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A geografia dos movimentos revolucionários na primeira metade do século XIX

As vagas revolucionárias liberais e nacionais


Apesar dos esforços das monarquias europeias, representadas no Congresso de Viena, os ideias da Revolução
Francesa mantinham-se acessos na Europa. Entre os princípios divulgados destacam-se: a ideia de criar uma
república una e indivisível; os princípios da soberania popular (voto); a vontade de pôr fim às instituições do Antigo
Regime; a defesa da separação dos poderes políticos; a valorização dos direitos e liberdades do indivíduo e a
soberania da nação (independência e liberdade de cada nação).

As revoluções liberais procuravam alterar o regime políticos, dotando os países de instituições representativas e de
Constituições, as revoluções nacionalistas pretendiam libertar os povos do domínio imperial, valorizando a
consciência e a identidade nacionais.

A primeira vaga revolucionária compreendeu a década de 1820. Na Europa, os movimentos revolucionários de cariz
liberal tiveram lugar em vários reinos: em Espanha onde o rei Fernando VII foi obrigado a adotar a constituição de
1812; em Nápoles; no Piemonte e em Portugal. Na Grécia em 1821, surgiu uma revolta de cariz nacionalista: os
gregos revoltaram-se contra o domínio e conseguiram a sua independência. Na década de 20 do século XIX assistiu-
se ainda a movimentos independentistas na América Latina, de cariz nacionalista. Neste sentido, assistiu-se ao
nascimento de novos países na América Latins e à independência do México (América do Norte).

Na Europa, as revoltas liberais fizeram-se sentir em França, em 1830 onde se assistiu a uma insurreição liberal e que
resultou no fim da monarquia e no início da segunda república francesa.

Da França, a onde revolucionária difundiu-se para a Alemanha e Itália. No caso da Itália, a revolta foi pública e
nacional pois procurava-se criar uma república italiana, unida e livre. As revoltas nacionalistas aconteceram
igualmente na Bélgica que se tornou independente da Holanda e na Polónia que tentou expulsar os russos.

A terceira, e última vaga revolucionária ocorreu em 1848 onde se assistiu a ondas revolucionárias que se expandiram
por quase toda a Europa.

A implantação do liberalismo em Portugal


Antecedentes e conjuntura
O Bloqueio Continental estabelecia que todos os países do continente europeu fechassem os seus portos ao
comércio e navegação britânicos, para obter a capitulação da potência rival, pela via do isolamento económico.
Portugal procurou manter uma situação de neutralidade deste conflito. Napoleão Bonaparte ordenou a invasão do
reino de Portugal, que ocorreu entre 1807 e 1811, em três invasões.

A primeira invasão foi comandada pelo general Junot que chegou a Lisboa a 30 de novembro de 1807. A família real
portuguesa prevendo a invasão francesa, partira no dia anterior para o Brasil, transferindo a sede da monarquia para
a sua colónia da América do Sul. A Inglaterra decidiu auxiliar Portugal no combate às tropas francesas, desembarcou
no reino sir Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, chefe do contingente inglês que, contando com algumas
tropas portuguesas, enfrentou os franceses que foram vencidos nas batalhas da Roliça e do Vimeiro. Derrotados, os
franceses foram forçados a abandonar Portugal, depois de assinarem a paz, pela Convenção de Sintra, em 1808.

Em fevereiro de 1809, iniciou-se a segunda invasão francesa liderada pelo marechal Soult, que entrando pelo Norte,
pela fronteira de Chaves, chegou ao Porto. Em maio, as tropas luso-inglesas forçaram a retirada das tropas francesas.
Em consequência desta invasão, entre 10 e 11 de setembro de 1810, por iniciativa do comando inglês, foram presas
várias personalidades defensoras dos ideias da Revolução Francesa. Estes presos foram enviados para os Açores,
onde permaneceram até 1814. Este episódio ficou conhecimento como Setembrizada.

Em julho de 1810, no decurso da terceira invasão, as tropas francesas chefiadas pelo marechal Massena
confrontaram-se com as tropas anglo-portuguesas no Buçaco, de onde saíram derrotadas. Os franceses não
conseguiram ultrapassar as linhas de Torres Vedras, pelo que iniciaram a retirada em março de 1811 e, sendo
novamente derrotados pelas tropas anglo-portuguesas saíram definitivamente de Portugal.
As invasões francesas trouxeram ao reino a destruição, as pilhagens das tropas e a perda de vidas humanas,
afetando a agricultura, o comércio e a indústria. Este clima de devastação foi particularmente sentido a norte do
Tejo. Com o fim das invasões francesas a paz regressou ao reino.

