten- dido apenas para fins de analise) 6a definicao do papel do pesquisa dor no interior do grupo onde esté se integrando, Paul Benjamin afirma que: “Em parte o pesquisador de campo define seu proprio papel, em Parte seu papel ¢ definido pela situagdo e pela perspectiva dos nativos (ou grupos). Sua estratégia é a de quem participa de um 144. FASE DETRABALHO DE CAMPO jogo. Elando pode predizer asjogadas precisas que ooutro lado vai fazer, mas pode antecip4-las da melhor maneira possivel ¢ fyrer suas jogadas de acordo” (1954, 431), Os papéis substantivos reais que © pesquisador desempenhars, vao variar de acordo com a situacao de pesquisa. Na verdade, em relagdoaos grupos que elege, o pesquisadorémenosolhado pela base Togica dos seus estudos, e mais pela sua personalicade e comporta. ‘mento. Seus contatos no campo querem saber se ele é “uma bog pessoa” e que nao vai “fazer mal a0 grupo”, no vai trair “seus segredos” e suas estratégias de viver a realidade concreta, HA situagoes e situacoes de pesquisa, mas como norma geral, a figura do pesquisador € construida num processo que ele pode controlarapenas parcialmente, pois ¢ marcado pelas préprias referén- cias do grupo e interpretado dentro dos padrées culturais especificos, ‘Damesma forma,a visdo sobre o grupoéconstruida processualmente pelo pesquisador na interacdo com os atores sociais que o compoem easrelagdes que conseguecaptar. uma visdoentre muitas possiveis, e também depende do arcabouco tedrico que informa o observador. Essa construgao miitua do pesquisador e dos pesquisados através de sua interacao ¢ particularmente pensada por Berreman através da imagem do teatro. Berreman afirma, a partir de sua experiencia e usando reflexdes de Goffman sobre a “A Construcao do Eu na Vida Cotidiana”, que pesquisador e pesquisado sdo ambos atores repre- sentando papéis, um frente ao outro, Assim como no teatro ha os bastidores, “regiao interior”, e 0 palco, “regiao exterior”, assim as pessoas tendem a se comunicar, na interacao, apenas através do Palco, istoé, das regras oficiaise legitimadas. A relacdoentre pesquisa- dor/pesquisado se dé num jogo de cenas, onde ambos tendem a Preservar a “regiao interior” de sua identidade como pessoa e grupo. No entanto, com relagéo a compreensao da realidade, Berreman enfatiza que tanto oconhecimento das regioes interiores (os segredos de bastidores) da vida de um grupo, como o da encenacao exterior, isto €, da visao oficial, so componentes essenciais (1975, 123-174). Neste ponto Berreman se encontra com Malinowski quando este estipula a necessidade de se investigar tanto o arcabouco estrutural como os “imponderaveis da vida real” e os “aspectos intimos das FASEDETRABALHODECAMPO 145, relacées sociais”. Nenhuma das ver verdadeis 1 Stanado mute ates eee uma de relacées que ele tenta compreender. eae Se a entrada em campo tem a ver com os problemas de identifi cagio, obtencdo e sustentagao de contatos, a saida ¢ também um momento crucial. As relagées interpessoais que se desenvelvem durante a pesquisa de campo nao se desfazem automaticamente com a conclusao das atividades previstas. Hé um “contato” informal de favores e de lealdade que nao dé para ser rompido bruscamente sob pena de decepeao: trabalhamos com pessoas. Nao ha receitas para ‘esse momento mas algumas questdes que podem ser diferentemente formuladas ou respondidas pelo pesquisador. Sao questdes sobre as quais as ciéncias sociais se tém debrucado pouco: em que pe ficam as relagdes posteriores ao trabalho de campo? Qual o compromisso do pesquisador em relagao aos dados recolhidos, sew uso cientifico as formas de retorno aos atores pesquisados? A safda docampo portan- to envolve problemas éticos e de pratica te6rica. A relago intersub- jetiva que se criou, pode ela mesma contribuir para definir 0 corte necessério ou a continuidade possivel ou desejada. Concluimos a reflexiio sobre o segundo item do método proposto por Malinowski, que os autores citaclos acima tentam complexificar. As dificuldades de insergao do pesquisadorndo