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A geografia cultural europeia de

quatrocentos e quinhentos
Principais centros culturais de produção e difusão de sínteses e
inovações
A época de Renascimento
Nos séculos XV e XVI, a Europa viveu um período de profundas transformações em todos os
domínios da vida, caminhando para uma nova época. Este período de transição da idade Média
para a idade Moderna é designada pelos historiadores como Renascimento- movimento cultural
que surgiu em Itália, nas cidades de Siena e Florença e, a partir dela expandiu-se por toda a
Europa Ocidental, especialmente para os Países Baixos, Alemanha e Inglaterra.

As condições da expansão cultural


Apesar das vicissitudes das epidemias, da fome e da guerra que marcaram o século XIV, a
Europa de meados do século XV apresentou sinais de uma grande vitalidade, resultante da
recuperação demográfica que permitiu o ressurgimento do comércio e da circulação da moeda,
patente no crescimento das cidades e no desenvolvimento do capitalismo comercial, assente
numa burguesia mercantil e financeira.
Cidades de Flandres, da Liga Hanseática e dos portos do Mediterrâneo tornaram-se prósperas ao
adquirir produtos como especiarias, tecidos de luxo e perfumes da Índia e da China, através das
rotas do Levante. A utilização do cheque e da letra de câmbio (cheque sacado numa praça
estrangeira e pagável em moeda diferente daquela em que era emitido na origem) constituíram
grandes inovações da época.
Na Europa Central surgiram, também, novas técnicas de extração mineira e metalúrgica,
destacando-se o uso de ácido nítrico no trabalho de ouro e prata, provocando um aumento na
produção de metais preciosos. O desenvolvimento de novas técnicas militares, ligadas aos
processos técnicos relacionados com o uso da pólvora- inventada pelos Chineses e divulgada no
Mediterrâneo a partir do século XIII- permitiu o aparecimento da artilha móvel e das armas de
fogo, que revolucionaram a arte da guerra.
Sucederam-se também, com grande repercussão na vida material, vários progressos nos
transportes terrestres: aperfeiçoou-se o jogo dianteiro móvel, a suspensão de viaturas por
correntes e as rodas de raios livres com eixo fixo, que estariam na origem da divisão dos
coches a partir do século XVI.
Foram também nesta altura criados os primeiros serviços postais regulares e a organizaram-
se carreiras de diligências, simplificando o serviço de mensagens.
A utilização da energia hidráulica permitiu desenvolver maquinaria para fornos de fundição,
máquinas de secar poços, foles duplos, malhos e martelos mecânicos, entre outras. Estas
técnicas possibilitaram produção com menor custo e em grande escala, especialmente na
indústria têxtil, trabalhando-se o algodão e os tecidos de linho e de seda, vindos do Oriente, de
uma forma mais rentável e perfeita.
O entusiasmo pela maquinação e pela quantificação conduziu à descoberta da mola real, que
permitiu o aparecimento revolucionário dos relógios portáteis e de bolso. Também os móveis,
fabricados com boas madeiras e incrustações de mármore, e as decorações embutidas nos tetos
ganharam destaque, fabricando-se armários, cómodas, camas e cadeiras de cerimónia como
costas e braços, reflexo da sociedade amante do gosto, da comunidade e do luxo. A todas estas
inovações juntar-se-ia ainda invenção da imprensa considerada por vários historiadores um
marco incontornável da modernidade.

A importância da imprensa
Na idade média, a produção de texto utilizados nas universidades provinha na sua maior parte
das oficinas de copistas, que se dedicavam à elaboração de manuscritos nos scriporia
monásticos e nos centros de produção secularizados nas cidades. Os livros eram manuscritos um
a um, alguns desses belissimamente decorados.
O material usado na maior parte destes manuscritos era o pergaminho, feito de pele raspado de
carneiros ou cabras, embora, para as melhores obras, estivesse reservado o velino, pele vitela
mergulhada em cal e depois alisada com pedra- pomes. Considerado um material de luxo e
extremamente durável, continuou a ser utilizado no renascimento, mesmo para as obras
impressas, embora fosse necessário um cuidado especial.
O processo de fabrico do papel veio da China e foi conhecido na Europa através dos árabes, que
contactavam com os europeus no Mediterrâneo. Este novo material consistia na transformação
de desperdícios material fibroso que eram postos a apodrecer, sendo depois triturados e coados
em moldes rígidos de fios de cobre. A sua progressiva utilização levou a que vários moinhos de
trigo abandonados fossem transformados em fábricas de papel.
A técnica foi melhorada durante o século XIII, multiplicando-se os moinhos para papel movidos a
água, em especial no norte de Itália, onde se desenvolveu a prática de coser uma figura de arame
no molde, para produzir uma marca de água que permitisse identificar o fabricante da folha
depois de pronta. No final do século XIV, as diversas inovações técnicas permitiram a sua
disponibilização a preços cada vez mais baratos e em quantidades maiores, tornando-se o
papel um fator fundamental para fazer da invenção da imprensa de tipos de móveis o
acontecimento tecnológico central do renascimento.
Em meados do século XV são conhecidas impressões de estampas feitas com blocos de madeira
combinados, que terão levado a invenção de tipos de móveis de madeira para prensas. Esta
técnica tinha várias vantagens desde permitir o uso repetitivo e a fácil substituição, e o facto de
serem fabricados por um molde, conferindo uniformidade a impressão.
A nova técnica de impressão inventada por Johannes Gutenberg e Johann Fust derivou dos
progressos de tecnológicos alcançados na época e da mestria dos ourives alemães no trabalho
do metal.
A sua originalidade consiste na criação de uma liga metálica aplicada na elaboração de tipos de
móveis para impressão de letras.
A invenção da imprensa permitiu a produção de livros em grandes quantidades, a cópia de
vários originais ao mesmo tempo e a consequente difusão da leitura e da criação de
grandes bibliotecas.
O alcance desta descoberta, associada ao desenvolvimento indústria do papel e ao apelo de uma
cidade nova que aspirava instruir-se e aumentar o seu nível intelectual, torná-la ia um dos
maiores acontecimentos da história. Ao «livro jóia» de outros tempos, ricamente iluminado mas
reservada as élites, sucedeu «livro útil» menos nobre pela matéria-prima e pela apresentação,
mas incalculavelmente mais barato e que passou a ser um meio poderoso- e verdadeiramente
revolucionário- da difusão de cultura.
O cosmopolitismo das cidades hispânicas
Os séculos XV e XVI correspondem a um período de expansão e de grandes mudanças na
Europa e no Mundo. Coube a Portugal a prioridade no processo de Expansão, durante o século
XV, dominando técnicas de navegação e de orientação marítima, promovendo a conquista de
terras, a colonização dos arquipélagos atlânticos, a exploração da costa ocidental africana,
destacando-se a viagem pioneira de Gil Eanes, e a abertura do caminho marítimo para a Índia.
Também Castela, rivalizando com Portugal na descoberta de um caminho alternativo às rotas
mediterrâneas que levasse ao comércio das especiarias orientais, procedeu a viagens de
descoberta marítima, embora as tenha iniciado mais tarde.
As expedições de um outro reino prosseguiram, consolidando-se os dois primeiros impérios
coloniais da Europa: o Império Português, com domínios em África, Ásia e Brasil; e o Império
Espanhol, com domínios maioritariamente na América do Sul.

A importância de Lisboa
A cidade de Lisboa transformou-se gradualmente no maior entreposto comercial europeu e
tornou-se a capital mundial da pimenta e das especiarias.
O rei fixou a sua residência em Lisboa, em 1498, empreendo um profundo reordenamento da
cidade e transferiu o centro do poder civil para junto do rio. No Paço da Ribeira, instalou a Casa
da Índia, centro político-administrativo que tutelava o império. Aí se situava o Paço, a Alfândega,
a Casa dos Contos e a igreja Misericórdia.
Lisboa constitui, assim, a base logística do empreendimento colonial controlado pelo rei, que
financiava todos os negócios com a garantia de grandes lucros, controlados pelo rei Damião Góis
que diz ter visto na casa da índia tanto os mercadores com sacos cheios de moedas de ouro que
as oficiais serviam impossibilitados de eu contar no próprio dia. Antes, já Fer<não Lopes, também
cronista régio, registara que vivia em Lisboa um número cada vez maior de estrangeiros, a quem
os reis concediam diversos privilégios e liberdades, por serviços prestados e pelo dinamismo que
traziam à economia. O Tejo via-se coberto de navios de todas as partes, transportando produtos
de todo o mundo.

