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O menino

de olhos
azuis
Um Conto de Jean Carlos.
Ca pum! Esse foi o som ao redor que as pessoas escutaram,
para eu, apenas dor!

Quando dei por mim, o que havia acontecido, a dor se juntou


com a vergonha, por estar ali caído, a poucos metros de um
ponto de ônibus, ao levantar a cabeça percebi os sorrisos de
canto de boca, algumas pessoas com olhar de coitadismo,
outras segurando as gargalhadas e HAHAHA... frouxas e a
mais expressivas delas viria a seguir, do menino de olhos
azuis que vibrava com a situação e gritava aos quatros
ventos:

-- Quem manda ser viado!

Ao levantar senti os dedos da mão latejarem, e observei um


rasgo do uniforme com o joelho a mostra, sangrando.

Voltava da escola, absorto em meus pensamentos e nem


senti a presença da maldade chegando perto de mim,
quando deu uma entrecortada em minhas pernas.

Apesar da dor, e a chacota dos demais, segurei as lágrimas


que desciam em meu rosto e fui direto para casa, que ficava
a dois quilômetros da minha escola, onde fazia o ensino
médio.
O acontecido durante o recreio na escola, revelaria ao meu
micro grupo social que eu não era como os demais, e isso
incomodava.

Clarice, a menina mais descolada do colégio, inventou de


fazer uma declaração de amor na frente de todos, com
presentinho e tudo, mas eu não pude aceitar, pois sabia que
os desejos dela, não eram iguais aos meus. Nem seus belos
cabelos cacheados, pele morena e um sorriso largo me
atraiam.

Isso gerou burburinho entre os alunos que lá estavam. Com


isso preferi sair um pouco mais cedo, exatamente para evitar
uma reação.

Eram os últimos três dias antes das férias, que se tornava


um caos de uma hora para outra.

Levantei por vez, o menino de olhos azuis, que não


conhecia, já tinha se dissipado no horizonte e agora, meu
dissabor era outro, verificar se meu pai estava em casa, pois
se assim ele me visse, sabia que apoio teria nenhum.

Papai, é um homem rude e aos seus cinquenta e dois anos,


amava ser denominado o macho alfa do lugarejo, daqueles
que escarrar, arrotar aos montes e mexer no saco na frente
de mulheres era seu divertimento e carimbo de machista
tóxico.
Eu nunca entendi, porque mamãe se casara com ele. Falta
de opção, talvez...

Nossa cidadezinha era muito pequena e não chegávamos a


10 mil habitantes, no interior, do interior de Minas Gerais.

Eu estava a poucos metros de casa, o sol do meio-dia


incomodava meus machucados.

Chegando perto de casa, percebi que o portão estava


entreaberto e isso era um mal sinal. ARGGG!

A duas quadras de casa, tinha um orelhão, onde liguei, por


sorte, meu primo atendeu. Ele tinha a mesma idade do que
eu, 17 anos, nem para ele eu tinha contado sobre a minha
sexualidade. Ele estava passando uns dias em casa.

Perguntei:

-- Meu pai está em casa?

A reposta veio de imediata:

-- Não! Por que?

Respondi que era apenas uma curiosidade, desliguei e me


aproximei do portão de casa. O cheiro maravilhoso da
galinhada de mamãe estava sendo levado pelo vento até
minhas narinas. E como era bom...
Entrei em casa, de sorrateiro pela porta da sala, andei como
um gato, vendo de relance semblante de mamãe agachada
pegando algo dentro do armário, na cozinha.

Meu primo, estava no meu quarto lendo algo, deitado no


beliche, na parte debaixo. Ele era mais alto que eu, tinha
muitas espinhas no rosto e que eu achava mais fofo, seu
cabelo ruivo. Sempre me perguntava se lá embaixo era ruivo
também...

Ao me ver, me disse:

-- Tá caindo de maduro, Jean?

-- Haha, respondi.

Retirei o uniforme e corri para o banho, a água quente em


meu corpo era necessário, ora para lavar a alma que estava
carregada pelos acontecimentos e para depois tratar meus
machucados, a mão estava inchada devido à pressão do
tombo e o joelho na pele viva. Viver é difícil!

Mamãe escutou o barulho do chuveiro e gritou:

-- Filho, já chegou?