podem ser pensadas apenas, como questo de tempo, em que a longa permanéncia do etnégrafo num grupo traria, como conseqiiéncia, a sua aceitacao. Ha as dificuldades propriasao periodode entradaemcampo, mas outras hha, decorrentes das caracteristicas do grupo a ser pesquisado ou de sua situagdo vivida no momento de pesquisa. Fssas dificuldades, fica claro, fazem parte da realidade que se pretende conhecer, © da construcio desse conhecimento enquanto contribuicao teérica, “(c) O altimo item do método de observacdo participante pre conizado porMalinowskiconsistena aplicagdode umcertonamero de métodos particulares para selecionar, coletar, manipular estabelecer os dados”. autor refere-se ao registro da “organizacao social e da anatomia da cultura” através do que denomina “o método de documentacao 146 FASE DE TRABALHO DE CAMPO estatistica concreta”, o registro dos “imponderdveis da vida rea}? através de uma observacaominuciosa detalhada no disrio de campo; tia lista de declaragoes etnograficas, narrativas feitas pelos nativos, expresses tipicas, f6rmulas magicas, lendas e pecas de folelore que dariam conta da “mentalidade” do grupo. Malinowski comenta que objetivo da observacao e do registro é apreender o pontode vistado nativo, sua relacio com a vida e sua visao de mundo (1975, 60-61) ¢ assim aprender o sistema total ‘Outros pesquisadores depois de Malinowski tém se preocupado fem pensar procedimentos teoricamente fecundos na observacao participante. Alguns deles como Cicourel e Denzin entram em dis- cussdo com os apologistas dos métodos quantitativos, para quem a observacao participante é sinénimo de “impressionismo”. Denzin insiste que em comparacdo com os cientistas que traba- tham com “surveys” o pesquisador, no trabalho de campo que inclui observaciio participante, esta mais livre de prejuizos uma vez quenao 6 necessariamente, prisioneiro de um instrumento rigido decoletade dados ou de hipéteses testadas antes, e ndo durante 0 processo de pesquisa. A fluidez da propria natureza da observacao participante concede ao pesquisador a possibilidade de usufruir ao mesmo tem- pode dados que os “surveys” proporcionam e de uma outra aborda- ‘gem ndo-estruturada, Na medida em que convive com 0 grupo, © observador pode retirar de seu roteiro questées que percebe como inrelevantes; consegue também compreender aspectos que se explici- tam aos poucos, e que o pesquisador que trabalha apenas com ques- tionarios certamente desconheceria. A observagdo participante ajuda, portanto, a vincular os fatos a suas representagdes ¢ as contra- digdes entre as leis e sua pratica, através das propria contradigoes vivenciadas no cotidiano do grupo (Denzin: 1973, 216). Cicourel concorda com Denzin sobre as virtudes da observagie Participante, mas coloca-se de forma mais exigente em relagdo @ validade dessa estratégia. Sua preocupacao esta voltada para 2° condigoes que possibilitam o teste de hipsteses e resolvam os pro- blemas de inferéncia e de provas corretas. 6 gam Telastoa“objetividade” Cicourel comenta que quanto maiot Participacdo do observador, maior o risco de seu envolviment, ‘mas também maior a possibilidade de penetrar na chamada “regi FASE DE TRABALHODECAMPO 147 interior” do grupo. Se a participacéo mais profunda dificulta teste de hipéteses, em contraposicao ela pode desvendar os cédigos do grupo e seus significados mats intimos. Ele postula 6 controle da objetividade dos dados obtidos através da observacio participant, mediante revisdes criticas do trabalho de campo, explictagao dos procedimentos adotados e dos diferentes papéis representados pelos sujeitos da pesquisa e pelo proprio pesquisador. Cicourel critica a visdoapenas substantiva dos dados conseguidos, visio que desconhecea situacdo eas condi¢6es do trabalhodecampo. ‘Através de uma pretensa “objetividade” dos dados, estes relatos “pos-facto”, diz ele, “simplesmente acrescentam observacies des- critivas de validade duvidosa para 0 conjunto da ciéncia social” (1975, 98). Para conseguir avancar 0 conhecimento, através da