A importância de Castela
Sevilha era, também em meados do século XVI, a cidade mais populosa de Espanha. Entre 1500
e 1550, a sua população cresceu de 45000 para 100000 habitantes. A sua importância deveu-se
fundamentalmente ao monopólio do comércio com a América, que chegava ao porto fluvial da
cidade, no rio Guadalquivir. A casa da contratação, instalada na cidade, foi criada pelos reis
católicos em 1503 e assemelhava-se, em termos de funções, à Casa da Índia, de Portugal. No
entanto, enquanto em Portugal o rei detinha o monopólio do comércio colonial. No entanto em
Portugal o rei detinha o monopólio do comércio colonial, os reis de Espanha entregaram a
exploração económica dos negócios à iniciativa de particulares.
Centro do comércio de um imenso império, Sevilha não consolidou a sua importância somente
pelas riquezas que recebia da Carreira das Índias Orientais, mas devido a um intenso tráfego
internacional, que se intensificou no século XVI. À cidade espanhola convergiam também
mercadorias vindas da Europa e do Norte de África, o açúcar e as plantas tintureiras, vindo do
México e da Colômbia; e pérolas e especiarias das Filipinas. Mas foram especialmente os metais
preciosos que impulsionaram o desenvolvimento de Sevilha e que permitiram o desenvolvimento
do capitalismo comercial europeu. Tal como Lisboa a mesma época, Sevilha fervilhou de riquezas
e fez pulsar o coração do mundo.
O alargamento do conhecimento do mundo
O contributo português para o alargamento do conhecimento
geográfico
Inovação técnica: a cartografia
Os Europeus tinham um conhecimento muito parcial dos continentes africano e asiático e apenas
contactavam com o norte de África e com o Próximo Oriente através do mar Mediterrâneo.
Desde o início da nacionalidade que os portugueses faziam viagens regulares para norte, além de
já terem realizado expedições esporádicas às Canárias, o que lhes proporcionava grande
experiência e conhecimentos técnicos na arte de navegar.
A especulação teológica medieval de características bíblicas impôs a criação e divulgação de
mapas monásticos de tipo T-O, nos quais a Terra Santa ocupava o centro do planeta. Nestes
mapas, a Terra era representada em forma de disco plano, rodeada por um oceano circular e
dividida em três continentes- Europa, Ásia e África-, distribuídos em volta de um T, formado pelos
rios Nilos (Egito), Dom (Rússia) e pelo mar Mediterrâneo. O símbolo da cruz simbolizava a cidade
de Jerusalém que, nestes mapas, surgia no centro da Terra, com o Paraíso representado no
continente asiático.
No entanto, no decorrer do século XIII, fruto dos progressos técnicos, da renovação económica e
do consequente dinamismo comercial, a Europa ganhou uma nova sede de conhecimentos
geográficos e de valorização de saberes antigos. Assim, recuperam-se conhecimentos clássicos.
O mapa-mundo de Ptolomeu passou, então, a ser a fonte principal do conhecimento
cartográfico, relançando a ideia de esfericidade da Terra, aceite na Antiguidade, e que veio a ser
confirmado nos séculos seguintes após as viagens de descoberta empreendidos pelos
Portugueses. Ptolomeu entre outras incorreções, não considerou a comunicabilidade entre os
oceanos Atlânticos e Índico.
Os Muçulmanos promoveram a tradução da obra de Ptolomeu para árabe e elaboraram o mapa
árabe mais completo que se conhece mas o conhecimento e as descrições produzidas são
também muito imprecisos. Por sua vez na China fizeram-se inúmeros mapas locais. A cartografia
chinesa desenvolveu-se e os chineses cartografaram um vasto território, desde a Pérsia ao
Japão, mas pareciam ignorar o Ocidente.
Nos séculos XV e XVI, os Descobrimentos portugueses desempenharam um papel fundamental
no alargamento do conhecimento do mundo. Surgiram novas representações cartográficas, com
registo dos territórios gradualmente descobertos e explorados- ilhas atlânticas, costa africana,
América e Oriente- e foram corrigidas deficiências da conceção ptolomaica do planeta.

Inovação técnica: a náutica


A localização geográfica de Portugal e a sua extensa costa atlântica, com inúmeros portos
naturais, cedo empurrou os Portugueses para a atividade marítima.
A navegação realizava-se, nesta época, por «rumo e estima» com o auxílio da bússola e das
cartas de marear.
Os portulanos e a estima das distâncias navegadas tornaram-se insuficientes, conduzindo ao
desenvolvimento das náuticas astronómicas, baseada no uso do astrolábio ou do quadrante
e, posteriormente, da balestilha, de invenção portuguesa.
Em meados do século XV, devido aos progressos da navegação astronómica, foi possível
determinar a latitude a bordo dos navios pela observação da Estrela Polar, no hemisfério norte,
segundo as regras compiladas no Regimento do Norte ou da Estrela Polar.
A complexidade destas técnicas exigiu que os pilotos tivessem cada vez mais conhecimento, pelo
que se procedeu ao registo das regras referidas e de todas as informações relativas às
observações realizadas durante as viagens, conduzindo à elaboração de roteiros manuscritos.
Por outro lado, registaram-se progressos na construção naval, nomeadamente a adaptação ao
alto-mar da vela «latina», triangular, utilizada nos navios árabes do Mediterrâneo, dando origem à
caravela.
A partir do século XVI, as longas viagens para o Oriente e para a América obrigaram à construção
de naus e galeões, navios mercantes de grande porte, mais resistentes e necessários para o
transporte de cargas volumosas.

Observações e descrição da Natureza


Nas terras e mares descobertos, os Portugueses tomaram contacto pela primeira vez com fauna,
flora e seres humanos com características muitos diferentes das que se conheciam na Europa,
dos quais fizeram registos pormenorizados. Assim, pela primeira vez, e com base na observação
e na experiência, fizeram-se descrições com correção científica de regiões até aí
desconhecidas da África, do Índico, dos mares da China e da América.
Através da observação e da experiência, o saber dos Antigos foi contestado e reformulado
(espírito crítico), contruindo-se um novo saber (experiencialismo). Na Europa, estimulou-se a
curiosidade e difundiu-se um conjunto de saberes novos (literatura técnico-científica) com a
ajuda da imprensa, transformando radicalmente as estruturas mentais do Homem da época.

O conhecimento científico da Natureza


A matematização do real
Uma das características do Renascimento foi a progressiva orientação para a Matemática e para
as ciências quantiavas.
O incremento do comércio à escala mundial, provocado pelas viagens de longa distância e pela
intensificação das trocas, promoveu a valorização da vida material. Marcadamente influenciada
pela ideia do cálculo e do número, esta constitui-se um fator importante da mentalidade
quantitativa.
Assistiu-se, a uma verdadeira revolução na área a Contabilidade, nomeadamente a vulgarização
das «partidas dobradas» ou contabilidade de dupla entrada e do registo da tipologia dos
produtos comercializados.
Desenvolveram-se técnicas bancarias e, na administração, assistiu-se a uma preocupação dos
Estados em controlar receitas e despesas, promovendo o registo das populações para calculo de
impostos (estatísticas). Substituiu-se também a numeração romana pelos algarismos árabes, que
eram muito mais práticos e eficazes nas operações de calculo exigidas aos comerciantes, aos
navegadores e aos próprios Estados modernos.
Em finais do seculo XV e durante o seculo XVI, produziram-se livros de peso, medidas e
moedas, e multiplicaram-se os roteiros de viagem com indicações quantitativas de latitudes e
distâncias, desenhando-se o mapa-mundo pelas distâncias expressas em tempo. O espaço
passou a ser medido por orientações exatas, obtidas através de dados astronómicos. O número
tornou-se imprescindível nas atividades marítimas- orçamentos de custos de especiarias, fretes e
seguros, horários de trabalho para alguns assalariados, horários de marés para os navegadores,
registo das datas das entregas de mercadorias, pagamentos e letras de câmbio- e passou para o
quotidiano das populações, que exigiam informações exatas e quantificáveis, ganhado o gosto
e necessidade de anotar.
A importância dada a matemática pelos sábios do Renascimento foi, crescente. Geómetras,
médicos, engenheiros, químicos, astrónomos e artistas consideraram a Matemática como a
ciência da quantidade e garantia do rigor nas suas pesquisas.

