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COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E

POLÍTICA DE
INTERNAÇÃO
COMPULSÓRIA

GUERRA ÀS DROGAS E SAÚDE


PÚBLICA
Tópicos de discussão
Comunidades terapêuticas.
História das comunidades terapêuticas.

Comunidades terapêuticas na atualidade.

Comunidade terapêutica e discurso religioso.

Política de internação compulsória.

Aspectos jurídicos e legais.

Posicionamento do sistema conselhos aos tratamentos compulsórios.

Casos críticos e atenção na rede de saúde.

Políticas de internação compulsória e direitos humanos.


Atualidades:
Bolsonaro sanciona lei que permite internação involuntária de

dependentes químicos.

Governo multiplica investimento em comunidades terapêuticas de cunho

religioso para atender usuários de drogas.

Nova lei sobre drogas amplia internação involuntária e deverá prejudicar

pessoas em situação de vulnerabilidade social

Bolsonaro retira entidades ligadas à saúde de conselho sobre drogas


Relatório da - Em nome da proteção e do
inspeção cuidado, que formas de exclusão,
de sofrimento e de tratamentos
nacional em cruéis, desumanos e degradantes
têm sido produzidas?
comunidades
terapêuticas
Conse l h o F e d e r a l Problematizar as lógicas e
de Ps i c o l o g i a ; racionalidades da dimensão jurídico-
Mecan i s m o N a c i o nal de Prevençã o e
Comb a t e à T o r t u ra; política que envolve essa questão:
Procu r a d o r i a F e deral dos Direito s do desafio permanente às instituições
Cidad ã o ;
Minis t é r i o P ú b l i c o Federal
voltadas à promoção e proteção dos
direitos humanos.
( 2018 )
Holocausto Brasileiro
Por muitas décadas, o Brasil conferiu aos
loucos e aos indesejáveis regime de
segregação social e de degeneração nos
manicômios e hospitais psiquiátricos. Dezenas de
milhares de mulheres, homens e crianças
foram vítimas dessa prática – já nomeada como
o “holocausto brasileiro”.
A experiência nos convoca à imperiosa reflexão
sobre o cuidado à saúde e sobre as construções
sociais relativas a determinados sujeitos. Embora
hoje um amplo arcabouço legal e normativo
impeça, taxativamente, a existência de instituições
com características asilares promotoras de
exclusão e de maus-tratos, é um desafio
consolidar a compreensão de que violações de
direitos não podem ocorrer, ainda que sob a
justificativa do cuidado
A potência da efetiva prática em
direitos humanos está na
LEI No 10.216, DE 6
problematização da violência e
da exclusão produzidas na DE ABRIL DE 2001
sociedade. A r t . 6o A inte r n a ç ã o p s i q u i á t r i c a s o m e n t e s e r á
r e a lizada me d i a n t e l a u d o m é d i c o c i r c u n s t a n c i a d o
RELATORIO: a inspeção q u e caracter i z e o s s e u s mo t i v o s .
nacional identificou nas
comunidades terapêuticas P a r ágrafo ún i c o . S ã o c o ns i d e r a d o s o s s e g u i n t e s
vistoriadas a adoção de t i p o s de inter n a ç ã o p s i q u i á t r i c a :
métodos que retomam a lógica
da internação, inclusive I - internação voluntária: aquela que se dá com o
compulsória, como recurso consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem
primeiro e exclusivo de
o consentimento do usuário e a pedido de terceiro;
suposto tratamento, em
e
absoluta contrariedade à
III - internação compulsória: aquela determinada
legislação vigente pela Justiça.
A r t . 7o A pessoa q u e s o l i c i t a v o l u n t a r i a m e n t e s u a i n t e r n ação, ou que a consente, deve
a s s i nar, no mo m e n t o d a a d m i s s ã o , u m a d e c l a r a ç ã o d e q u e optou por esse regime de
tr a t amento.

P a r á grafo únic o . O t é r m i n o d a i n t e r n a ç ã o v o l u n t á r i a d a r -se-á por solicitação escrita do


p a c i ente ou po r d e t e r m i n a ç ã o d o m é d i c o a s s i s t e n t e .

A r t . 8o A intern a ç ã o v o l u n t á ri a o u i n v o l u n t á r i a s o m e n t e será autorizada por médico


d e v i damente re g i s t r a d o n o C o n s e l h o R e g i o n a l d e M e d i c i na - CRM do Estado onde se localize
o e s tabelecime n t o .