-- Sim, gritei.

Sai do banho, ao entrar no quarto apenas de toalha, meu


primo disse baixinho em meus ouvidos, que por pouco eu
não fui pego por meu papai, tinha acabado de sair atrás de
uma breja, ele que tem a mania de esquecer o portão semi-
aberto. Disse que ouvira mamãe reclamar algumas vezes,
mas sem solução.

Fiz o curativo e coloquei uma calça para disfarçar, para


mamãe não ver, mas ela iria descobrir no futuro o rasgo,
minha desculpa seria, algum impacto na aula de educação
física. Papai chegou em casa, já meio bêbado, e eu fiz de
tudo para não o encontrar, algo difícil para uma casa
pequena, mais nesse dia consegui.
Recomeços...

Acordei com meu primo fazendo cosquinha em meu pé.


Quando me disse:

-- Acorda Cinderela, quase na hora de ir pra escola.

Agradeci o toque ainda com olhos fechados e me preparei


para mais um dia, eu ainda não tinha ideia se alguém da
escola viram meu tombo do dia anterior.

Penúltimo dia para o início da semana de férias, em meus


pensamentos gostariam que passasse o mais rápido
possível.

Assim que coloquei os pés no colégio, o buchicho rolou


solto... Amiga de Clarice que era evangélica, já agarrou
minha mão e disse que passou a noite rezando por mim, pois
Deus curava, a todos.

Sem paciência, avisei que doente estava ela, por pensar


assim...

Tentei explicar, mas em vão, ela saiu gritando...

-- Cura, Senhor!

Revirei os olhos e pela saudação sabia que seria mais um


dia daqueles...
As piadinhas na sala de aula iniciaram e não mais pararam,
nem a professora conseguiu calar, os diz que me disse,
quando ouvi a evangélica cochichando com outra aluna:

-- Será que ele dá ou ele come?

Suspirei fundo, pois eu era rapaz virgem e nem tinha


pensado em posições sexuais.

A professora finalmente se impôs e gritou um cala boca a


todos e que ninguém ali tinha haver com minha opção
sexual.

Depois de ouvir isso, vi que nada ali teria uma solução, em


meus pensamentos vagava a ideia, qual pessoa escolheria
ser chacota de todos? Ninguém!

Se na sala de aula já estava difícil, meu medo era a hora do


recreio. Antes do sinal tocar, pedi para sair alguns segundos
mais cedo e fui direto para a biblioteca. Quer dizer a sala que
tinha alguns livros.

A moça que cuidava do local, também já sabia dos


buchichos, e me olhou com pesar... a cara dela dizia, é
pecador que irá direto para o inferno.

Eu sentei na mesa e peguei um livro qualquer, o que eu


queria era que aqueles dez minutos voassem. Meu medo
agora, era a volta para casa.
Comecei ler o livro, do autor Adolfo Caminha, “O Bom
Crioulo”, publicado em 1895, e já tinha um homossexual a
sofrer, pensei meu Deus, a gente não pode ser feliz nessa
vida?

Sino tocou, esperei todos voltarem as salas de aulas que


eram 5 e fui depois, cabisbaixo, quando alguém me socou!

Não pude acreditar quando chocado olhei pra frente e era o


menino de olhos azuis...

Que inferno gritei!

Com rapidez tentei pegar uma cadeira que estava perto da


cantina, e fui tentar jogar nele, quando este me bloqueou.
Infelizmente ele era mais forte que eu...

Ele simplesmente tirou a cadeira das minhas mãos e disse


rindo:

-- Ui, Ui, o viadinho tá nervosinho é?

-- HAHAHA!

Aquela risada me lembrou o tombo anterior, onde fiquei com


mais raiva.

Nesse momento, um professor saiu da sala dos professores,


gritando...

-- O que está acontecendo aí?

Nisso ele já tinha escapado da escola.


E eu com olho roxo, com nervos à flor da pele.

O professor me levou a cantina, pegou cubos de gelo, e me


deixou ali, com aquele sentimento de pesar...

Meu medo era que agora eu não tinha como chegar em casa
com olho assim.

Em poucos minutos a professora da minha sala, foi até a


mim e disse que eu estava dispensado, da última aula.