A revolução das conceções cosmológicas


No campo de Astronomia destacou-se, principalmente, o polaco Nicolau Copérnico que
revolucionou a conceção do Universo até então existente.
No início do Renascimento, as teses de Aristóteles e de Ptolomeu, corroboradas pela Igreja,
assentavam em dois princípios: a Terra permanecia imóvel no centro do universo e todos os
corpos celestes, tanto as estrelas como planetas, giravam a sua volta em movimentos uniformes,
percorrendo orbitas circulares, geocentrismo. Copérnico negou o sistema geocêntrico e
defendeu o heliocentrismo, opondo-se ao saber vigente. No heliocentrismo, o Sol estava no
centro do Universo e os planetas descreiam a sua volta orbitas circulares, numa duração
correspondente a distância a que cada um se encontra do Sol. Além disso, Copérnico considerou
que a Terra se movia sobre si mesma, bem como o ar e as nuvens, são arrastados pelo
movimento da Terra.
Conceitos:
Idade Moderna – Período da História entre os seculos XV e XVIII.
Renascimento – Conceito criado pelos humanistas italianos, e que segundo o humanista Giorgio
Vasari, corresponde a ressurreição da Antiguidade Clássica.
Navegação por “rumo e estima” – Tipo de navegação levada a cabo no Mediterrâneo em que os
marinheiros se orientavam usando os dados de bordo, o rumo, o tempo e a distância percorrida a
partir posição conhecida, utilizando a bussola e as cartas de marear.
Navegação astronómica – Tipo de navegação marítima em que os marinheiros utilizam como
referência a medição da altura dos astros do firmamento.
Cartografia – Ciência ou arte de construir mapas através da representação gráfica, bidimensional
e convencional da totalidade da superfície da Terra conhecida, anotando contorno e relevos.
A produção cultural
Distinção social e mecenato
A ostentação das novas elites cortesãs
Nos séculos XV e XVI, a Europa viveu um período de grande vitalidade económica e de
progresso técnico-científico, sobretudo nas cidades italianas e do norte europeu. Este progresso
proporcionou o enriquecimento de numerosas famílias de origem burguesa e implicou
mudanças na mentalidade coletiva e na organização social.
Nesta época, a superioridade do nascimento deixou de ser o único meio de obter privilégios, pois
os novos-ricos, detentores de grandes fortunas- mercadores, banqueiros e outras personalidades
bem-sucedidas nos negócios das ricas cidades italianas e da Flandres- investiram na sua
formação intelectual, o que lhes permitiu competir com a nobreza, participando no aparelho
político-administrativos do governo e na vida cultural das suas cidades. Esta burguesia,
intelectual, culta e bem preparada no domínio das letras, das artes e das ciências, que dominava
também as leis, contrastava e rivalizava com a velha nobreza, afetada pela quebra de
rendimentos nos campos, ignorante, encerrada nos castelos, e que ocupava o tempo na caça e
nos torneiros, considerados agora inúteis.
Estes homens de negócios envolvidos no serviço público foram também homens de cultura e de
grande sensibilidade estética e artística. Tal como outros notáveis, monarcas ou príncipes,
usaram o seu dinheiro para patrocinar homens de letras, como Boccaccio, Maquiavel, Erasmo ou
Rabelais e artistas como Van Eyck, Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo ou Rafael, entre muitos
outros, convertendo-se em poderosos mecenas, já que o prestígio se alcançava pelas ações
levadas a cabo ao longo da vida e pelos atos de benevolência e de generosidade praticados.
A ostentação dos méritos e das capacidades individuais passaram a constituir-se como um
valor e um instrumento de sociabilidade através do qual o ser humano se afirmava alcançado a
distinção e a glória. Por isso, as cortes constituíram o local privilegiados de sociabilidade dos
humanistas, permeável à intromissão da burguesia desejosas de ascender socialmente. A cultura
deixou de ser exclusiva de artistas e de intelectuais, transformando-se num símbolo de poder e
de riqueza dos seus patronos.

O estatuto de prestígio dos intelectuais e artistas


Assim, nos séculos XV e XVI, os artistas passaram a ser reconhecidos e acarinhados pelos seus
talentos intelectuais e acolhidos nos solares de pessoas ilustres e nas cortes transformadas em
verdadeiros centros culturais.
Os conhecimentos das línguas (o grego e o latim), da Gramática e da Retórica passaram a ser,
também, fundamentais para a redação de textos institucionais que a centralização de poder
político exigia e de que só os homens cultos seriam capazes. Havia necessidade de elaborar
discursos, textos diplomáticos, discursos oficiais, escrever tratados de política, entre outros.
Artistas e intelectuais de elevado de estatuto ganharam cada vez mais prestígio nas principais
cortes europeias e nas repúblicas italianas, desencadeando um autêntico entusiasmo pela
grandiosidade, em que o génio artístico se conjugou com as necessidades de ostentação e
promoção social do Estado.
A prática do mecenato- o apoio à produção cultural
As elites cortesãs, os príncipes e mesmo os papas rivalizavam entre si honras a prodigalizar os
artistas. Todos se dedicavam ao mecenato, prática que remontava a Roma e que consistia na
proteção dada a artistas, intelectuais e literatos. Foi um importante fator de florescimento artístico.
Com o mecenato, os mecenas obtinham fama e glória:
 patrocinando grandiosas obras imortalizavam (catedrais, palácios, estátuas equestres,
túmulos) ou lhes eram dedicadas (biografias, retratos);
 empregando humanistas (bibliotecários, professores, oradores, historiadores) que com as
suas obras influenciavam a opinião pública e justificavam ideologicamente o poder
daqueles que os sustentavam.
Ao disputar a presença de letrados, pintores, escultores e arquitetos afamados nas suas cortes,
os mecenas esperavam obter parte do prestígio e consideração que o Renascimento lhe votava.
Os artistas e intelectuais obtinham retorno económico e desafogo material, mas sobretudo,
reconhecimento do seu mérito, talento e génio. A isto frequentemente se juntava a glória, a
obtenção de altas dignidades, a promoção a posições cimeiras e, sobretudo, alguma tolerância
para com os seus temperamentos difíceis.
O estatuto de artista- o criador intelectual que assina as suas obras- é uma invenção do
Renascimento, já que na Idade Média, arquitetos, escultores e pintores em nada se distinguiam
dos artífices.

Portugal: o ambiente cultural da corte régia


A Expansão portuguesa contribuiu decisivamente para o Humanista em Portugal. Num país em
expansão marítima e comercial, as relações estabelecidas com outros povos conduziram a um
enriquecimento cultural espontâneo e o único que impulsionou o reino e a corte para
manifestações de índole cultural e artística.
Em Portugal as cortes régias exerceram um forte apoio ao incremento dos estudos e do
desenvolvimento científico, foram chamados ao reino grandes vultos da cultura europeia,
sobretudo italianos e flamengos.
Registe-se a concessão de bolsas por parte de D. Manuel I e D. João III. Intensificou-se a
cultura literária, tornando-se o ensino da Gramática obrigatório na corte assim como aprender a
ler.
Os testemunhos dos cronistas portugueses dão-nos conta de algum material poético- reunido no
Cancioneiro Geral.
A corte desenvolvida e variava a sua vida social, faziam-se concursos poéticos, ouvia-se música,
jogava-se e levavam-se à cena pequenas peças de teatro.
Também a preparação superior de clérigos foi uma preocupação dos monarcas de Quinhentos,
ao fundar escolas teológicas e clérigos. D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião concederam
bolsas a estudantes e promoveram também a vinda de humanistas estrangeiros, a quem
pagavam avultadas quantias com o objetivo de preparar intelectualmente as elites cortesãs.
Outro exemplo de mecenato régio foi a fundação do Colégio das Artes, em Coimbra, que D.
João III empreendeu, criando os estudos humanísticos. Este colégio celebrizou-se pelos seus
novos métodos e pela especialização dos seus manuais e professores.
Além do apoio ao ensino e à cultura literária, também o patrocínio de obras arquitetónicas foi
uma preocupação dos monarcas portugueses. Por isso, D. Manuel I promoveu um programa de
construções, onde se destacam o Paço da Ribeira, onde passou a residir a Casa da índia, os
mosteiros dos Jerónimos e a torre de Belém.
O testemunho dos cronistas confirma a magnificência da sua corte, marcada pela cultura
humanista e pela grandeza do seu reinado e o exotismo do rei, pela exibição de estandartes,
pedrarias, tecidos luxuosos e peças de gosto singular.