§ 1 o  A internaçã o p s i q u i á t r i ca i n v o l u n t á r i a d e v e r á , n o p r a zo de setenta e duas horas, ser


c o m unicada ao M i n i s t é r i o P ú b l i c o E s t a d u a l p e l o r e s p o n s á vel técnico do estabelecimento no
q u a l tenha oco r r i d o , d e v e n d o e s s e m e s m o p r o c e d i m e n t o ser adotado quando da respectiva
alta.

§ 2 o  O término d a i n t e r n a ç ã o i n v o l u n t á r i a d a r - s e - á p o r s o licitação escrita do familiar, ou


r e s p onsável le g a l , o u q u a n d o e s t a b e l e c i d o p e l o e s p e c i a l i s ta responsável pelo tratamento.

A r t . 9o A intern a ç ã o c o m p u l só r i a é d e t e r m i n a d a , d e a c o r d o com a legislação vigente, pelo


ju i z competent e , q u e l e v a r á e m c o n t a a s c o n d i ç õ e s d e s e gurança do estabelecimento,
q u a nto à salva g u a r d a d o p a c i e n t e , d o s d e m a i s i n t e r n a d o s e funcionários.
LEI No 10.216 (outros destaques)
A r t . 1o Os direi t o s e a p r o t e çã o d a s p e s s o a s a c o m e t i d a s de transtorno mental, de que trata esta
L e i , são assegur a d o s s e m q ua l q u e r f o r m a d e d i s c r i m i n a ç ão quanto à raça, cor, sexo, orientação
s e x u al, religião , o p ç ã o p o l í t i ca , n a c i o n a l i d a d e , i d a d e , f a mília, recursos econômicos e ao grau de
g r a v idade ou t e m p o d e e v o l u ç ã o d e s e u t r a n s t o r n o , o u q u alquer outra.

A r t . 2o Nos aten d i m e n t o s e m s a ú d e m e n t a l , d e q u a l q u e r natureza, a pessoa e seus familiares ou


r e s p onsáveis s e r ã o f o r m a l m e n t e c i e n t i f i c a d o s d o s d i r e i t os enumerados no parágrafo único deste
a r t i go.

P a r á grafo únic o . S ã o d i r e i t o s d a p e s s o a p o r t a d o r a d e t r a n storno mental:

I - t er acesso a o m e l h o r t r a t am e n t o d o s i s t e m a d e s a ú d e , consentâneo às suas necessidades;


II - ser tratada c o m h u m a n i da d e e r e s p e i t o e n o i n t e r e s s e exclusivo de beneficiar sua saúde,
v i s a ndo alcanç a r s u a r e c u p e r a ç ã o p e l a i n s e r ç ã o n a f a m í l ia, no trabalho e na comunidade;
III - ser proteg i d a c o n t r a q u al q u e r f o r m a d e a b u s o e e x p loração;
IV - ter garanti a d e s i g i l o n a s i n f o r m a ç õ e s p r e s t a d a s ;
V - ter direito à p r e s e n ç a m é d i c a , e m q u a l q u e r t e m p o , p a ra esclarecer a necessidade ou não de sua
h o s p italização i n v o l u n t á r i a ;
V I - ter livre ace s s o a o s m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o d i s p o n í v e is;
V I I - receber o m a i o r n ú m e r o d e i n f o r m a ç õ e s a r e s p e i t o d e sua doença e de seu tratamento;
V I I I - ser tratada e m a m b i e n t e t e r a p ê u t i c o p e l o s m e i o s m enos invasivos possíveis;
IX - ser tratada , p r e f e r e n c i a l me n t e , e m s e r v i ç o s c o m u n i t ários de saúde mental.
LEI No 10.216 (outros destaques)
A r t . 3o É respon s a b i l i d a d e d o E s t a d o o d e s e n v o l v i m e n t o d a política de saúde mental, a assistência
e a promoção d e a ç õ e s d e s a ú d e a o s p o r t a d o r e s d e t r a n stornos mentais, com a devida participação
d a s ociedade e d a f a m í l i a , a q u a l s e r á p r e s t a d a e m e s t a b e lecimento de saúde mental, assim
e n t e ndidas as i n s t i t u i ç õ e s o u u n i d a d e s q u e o f e r e ç a m a s s istência em saúde aos portadores de
tr a n stornos me n t a i s .