Após as invasões, subsistiam diversos motivos causadores de insatisfação entre os portugueses. A manutenção da
presença inglesa em Portugal fazia do reino um protetorado inglês desde 1808, já que Beresford dispunha de pelos
poderes no exército o que, na prática, significava, o controlo do país. Beresford fora ao Rio de Janeiro solicitara
poderes mais amplos e a sua ação passou a sobrepor-se à da própria regência. Passou a exercer uma forte repressão
contra os que conspirassem, ou que se organizassem em sociedades secretas.

A ausência da família real desagradava aos portugueses, pois D. João VI não dava mostrar de querer regressar e
restabelecer a sede do governo em Lisboa, o que acentuava o descontentamento, na medida em que Portugal, com
a ausência do rei e da corte, assumiria o estatuto de colónia e o Brasil de metrópole. A corte portuguesa do Rio de
Janeiro tornava-se cada vez mais brasileira. Logo em 1808, procedeu à abertura dos portos brasileiros e firmou o
Tratado de 1810 provocando uma acentuada quebra de receitas alfandegárias para Portugal, e autorizou a
instalação de manufaturas no Brasil. Pôs fim ao exclusivo colonial, situação reforçada em 1815 com a elevação do
Brasil à categoria de reino, com a designação de “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”.

O ambiente político, social e económico em Portugal agravava-se e parecia inalterável a submissão face ao poder
inglês. O ideias liberais acabaram por se difundir em Portugal, pela presença dos exércitos napoleónicos ou
vinculados pela imprensa e por panfletos, apesar da censura. Foi neste contexto que o general Gomes Frei de
Andrade, defensor das ideias liberais, empreendeu, em Lisboa, uma conspiração em 1817 com vista a expulsar os
ingleses do reino e, simultaneamente, a promover a salvação da independência da pátria. Esta conspiração foi
descoberta pelos ingleses e Gomes Frei de Andrade e outros oficiais foram condenados à morte. A repressão desta
conspiração não deixou de alimentar a ideia de insurreição contra a subjugação a que o reino se encontrava
submetido.

A Revolução de 1820
O espírito conspirativo e revolucionário acentuou-se a partir de 1818, com a formação do Sinédrio, uma associação
secreta formada maioritariamente por juristas ligados à Maçonaria. Desde logo, procuraram recrutar para a sua
causa chefes militares. Reuniam-se assim as condições favoráveis ao eclodir do pronunciamento militar do Porto, a
24 de agosto de 1820. Esta contou com a adesão das guarnições militares do Minho, Trás-os-Montes e Beira, e
triunfou, pois não encontrou resistência.

O pronunciamento militar do Porto desencadeou-se a revolução liberal de 1820. Os revoltosos constituíram uma
Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. A notícia do pronunciamento militar do Porto chegou dois dias
depois a Lisboa, mas a regência tentou resistir. Porém, um segundo levantamento militar, a 15 de setembro de 1820,
na capital, conduziu à destituição dos governadores e à constituição de um Governo Interino.

A 28 de setembro, a Junta do Porto e o Governo Interino de Lisboa uniram-se e formaram a Junta Provisional do
Governo Supremo do Reino. A Junta Provisional manteve a ordem, orientou a política externa e preparou as eleições
para as Cortes Constituintes que tiveram lugar em dezembro de 1820. A revolução de 1820 saía vitoriosa e fora
aceite sem grande resistência, incluindo na Madeira e nos Açores, bem como nas colónias em África, no Oriente e no
Brasil.

Em janeiro de 1821, as então designadas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes iniciaram-se as suas funções,
elegendo uma nova regência. A esta nova regência cabia ao governo do reino até que D. João VI regressasse do
Brasil. Do monarca esperava-se que não se opusesse ao movimento, de modo a facilitar o seu reconhecimento
internacional, uma vez que o principal receio era o de uma intervenção dos ingleses com vista à reposição da
legitimidade da monarquia em moldes tradicionais, pondo em risco o movimento de 1820. D. João VI acabou por
decidir o regresso ao reino, deixando no Brasil, como regente, o infante D. Pedro.