Os caminhos abertos pelos humanistas


Valorização da Antiguidade Clássica e a consciência da modernidade
Os humanistas eram, na sua maioria, eclesiásticos, professores, intelectuais e homens de letras,
que questionavam os valores e a produção cultural da Idade Média, valorizando a Antiguidade
Clássica. Insurgiram-se, por isso, contra as traduções e interpretações erradas que consideravam
que a Idade Média fizera dos autores clássicos e da própria Bíblia.
A erudição humanista começou por se distinguir pela procura entusiasta de manuscritos, pelo
aperfeiçoamento da língua latina e pela aprendizagem do grego, do hebraico e do latim
clássico, rejeitando a versão original do latim vulgar.
As sementes do Humanismo foram lançadas em Itália, no século XIV, destacando-se Petrarca,
defensor de Platão e considerado o «o pai do Humanismo», e também Boccacio, que defendeu e
valorizou os ideias e a forma de expressão dos clássicos. Coube-lhes iniciar a renovação da
literatura, invocando esse saber e a crença nas potencialidades do Homem como via para o
verdadeiro conhecimento.
Nos finais do século XIV e durante o século XV, o Humanismo congregou-se em torno da cidade
de Florença, onde as oportunidades de obter patrocínios por parte dos ricos e poderosos
permitiram o estudo das línguas e o acesso aos textos antigos. Petrarca trabalhou ao serviço do
papa e assistiu inclusive ao concílio de Constança, entre 1414-1418, onde se trocaram muitos
manuscritos. Collucio Saluti, chanceler de Florença, e Leonardo Bruni, herdeiros dos
conhecimentos de Petrarca, continuaram a sua obra. Os estudos humanistas passaram, por
iniciativa destes primeiros humanistas, a integrar os studia humanitatis (a Gramática, o Poética, a
Retórica, a História e a Filosofia Moral), para além das línguas clássicas. Posteriormente, Marsílio
Ficino fundou a Academia Platónica Florentina, da qual fez parte Pico della Mirandola e outros
intelectuais da época.
Entretanto, também os Papas, grandes mecenas a quem humanistas serviam com os seus
trabalhos intelectuais, mostraram um interesse crescente pelos novos conhecimentos da
literatura, integrando os humanistas nas suas cortes. Encomendavam traduções de numerosas
obras esquecidas nos mosteiros, mandavam reescrever comentários medievais dos autores
antigos e utilizados pelas universidades, cujo sentido estava incorreto, e acentuavam, também
eles, a importância do estudo profundo das línguas, transferindo o polo do estudo das letras para
a cidade de Roma.
Além do mecenato, também contribuiu decisivamente para a difusão do Humanismo, ao permitir a
produção de obras em grande número. Cada vez mais pessoas podiam disfrutar dos livros ler,
traduzir e comentar os textos clássicos. Com o apoio régio, multiplicaram-se as bibliotecas nos
vários países da Europa, cresceram as escolas e renovaram-se os estudos, surgindo colégios e
universidades que divulgavam o saber através da introdução de novas disciplinas (a Gramática, a
História, a Arqueologia e a Filosofia).
A afirmação das línguas nacionais
O latim foi a língua de comunicação entre os humanistas, estando na origem da criação de uma
autêntica «república de letras», apesar de, nesta época, se verificar um movimento de afirmação
das línguas nacionais em todos os países da Europa. Ainda no século XIII, Dante Alighieri
estudou profundamente os clássicos e o latim, mas foi persuadido por Guido Calvacanti.
Numa época de afirmação das monarquias e de consolidação da centralização do Estado, a
língua oficial passou a ser reconhecida estatuariamente através da redação dos textos oficiais por
ele emanados, pelo que muitos mecenas promoveram o ensino e o apoio às letras como uma
forma de afirmação política. Os humanistas, ao demonstrarem o seu entusiasmo pelos textos dos
autores greco-latinos, tentaram imitá-los, quer através da escolha de temas nacionais- escritos
em língua nacional, mas segundo as formas literárias clássicas: a elegia, a epístola, a epopeia, a
tragédia e outros.

O individualismo
A paixão dos humanistas pelos clássicos levou-os muito além da recuperação, tradução e
divulgação dos seus escritos. A cultura antiga foi, assim, um instrumento educativo e formativo da
personalidade humana, um meio de o indivíduo desenvolver as suas capacidades intelectuais e
morais, de se conhecer a si próprio e ao mundo que o rodeava.
Os humanistas, antes de mais, pretenderam contrapor uma nova visão do mundo, opondo-se a
valores que consideravam ultrapassados. Conscientes da modernidade emergente na
correspondência que trocavam entre si e nas suas obras, expressaram ideias concretas sobre o
mundo, realçando a importância da formação humanista e exaltando a dignidade do Homem e
das suas realizações.
Através do apoio que receberam de grandes mecenas, muitos deles também humanistas,
adquiriam conhecimentos diversificados. Baltasar Castiglione, por exemplo, escritor e diplomata
que serviu em várias cortes italianas no século XVI, idealizou, na sua obra O Cortesão (1528), a
imagem do homem perfeito do Renascimento- exemplo de civilidade. O cortesão devia ser
culto, bem preparado no domínio das letras, das artes e das ciências; devia praticar exercício,
dominar a arte de bem cavalgar, dançar, jogar, ser cortês, homem de espírito alegre.
Por isso, os humanistas exaltavam as capacidades pelo uso da razão e pela dignidade, assentes
numa educação esmerada e requintada através da qual o cidadão se devia afirmar, procurando
atingir a fama e a glória na sua vida terrena (ao contrário do homem da Idade Média, que
procurava atingir a salvação da alma). Os progressos na vida material e as novas conquistas da
Expansão contribuíram para um aumento da consciência das capacidades e da concretização de
realizações alcançadas pelo próprio Homem. Tudo isto contribuiu para a ideia de que o Homem
se constrói a si próprio que o seu destino só a ele pertence- individualismo. Por isso, os
humanistas defendiam que, num exercício de liberdade, o Homem devia tomar as suas decisões
e fazer escolhas sem esperar que a fatalidade da vida fosse decidida por Deus, como era o
pensamento dominante anterior.
Os humanistas opunham, desta forma, a sua conceção do mundo à conceção medieval assente
na ideia de que Deus estava no centro de todas as preocupações humanas e da sua vida
quotidiana (teocentrismo). Baseados no saber e no exemplo dos Antigos, que tinham tomado por
modelo, e pelas realizações conseguidas durante o século XV, defendiam que o ser humano se
definia pelo seu poder ilimitado de descoberta e de transformação. Sem rejeitarem Deus e a
religião, os homens do Renascimento ganharam confiança em si, valorizando as suas
capacidades. O homem, como senhor do seu destino, passou a ser considerado o centro do
Universo, sendo uma espécie de microcosmos, onde se fundiam harmoniosamente o material e o
celestial- antropocentrismo. A capacidade de intervenção do Homem manifestava-se, assim, nas
suas atitudes, pela prática dos valores e dos princípios idealizados e proclamados pelos
intelectuais que personificavam o Homem novo, críticos atuantes e determinados, capazes de
conhecer e mudar o mundo: os humanistas.
Assim, os humanistas, baseados na filosofia de Aristóteles e Platão, retomaram o tema da
dignidade humana. O Homem construía o tema principal da filosofia aristotélica e já os
pensadores medievais consideravam que a dignidade humana assentava na sua semelhança
com Deus- segundo a Bíblia, o Homem estava acima de todos os seres da criação, pois Deus
tinha-o criado à sua imagem e semelhança. Marsílio Ficino, influenciado por Platão, considerou,
ao refletir sobre os fundamentos da dignidade humana, que o Homem era uma espécie de
mediador entre a Natureza e Deus, realizando em si uma espécie de unidade da Natureza com o
espírito.
Pico della Mirandola, ao contrário de Ficino, considerava que a liberdade do Homem o colocava
fora de hierarquia dos seres definida por Deus. Segundo ele, a liberdade de escolha definia a
dignidade do Homem, uma vez que este não estava condicionado por uma determinada essência:
o Homem era o resultado das suas obras e das suas ações terrenas, para as quais não havia
limites.

O espírito crítico, a racionalidade e a utopia


Os humanistas deram provas de um espírito crítico notável, ao analisarem os textos antigos e ao
penetrarem na essência do pensamento clássico e dos textos religiosos. A cultura antiga foi,
antes de mais, um veículo e um instrumento para a educação e formação da personalidade
humana moderna. Estes intelectuais leram, traduziram e comentaram os textos clássicos mas,
sobretudo, recriaram-nos e afirmaram-se como verdadeiro críticos da sociedade da época.
Baltasar Castiglione, Ludovico Ariosto, Nicolau Maquiavel e outros valorizavam e defenderam o
desenvolvimento das capacidades intelectuais e morais do Homem, sublinhando a importância de
saber discernir, escolher, julgar e duvidar. Por outro lado, propunham a educação integral do
cidadão: o exercício físico e aprendizagem das artes deveriam acompanhar o estudo das ciências
e das línguas antigas e modernas. O cortesão ilustre brilharia pelas capacidades demonstradas,
pela sua sabedoria e pelas virtudes que definiam o seu caráter.
Na Carta de Gargântua a Pantagruel, François Rabelais refletiu sobre os novos ideais
pedagógicos, preconizando uma educação de cariz universalista, onde o conhecimento e o
desenvolvimento físico do indivíduo se deviam harmonizar como meio de dignificação do Homem.
Tratava-se da afirmação do individualismo, em que o Homem procurava menos impor a sua
pessoa, mas destacar-se pela perfeição alcançada.
Confiantes no livre uso da usa ação, os humanistas conceberam sociedades ideias teóricas- as
utopias. Revelando a insatisfação e a crítica ao mundo que viviam, propunham um ideal perfeito
de felicidade humana. Isto é, defendiam um novo ideal de vida centrada nos valores humanos.
Thomas More e Erasmo de Roterdão configuram dois exemplos de humanistas educados e
críticos da sociedade do seu tempo.
Em Utopia, através do humor e da ironia, o humanista inglês Thomas More defendeu um mundo
ideal, racionalizado, com paz espiritual, igualdade, fraternidade e tolerância. Tratava-se de
um projeto idealista, cuja realização era irrealista e impraticável (uma utopia), mas através do qual
More pretendia alterar os seus contemporâneos para os males sociais e políticos do mundo em
que viviam- a ostentação do luxo pelos cortesãos, as guerras desnecessárias, os abusos de
poder dos monarcas, a corrupção e a inflação. Alguns anos antes, Erasmo de Roterdão escrevera
o Elogio da Loucura, onde criticava a corrupção do papado e do clero em geral, os reis, os
cortesãos e os mercados. Sem deixar de ser crente, pretendia recuperar o ideal de humildade,
caridade, fraternidade e tolerância do cristianismo primitivo.
Tal como Erasmo, também More revela um preocupação com o pensamento moral e religioso da
época, nomeadamente a nível pedagógico, no que respeitava à educação das crianças. Segundo
os humanistas, estas eram um dom de Deus aos pais, à Igreja e à nação. Defendiam uma boa
educação e uma boa educação e uma boa formação, sublinhando a importância do papel do
Estado, pela responsabilidade que lhe competia para facultar professores qualificados e em
número suficiente à sociedade. Além da família, cabia ao Estado garantir essa educação,
necessária ao bom exercício da cidadania, estando, segundo More, moralmente obrigado a
assegurar o bom funcionamento do sistema escolar.
Rebelais descreveu um lugar ideal- uma ilha imaginária no Oriente- onde defendiam a instrução e
a liberdade absoluta do indivíduo, revelando um otimismo em relação ao comportamento em
sociedade. O humanista francês sugeria uma ausência de regras fixas, preconizando também
que, através da instrução, o Homem praticaria apenas atos virtuosos.
Conceitos
Antropocentrismo – Concessão filosófica que considerava que o Homem era o ser mais perfeito
da Criação, dotado de razão, colocando-o no centro do Universo.
Civilidade – Código acerca do modo de agir em sociedade, definindo as normas de conduta (leis),
convivência e etiqueta
Classicismo – Tendência estética característica do Renascimento que considera os valores como
modelos a conhecer, a inspirar ou ate mesmo a estudar.
Espírito Critico – Era a base da ciência e a reflexão sobre os fundamentos e o valor de um
pensamento, juízo, doutrina, afirmação ou sobre vários aspetos de uma realidade social.
Humanismo – Movimento cultural e intelectual que valorizava as capacidades humanas de criar,
descobrir e racionalizar. Baseou-se no estudo dos autores clássicos.
Humanista – Eram homens cultos e sábios que se dedicavam ao estudo da cultura greco-romana,
na qual se inspiravam e interpretavam a luz do espírito da razão e do espírito critico.
Manuelino – Era um “estilo” artístico nacional, tendo por base elementos arquitetónicos
decorativos muito particulares associados aos Descobrimentos portugueses. É considerado um
estilo internacional, resultado de uma síntese de características próprias do gótico final e de
outras tendências, com elementos da Natureza, símbolos régios e cristãos.
Utopia- Perspetiva de um mundo perfeito e harmonioso onde fosse possível um novo ideal de
vida mais centrado nos valores humanos.