observasio participante, recomenda ao pesquisador que formule 0 mais clara- ‘mente possivel o que busca conhecer, ouseja,sequerexploraralguma proposicao teérica, se quer testar hipéteses especificas ou fazer uma investigacao exploratoria sobre determinado tema ainda nebuloso. ‘Chama atencao também para anecessidade, seja qual for oresulta- do da pesquisa, de tornar explicitas as fontes de informagoes sobre 0 problema a ser pesquisado, 0 “campo” no qual a pesquisa se dew ea situagdo na qual a pesquisa foi desenvolvida tanto do ponto de vista institucional, de relacao entre os pesquisadores, da especificidade dos informantes, ¢ tudo isso considerado como dados da propria pesquisa. Sao informagées sobre 0 proceso de trabalho, necessarias Para a sua compreensdo como um todo. Cicourel usa um termo de Becker, “hist6ria natural da pesquisa” (1958, 652), para falar da importancia do registro no trabalho de campo, de forma processual: (1) das intengdes implicitas ou explici- tas; (2) da teoria e metodologia; (3) das mudangas de posigdo no decorrer do trabalho, quando as hipéteses ou pressupostos so continuamente testados, reformulados e novamente testados: “Cada passo produz dados que podem ser relacionados com 05 dados a serem obtidos posteriormente, a fim de melhorar a teoria, @ metodologia e clarificar 0 problema central” (Cicourel: 1975, 118s). i 148 FASE DE TRABALHO DE CAMPO Finalmente, conclui que, ainda quando o pesquisador comega seu trabalho com vagas nocoes a respeito do tema a ser estudado, ainda assim ele pode chegar a testar algumas hipoteses especificas, através do detalhamento minucioso de seus procedimentos metodologicos, € de suas pressuposicées teoricas sobre a natureza dos grupos e da ordem social. Em resumo, aqui Cicourel concorda com o pensamento de Popper segundo o qual “a objetividade dos enunciados cientificos reside no fato de que eles possam ser intersubjetivamente submetidos a teste” (1973, 41), ou seja, possam ser julgados pela comunidade cientifica Esta seria a prova de objetivacao mais correta. Eainda dentro do mesmo quadro de preocupacoes, é importante ‘comentario de Bourdieu, segundo o qual nao ha virtudes magicas na obseroapio participante, enaltecida por muitos que julgam equivo cadamente que o conhecimento vem a partir da pratica. Para Bour- dieu, “a pratica que aparece como condigdo de uma ciéncia rigorosa ‘lo é menos te6rica” (1972, 157), e acrescenta “E preciso lembrar que o privilégio presente em toda atividade te6rica, na medida em que ela supde um corte epistentoldgico, mas também social, governa sutilmente esta atividade, Isso conduz a uma teoria da pratica que ¢ correlativa ao fato de se omitir as condigées sociais na producao da teoria” (1972, 158). Desta forma insiste que, na producao de qualquer teoria, o pesqui- sador tem que romper com o senso comum do grupo pesquisado. E, ‘numa segunda ruptura, colocar sempre em questo 0s pressupostos inerentes a sua qualidade de observador, isto 6, “De estrangeiro que, preocupado em interpretar as priticas de ‘outro grupo, tende a importar para 0 objeto os principios de suas relacdes com esse objeto, incluindo-se aqui suas relevancias” (1972, 160). Ao terminar esas reflexdes, retomamos as colocacées iniciais. Como qualquer fase de trabalho de pesquisa, também a observacio nao € neutra. O que observar? Como observar? Sao questoes influen- FASEDETRABALHODECAMPO 149 ciaveis pelos esquemas tebricos, preconceitos e pressupostos do investigador. Como vimos, a posicao funcional positivista tenta perceber a estrutura sociale a totalidade funcional a partir do “caleidoscopio" que € a realidade. A elaboracdo dos conceitos de “sistema social” e “funcao” tal como definidos por Malinowski e por outros funciona. listas como Radcliffe-Brown constituiram uma ajuda importante na determinagao dos problemas do trabalho de campo. Esses pesquisa- dores fizeram nao 56 a antropologia social emergir como uma disel_ plina distinta mas também elaboraram uma teoria de observagao dos fatos, coerente com seus