As dificuldades de implantação da ordem liberal (1820-1834)


A implantação do liberalismo em Portugal foi um processo marcado pela resistência absolutista. Sucederam-se
vários golpes contrarrevolucionários com vista à eliminação das tendências liberais vigorosas em 1820.

Entre 24 de agosto de 1820 e abril de 1823, a principal tarefa foi a elaboração de uma Constituição que legitimasse o
regime político de monarquia constitucional, estabelecesse a soberania nacional e consagrasse os direitos e as
liberdades individuais. Foi neste período que se constituiu uma das tendências ideológicas do liberalismo: o
vintismo- corresponde ao primeiro período de implantação do liberalismo em Portugal marcado pelos ideias
iluministas, pela consagração dos direitos e liberdades dos cidadãos, pela soberania nacional e pela divisão de
poderes.

D. João VI jurou fidelidade às bases da Constituição de 1822 a 3 de julho de 1821, depois de regressar do Brasil,
aceitando os princípios aprovados pelas Cortes. Pelo contrário, sua mulher, D. Carlota Joaquina, não fez o juramento,
tendo a partir daí assumido, juntamente com o seu filho mais novo, D. Miguel, um papel de oposição ao liberalismo.
Foi a partir do ano de 1823 que ocorreram os golpes antiliberais.

A primeira tentativa contrarrevolucionária teve lugar em 23 de fevereiro de 1823, em Vila Real. Esta insurreição foi
rapidamente reprimida pelos liberais. Em março, de 1823, já sob o comando do infante D. Miguel, ocorreu o
segundo golpe contrarrevolucionário, a Vila-Francada, quando em Vila Franca, D. Miguel proclamou restauração do
absolutismo que pôs fim ao vintismo, a primeira experiência liberal em Portugal. Face a este golpe, o rei D. João VI
procurou uma solução de compromisso dúbia, e prometeu, por um lado, um Constituição mais moderada mas, por
outro, dissolveu as Cortes, suspendendo a Constituição de 1822.

A partir da Vila-Francada, vigorou um regime absolutismo moderado. A 30 de abril de 1824, desencadearam outro
golpe, a Abrilada, liderado por D. Miguel e apoiado pela sua mãe, D. Carlota Joaquina. A Abrilada instaurou um clima
de terror, com inúmeras prisões de liberais, chegando-se a isolar, no seu palácio, o monarca que procurou refúgio
num navio inglês, de onde ordenou a libertação dos presos políticos e a prisão dos implicados.

Em março de 1826, morria em Lisboa D. João VI, e foi designada regente a Infanta D. Isabel Maria, que reconheceu o
seu irmão, D. Pedro, como rei de Portugal. D. Pedro, que era imperador do Brasil, tornado independente em 1822,
não podia ser, simultaneamente, rei de Portugal. Em 29 de abril de 1826, outorgou uma nova lei constitucional,
designada Carta Constitucional e abdicou da Coroa portuguesa a favor da sua filha, então com sete anos, D. Maria da
Glória. Esta deveria casar com o seu tio, D. Miguel, devendo este jurar a Carta de 1826, outorgada por D. Pedro,
assumindo o cargo de regente, enquanto D. Maria não atingisse a maioridade. D. Miguel regressou a Portugal no ano
de 1828, depois de jurar fidelidade. D. Miguel não respeitou os compromissos e, em março, procedeu à dissolução
das Cortes. Em meio de 1828, convocou Cortes à maneira antiga, isto é, por ordens, tendo por objetivo a sua
aclamação como rei de Portugal. Como reação, os liberais fizeram um levantamento miliar no Porto, violentamente
reprimido, provocado a fuga de liberais para o estrangeiro. Durante seis anos instaurou-se no reino um governo
absolutista liderado por D. Miguel, marcado por perseguições, prisões e execuções. Viveu-se uma guerra civil entre
absolutistas e liberais que durou até 1834.

Na guerra civil, as forças liberais foram reforçadas com o apoio da Inglaterra e da França e, por isso, a guerra sofreu
um volte-face em 1833 quando uma armada liberal desembarcou no Algarve e derrotou a frota miguelista. Em 24 de
julho de 1833, os liberais tomaram Lisboa que havia sido abandonada pelo governo de D. Miguel. O cerco do Porto
foi levando e as tropas miguelistas rumaram para o Sul, em direção a Lisboa, mas foram derrotadas nas batalhas de
Almoster e de Asseiceira. Chegava ao fim a guerra civil em Portugal. A 26 de maio de 1834 foi assinada a Convenção
de Évora-Monte, segundo o qual D. Miguel foi obrigado ao exílio, sob promessa de não mais voltar a Portugal.
Triunfava então o liberalismo que se instaurava definitivamente em Portugal.