Reinvenção das formas artísticas


Imitação e superação dos modelos da Antiguidade
A Itália dos séculos XV e XVI possuía vestígios monumentais e arqueológicos que o espírito
moderno dos homens cultos da modernidade queria recuperar e engrandecer. Assim, a par do
Renascimento na literatura e na cultura, promovido pelos humanistas, também os vestígios da
Antiguidade Clássica (ruínas de anfiteatros, basílicas, templos, colunas, estátuas e vasos,
desenhos) interessaram e influenciaram profundamente as elites e os artistas do Renascimento.
Estudaram-se as ruínas antigas e cresceu o interesse dos colecionadores, e mesmo dos
escritores. Os Papas também evidenciaram o seu entusiasmo, tomando medidas para que não se
degradassem os testemunhos que subsistiam da Antiguidade, através da criação de museus.
Esta redescoberta da Roma Antiga provocou, além da produção de catálogos, livros e
estampas que davam a conhecer as ruínas e as estátuas antigas, e promoveu o interesse pela
produção de cópias que eram encomendadas a escultores, contribuindo para o desenvolvimento
da cultura e da arte europeia.
O interesse dos artistas pelas esculturas e pelos monumentos não parou de crescer durante os
séculos do Renascimento. E foi em Itália, antes do resto da Europa, que alguns escultores se
inspiraram em obras atingas para realizarem as suas primeiras obras. Nicollo Pisano baseou-se
num sarcófago romano para esculpir o púlpito de Pisa, obra precursora na imitação clássica- o
nariz direito das personagens, as pregas naturais das roupas, as barbas frisadas dos reis do
Oriente parecem pertencer a uma obra romana. Mas o seu espírito era já pós-medieval- os
relevos mostram seres humanos verdadeiros, com rostos cheios de preocupação e
ansiedade, característicos de um retrato.
No início do século, em Florença, Brunelleschi deu um cunho helenístico à sua obra Sacrífico de
Adão; no mesmo ano, Ghiberti modelou o nu de Isaac com a sensibilidade e a volúpia próprias da
escultura grega. Donatello tomou também a lição dos Antigos e superou os seus mestres- o seu
David, nu, em broze.
Na arquitetura, os aristas evidenciaram a assimilação das construções clássicas e incorporaram
nas sua obras elementos de ordenamento dos romanos, como colunas, frontões e cornijas.
Além disso, interessaram-se pelo estudo dos seus tratados de arquitetura. O De architectura, de
Vitrúvio, foi considerado uma espécie de manual arquitetónico do Renascimento, e impresso pela
primeira vez em 1486.
Miguel Ângelo realizou as suas obras deixando transparecer a paixão pelos Antigos. O deu David
de mármore é um atleta grego. O escultor tinha admirado em Roma o Apolo de Belvedere, e o
Laocoonte, que o impressionarem pelas linhas musculares e pelo estilo trágico mais de acordo
com as suas inspirações. Talhou assim uma figura heroica, de grande potencial expressivo, onde
se reconhecem os valores artísticos e culturais do renascimento florentino.
A mitologia pagã e o gosto pela representação humana (nua ou vestida) fizeram também
parte da maioria dos temas dos pintores renascentistas: os temas laicos- em particular os
retratos- contruíram uma grande inovação deste período, apesar de a religião continuar a inspirar
os artistas renascentistas. De origem gótica, prevaleceram os temas ligados ao culto mariano,
pelo que abundam as famosas Madonnas ou as Senhoras com o Menino.
A Antiguidade, que na Idade Média sobrevivera discretamente, passou assim a ocupar o primeiro
lugar das manifestações artísticas renascentistas. Mas o renascimento artístico encontrou,
também, as suas raízes na Idade Média, tomadas em sentido evolutivo e captadas através do
génio de artistas que recorreram à Aritmética e à Geometria para obter a harmonia necessária às
suas obras através dos princípios matemáticos e do rigor da perspetiva linear científica.

O renascimento da arquitetura
A arquitetura renascentista nasceu em Florença, no século XV, numa época em que o
desenvolvimento económico da cidade permitia a acumulação de riqueza e a estabilidade política
potenciava um florescimento artístico. A cidade enriqueceu-se com a construção de obras
arquitetónicas de um estilo leve e simples, no que ficou conhecido como o período de
Quattrocento. A segunda fase, mais rica e grandiosa, tomou conta de Roma, já no século XVI, e
denominou-se Cinquecentto.
Para os florentinos, as construções constituíam uma espécie de orgulho cívico, pois conheciam
bem as igrejas e catedrais que mantinham preservadas na sua cidade, numa espécie de
evocação do passado. Por isso, a renovação das construções inspirada na arte clássica
aconteceu de uma forma natural.
O interesse pelo estudo dos Antigos, o conhecimento das suas obras, o desejo de investigar e
representar o mundo real, era já visível desde os finais da Idade Média.
Filippo Brunelleschi teve a seu cargo o projeto de conclusão da catedral de Florença, de estilo
gótico. A imponente cúpula, projetada já na primeira metade do século XIV, requeria
conhecimentos de engenharia nunca antes postos em prática. Brunelleschi correspondeu ao
desafio: fez com que a cúpula não necessitasse de recorrer à centragem- um complicado sistema
de andaimes usado nas catedrais góticas-, desenhando o seu ângulo mais fechado, de modo a
aliviar o seu peso.
Brunelleschi tinha estudado com cuidado os modelos romanos e passou a usar, nas construções,
elementos da Antiguidade. No entanto, as suas obras manifestaram um refinamento novo, em
que se conjugavam as formas geométricas dos Antigos e o vocabulário decorativo da arquitetura
clássica (classicismo), com um novo conceito de proporcionalidade que lhes conferia
simplicidade e leveza.
Depois da experiência da cúpula, o artista passou a receber encomendadas de vários patronos,
encarregando-se ele próprio da conceção dos edifícios. A partir de 1419, construiu o hospital dos
Inocentes, belo asilo para órfãos, empregando elementos da arquitetura clássica- colunas
coríntias, arcos semicirculares, janelas redondas e frontões triangulares-, mas em que a mestria,
conferida à aplicação destes elementos através do cálculo rigoroso das proporções, permitia
um resultado leve e gracioso, muito diferente da época romana.
Outra construção sua a capela dos Pazzi demonstra algumas das inovações baseadas nas
relações matemáticas entre os diferentes elementos arquitetónicos de um edifício.
Brunelleschi não manifestava interesse pela estrutura das construções que edificava- o
importante era o aspeto final. Por isso, executava as paredes de modo a tornar facilmente
percetível o aspeto matemático e geométrico do edifício, adotando formas simples, como cubos
de paralelepípedos. Esta abordagem matemática vem do conceito grego de origem
arquitetónica que o Renascimento recuperou.
Também a planta em cruz latina, típica do gótico foi substituída por um esquema de planta
centrada, inspirada nas formas geométricas. Brunelleschi pôs esta estratégia em prática nas
suas construções, considerando que todas as linhas paralelas convergem num ponto- o ponto de
fuga- que se encontra no horizonte.