Ela sabia que não ia conseguir dar aula, com tudo o que
tinha acontecido, minha lástima era ver que estava
abandonado por todos os lados.

Com medo de ser atacado novamente, juntei as moedas e


peguei uma condução.

Cheguei em casa, por sorte todos haviam saído, tinha um


bilhete sobre a mesa da cozinha, todos foram levar meu
primo de volta para a casa dele, e claro almoçar, eu fiquei
com um pão dormido e com margarina.

O roxo do olho começava a surgir, corri no quarto de mamãe


e mesmo com dor passei uma maquiagem que disfarçou
momentaneamente.

O pão em si não me sustentou e fui até a venda buscar um


macarrão instantâneo, que era próximo ao bar que papai
sempre ia, quando eu vi algo que me deixou extremamente
chocado.
Não pode ser...

O bar era típico, algumas mesas do lado de fora da calçada,


uma mesa de sinuca ao centro, e mesas do lado de dentro
e como era de esquina tinha duas entradas/saídas. Um
balcão em formato L, e por trás inúmeras bebidas numa
estante de parede. O bar ficava a oito quadras de casa.

De olho para atravessar a rua, já que a venda era próxima


ao bar, conheci meu primo pelas costas, que estava sentado
na mesa de dentro, do lado dele se encontrava minha mãe,
meu pai contando uma porção relevante de dinheiro e
entregando ao menino de olhos azuis.

Meu corpo estremeceu, eu fiquei ofegante, e em pânico, saí


dali correndo o mais que pude. O dia virou noite pra mim...

Eu chorava copiosamente, por ter família homofóbica e por


me traírem daquela forma.

Contrataram uma pessoa para me humilhar, e eu não


merecia isso.

Voltei para casa, desnorteado e extremamente polido de


sentimento de morte.

Que sentido tinha de viver daquela forma, talvez a morte


seria uma solução.
Entrei no meu quarto e escrevi uma carta de despedida, e
para fim do meu sacrifício, me mataria longe dali, me
jogando no rio, de uma única ponte alta que havia na cidade.

Na carta escrevi:

Família, eu não tenho culpa de ter nascido assim...

Espero que vocês curtam esse momento.


O inacreditável

Terminei a carta, deixei sobre a mesa da cozinha ao lado da


pseudo carta deles, muitas lágrimas ficaram sobre ela.
Estava a fechar o trinco, quando um mistério, se imperou.

Nossa casa era muito simples, um quadrado grande, dividida


pelos móveis, os quais seriam dois quartos, banheiro,
cozinha e a sala, que bem no meio desta, tínhamos uma
televisão de tubo, que ligou espontaneamente e no volume
máximo. Surge então uma apresentadora de codinome
Aninha, no susto de algo inesperado, congelei e a primeira
frase da apresentadora foi:

-- Menino, não vai!

Aquilo me acariciou, e ela continuou:

-- Sua dor provavelmente vai passar, porque tudo passa, e


tu merece ser feliz. Nesse momento a morte parece ser uma
solução, e não é!

Eu fiquei em choque como ela poderia saber do que se


passava comigo?

Ela continuou:

-- Jesus te ama exatamente como você é, Ele te trouxe


nesse planeta para simplesmente brilhar, ser feliz e irradiar
amor. Essa é única oportunidade para isso, e você quer
perder?

Assim que apresentadora disse isso, a televisão cessou


desligando sozinha. Quando eu olhei do lado e percebi que
o plugue da tomada não estava ligado. Entrei em pânico!

Quando surge perante a mim, uma luz branca forte, alto que
incorporou em mim, arrepiando cada célula do meu corpo.
Ele me deixou um conselho... em meus próprios
pensamentos, reaja da seguinte forma...

Desisti da morte e coloquei o plano em prática. Aceitei fingir


ser heterossexual, assim meu calvário foi terminado perante
minha família algoz, e assim que pude saí de casa com
minha independência financeira, para assim poder viver
minha vida, a minha felicidade e a minha homossexualidade
em paz.

Anos se passaram após tudo isso, e hoje tenho a certeza


que Jesus mandou um dos seus anjos para cuidar de mim,
no momento que mais precisava.

Hoje sou casado, tenho meu marido que é um gato e


pensamos em adotar uma criança.
A todos que lerem, muito obrigado!

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