Precaridade da legislação vintista de caráter socioeconómico


As Cortes Constituintes assumiram também um papel legislativo. Nesse sentido, aprovaram legislação com vista a
abolir os direitos feudais e alguns dos traços do Antigo Regime. Deste modo, fizeram aprovar um conjunto de
medidas económicas e sociais.

Medidas de carácter socioeconómico


 no domínio agrícola, votaram uma “lei de cereais”;
 extinção de algumas obrigações estabelecidas nos forais;
 abolição de vários direitos feudais;
 a propriedade vinculada, pertencentes às famílias nobres, foi reduzida, ficando apenas em vigor os grandes
morgados;
 extinção da dízima à Igreja e de parte das rendas eclesiásticas;
 restrição da admissão de noviços e de noviças aos mosteiros;
 extinção dos mosteiros considerados desnecessários;
 redução da sisa por metade e limitada aos bens de raiz;
 nacionalização dos bens da Coroa e fixação de dotações ao rei e à família real;
 definição dos ordenados dos ministros;
 criação do Banco de Lisboa.

Foram ainda consignadas algumas liberdades fundamentais:

 extinção da Inquisição;
 liberdade de consciência em matéria religiosa;
 liberdade de imprensa, até em assuntos de natureza religiosa.

Esta legislação vintista revestiu-se de um caráter precário na medida em que, pelo facto da primeira experiência
liberal portuguesa ter terminado em 1823.

A Constituição de 1822
A 23 de setembro de 1822 foi promulgada a primeira Constituição portuguesa. No dia 1 de outubro de 1822, o texto
constitucional foi jurada por todo o reino.

O texto constitucional português era influenciado pela Constituição de Cádis e pela Constituição francesa de 1795.

A Constituição de 1822 no seu texto final consagrava o regime político da monarquia constitucional, a forma de
exercício do poder, a divisão dos poderes e respetivas competências, o conceito de cidadania e o exercício do voto,
bem como os direitos e os deveres dos portugueses. Podemos destacar as seguintes linhas definidoras da
Constituição vintista:

 a monarquia constitucional, hereditária cuja legitimidade assentava na Casa de Bragança;


 o reconhecimento dos direitos individuais como a liberdade, incluindo em matéria religiosa e de ensino, e a
propriedade;
 o princípio da soberania da nação, segundo o qual era o povo que escolhia os seus representantes;
 o princípio da separação dos poderes: o poder legislativo cabia às Cortes; o poder executivo estava nas mãos
do rei e dos ministros por ele nomeados; o poder judicial era da responsabilidade dos juízes;
 o reconhecimento dos poderes do rei, detinha direito de veto suspensivo. O rei não podia impedir a eleição
de deputados, só podia assistir às Cortes nas sessões de abertura e de encerramento, estava impedido de as
dissolver e não podia lançar impostos;
 a adoção do sistema unicameral, pelo que as Cortes tinham uma Câmara de Deputados, não tendo a nobreza
uma câmara separada que a representasse em exclusivo;
 o sufrágio era direto e universal masculino, extensivo a todos os homens, maiores de 25 anos, que
soubessem ler e escrever, ficando excluídos os analfabetos, os dependentes, os membros do clero regular e
ainda as mulheres;
 o reconhecimento da religião católica como a religião católica da nação portuguesa.

A Constituição portuguesa esteve em vigor entre outubro de 1822 e junho de 1823 tendo ainda vigorado, ainda que
por pouco tempo, em 1836.

Carta Constitucional de 1826


A Carta Constitucional foi outorgada a partir do Brasil, pelo rei D. Pedro IV, depois da morte de seu pai, D. João VI. O
novo texto constitucional surgiu como uma tentativa de conciliar liberais e realistas e foi inspirado na Constitucional
Brasileira de 1824 e na Carta Constitucional Francesa de 1814.