A perspetiva matemática aplicada à arquitetura


Filippo Brunelleschi, considerado o pai da arquitetura renascentista moderna, aplicou
conhecimentos matemáticos aos seus projetos, sendo-lhes atribuída a descoberta da perspetiva.
Baseou-se num princípio assente na construção geométrica exata, aplicado às suas construções.
Qualquer edificação podia ser construída por métodos geométricos elementares, isto é, através
de um conjunto de linhas objetivamente paralelas pois estas, independentemente da sua situação
e direção, convergiriam sempre para um mesmo ponto- o «ponto de fuga», um ponto onde as
linhas se encontram e que estaria situado no infinito.
Segundo Brunelleschi, os edifícios, ou o espaço, assemelhavam-se a uma pirâmide visual, em
cuja a base se encontrava o observador e em cujo vértice encontrava o ponto onde se deve olhar
e para onde convergem as linhas de fuga. Desta forma, procedeu à aplicação da geometrização
do espaço, projetando as suas construções de acordo com as regras da simetria, da
proporcionalidade e da geometria (cubos e paralelepípedos) e utilizando a cúpula, elemento
dominante dos edifícios renascentistas.
Outras construções por si projetadas, como as igrejas de São Lourenço e do Espírito Santo, em
Florença, repetem o mesmo esquema de simetria bilateral da galeria do hospital dos Inocentes.
Outro importante arquiteto, e um dos principais teóricos da arquitetura do Renascimento, foi Leon
Battista Alberti, que se apercebeu rapidamente da importância das ideias introduzidas por
Brunelleschi. Reformulou a grande obra de Vitrúvio, único documento da Antiguidade sobre o
tema e que acabaria por ser impresso um ano depois da publicação do seu tratado De Re
Aedificatoria, em 1485. Nesta obra, concluía em 1452, Alberti teorizou as leis da perspetiva que
Brunelleschi tinha aplicado, criando um código de regras para orientação dos artistas.
Alberti também projetou edifícios, entre os quais a igreja de Sant’Andrea, em Mântua, cerca de
1460, em cuja fachada concebeu um gigantesco arco triunfal à maneira romana. No entanto, a
sua preocupação centrou-se em encontrar soluções para a construção de residências- para as
quais escasseavam os modelos romanos- e numa época em que havia necessidade de novas
ideias. As diferentes tipologias dos edifícios passaram, então, a ser analisadas de acordo com a
função e o contexto urbano em que estavam inseridas.
Alberti projetou também a planta do palácio Rucellai, para uma família de ricos mercadores
florentinos ao serviço de quem produziu vários trabalhos. O edifício reflete uma conceção
tipicamente renascentista, sendo um exemplo de classicismo e de rigor geométrico.
Outros artistas projetaram belíssimas obras correspondendo ao desejo de criar edifícios perfeitos
do ponto de vista da perfeição técnica, baseando-se em cálculos matemáticos e geométricos para
obter a máxima harmonia e proporção. Podemos destacar, entre outros, Filarete, Miguel Ângelo,
Donato Bramante e Andrea Palladio. Todos procuraram uma estética arquitetónica racional,
condicente com os ideais renascentistas, privilegiando a simetria, a proporão e a regularidade.

A perspetiva matemática na pintura


Desde a Antiguidade que o artista registava na sua superfície bidimensional não tanto do que via,
mas o que sabia estar lá. Tratava-se de uma visualização aspetiva, isto é, em que o artista
assinalava todos os objetivos e pormenores que considerava serem significativos para o seu
objetivo.
Os Gregos libertaram-se destes constrangimentos e, a partir do século V a.C., desenvolveram
várias técnicas, como o escorço da figura humana, para criar a ilusão bidimensional da
realidade. Aprenderam também a retratar o corpo humano como ele é visto e a representá-lo em
ação realística no contexto em que se desenvolve.
No início da Idade Média, desapareceu esta forma de representação visual e perderam-se as
técnicas anteriores, tendo-se regressado à técnica de visualização aspetiva, muito usada em
murais, iluminuras, manuscritos e outras pinturas. No entanto, a partir dos séculos XII e XIII,
verificou-se uma evolução nas técnicas de pintura. Primeiro Cimabue, e depois Duccio di
Buoninsegna, Giotto di Bondone e Masaccio, em Siena, Florença, Pádua e Assis, desenvolveram
a técnica de escorço e de perspetiva nas suas obras.
Outros pintores, como Paolo Uccello e Piero della Francesca escreveram tratados de Matemática
e conseguiram combinar a teoria e a prática da perspetiva.
A técnica de representação ótica interessou mais tarde a Leonardo da Vinci e Albrecht Dürer, que
construíram máquinas ou sistemas para a representação em perspetiva e viriam a aplicá-la de
forma sublime nas suas pinturas.
Naquela altura os pintores pintavam, ainda, em murais das igrejas e palácios, usando métodos
herdados dos Romanos ou de culturas anteriores. Os materiais usados e a forma de os aplicar
definiam as características e o resultado final da pintura. A técnica mais usada era o «fresco»,
uma mistura de pigmentos de cores naturais com gema de ovo a (a têmpera), aplicada no reboco
húmido, mas que exigia muito trabalho e obrigava os pintores a trabalhar muito depressa,
enquanto o reboco estivesse húmido. Alguns pormenores podiam ser feitos a seco, mas esta
técnica tinha a desvantagem de não se poder corrigir falhas e incorreções, obrigando o artista a
planear com antecedência os seus projetos. Estes artistas realizaram desenhos sem conta,
inspirados na vida e dando forma aos temas centrais do Renascimento- o Homem e a Natureza-,
que representavam cada vez com mais fidelidade e rigor. As limitações do fresco eram, por
isso, enormes, desde a sua aplicação em camadas finais até à fusão das cores e tonalidades na
superfície, o eu obrigou a usar todo o tipo de técnicas e subtilezas além de uma paleta de cores
claras reduzidas.
Por isso, só com introdução do óleo na pintura, no século XV, os pintores puderam melhorar as
suas técnicas e ousar nas suas composições. Por um lado, a perspetiva rigorosa, científica,
permitiu o tratamento do espaço e da luz, de modo coerente e integrador, assim como a
homogeneidade do conjunto dos personagens. Por outro lado, a pintura a óleo, de secagem mais
lenta, permitia a simulação de tridimensionalidade através da gradação da cor- técnica do
sfumato-, a representação pormenorizada e a obtenção de brilhos intensos de grande vivacidade
cromática, assim como ilusões de ótica. Foi possível usar pincéis mais finos para criar detalhes
perfeitos e contornos exatos, explorar texturas mais complexas, através da sobreposição de
várias camadas de óleo, permitindo uma transição luz/sombra tão gradual que tornava os
contornos das formas quase impercetível. Leonardo da Vinci praticou esta técnica com grande
mestria- a perspetiva aérea-, criando a perceção de afastamento das figuras através de uma
atmosfera nebulosa, conseguida através dessa gradação de tons que envolvem os objetos.