pressupostos te6ricos. No entanto, as criticas aos autores citados vém dos seus proprios pressupostos tedricos que consideram os sistemas sociais como sistemas naturais que podem ser reduzidos a leis sociol6gicas,aliax dos a afirmacao de que sua hist6ria nao tem relevancia cientifica. Evans-Pritchard se insurge contra os referidos postulados do funcio- nalismo com uma frase contundente: “Devo confessar que isso me parece positivismo doutrinario em sua pior expressio!” (1975, 235). A teoria fenomenol6gica da énfase & construgio do “modelo de ator” formulada a partir da compreensao de suas estruturas de relevancia ¢ da cotidianidade compartilhada com seus consociados, onde se forja sua biografia e se define sua situagao. Ao lado disso colocaa importancia de delimitagdo do “campo deagao” docientista social como sendo intrinsecamente diferente ao do cientista fisico ou “natural”. Do ponto de vista da sua produgao, Schutz define o labor do pesquisador como uma capacidade de reconstruir, a partir do senso comum dos atores sociais, uma tipificagiio da sua realidade capaz de ser compreendida, interpretada e comparada: “Na realidade a pergunta mais séria a que a metodologia das ciencias sociais deve responder & como ¢ possivel formar concel- tos objetivos e teorias objetivamente verificaveis partindo de estruturas de significados subjetivos? A resposta é dada pela visio basica de que os conceitos formados pelos cientistas sociais so ‘construtos’ dos ‘construtos’ cientificos formados no segundo nivel, de acordo comas regras de procedimento validas para todas as ciéncias empiricas, Sdo construtos de tipo-ideal objetivo, ecomo Digitalizado com CamScanner 1150 FASE DE TRABALHO DE CAMPO tais, diferentes daqueles desenvolvidos no primeiro nivel de pen, samento do senso-comum, aos quais eles devem superar. Sig sistemas tesricosincorporando hipéteses testsveis” (1971, 498) 0 texto de Schutz revela a preocupacio com os dois tipos de construtos (0 do cientista e o do senso comum) e propoe como forma de sua organizacao 0 “tipo-ideal”, como algo que, sem repetir Max Weber, tem seus pontos de encontro na teoria compreensiva A ‘grande critica 8 fenomenologia que Schutz representa nas Ciéncias Sociais € de que ela tem como ponto de partida absoluto os dados {mediatos da experiéncia vivida, sem analisar suas estruturas e suas condigoes. *Elaconstr6io mito de um mundo quese percebe objetivo, no qual ‘0 pensador proclama a existéncia, independente da consciéncia” (1967, 70), diz Lukacs. A etnometodologia, que no interior da sociologia mais tradicional advoga procedimentos de trabalho de campo, tampouco desenvolve uma metodologia particular de observacao. Recolhendo as influén- cias da s6cio-ingiistica, da antropologia e da fenomenologia, ela procede a partir.dessas tradicoes. Reconhece como imporiante a observagio contextualizada para 0 pesquisador perscrutar os fend- menos, descrevé-los e interpreté-los. E uma abordagem extrema- ‘mente critica a observasao positivista que vé o ato em si mesmo sem ‘consideraras pressdes sociais quejuulgam a agao do senso comumsem ae (Park and Burgens: 1921, V-VI; Payne et alii: 1981, 87- A posigio da etnometodologia, particularmente da etnometodo- Jogia etnografica, coincide com a abordagem tradicional da antropo- Jogia, com matizes tedricos da fenomenologia, representada por Schutz. Os seus adeptos no entanto tentam diferencié-la, criticando a antropologia de ser eminentemente descritiva. Goudenough insiste eaiere re explicar uma cultura descrevendo seus comporta- sociais, econdmicos ou eventos cerimoniais e a forma como Aleterminado fendmeno se apresenta. © desafio, segundo ele, ¢ Construir uma teoria dos modelos conceituais os quais eles represe- FASEDETRABALHODECAMPO 151 tam e dos quais eles sio produtos. Portanto teria © observagio deve vir juntos para essa forma de compreensio (Goudenough 1964, 85-97). ‘Ascriticas relativas & etnometodologia se concentram exatamente na sta preocupacio excessiva com o método e com a interpretacio. Nela se processa