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CELAS E EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL: INTERFACES E

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

TOMCZAK, Liliane Aparecida1 - UNICENTRO/PR


QUADROS, Sheila Fabiana de.2 – UNICENTRO/PR

RESUMO

A Educação Prisional é um direito assegurado na Legislação Brasileira que visa reincluir o sujeito
apenado na sociedade através de práticas educativas direcionadas. O objetivo central da pesquisa foi
abordar e analisar a Educação prisional como importante instrumento de reinserção no meio social
após o cumprimento da pena. Pretendeu-se compreender as perspectivas em que é efetuada a
ressocialização através da Educação dentro da prisão e se este processo educativo encontra lacunas de
acesso e dificuldades em ser efetivado atualmente. Para isso, propõe-se realizar reflexões acerca do
contexto histórico da Educação prisional e suas influências na sociedade contemporânea, bem como
analisar e compreender as prerrogativas legais em contexto nacional. Através de pesquisa de campo
por meio de questionário online, propoe-se o posicionamento da sociedade civil em relação à temática
e como concebem a educação intramuros nos espaços prisionais. O questionário foi aplicado para
diversos sujeitos de diferentes cotextos sociais. Com isso, pode-se perceber que a educação no espaço
prisional embora ainda enraizada pelo preconceito, passa a ser compreendida atualmente de forma
positiva por grande parcela da sociedade e como parte importante do processo de ressocialização.
Contudo, foi possivel concluir que, embora a maioria dos participantes já detenha posicionamentos
críticos e favoráveis ao incentivo das práticas pedagógicas dentro do cárcere, notou-se também a falta
de conhecimento e compreensão por parte de alguns que ainda concebem a prisão em seu caráter
punitivo, historicamente conhecido como um castigo ao infrator e não em seu caráter ressocializador e
humanitário. Por fim, conclui-se que a ausência de um posicionamento crítico sobre o assunto ocorre
pelos mais diversos fatores, como idade, contexto social, escolaridade ou profissão, quais contribuem
para a dificuldade na compreensão de o que é de fato a Educação prisional e a sua função para com o
indivíduo que necessita ser ressocializado.

Palavras-chave: Educação prisional. Ressocialização. Prisão. Educação.

Introdução

Sabemos que atualmente o nível básico de escolaridade é um fator decisivo para


que haja inclusão do indivíduo ao meio social, bem como determina “se” e “como” irá

1
Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO, Campus
Universitário de Irati. E-mail: lilianetomczak@gmail.com
2
Professora do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. E-mail:
sheilafquadros@gmail.com

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posicionar-se no mercado de trabalho. Deste modo, com o presente texto objetivamos um
estudo peculiar, acerca de uma temática pouco discutida e um ambiente ainda pouco
explorado, qual seja a educação no sistema prisional brasileiro.
Quando pensamos em pessoas que estão retidas dentro do sistema prisional,
temos a percepção de que são delinquentes perigosos e que não são dignos de dividir o
mesmo espaço dentro do grupo social, logo, devem ser privados de qualquer contato
conosco. Para muitos é impossível imaginar qualquer tipo de ressocialização dessas
pessoas, porém, há sim essa tentativa por meio de projetos educacionais e intervenções
pedagógicas realizadas no âmbito das penitenciárias brasileiras.
Tais ações encontram-se asseguradas junto a Legislação Brasileira que reserva o
direito ao ensino nas prisões, este de modo facultativo e com ressalva para redução da
pena. A modalidade de ensino seguida é a Educação de Jovens e Adultos – EJA.
A obrigatoriedade do Estado e o direito à oportunidade de estudo para os detentos
encontra-se disposto e assegurado pelos artigos 10 e 11 da Lei de Execuções Penais
(LEP), seguidos pelo artigo 17 da mesma lei qual determina que “a assistência
educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do
internado.” (BRASIL, 1984). Os indivíduos enquadrados no sistema prisional podem
optar por trabalhar ou estudar para reduzir sua pena.
No entanto, conforme retro especificado, caso queira apresentar bom
comportamento e reduzir sua pena, há o direito de escolha do detento, devendo optar por
desenvolver somente uma das atividades, trabalhar ou estudar. Conforme a Lei nº.
12.433/11, “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá
remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” (BRASIL, 2011).
Um dos motivos determinantes para alguns presos ingressarem na sala de aula
muitas vezes é o fato de que a única forma de comunicação com o mundo externo às
grades da prisão é através de cartas que são escritas por eles e enviadas aos familiares ou
vice-versa. Logo, não sendo alfabetizado, resta incomunicável com aqueles que estão do
lado de fora.
Percebe-se então a importância de efetivar políticas de incentivo ao ensino dentro
das prisões brasileiras, não somente como forma de oferecer uma ocupação para o detento
enquanto cumpre sua pena, mas sim, como forma de ressocializá-lo em vários espaços e
recolocá-lo no mercado de trabalho após sua saída, com a mínima discriminação possível.