A racionalidade no urbanismo
O Renascimento coincidiu com um período de ressurgimento da vida urbana e de florescimento
económico que permitiu a acumulação de riqueza.
A família dos Médicis, em Florença, do Este, em Ferrar, e dos Sforza, em Milão, que criaram um
estilo de vida próprio para o qual contribuíram com o seu trabalho e riqueza, mas também com o
gosto pela cultura, manifestada na formulação intelectual, literária e artística, características do
bom cortesão. Juntamente com os papas, os príncipes e os duques atraíram os melhores artistas
para as suas cortes e promoveram o embelezamento das suas cidades. Despendendo dinheiro
dos seus negócios, ou da própria cidade que governavam, mandaram realizar projetos, construir
igrejas, basílicas, conventos, hospitais, capelas e palácios. Encomendaram, igualmente, a
reabilitação do tratado de ruas e a remodelação de praças, procurando corresponder a um
modo de vida novo e a um ideal que a sociedade da época preconizava.
As cidades medievais, labirínticas e radicais, cujas construções se acantonavam à volta da
catedral, da igreja matriz ou de um convento para onde convergiam ruas estreitas e sinuosas,
encimadas por um castelo e cercadas por muralhas que protegiam as populações e as isolavam
do mundo exterior, já não correspondiam às novas exigências do mundo moderno, quer pelo
aumento da população, quer pelo aparecimento de novas conceções urbanísticas. Por isso, de
forma consciente, os responsáveis políticos, religiosos e outros, interessaram-se pela renovação
e planificação das cidades onde habitavam, mandando proceder a intervenções urbanísticas,
alinhado igrejas, palácios e centros administrativos e políticos, contruídos ao longo das ruas e ao
redor de praças, por vezes interligados por belas escadarias e terraços.
A praça foi o ponto principal de renovação da cidade renascentista. Pensada como se tratasse do
pátio central de um palácio, funcionava como a «a sala de visitas» da cidade e das autoridades
municipais. Alberti, por exemplo, considerou o aspeto prático da cidade, ao qual se devia associar
a beleza.
Também Francesco di Giorgio, retomando a ideia de que a cidade é o lugar onde se encarna a
beleza, sentiu a necessidade de construir edifícios proporcionados, onde fosse agradável
permanecer. Segundo ele, a cidade e cada edifício deviam refletir a ordenação do corpo humano,
que, conforme a conceção da época, era «a medida de todas as coisas». O prestígio da
arquitetura estava, assim, associado à beleza da cidade e à beleza do Homem.
Arquitetos e utopias confundiram-se por vezes, projetando e idealizando traçados de cidades,
com ruas em forma de retícula, envolvidas por fortificação de traçado geométrico, que nunca
foram concretizados. A «cidade ideal» italiana, com casas proporcionadas ao espaço, igreja em
forma circular, com tudo disposto numa perspetiva linear, fez parte do imaginário de arquitetos e
mesmo pintores. A cidade assim imaginada, em forma estrelada e simétrica para facilitar a sua
defesa, correspondia a uma ideia militar, que considerava essa estrutura como a mais adequada.
Para além disso, os arquitetos evidenciavam preocupações estéticas e filosóficas, influenciados
pelo humanismo platónico. A cidade em forma de polígono radical surgia como a própria
imagem do Cosmos, uma síntese do esplendor dos céus, a encarnação da perfeição esférica
do Universo.
Com efeito, na realidade, as intervenções urbanísticas dos séculos XV e XVI foram
maioritariamente remodelações das velhas cidades medievais, em particular as praças que
constituíam o centro monumental da urbe. Abriram-se ruas novas, largas e retilíneas, ladeadas de
casas e da mesma altura, com fachadas uniformizadas e novas praças de traçado quadrangular,
replicando o conceito aplicado nas igrejas, de planta centrada, e na construção dos palácios, que
obedeceram também ao traçado de planta quadrangular, distribuindo simetricamente o edifício
em torno de um pátio central.
Os arquitetos italianos inspirados nos princípios da racionalidade transformaram assim a velha
cidade medieval numa moderna cidade ideal, de inspiração clássica.

A expressão naturalista na pintura


Os temas do Homem e da Natureza não consubstanciaram por si só a notabilidade dos artistas
renascentistas dos séculos XV e XVI. A temática religiosa da época medieval continuou a marcar
este período, destacando-se o interesse dos artistas pela Virgem Maria, em alguns casos
associada ao nascimento ou à Paixão de Cristo. Só gradualmente se introduziam personagens
ligadas aos temas mitológicos ou à literatura clássica e, sobretudo, à vida profana, o que se
explica pelo desenvolvimento crescente do mecenato, enquadrado no desejo de notoriedade por
parte das figuras de todo da sociedade. O retrato constituiu, por isso, a grande inovação da
época.
Por outro lado, este período coincidiu com um período de crescimento e expansão, com
profundas transformações em todos os domínios da vida, na Europa, facilitando a difusão dos
progressos tecnológicos e do conhecimento que as obras dos humanistas divulgavam e
contribuindo para uma mudança de mentalidade. A admiração pela Antiguidade, principalmente
pela Roma Antiga, fez desenvolver o gosto pela literatura, pela arte e pelo modo de vida greco-
romana, fornecendo modelos que os grandes patronos e artistas procuraram igualar. Foi neste
ambiente renascentista que a pintura europeia se promoveu e emancipou, adquirindo grande
importância e desenvolvimento, principalmente em Itália, nos Países Baixos, na Alemanha, em
França e na península Ibérica.
Também as relações comerciais de Veneza com os Países Baixos promoveram o contacto entre
pintores flamengos e pintores italianos, que trocavam entre si experiências, técnicas e
conhecimentos. Assim se explica a divulgação da pintura a óleo, desenvolvia pelos pintores
flamengos e difundida na Itália na segunda metade do século XV, que conduziu à substituição
gradual das técnicas da têmpera e do fresco, permitindo melhorar as técnicas de pintura.
Os pintores florentinos, que preferiam o fresco a outros métodos, tinham adquirido o hábito de
produzir múltiplos desenhos e esboços, preparando previamente o que pretendiam representar na
superfície, por causa da dificuldade em corrigir pormenores que o material utilizado não permitia.
Com uma tradição meticulosa na arte de desenhar e inspirados pelos valores do Humanismo,
assente em princípios que valorizavam a observação e o estudo da Natureza, os pintores
italianos estudaram também o corpo humano de forma aprofundada, aplicando conhecimentos
de Anatomia, de Matemática, Geometria e Ótica os seus trabalhos. Por isso, com a nova
técnica do óleo, a pintura italiana entrou numa nova fase que podemos considerar de grande
esplendor.
O pintor flamengo Jan van Eyck alcançou resultados que maravilharam aqueles que nunca
tinham visto o óleo empregue no meio artístico, pelo pormenor, brilho, grande profundidade e
formas completamente novas de representar a realidade, além da incidência de luz sobre a tele.
Em Itália, Antonello da Messina exibiu exemplos em Veneza, pela primeira vez, em 1475. A
cidade aderiu com entusiasmo ao óleo, assim como Florença, pois a nova técnica permitia aos
pintores mudar de ideias, modificar as suas composições e criar efeitos de luz e sombra jamais
conseguidos.
Assim, o século XVI conheceu uma fase de maturação na pintura: Andrea Mantegna, Sandro
Botticelli, Giovani Bellini, Leonardo da Vinci, Rafael, Miguel Ângelo e, posteriormente, Ticiano,
Tintoretto e tantos outros, levaram às últimas consequências o realismo com que representaram
os temas fornecidos pela Natureza.
A pintura, associada à ciência, atingiu a sua máxima expressão, quer se tratasse de temas
profanos, quer religiosos. As técnicas de representação num espaço tridimensional- perspetiva- e
os progressos da pintura a óleo, permitiram aos pintores a representação naturalista dos seus
temas. Os pormenores, a expressividade do rosto a deixar sentir as emoções, sem esconder os
defeitos físicos do ser humano, correspondiam à reprodução fiel e exata dos seres vivos e
objetos; o rigor da anatomia do corpo; a espontaneidade dos gestos; a verosimilhança das
vestes e dos cenários enquadrados por paisagens ou edifícios, em vez de fundos dourados,
tudo passou a ser representado tal como era percecionado no seu estatuto natural- o
naturalismo.

A expressão naturalista na escultura


Os humanistas preocuparam-se com a promoção do individualismo e com o estudo das obras dos
Antigos, elegendo o ser humano como figura central das suas preocupações. Esta paixões
perseguiu também os escultores, que se interessaram sobretudo pelo Homem, a «medida de
todas as coisas» e, por isso, realizaram estudos anatómicos rigorosos, redesenharam e
redimensionaram as proporções do corpo humano e representaram a sua figura com pormenor a
fidelidade visual, quer no aspeto físico, quer anatómico, quer expressivo.
Muitos destes artistas eram pintores, arquitetos e também escultores, tendo em comum objetivo
da representação da Natureza com maior precisão possível.
Em finais do século XVI, um profissional de arte de uma oficina, em Florença, tinha como
expectativa trabalhar com quase todos os materiais- calcário, mármore de Carrara, pedras
preciosas e semipreciosas- e lidar com metais aquecidos- do ouro ao cobre- ou com ligas
metálicas, como bronze. As portas feitas neste material, com painéis representativos de cenas
bíblicas- comuns, neste período- constituíram um meio precioso para o desenvolvimento da arte
da joalharia e para a importância dos artífices que saíram do anonimato.
O primeiro nu de corpo inteiro realizado após a queda do Império Romano, David, é da autoria de
Donatello. Donatello, artífice, filho de um gravador de madeira, sabia trabalhar com estuque, cera,
bronze acabado, barro, mármore, todo o tipo de pedras, vidro, madeira, e pintava ou dourava.
Esculpiu também várias estátuas de profetas e relevos para o campanário da catedral de
Florença e a estátua do condottiero Gattamelata, em Pádua.
De entre os restantes escultores do século XV, destacaram-se Jacopo della Quercia, pela
modelação de volumes e pela expressividade das personagens dos seus relevos, onde apresenta
composições de grande simplicidade; Luca della Robia, pelos seus relevos em mármore para a
Cantoria do coro da catedral de Florença- apesar da sua especialização em escultura de barro
cozido, esmaltado e pintado em cores simples-, de grande delicadeza expressiva e naturalismo; e
António Pollaiulo que, pela expressividade das suas personagens, anuncia o período seguinte ( o
maneirismo).
No século XVI, é de realçar o grande Miguel Ângelo Buonnaroti, apesar de a escultura perder o
seu lugar de destaque em relação às restantes artes plásticas. O seu talento expressou-se
também na pintura, na arquitetura. Na escultura e na poesia mas, essencialmente, foi um grande
escultor que se destacou de todo os outros.
A sua obra dividiu-se entre Roma e Florença e testemunha a evolução das tendências
escultóricas renascentistas. O Baco e a Pietá corresponderam a um período de grande realismo e
serenidade da representação, sendo o tema da primeira de inspiração clássica e o da segunda de
inspiração cristã. O Baco reflete, também a influência helenística na pose naturalista da figura,
acentuada por uma sensação de abandono do corpo que transmite a ideia do estado de
embriaguez. Na Pietá, utilizou um esquema de composição geométrica vulto redondo, em forma
de grande aperfeiçoamento técnico, testemunhando a primeira fase do escultor, marcada pelo
classicismo platónico. Mãe e filho surgem idealizados, no auge da sua beleza.