A r t . 4o A intern a ç ã o , e m q u al q u e r d e s u a s m o d a l i d a d e s , s ó será indicada quando os recursos extra-


h o s p italares se m o s t r a r e m i ns u f i c i e n t e s .

§ 1 o  O tratame n t o v i s a r á , c o m o f i n a l i d a d e p e r m a n e n t e , a reinserção social do paciente em seu


m e io .

§ 2 o  O tratame n t o e m r e g i m e d e i n t e r n a ç ã o s e r á e s t r u t u r ado de forma a oferecer assistência


in t e gral à pesso a p o r t a d o r a de t r a n s t o r n o s m e n t a i s , i n c l uindo serviços médicos, de assistência
s o c i al, psicológ i c o s , o c u p a c i on a i s , d e l a z e r , e o u t r o s .

§ 3 o  É vedada a i n t e r n a ç ã o d e p a c i e n t e s p o r t a d o r e s d e t ranstornos mentais em instituições com


c a r a cterística s a silares, o u s eja, aquelas d e s p r o v i d a s d o s r e c u r s o s m e n c i o n a d o s no § 2o e que não
a s s e gurem aos p a c i e n t e s o s d i r e i t o s e n u m e r a d o s n o p a r ágrafo único do art. 2o.
O Relatório
A privação de liberdade é a regra que sustenta esse
modelo de atenção, visto ocorrer não apenas nos
estabelecimentos que autodeclaram realizar internação
involuntária e compulsória, mas também naqueles
que anunciam atender somente internações
voluntárias, embora não oportunizem aos internos
condições reais de interromper o “tratamento”. Trata-se,
portanto, da imposição real de barreiras, que vão
desde retenção de documentos, intervenção para
dissuadir a vontade apresentada, até a não viabilização
de transporte para a saída de instituições isoladas dos
perímetros urbanos. Além desses obstáculos, não há
política ativa de informação e transparência que permita
à pessoa internada uma tomada de decisão autônoma
e soberana acerca de quando cessar o “tratamento”.
Histórico:
Segundo De Leon (2003), a ideia de comunidade terapêutica é verificada ao longo da história sob diferentes
formatos. Em sua forma contemporânea, podemos dizer que surgiram duas grandes variantes dessas instituições:
uma no campo da psiquiatria social, que consiste em unidades destinadas ao tratamento psicológico e guarda de
pacientes psiquiátricos, dentro ou fora de ambientes hospitalares; e outra que são os programas de tratamento
residencial para dependentes de álcool e outras drogas.
Para o autor citado, a metodologia básica das CTs tem forte influência do modelo originário do grupo de Oxford,
uma organização religiosa sediada em Nova York, fundada na década de 1920. Entre os ideais e práticas defendidos
por esse grupo estavam a ética no trabalho, o cuidado mútuo, valores como honestidade e altruísmo, o
reconhecimento dos defeitos de caráter e a reparação dos danos causados.
Na década de 1940, essa modalidade de intervenção se desenvolveu consideravelmente na Grã-Bretanha,
inicialmente destinada ao tratamento de transtornos psiquiátricos, sendo posteriormente adaptada ao tratamento
para usuários de drogas. Em 1953, essa proposta foi reconhecida quando o psiquiatra do exército inglês Maxwell
Jones desenvolveu um modelo de internação para tratamento de soldados que estiveram na Segunda Guerra
Mundial e que apresentavam traumas diversos (Raupp, Milnitisky-Sapiro, 2008).
Histórico:
Durante os anos de 1950, as CTs
tiveram repercussão como
alternativa ao tratamento
psiquiátrico manicomial,
especialmente nos EUA. Por volta da
década de 1960, surgiram as
primeiras comunidades dedicadas
exclusivamente ao tratamento da
dependência de álcool e outras
drogas, que tinham influência não
só do grupo de Oxford, mas
também dos princípios
preconizados pelos Alcoólicos
Anônimos, originado em 1935.