A Carta Constitucional apresentava as seguintes características:

 definiu o governo de Portugal como monárquico, hereditário e representativo;


 reconheceu a separação dos três poderes políticos, pelo que o poder legislativo pertencia às Cortes, o poder
executivo era da competência do rei e do governo, e o poder judicial cabia aos juízes;
 introduziu o poder moderador, o quarto poder político, o rei era considerado o chefe supremo da nação, o
poder moderador concedia-lhe a supremacia sobre todos os outros poderes, na medida em que podia
nomear os pares, convocar as Cortes, dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir os ministros,
suspender os magistrados, conceder amnistias;
 concedeu ao rei o direito de veto absoluto sobre as decisões das Cortes;
 consagrou a composição bicameral das Cortes, pelo que passavam a existir duas câmaras: a dos Deputados,
eleitos, e a dos Pares, hereditária e vitalícia, de nomeação régia;
 definiu o voto censitário, pelo que apenas os que possuíam um rendimento anual no valor de cem mil réis
tinham direitos de voto, estabelecendo a diferença entre cidadãos ativos e cidadãos passivos;
 determinou a dupla soberania entre o rei e a nação, excluindo o princípio da soberania nacional;
 reconheceu um Conselho de Estado, cujos membros eram nomeados vitaliciamente pelo rei;
 reconheceu os direitos do indivíduo, entre os quais o direito à liberdade, segurança individual e propriedade,
a igualdade de todos perante a lei, a instrução primária gratuita para todos.

O cariz conservador da Carta Constitucional agradou aos setores mais conservadores e moderados.

A Carta Constitucional foi o diploma legal que durante mais tempo vigorou em Portugal, cerca de 72 anos.
Corporizou um liberalismo de tipo moderador, designado cartismo- do ponto de vista governativo, era conservador,
mantendo as regalias da aristocracia; em termos ideológicos, no contexto do liberalismo português, opõem-se ao
vintismo de cariz mais radical.

A importância da legislação de Mouzinho da Silveira


Uma das mais importantes figuras da reforma legislativa do liberalismo português foi Mouzinho da Silveira que
redigiu uma série de medidas com vista a pôr fim à ordem social e económica do Antigo Regime. As convicções
liberais de Mouzinho levaram-no a produzir um conjunto de diplomas legais que garantiam a liberdade e a
propriedade nomeadamente a sua ação legislativa pautou-se pela tomada das seguintes medidas:7

 aboliu os dízimos;
 extinguiu os morgados, cujo rendimento era inferior a 200 mil réis;
 aboliu os vínculos, em caso de inexistência de descendente legítimo;
 aboliu as sisas sobre as transações, com exceção dos bens de raiz (fundiários);
 aboliu os forais;
 procedeu à eliminação de portagens, e outras barreiras à circulação no reino, com vista a facilitar a
circulação interno dos produtos e a promover o comércio interno e externo;
 extinguiu os bens da Coroa;
 extinguiu a Lei Mental;
 extinguiu o Erário Régio criando a Fazenda Pública, denominada Tribunal do Tesouro Público;
 nacionalizou os bens do clero;
 no plano judicial, dividiu o país em círculos judiciais, subdivididos em comarcas que, por sua vez, se dividiam
em julgados e estes em freguesias; o supremo tribunal dispunha de jurisdição sobre o reino, mas estava
fixado em Lisboa; deste modo, retirava aos municípios a antiga autonomia de que dispunham; estabeleceu
ainda o júri nos tribunais;
 aboliu os antigos tribunais, juntas e conselhos de administração central;
 separou o poder administrativo do poder judicial, na medida em que as Câmaras Municipais ficaram sem
poder para julgar, o qual foi atribuído em exclusividade aos tribunais;
 em termos administrativos, dividiu o país em províncias, comarcas e concelhos chefiadas pelo perfeito,
subprefeito e provedor;

Mouzinho da Silveira, defensor das ideias liberais, procurou desenvolver uma economia política assente nos
princípios liberais e capitalistas, com vista a tornar o direito à propriedade um facto.

A reorganização administrativa e jurídica promovidas pelas reformas liberais, a partir de Mouzinho da Silveira,
tinham em vista a modernização do país e inspirava-se naquilo que, se considerava o mais perfeito realizado no
estrangeiro.