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Em contrapartida, sabemos sobre a real situação dos presídios brasileiros, onde a
maioria não dispõe de infraestrutura adequada e nem sempre contam com a presença de
profissionais para auxiliar no processo de ensino e na elaboração de propostas e projetos
para efetivação do mesmo. Por este motivo, muitos detentos não encontram motivação
para ingressar nas aulas, optando, como anteriormente mencionado, pelo desenvolvimento
de uma atividade laboral.
Nesse sentido, visamos discutir no presente trabalho de pesquisa como é
efetivado o ensino intramuros prisional, o contexto histórico e as prerrogativas legais que
amparam esta modalidade de ensino. Surge a necessidade de entendermos quais os
desafios encontrados na contemporaneidade para a efetivação da educação no espaço
prisional bem como as perspectivas da sociedade civil em relação ao tema.
A pesquisa seguirá natureza exploratória, no sentido de coletar dados e
informações acerca da temática abordada, tendo como fonte de informação a pesquisa
bibliográfica e documental, em consonância com a Legislação Brasileira e através de
autores como: Freire (1967); Foucault (1987); Portugues (2001); Ramos (2006); Onofre
(2009); Julião e Onofre (2013); Silva, Moreira e Oliveira (2016); Silva (2015); Julião
(2016); Rodrigues (2018); Santos, Alchieri e Flores Filho (2009) e, Godinho, Julião e
Onofre (2020).
O desenvolvimento da pesquisa compreende a subdivisão em três etapas. O
primeiro momento cujo título “prisão e educação: contextos históricos e sociais de
divergentes demandas” busca a compreensão das demandas historicamente registradas
acerca do surgimento da prisão. Em um segundo momento, intitulado “Prerrogativas e
dispositivos legais da educação prisional em contexto nacional” evidenciamos a legislação
existente em âmbito nacional para regulamentação da Educação prisional no Brasil.
E por fim, elencamos os “desafios e perspectivas da educação prisional e
sociedade civil: dilemas e contextos”, onde, por meio de Pesquisa de campo, com
instrumento de coleta de dados composto por um questionário online via Google forms,
buscamos compreender o posicionamento da sociedade em perspectiva crítica, tendo como
sujeitos os membros da sociedade civil em geral, ressaltando a natureza qualitativa,
direcionada à área de Políticas Educacionais.

Prisão e educação: contextos históricos e sociais de divergentes demandas

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Desde a Antiguidade, os sujeitos buscaram formalizar os atos punitivos àqueles
que apresentam condutas consideradas reprováveis pelo grupo. No decorrer da história, as
sociedades encarregaram-se de formular suas próprias regras e documentos que serviram
de base para tais punições de acordo com a necessidade de repelir a criminalidade.
O mais antigo documento de leis escrito que se têm conhecimento é datado de
aproximadamente 1.750 a.C, trata-se do Código de Hamurábi elaborado na Babilônia.
Segundo Santos, Alchieri e Flores Filho, (2009, p. 171), tais regulamentações são
consideradas um avanço para a época, uma vez que previa a pena individual daquele que
cometera o delito e não responsabilizava os familiares, prática que era comumente
realizada antes daquele período. A forma de justiça utilizada era a de que o infrator
deveria sofrer o proporcional ao mal que causou, estas através de agressões físicas, forca,
chamas, afogamento, dentre outras formas punitivas.
Até então a ideia de encarceramento dos sujeitos não havia sido desenvolvida,
sendo apenas abordada na Grécia Antiga que previa a reclusão dos inadimplentes até a
devida quitação. Posteriormente, Platão trouxe formas de reclusão de indivíduos até a
realização dos julgamentos, vindo a ser utilizada também pelos Romanos. Dentre as
práticas punitivas pós julgamento, estavam os castigos proporcionais ao dano, a exclusão
do indivíduo do grupo mediante taxação de criminoso e a pena de morte.
Na Idade Média, havia a reclusão dos sacerdotes com condutas reprováveis.
Santos, Alchieri e Flores Filho, (2009, p. 172) destacam que os religiosos “eram
recolhidos numa ala do próprio mosteiro para que, por meio de penitência e de muita
oração, se arrependessem do mal praticado.”
Somente a partir da Idade Moderna há o surgimento da prisão para todos os
indivíduos, esta com finalidade de cumprimento da pena e de controle dos corpos dos
detentos objetivando uma mudança comportamental, moral e psíquica. Segundo Foucault,
(1987, p. 260):