uma reducio do conhecimento aos significados subjetivos que 0s sujeitos criam de seu mundo, e da estrutura social aos procedimentos interpretativos. ‘A teoria marxista tem desenvolvido pouco sua reflexao sobre 0 trabalho de campo. Na verdade, na “Enquete Operéria”, Mare prope que os proprios operérios apliquem os questionarios. Desta forma a figura do pesquisador externo ao campo nao existe. A partir dele, as posigees maltiplas do marxismo tem variado, em relagao ao trabalho de campo, entre a omissio, a negacio como algo burgués, a assungio simplesmente de esquemas da sociologia americana para interpretacdo da realidade, ou a tentativa de realizar uma sociologia critica (Thiollent: 1978, 20), Entre um extremo e outro, héo reconhe- cimento de que a sociologia marxista tem contribuido pouco para a -lefinigao de procedimentos na pesquisa social. Comentando sobre 0 tema, Thiollent diz que nao se pode dizer que no marxismo contem- pordneo haja uma posicéo tinica a respeito da investigagao em geral eda sociologica em particular. Na apresentagao do livro Existencia- lismo e Marsismo, de Lukécs, 0 tradutor comenta a polémica des anos 60, na Franca, em que Sartre acusa os marxistas de esclerose, de incapacidade de apreender 0 particular, de perceber as represen- tages como sintese de todas as mediagdes do homem na sua vida concreta, Em troca Lukécs acusa 0 existencialismo como sendo comprometido com uma camada social. Ambos falavamem nome de Marx (1967). Essa mesma critica, continuam a fazer os etnometod- logos a respeito da incapacidade do marxismo de a realidade cotidiana. Na medida em que secontentacomas macroan- lises, paralisa-se 0 progresso da reflexao cientifica (Heralich, ano- tages 1986). Nas universidadesha o privilegiamentodasabordagens historicas, econdmicas e filoséficas e mesmo af o que se costuma considerar como “andlise marxista” consiste numa discussdo quase exegética de textos classicos de Marx, sem a devida problematizagio 4o levantamento e da incorporacio dos novos dados referentes a 152. FASEDETRABALHODE CAMPO situagBesconcretas. Esse fato, diz Thollent, pode ser apontado como origem do “teoricismo formalista” que consiste em privilegiar a compreensio da estrutura das obras classicas (Thiollent: 1978, 24) “fa pritica de conhecimento, a logica da investigacao foi separada da logica de apresentagao, perdendo-se dentro de varias correntes marxistas 0 sentido do que ha de fundamental nas ciéncias sociais: a pesquisa. Comenta Thiollent: “Sem investigagées novas e sem preocupacao de elaborar novos modosde investigagios6 se pode discutir a forma deapresentagao dde conhecimentos antigos, cuja capacidade de dar conta da rea- lidade atual ¢ problematica” (1978, 27) Raniero Panzieri em “A Concepcio Socialista da Enquete Opera ria” faz a mesma critica que Thiollent, e afirma que a posigao dogmtica de considerara sociologia como uma ciéncia burguesa fez que 0 marxismo como sociologia, regredisse. E acrescenta: “Parece-me que a sociologia burguesa dlesenvolveu-se a ponto de apresentar caracteristicas de uma andlise cientifica que ultrapassa ‘© marxismo” (1978, 227), ‘Ao mesmo tempo o autor faz. reparos a determinado tipo de seciologia e de antropologia que recorta a realidade ¢ s6 a olha de forma parcial ¢ fragmentada, E sobre a Observagiio, comenta: “Omomento de obseroagio socoldgica, conduzida segundo critérios ‘séri08 € rigorosos [mas no menciona que critérios seriam esses] ‘std entio ligada por uma continuidade muito precisa a agio Politica; a pesquisa sociol6gica ¢ uma espécie ce mediagio sem a qual nos arriscamos a fazer uma idéia otimista ou pessimista, de qualquer modo absolutamente gratuita, do gran deconscidneia da «lass eda forga de oposigao aingida por ele. Ora, claro que essa Consideragto influencia os objetivos politicos «a investigacio & Fepresenta mesmo seu principal objetivo” (1978, 228), Panalert considera « pesquisa como um instrumento de conhec= FASEDE TRABALHO DECAMPO 153, mento da realidade operéria e como contribuigao para elevacdo da