A legislação de Mouzinho da Silveira foi complementada com outras iniciativas legislativas apesar da persistência do
conservadorismo e do apego aos princípios do Antigo Regime. Nesse âmbito, são de destacar:

 a publicação do Código Comercial, de José Ferreira Borges, no sentido de legislar a atividade comercial e de
estimular o liberalismo no domínio da economia;
 a abolição das corporações de ofícios mecânicos;
 a extinção das ordens religiosas em 1834 e consequentemente secularização e venda dos bens eclesiásticos;

O sucesso das reformas não foi sempre conseguidos e não se generalizou a todos os setores.

A reforma de Mouzinho da Silveira assumiu-se como fundamental no panorama legislativo português, na primeira
metade do século XIX, e corporizou os anseios liberais manifestados a partir de 1820.

O setembrismo
Os dois anos que se seguiram à instauração definitiva do liberalismo em Portugal, em 1834, foram dominados por
governos cartistas. A revolta, de base popular e com apoio dos militares, forçou o afastamento dos cartistas do
poder. Este movimento revolucionário mobilizou também o apoio da burguesia industrial urbana e dos pequenos e
médios comerciantes, insatisfeitos com o favorecimento que os governos cartistas haviam concedido aos grandes
proprietários e à alta burguesia.

A revolução de setembro de1836 iniciou o projeto político que ficou conhecido como setembrismo, que tinha como
objetivo revogar a Carta de 1826, repor a Constituição de 1822 e os princípios do vintismo, mais democráticos e
assentes na soberania popular.

Perante o curso dos acontecimentos, e da adesão dos militares ao movimento, a rainha D. Maria II nomeou, a 10 de
setembro, um novo governo, tendo como principais ministros marquês de Sá da Bandeira e por Passos Manuel.

O novo poder, que pôs em vigor a Constituição de 1822 foi desde logo confrontado com tentativas da Carta. O
primeiro golpe contrarrevolucionário, conhecido por Belenzada, que ocorreu em novembro de 1836. Foi um golpe
palaciano que pretendia restaurar a Carta Constitucional, encabeçado pela própria rainha D. Maria II. Depois da
negociação de Passos Manuel com a rainha, chegou-se a um compromisso que passava pela aprovação de uma nova
constituição que devia conciliar a tendência vintista e cartista. Foram reunidas as Cortes Constituintes a partir de
janeiro de 1837. As tendências mais moderadas da revolução setembrista ganharam influências e em abril,
promulgou-se a nova Constituição de 1838 que vigorou até fevereiro de 1842.

Na Constituição de 1838 também está patente a influência da Constituição portuguesa de 1822, nos princípios de
que a soberania reside na nação e na divisão tripartida de poderes, desparecendo o poder moderador do rei. Assim,
a rainha D. Maria II passava a deter apenas o poder executivo, juntamente com os ministros podia dissolver a
Câmara dos Deputados, nomear e demitir o governo. A influência da Carta Constitucional de 1826 traduziu-se na
criação de um Parlamento com duas Câmaras: a dos Deputados, eleita por três anos, e a dos Senadores, eleita por
seis anos, que dispunham do poder legislativo, e na adoção do voto censitário embora restabelecesse o sufrágio
direto. O poder judicial era exercido pelos juízes e jurados.

Durante a vigência dos vários governos setembristas a sua ação governativa e a sua obra legislativa ficou marcada
por importantes reformas que acabaram por persistir e ultrapassar a própria vigência do setembrismo:

 a reforma educativa: Passos Manuel, em 1836, reestruturou, ao nível nacional, os vários graus de ensino,
centralizou a administração escolar e promoveu a instalação dos liceus em Portugal; a criação de Escolas
Politécnicas; a criação dos Conservatórios de Artes e Ofícios de Lisboa e Porto; a reestruturação das Escolas
Médico-Cirúrgicas; a criação da Escola do Exército e a regulamentação da instrução primária; acabou por
lançar as bases do ensino primário e secundário contemporâneos.
 no domínio económico: adotou-se a pauta aduaneira de janeiro de 1837 que aumentou os direitos
alfandegários de cerca de 15% para 30%; promoveu-se a proteção da indústria, dando-se os primeiros
passos para a mecanização; assistiu-se ainda à criação de associações empresariais do comércio e da
indústria, com vista a estimular a atividade económica nesses setores.
 no domínio administrativo: o Código Administrativo de 1836 permitiu uma reforma marcada
essencialmente pela redução do número de concelhos;
 no domínio financeiro: o governo setembrista procurou reduzir a despesa pública através do recurso à
diminuição dos vencimentos do funcionalismo.