A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu


nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização
sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário,
quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir
os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar
deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos,
codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem

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lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação,
registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se
centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos
dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a
instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência.

O Direito Penal, a partir de então, passa a ser ajustado na medida em que começa
a rever as formas desumanas de cumprimento das penas buscando a mudança de
comportamento do detento através do sentimento de arrependimento e remorso, sob
extrema vigilância e obediência às regras. Assim, surgem as primeiras tentativas para a
ressocialização dos indivíduos a partir da prisão.
No Brasil, anteriormente as punições também eram realizadas a partir de castigos
físicos realizados em praças públicas vindo a modificar-se com a instituição da prisão
como cumprimento da pena. No entanto, o início das prisões no país foi marcado pelas
péssimas condições de infraestrutura e permanência dos presos.

As primeiras prisões, no Brasil, fornecem relatos das condições de


miséria que viviam os presos naquele momento, da inexistência de uma
política de tratamento penal, do descaso com o local de cumprimento da
pena e, já nessa época, dos problemas com a superlotação. (SANTOS,
ALCHIERI e FLORES FILHO, 2009, p. 172).

O cenário no país modifica-se em 1984 com a promulgação da Lei de Execuções


Penais, que se pauta principalmente no princípio da humanização da pena e garantia de
direitos aos indivíduos que fossem condenados. Dispõe assim em seu primeiro artigo, que
“a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal
e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado” (BRASIL, 1984).
Surge então a necessidade de ressocializar a pessoa condenada. O termo
ressocializar refere-se à ação de reprojetar no sujeito as práticas sociais e as normas do
grupo. Dessa forma, o apenado somente sairá quando tiver a consciência de sua condição
bem como refletindo sobre ela, e, isso se dá através da educação reconhecendo o
respectivo sujeito como ser histórico.
Neste prisma, Godinho, Julião e Onofre (2020, p.10) destacam a contribuição da
educação de uma forma geral para a efetivação dos direitos garantidos em lei, qual seja:

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[...] trabalhar para que os sujeitos das classes populares reconheçam a
própria humanidade e desnaturalizem os processos de desumanização
que negam cotidianamente seus direitos a educação, saúde, moradia,
trabalho, cultura, esporte e lazer, embora todos eles sejam direitos
constitucionais, subjetivos e intransferíveis. Esta é uma condição
indispensável para que o ser humano busque a liberdade por meio da
educação.

Nesse sentido, Rodrigues (2018, p. 95) também descreve sobre a educação para
pessoas presas

A educação é uma atividade, contemporaneamente, adotada na pena de


prisão. Tratada pela legislação como continuidade das condições da vida
fora da prisão, a concepção de educação, nesse contexto, se revela no
discurso da execução penal, com a mesma perspectiva extramuros: um
direito.

Portanto, a partir disso há um indício de concepção de caráter ressocializador


pelo meio educacional, deixando, gradativamente, o caráter punitivo e contraditório
muitas vezes baseado no uso de violência.