consciéncia de classe. Thiollent, criticando a atitude que considera passiva” ou “positivista” da observacao sociolégica prope como alternativa 0 que chama “questionamento” dentro da “pesquisa- acto”. Seria o proprio envolvimento do pesquisador na realidade ‘com os atores sociais que busca conhecer. Essa questo merece um estudo particular, pois o envolvimento do pesquisador nao exime de “miopia” em relagao a realidade e nem resolve os dilemas do conhe- cimento, Ha ja varios estudos metodologicos que, sem menosprezar, empreendem uma critica séria aos trabalhos de Pesquisa-Acao € Pesquisa Participante tais como estao sendo realizadas no Brasil. O ponto de indagacao maior diz respeito ao empirismo que tem do- ‘minado os trabalhos e ao seu caréter mais militante que cientifico (Durham: 1986, 17-38; Cardoso: 1986, 95-106; Zaluar: 1986, 107-126), Alguns fil6sofos marxistas dao algumas pistas coincidentes coma praxis da observacdo participante, mas sem, em nenhum momento, levantar comentarios sobre ela. Joja, na Légica Dialéticn afirma: “O singular e o particular manifestam a esséncia, o geral numa exuberdncia de atributos em que ¢ dificil distinguir 0 essencial claquilo que nao 0 , tanto que aquilo que nao é essencial é mais visivel e pode, por vezes, desempenhar o papel de essencial”. (..) “No singular percebemos o geral que af esta incluso e realizado: segundo a expresso plastica de Filipon, 0 universal ¢ a co» munidade pela qual todos os particulares se comunicam” (1965, ™. Kosic, preocupado com as manifestagoes fenoménicas da reali- dade, numa primeira abordagem poderia ser confundido com um fenomendlogo: “No trato utilitério, pratico com as coisas, em que a realidade se Fevela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigencias e esforcos para satisfazer a estas — o individuo ‘em situacao’ eria ‘suas proprias representagdes das coisas e elabora todo um sistema correlativo de nogdes que capta ¢ fixa 0 aspecto fenoménico da realidade. Essas representagoes se reproduzem imediatamente na 154. FASE DE TRABALHO DE CAMPO mente daqueles que realizam uma determinada praxis histori como categorias de pensamento comum’ (1969, 10). x Mas Kosic se separa de Schutz, ao indicar as determinacoes: “Tratase de uma praxis fragmentdria, baseada na divisio de trabalho, na divisao da sociedade em classe e na hierarquia de posicdes sociais decorrentes da divisdo em classe”. (..) “O fen6- meno indica a verdade ea esconde”, (...) “Captaro fenémenoseria indagar e descrever como a coisa se manifesta naquele fendmeno ..) “A realidade ¢ a unidade do fenmeno e também se esconde”.( eda esséncia” (1969, 12) Joja comenta os desvios das filosofias do século XVIII e XIX que consideravam as sensag6es, os sentimentos, a experiencia vivida, idéias e a imaginacao como elementos subordinados a tinica “insta cia de conhecimento adequado, a razdo”. Opoe a isso a reflexto de Lénin segundo a qual: “Seria ridiculo negar © papel da imaginacao mesmo na ciéncia sais rigorosa” © chama atencio contra as tendéncias que exageram tanto a supre- ‘macia da razdo como os subjetivismos. Diz Lénin: “Devemos apreender a explorar todos os seus aspectos, todas as suas correlagoes e suas mediagdes para chegar a realidade objet- va, nos limites de nossas possibilidades hist6ricas” (1965, 219). Joja completa seu raciocinio ao acrescentar: “O pensamento concreto consiste em considerar fe siste em considerar e apreende Eromenos em sua auto-elagao.ehetero-relagio,em suas relasdes see mullplicidade deseus proprios angulos ede seus aspects aeeronarlanados, em seu movimento e desenvolvimento, em sua mullipicidade econdicionamento reciproco com outros fen Brupos de fendmenos” Joja 1965, 53). FASE DETRABALHODECAMPO 155 0 particular nao existe sendo na medida em que se ‘geral sendo no particular e através dele; a idéia de 20 iculdade de apreensio esté no pensamento e nao na reali- fento que separa e mantém a distingdo de cade Ros deum objeto;aidéia dequea marcha doreal ésempremais mmo deira e profunda do que nessa capacidade de