O cabralismo
Os últimos tempos do setembrismo, entre 1839 e 1842, foram marcados pelas rivalidades entre tendências do
liberalismo e pelo avanço das forças conservadoras. A 27 de janeiro de 1842, pelo golpe do então ministro da justiça
António Bernardo da Costa Cabral que proclamou a restauração da Carta Constitucional e aboliu a Constituição de
1838.

Com Costa Cabral, iniciava-se a nova governação: o cabralismo. Este regime trazia ao poder os conservadores
cartistas ligados ao grande comércio e à finança, bem como aos grandes latifundiários.

O exercício do poder por Costa Cabral foi marcado pelo controlo das Cortes e das eleições e, por um autoritarismo.

Politicamente de acordo com os princípios cartistas, o cabralismo defendeu a prevalência do poder do rei sobre os
demais poderes do Estado, numa visão tradicionalista e conservadora. Contudo, tal não significou o imobilismo do
governo cabralista.

Costa Cabral procurou o fomento do país, especialmente no campo das obras públicas, no lançamento de projetos
de estradas, no domínio da administração, do fomento industrial, ao nível da economia e das finanças, com o intuito
de reforçar o poder administrativo e centralizador do Estado. O período entre 1842 e 1851 ficou marcado por
medidas de caráter modernizador nos domínios da administração, da economia e das finanças:

 ao nível administrativo: procurou reforçar o caráter centralizador do Estado; o Código Administrativo de


1842 significou a centralização administrativa, rompendo com a descentralização iniciada pelos
setembristas; extinção das Companhia Das Ordenanças;
 ao nível económico: a Criação do Bando de Portugal; o Tratado de Comércio assinado com a Inglaterra, em
1842; a criação da Companhia das Obras Públicas de Portugal, em 1844; criação do Tribunal de Contas.

Destacou-se a publicação das chamadas “leis da saúde”, que proibiam os enterramentos nas igrejas.

 ao nível financeiro: criaram-se a Companhia de Tabacos, de Sabão, das Pólvoras, a Companhia Confiança
Nacional, a Companhia das Estradas do Moinho; e as leis fiscais, publicadas a partir de 1845.

O despotismo de Costa Cabral causou oposição que se traduziu em insurreições que assumiram contorno de guerra
civil.

Entre abril e maio de 1846, ocorreu aquela que ficou conhecida com a revolta da Maria da Fonte, um levantamento
popular que contou com a participação de muitas mulheres, mobilizadas para enfrentar as tropas que eram enviadas
para província para impor a ordem

Na origem da revolta da Maria da Fonte esteve o lançamento de impostos, a arrecadação dos impostos num
organismo central e distante e ainda as leis da saúde.

A revolta da Maria da Fonte não teve uma liderança clara nem um programa político definido. Foi um movimento
onde confluíram diversas fações: absolutistas e antigos miguelistas, radicais, esquerdistas, moderados e até cartistas
insatisfeitos com os métodos de governação de Costa Cabral. O governo reagiu com o envio de tropas para as zonas
sublevadas. Porém, como os resultados não foram os esperados, o governo foi forçado a demitir-se.
Em maio de 1846, o duque de Palmela foi encarregue de constituir um novo governo formado por cartistas e
setembristas moderados.

O duque de Saldanha foi então convidado a formar novo governo, que assumiu contornos de golpe o que provocou
o desagrado por parte dos revoltosos que tinham acalmado com o afastamento dos Cabrais. Formou-se no Porto,
em oposição ao governo de Lisboa, a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino. Retomava-se a guerra civil
que, nesta fase, ficou conhecida por Patuleia (pata ao léu). A resistência dos revoltosos prolongou-se por oitos
meses, entre outubro de 1846 e junho de 1847.

Os revoltosos da Patuleia renderam-se em 31 de maio de 1847, e impediu-se a abdicação de D. Maria II. A paz
assinou-se a 30 de junho de 2847, na Convenção do Gramido. A paz trouxe de volta ao poder Costa Cabral. O duque
de Saldanha, afastado da governação passou a liderar a oposição a Costa Cabral e, em 1851, intentou um novo
golpe, que afastou definitivamente Costa Cabral do poder, abrindo caminho para uma nova fase da afirmação do
liberalismo em Portugal- a Regeneração-, que se propunha trazer ao reino a tão desejada estabilidade.

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