No Brasil:
Cts:
De acordo com o Glossário de álcool e drogas (Brasília, 2010), as comunidades terapêuticas são
caracterizadas por um ambiente estruturado onde os indivíduos com transtornos por uso de substâncias
psicoativas residem para alcançar a reabilitação e são, em geral, isolados geograficamente. Elas possuem um
modelo residencial: uma vez internado, o "residente" deverá comprometer-se com o programa de
tratamento da instituição. Os tratamentos podem durar seis, nove ou doze meses, a critério da própria
comunidade terapêutica. Os residentes são mantidos em atividades durante o transcorrer do dia, que podem
variar entre atividades laborais, terapêuticas e religiosas. As famílias podem realizar visitas à comunidade
terapêutica, geralmente, uma vez por mês, em data definida pelo local. Muitas delas exigem que a pessoa
que deseja visitar o familiar internado esteja participando de algum grupo como o Amor Exigente 1, pedindo
comprovação da participação no grupo para que a visita seja autorizada (Conselho Federal de Psicologia,
2011).
O relatório reúne os resultados da Inspeção Nacional em
Comunidades Terapêuticas realizada em outubro de 2017, nas
cinco regiões do Brasil.

A ação conjunta é inédita e mobilizou cerca de 100


profissionais, em vistorias que aconteceram simultaneamente
em 28 estabelecimentos nos estados de Goiás, Mato Grosso,
Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, além do
Distrito Federal.

A coleta de informações se deu, portanto, a partir dessa multiplicidade de olhares e


envolveu vistorias dos espaços físicos, entrevistas com usuários, direção e equipes
de trabalho, além da análise de documentos desses estabelecimentos – voltados
especialmente à internação de usuários de drogas, embora novos públicos
venham sendo incorporados, como idosos e pessoas com outros transtornos
mentais, conforme apontaram as vistorias.

A proposta das visitas foi identificar situações concretas do cotidiano e das


práticas adotadas nessas instituições.
As informações coletadas estão apresentadas a
partir de dez grandes áreas:
1. caráter asilar desses estabelecimentos;
2. uso de internações involuntárias e compulsórias;
3. práticas institucionais (violação à liberdade religiosa, “laborterapia” e internações
sem prazo de término, entre outros aspectos);
4. equipes de trabalho;
5. cotidiano e práticas de uso de força;
6. internação de adolescentes;
7. os chamados “novos usos” para as comunidades terapêuticas;
8. infraestrutura;
9. controle e fiscalização;
10. origem dos recursos para o financiamento.
Muros, trancas e restrições no
acesso a meios de comunicação
Grande parte das comunidades terapêuticas visitadas tem o isolamento ou a restrição do convívio social
como eixo central do suposto tratamento oferecido. Esse modelo viola o amplo conjunto de diretrizes que
tratam dos direitos da pessoa com transtorno mental, incluindo os advindos do uso de álcool e outras
drogas. A Lei nº 10.216/2001, que instituiu a reforma psiquiátrica no Brasil, é clara ao apontar que o
atendimento a essa população deve priorizar a inserção na família, no trabalho e na comunidade.

As vistorias a esses estabelecimentos identificaram que a configuração das comunidades terapêuticas


como locais de asilamento passa por um conjunto de práticas e características que, individual e
conjuntamente, trazem restrições à livre circulação e ao contato com o mundo exterior. Entre elas está a
própria instalação em locais de difícil acesso e com a presença de muros, grades e portões – em alguns casos,
também de vigilantes. É marca da maioria das instituições visitadas o impedimento à livre saída do
estabelecimento e muitas recorrem à punição em caso de tentativa de fuga. Em algumas comunidades
também foi constatada a prática de retenção de documentos e pertences de usuários, assim como de
cartões bancários ou para o acesso a benefícios previdenciários.

As vistorias mostraram ser usual o controle de ligações telefônicas, bem como a violação de
correspondências.
Privação de liberdade
A Lei da Reforma Psiquiátrica define três modalidades de internação: involuntárias (sem o
consentimento do usuário, a pedido de terceiro e realizada por um médico), compulsórias (determinadas pela
Justiça) e voluntárias (com o consentimento do usuário).

No caso das internações involuntárias – que além de laudo médico devem ser informadas ao Ministério Público
em até 72 horas –, as vistorias identificaram em apenas duas das 28 comunidades terapêuticas
visitadas o documento médico com a autorização para tais internações.