Prerrogativas e dispositivos legais da educação prisional em contexto nacional

A sociedade contemporânea viveu intensas mudanças em se tratando das


diferentes demandas sociais existentes em sua organização e estrutura, envolvendo a
economia, a política, a cultura, a educação, dentre inúmeros outros segmentos que incitam
as reais necessidades que emergem nesse contexto. Nesse prisma, surge a diferenciação
entre o atendimento dos sujeitos em reclusão serem observados e atendidos de maneira
particular, focando no processo de ressocialização e inserção social.
Nessa perspectiva, surge a Educação prisional como promotora de direitos
humanos e de igualdade de oportunidades na recuperação/ressocialização de pessoas que
estão ou estiveram em conflito com a lei.
Contextualizando historicamente, inicialmente, temos a Lei nº. 7.210/84,
intitulada Lei de Execuções Penais (LEP) que dispõe em seu artigo 1º que “a execução
penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”,
(BRASIL, 1984). Ou seja, trata da pena estipulada pela jurisdição, bem como a

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classificação e ordenação de cumprimento da pena de acordo com as peculiaridades do
respectivo crime e os antecedentes do indivíduo. Ainda, assegura direitos e deveres dos
apenados.
Adiante, em seu artigo 10, descreve que “a assistência ao preso e ao internado é
dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade.” (BRASIL, 1984). Portanto, a reclusão objetiva, acima de tudo, uma forma de
ressocialização, ou seja, que o indivíduo retorne ao convívio social sem que retome a
prática de delitos.
Para tanto, é instituído pela LEP que a assistência prestada aos detentos
compreende necessidades básicas, bem como, ressalta em seu artigo 11 a via educacional
como forma de ressocialização, conforme retro especificado. Já em seu artigo 17 e
seguintes especifica a instrução escolar como objetivo para a formação profissional do
apenado e institui como modalidade de ensino a Educação de Jovens e Adultos – EJA.
(BRASIL, 1984).
A própria Educação prisional não se constitui uma modalidade de ensino, mas
atende suas demandas pela Educação de Jovens e Adultos. Por sua vez, a EJA encontra-se
disposta no artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº
9394/96, sendo esta destinada a jovens e adultos que não concluíram o Ensino
Fundamental e Médio em idade própria e a considera “instrumento para a educação e a
aprendizagem ao longo da vida.” (BRASIL, 1996).
As condições para cumprimento da pena e permanência no ambiente coercitivo
estão constitucionalmente resguardadas através do artigo 5º, incisos XLVII e XLIX da
Carta Magna de 1988, a nossa lei maior, quais descrevem sobre o princípio básico do
cumprimento da pena, bem como asseguram a integridade física e moral do apenado.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de
acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
(BRASIL, 1988).

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A Lei nº. 12.433/11 alterou a Lei de Execuções Penais, dispondo que a remissão
de parte da pena pode ser realizada através de estudo ou trabalho e computada de acordo
com as exigências legais:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou


semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo
de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar -
atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante,
ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no
mínimo, em 3 (três) dias; II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de
trabalho. (BRASIL, 2011).

O Estatuto Penitenciário do Estado do Paraná em seu artigo 33, inciso IV, alínea
a, assegura aos detentos o acompanhamento psicopedagógico, visando a formação escolar
e profissional:

A assistência educacional, a ser prestada por profissionais habilitados,


compreende:
a) a instrução escolar e a formação profissional do assistido, sob
orientação psicopedagógica. (PARANÁ, 2010).

No entanto, temos que atualmente a prisão é uma instituição que exerce modo
coercitivo sobre os indivíduos que praticaram delitos, permeando suas ações em torno
principalmente da perspectiva punitiva, e não socializadora ou ressocializadora.
De acordo com Foucault (1987, p. 279):

A prisão não tem só que conhecer a decisão dos juízes e aplicá-la em


função dos regulamentos estabelecidos: ela tem que coletar
permanentemente do detento um saber que permitirá transformar a
medida penal em uma operação penitenciária; que fará da pena tornada
necessária pela infração uma modificação do detento, útil para a
sociedade.

O referido autor segue o direcionamento de prisão como forma coercitiva, porém,


ressalta a necessidade e importância de efetivar a modificação do sujeito, de modo que o
reintegre na vida social, cabendo à instituição prisional reconstituir no internado o pior na
forma do saber, bem como fazer da prisão o local de constituição de um saber.
(FOUCAULT, 1987, p. 144).