apreend'lo; = jideia de que Jatividade entre os fatores objetivos e subjet ae vateriale espiritual sfo alguns dos principios basicos da I6gica or gajen que podem orientarum trabalho de campocom perspectivas crareistas, Esses prineipios tem sua culmindncia na reflexdio de Marx sity Ideologia Alemd: "A consciéncia nao pode nunca ser outra coisa singo o ser consciente, o ser dos homens em seu processo de vida real” (1984, 17) ‘O texto que talvez traga elementos mais préximos de compreen- sao da observacéo 6 0 Método Dialético na Andlise Socioldgicn de Fernando Henrique Cardoso (1973, 1-23). A partir do estudo do conceito de totalidade, o autor insiste que a interpretacao dialética, para ter foros de instrumento cientifico de andlise, precisa ser utiliza~ do sem retirar dos dados o valor heuristico que possuem. ‘Aidéia de qui liga ao geral eo que dade, pois é o pensam« “Sem sdlida base empirica, a andlise dialética corre o risco de perder-se em considerag6es abstratas destitufdas de valor ex- plicativo real” (1973, 2). Trata-se, segundo o autor, de explicar os processos, as situagoes © 6s sistemas, nao do ponto de vista da histéria ja decorrida, quando tudo parece ter caminhado na direcao de finalidades engendradas por condig®es dadas, mas do ponto de vista da historia como ealizadora da atividade humana coletiva. Resume Cardoso: “O marxismo vivo é heuristico”. Jamais em Marx encontram-se enti- dlades. Porexemplo “a pequena burguesia” no Dezoito Brumario “fez Parte de uma totalidade viva, nos quadros da pesquisa endo de uma ledlucao do real a partir de totalidades abstratas definidas a priori” (Cardoso, 1973, 17 e 23). int consideracdes de Cardoso e outras nomesmo sentido eitas por Miriam Limoeiro em “La Construccién de Conocimientos” (1977, 1- ) reafirmam de um lado que a visto dialética da realidade 456 FASE DE TRABALHO DE CAMPO ao empirica; de outro que os instrument, ” a > Di sao das totalidades vivas” nao ae : ao ja € nem na pratica e sim ao vestigas de apreen: ressupoe 4 in 5s nem na teor! mais concretos suficientement® pensado' nivel epistemol6gic?- b) Savide/Doense como Tema de Observagao ‘mos como objeto. Doenga, seja tanto em relagao lacao, seja em relagao as politicas do set as reivindicasoes do movimento social, as posturas funcionalista, fenomenoldgica ou marxista seriam totalmente diferentes. No primeiro caso as observagoes & entrevistas privilegiariam a compreensao do sistema, Sua organizacao, seu funcionamento, as jdeias que as pessoas tm a seu respeito, incluindo-se a busca de entendimento e explicacoes para oS “desvios” funcionais. A popu- lagdo seria observada e inquirida sobre sua aceitacdo/integracao ao sistema e ao esquema médico. O “normal” e o “tipico” seriam 0 conhecimento oficial. As conclusoes estratégicas de tal pesquisa apontariam a melhor adequacao do sistema a seus clientes, € 208 usuarios seriam reservados programas de “educagao e satide” bus- cando-se corrigir OS comportamentos € praticas desviantes. Assim a formula positivista de perceber o “normal” € dada pela ideologia dominante e sua proposta concreta é de teordenacao do sistema e correcao de seus estrangulamentos ja que 0s pressupostos de sua e colocam em questionamento. voltado para compreender observados (grupos em e de seus compo- de estudo e observacao o tema Satide/ as concepgoes que delas faz a popu- or, avaliagao de cobertura ou organizagao nao s O quadro referencial fenomenol6gico, as estruturas de relevancia dos grupos pets geste serait a liberdade do grupo 00 emer nae pie esuas formas alternativas de interpretacae pape cast: loenca, das politicas e dos programas. Sua enfase fee eee an agentes sociais torna-a uma teoria que S° Seen eee eee dominante”, 0 “Estado”, a “sociedade” Sera As nrpotiss dat decorrentes seriam de respeitar > perieecee e enue vez que foram construfdas pela & ‘mo funcionalista que a a postura teorica antag6nica ao positivis” lama as propostas dominantes como sendo Digitalizado com CamScanner

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