A arte em Portugal: o gótico-manuelino


A construção do mosteiro da Batalha, em finais do século XIV, deu início a uma mudança
estrutural e formal significativo no quadro do gótico português. Esta mudança implicou a
habitação a uma nova linguagem arquitetónica dentro do próprio gótico, aquilo a que
habitualmente se chama o «gótico final» ou «tardo-gótico»
No século XV, em Portugal, o gótico final teve uma lenta implantação a nível nacional. Foi depois
adquirindo cada vez mais características locais, até despontar, em finais do século XV e inícios
do século XVI, o chamado «estilo manuelino».
Foi Francisco Adolfo Varnhagem, na sua obra Notícia Histórica e Descritiva do Mosteiro de
Belém, de 1842, quem definiu pela primeira vez o «manuelino» enquanto «estilo exclusivo de
Portugal». Reinaldo dos Santos, na sua obra Estilo Manuelino de 1952, descreveu os traços
dominastes deste modalidade arquitetónica: naturalismo exuberante onde predominavam certos
temas evocativos do mar (cordas, nós, troncos, conchas, algas, corais, boias) e das insígnias
reais (escudo real, esfera armilar, cruz da Ordem de Cristo), chamando-lhe o estilo das
Descobertas marítimas.
Porém outros autores, como Joaquim Vasconcelos e, mais recentemente, Pedro Dias, negam
qualquer originalidade «nacional» ao manuelino, integrando-o nas correntes do gótico final
europeu.
A arquitetura manuelina é fruto de uma série de influências: por um lado, a continuidade da arte
quatrocentista, inserida nas correntes internacionais do gótico; por outro lado, a introdução de
estilos europeus distintos- influência inglesa; incorporação do ornato mudéjar (estilo islâmico,
típico da península ibérica); tipologias mediterrânicas e do Norte da Europa; o plateresco
espanhol. A envolver o conjunto, a utilização da heráldica manuelina, sempre presente a nível
decorativo.
Entre 1490 e 1530, a nível das plantas, vemos que se recorre a diferentes soluções: as igrejas de
três naves, que normalmente têm a cabeceira reta, com uma ou mais capelas; as igrejas de uma
nave, e cabeceira e capela única; e, de nova conceção espacial, as já referidas igrejas de nave
única e as igrejas-salão. A nível volumétrico, a simplicidade é a palavra de ordem, sendo o ritmo
quebrado pela justaposição de corpos.
É na decoração que o manuelino mais se supera- a arquitetura é envolta pelos ordenamentos,
que criam uma nova dimensão dos volumes, ao serviço de uma simbologia régia e de um
discurso cristão que intensifica o culto à Virgem Maria. O pitoresco da decoração criado pela
abundância de elementos vegetalistas, colunas torsas, símbolos nacionais e religiosos dispostos
numa aparente desarmonia, enquadram um sistema de significação coerente do ponto de vista
simbólica. A decoração parece querer ultrapassar-se a si própria, num hiper-realismo.
Entre os granes arquitetos do período «manuelino», devemos citar: Mateus Fernandes, que
trabalho no mosteiro da Batalha; João de Castilho, que trabalhou nas sés de Viseu e de Braga, no
convento de Cristo, em Tomar, e no mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa; Diogo de Arruda,
arquiteto do convento de Cristo de Tomar; Diogo Boitaca, que trabalhou no mosteiro dos
Jerónimos, torre de Belém, sé da Guarda e mosteiro da Batalha; e Francisco de Arruda, arquiteto
da torre de Belém.

A arte em Portugal: a afirmação das novas tendências renascentistas


A arte renascentista pura foi pouco marcante e de pouca duração em Portugal, restringindo-se,
normalmente, ao primeiro quartel do século XVI, no reinado de D. João III. O espírito mais austero
do monarca e a contração das despesas régias levaram ao abandono da opulência manuelina,
substituindo-a pela pureza e severidade das linhas clássicas.
O Renascimento surgiu, assim, em Portugal de uma maneira ténue, introduzindo de forma
gradual nas manifestações artísticas que era próprio do Renascimento italiano e europeu.
Foi, no entanto, a partir do reinado de D. João II que se começou a observar uma ligação dos
artistas portugueses às inovações estéticas e técnicas, emergentes na Itália. Artistas
renascentistas de toda a Europa vieram para Portugal trabalhar em inúmeras obras e muitos
deles fixaram-se no país, abrindo as suas «oficinas».
A arquitetura renascentista atingiu assim o seu apogeu em Portugal com as obras de João de
Castilho, e com Diogo de Torralva e Miguel de Arruda. É, essencialmente, uma arquitetura de
caráter religioso- igrejas e claustros-, e muito marcada pela contribuição manuelina, na utilização
da igreja-salão, na preferência das construções horizontais e no uso de abóbodas assentes sobre
arcos abatidos e redes de nervuras. Na decoração notam-se influências da presença de mestres
galegos e biscainhos, que introduziram elementos espanhóis, ornamentando portais e janelas.
Num estilo mais clássico surgem os elementos propriamente renascentistas, como as colunas
dóricas, jónicas, coríntias e compósitas; frontões retos e curvos; frisos, cornijas e pilastras
caneladas ou lisas. No entanto, a estrutura das construções continuou a ser marcada pela
contribuição da arte manuelina.
O Claustro Grande, ou claustro de D. João III, do convento de Cristo em Tomar é considerado um
dos exemplares mais puros da arquitetura renascentista em Portugal. Nele verifica-se um domínio
absoluto da linguagem clássica, evidente, por exemplo, na utilização das duas ordens clássicas: a
jónica em cima, e a dórica em baixo, dos arcos de volta inteira e arquitraves.
A igreja da Nossa Senhora da Graça, em Évora, projeto de autoria conjunta de Nicolau de
Chanterenne e Miguel de Arruda, é outro dos melhores exemplares da arquitetura renascentista
em Portugal. Pelo uso sistemático da ordem jónica e pela admirável fachada, que apresenta
quatro estátuas de gigantes nos cantos, elementos sem paralelo entre nós.
Alguns autores consideram ainda a arte renascentista portuguesa cosmopolita, pois reflete
influências europeias e ultramarinas- especialmente da Índia- reflexo da Expansão portuguesa.
A influência estrangeira é evidente também na escultura, tendo alguns mestres trabalho em
Portugal, como apoio régio. Destacam-se três figuras principais: Nicolau Chanterrene, João Ruão
e Filipe Hodart, dos quais se registam alguns trabalhos na região de Coimbra, Lisboa e Évora. A
escultura aparece, como é habitual, muito ligada à arquitetura, sob a forma de relevos decorativos
e ornamentos em pedra ou gesso. Também abunda a estatuária, por vezes colocada em mísulas,
nichos ou sob baldaquinos. A talha para a decoração de púlpitos, retábulos e altares das igrejas e
a escultura tumular evidenciam características típicas do Renascimento.
A pintura foi a arte que melhor refletiu a estética renascentista. Ao contrário da pintura manuelina,
com uma figuração ainda muito ligada ao gótico flamengo, a pintura quinhentista apresenta uma
linhagem muito mais aproximada à estética italiana. Figuras anatomicamente mais perfeitas, em
que o recurso à perspetiva era aplicado de forma a apresentar uma obra mais realista,
composição equilibrada e de grande clareza narrativa, monumentalidade e volumetria dos corpos,
inclusão de elementos arquitetónicos e motivos escultóricos clássicos a enquadrar os cenários
(medalhões, acantos, entre outros), importância dada ao desenho e maior riqueza cromática. Os
principais pintores do Renascimento em Portugal foram Vasco Fernandes, mais conhecido por
Grão Vasco, Cristovão de Figueiredo e Gregório Lopes.
Uma das obras-primas da pintura renascentista portuguesa é o São Pedro Patriarca de Vasco
Fernandes. Nela, além dos traços de influência italiana, Vasco Fernandes opta por uma ordem
racional e geométrica que nos remete para as ideias humanistas. Numa composição de grande
rigor, destaca-se a figura monumental de S. Pedro que domina toda o quadro. A rigorosa
perspetiva e a simetria de trono e das duas janelas, que deixam ver duas cenas da vida do santo,
dão ao conjunto da obra uma serenidade típica do espírito renascentista.

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