As inspeções mostraram ainda que algumas comunidades terapêuticas adotam a prática do “resgate” ou
“remoção”: internamento forçado por meio de uma equipe que vai à residência da pessoa e a imobiliza,
fazendo uso tanto de violência física quanto de contenção por meio da aplicação de medicamentos.
Em algumas das unidades, foi informada a participação de outros internos na realização desse
serviço, que está disponível em pelo menos nove das 28 instituições visitadas. A prática viola a
determinação legal sobre a necessidade de laudo médico fruto de avaliação prévia e pode, inclusive, configurar
crime de sequestro e cárcere privado qualificado, conforme o artigo 148 do Código Penal.
Privação de liberdade
No que se refere às internações compulsórias, a inspeção nacional identificou que o Judiciário tem
adotado essa prática em desconformidade com o que estabelece a legislação. Isso porque a única
previsão no ordenamento jurídico brasileiro para que esse tipo de internação ocorra (e que, ainda assim,
é alvo de questionamentos por se contrapor aos direitos das pessoas com transtornos mentais) está no Código
Penal, ao designar que a internação possa ser utilizada como substituição de pena em casos em que o
autor de um crime, após seu julgamento, seja considerado pela Justiça como inimputável. Trata-se,
portanto, da chamada medida de segurança, representada na internação.

O que as inspeções revelaram, no entanto, é a existência de um contingente de usuários de drogas


enviados a comunidades terapêuticas por determinação judicial com o objetivo de suposto
tratamento de dependência química.

Há decisões, inclusive, para que o poder público arque com os custos dessas internações, que, em
muitos casos, não conta com prazo de término estabelecido – representando não apenas um subsídio
público permanente a essas instituições, como, ainda mais grave, a perene privação de liberdade de
determinada categoria de sujeitos.
Castigos, punições e indícios de tortura
Em 16 dos locais inspecionados foram identificadas práticas de castigo e punição a internos. Essas sanções
variam entre a obrigatoriedade de execução de tarefas repetitivas, o aumento da laborterapia, a perda de
refeições e a violência física. Também foram identificadas práticas como isolamento por longos períodos,
privação de sono, supressão de alimentação e uso irregular de contenção mecânica (amarras) ou
química (medicamentos) – todas elas podem ser caracterizadas como práticas de tortura e tratamento
cruel ou degradante, de acordo com a legislação brasileira.

As sanções mais encontradas durante as vistorias foram aquelas de incremento do trabalho ou de


realização de tarefas extras e aviltantes. No primeiro caso, se trata de aumento de tarefas cotidianas ou
ligadas à manutenção do espaço físico; no segundo, da obrigação do cumprimento de tarefas repetitivas, em
especial a prática de cópia de trechos bíblicos.

Quatro dos estabelecimentos visitados informaram possuir quartos específicos para o isolamento. A violência
física também foi apontada como prática, sobretudo em casos de tentativas de fugas, sendo relatados o uso
de socos nos olhos e aquilo que os internos denominam “mata-leão”.
Violação à liberdade religiosa e à diversidade sexual
Em apenas quatro das 28 das comunidades terapêuticas visitadas, é possível
afirmar que não foram presenciadas ou registradas restrições à liberdade
religiosa. Em muitas há imposição de uma rígida rotina de orações e foram
colhidos inúmeros relatos de obrigatoriedade de participação nas atividades
religiosas, bem como a punição em casos de negativa – inclusive por meio do
aumento da carga de “laborterapia”.

As vistorias também apontaram casos em que internos de outras religiões


eram coagidos a frequentar atividades da designação religiosa da comunidade
terapêutica. Um dos entrevistados da comunidade Renascer, em São João
Del Rei (MG), por exemplo, relatou que a instituição não aceitava culto a
santos e que chegou a ter rasgada a imagem de Nossa Senhora Aparecida que
guardava consigo.

No que se refere à diversidade sexual, os elementos colhidos nas entrevistas com


usuários, equipes e diretores revelam que, em ao menos 14 das 28
instituições visitadas, não há respeito à diversidade de orientação sexual e
de identidade de gênero.

- "Pecado"
“Laborterapia”: trabalhos forçados e sem remuneração
A mão de obra de internos costuma ser usada para serviços de limpeza,
preparação de alimentos, manutenção, vigilância e, em alguns casos, até
mesmo no controle e aplicação de medicamentos em outras pessoas
internadas. Entre os relatos, está o colhido em uma comunidade terapêutica no
Rio Grande do Norte, onde internos estariam sendo utilizados como mão de
obra não remunerada para a construção de uma casa de praia da
proprietária do estabelecimento.

O conjunto de informações coletadas pela Inspeção Nacional indica que, da


maneira como vem sendo utilizada por muitas comunidades terapêuticas, a
chamada “laborterapia” encobre práticas de trabalho forçado e em condições
degradantes.

Muitos relatos apontaram, inclusive, o uso de castigos e punições aos


internos que se recusam a realizar tais atividades. Também pareceu evidente às
equipes de inspeção que o uso da “laborterapia” busca, ainda, substituir a
contratação de profissionais pelo uso de mão de obra dos internos – sem
remuneração ou qualquer garantia trabalhista
Fragilidades nas equipes de trabalho
Em 15 das 28 comunidades inspecionadas, houve menção à presença de voluntários – que, na
grande maioria dos casos identificados, trocam trabalho por abrigo e alimentação.

Acerca da composição das equipes, é importante destacar não apenas os arranjos improvisados,
mas a própria escassez de profissionais com capacidade de prover, de fato, atenção à saúde. A Lei
da Reforma Psiquiátrica aponta que a internação de pessoas com transtornos mentais deve se dar
em serviços que ofereçam assistência integral, incluindo “serviços médicos, de assistência social,
psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.” Entretanto, o quadro encontrado nas comunidades
terapêuticas inspecionadas foi de escassez de profissionais para a oferta dessa assistência: há
poucos trabalhadores com formação na área de saúde e muitos “monitores” (internos que ganham a
confiança da direção e passam a desempenhar, informalmente, atividades na instituição).

Internação de adolescentes
As inspeções identificaram internação de adolescentes em 11 das comunidades terapêuticas visitadas.
Em outras duas instituições, havia crianças e adolescentes acompanhando mães que estavam
internadas. Houve, por fim, a identificação de uma criança de 11 anos internada em uma
comunidade terapêutica, por decisão judicial.
Internação de adolescentes
Nas vistorias, constatou-se também que adolescentes e adultos dividem alojamentos e quartos. Em
apenas duas instituições relatou-se que adolescentes ficam em casas ou quartos separados. Essa
situação demonstra a ausência de cuidado às peculiaridades que devem marcar a atenção a esse
grupo populacional.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 3.088/2011, determina que comunidades


terapêuticas só podem acolher adultos (inciso II do art. 9°). Esse aspecto já caracterizaria a irregularidade
das internações de adolescentes. Para além desse aspecto, entretanto, a manutenção de internos
nessa faixa etária viola uma série de diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visto que
não são espaços adequados para o cumprimento de medida socioeducativa
e, tampouco, estabelecimentos capazes de promover proteção integral a sujeitos em fase de formação.

É válido apontar ainda que as equipes de inspeção identificaram casos de internação de


adolescentes por motivos que não estão relacionados ao uso de álcool e outras drogas – de maneira que
as comunidades terapêuticas parecem estar cumprindo papel de isolamento do convívio social pelas
mais diversas motivações. Em Itamonte (MG) uma interna – que, inclusive, é surda – contou ter
sido internada por namorar um rapaz que fazia uso de álcool e, por essa
razão, sua mãe decidiu encaminhá-la à comunidade terapêutica.
Financiamento público
Do total de 28 comunidades terapêuticas inspecionadas, 18 informaram receber algum tipo de recurso
ou doação de órgãos públicos nas esferas municipal, estadual ou federal – denotando a presença
desse tipo de estabelecimento no rol de entidades que prestam serviços ao poder público. Os
documentos demonstraram que é prioritariamente por meio de recursos destinados a políticas sobre
drogas que as comunidades terapêuticas vêm acessando recursos federais.

Ainda que haja, em alguns casos, previsões legais para tanto, o conjunto de informações
coletadas permite questionar a capacidade desses estabelecimentos de prestar serviços que respeitem
as linhas gerais das políticas voltadas à saúde e possam ser referendados pelo Estado a título de política
pública.

É preciso lembrar, ainda, que qualquer destinação de recursos públicos deve contar com a
fiscalização e acompanhamento das práticas desenvolvidas pelo destinatário dos recursos, o que
não foi identificado nas vistorias. Os dados coletados pela inspeção nacional em comunidades
terapêuticas apontam, portanto, que o financiamento indiscriminado de instituições dessa
natureza acaba por resultar na destinação de recursos públicos a locais onde há violações de direitos.

Carta aberta ao
Ministério Público
Federal

A.A.

N.A.

12 passos

A.A.

N.A.

12 tradições

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