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O direcionamento de Foucault citado por Portugues (2001, p. 359) analisa
criticamente a transformação buscada pelas instituições prisionais em seus internados,
tendo em vista que se torna uma “empresa” modificadora de comportamento dos
“delinquentes” que alí encontram-se. Destaca também que o comportamento anterior
deverá ser transformado através dos meios coercitivos disponíveis:

[...] no sentido de transformá-los: psiquiatria, psicologia, medicina,


pedagogia, arquitetura, assistência social e sociologia tiveram, no
sistema penitenciário, seu ponto convergente, tornando-o uma
“empresa” para modificar as pessoas.

Ainda, segundo o entendimento de Portugues (2001, p. 367) “a fim de processar a


transformação útil do indivíduo, a prisão deve, simultaneamente, ser o local de execução
da pena e de uma sistemática e rigorosa observação dos indivíduos punidos.” Corrobora
com essa perspectiva Julião e Onofre (2013, p. 54) também se manifestam sob o
entendimento de que a prisão constitui normas coercitivas, mas que o espaço em si oprime
o internado, uma vez que “nas celas úmidas e escuras, repete-se ininterruptamente a voz
da condenação, da culpabilidade, da desumanidade.”
No mesmo sentido, afirmam que o internado traz suas vivências particulares,
advindas de momentos e “situações pelas quais passou antes e durante sua carreira
delinquencial”, sendo que geralmente são negativas. (JULIÃO e ONOFRE, 2013, p. 55).
Em consonância disso, atualmente dentro do cárcere existem equipes
interdisciplinares que auxiliam na modificação do comportamento do internado e uma
delas é o espaço educacional, sendo, portanto, necessária a prática de uma educação
inclusiva na forma da Educação de Jovens e Adultos, devendo se respeitar “[...] saberes da
vida, expectativas, visões de mundo [...]” (JULIÃO e ONOFRE, 2013, p. 63).
Segundo Onofre (2009, p. 7) dentro desse ambiente há “[...] aqueles que pararam
de estudar recentemente, os que pararam há 10, 15, 30 anos e os que nunca foram à
escola.” Então, segundo seus direcionamentos, incumbe à escola prisional a adequação das
práticas pedagógicas de modo que haja inclusão de todos os internados.
Em defesa às práticas educacionais para jovens e adultos, Freire (1967, s/p)
compartilha o entendimento de que a alfabetização promove no indivíduo a sua libertação,
consciência e interpretação do meio à sua volta, ampliando a capacidade de refletir “sobre
sua posição no mundo. Sobre o mundo mesmo. Sobre seu trabalho. Sobre seu poder de

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transformar o mundo. Sobre o encontro das consciências.” Nesse contexto então, encaixa-
se a Pedagogia Social que segundo Ramos (2006, p. 130) tem por objetivo a “ênfase nos
problemas humano- sociais” e “configura um conjunto de outras alternativas para pensar e
viver.”
Corroborando ao assunto, Onofre (2009, p. 15) ressalta que “o homem
aprisionado, muitas vezes, busca a sua identidade e o diálogo, reconstrói a sua história e
valoriza os momentos de aprendizagem” e para isso, é direito deste que a escola que lhe é
oferecida seja “competente, solidária, produtiva e libertadora”, ao passo que:

[...] tem de funcionar segundo as normas de segurança e de disciplina,


ao mesmo tempo em que se quer desvinculá-la dessas normas e
construir um espaço escolar onde o aluno possa participar ativamente,
onde possa haver integração grupal e onde o debate e a reflexão crítica
sejam vistos como aspectos fundamentais na formação dos indivíduos.
(ONOFRE, 2009, p. 14).

Cumpre refletir, todavia, que Julião e Onofre (2013), Julião (2016) e Silva,
Moreira e Oliveira (2016) colaboram em um mesmo sentido, qual seja uma crítica à forma
de ensino intramuros, os desafios dos pedagogos e dos profissionais de ensino quanto às
normas rígidas e opressoras dos cárceres. Em outras palavras, ainda permanece junto ao
sistema educacional prisional a ideia de punição como imperativo para a mudança
individual dos sujeitos, sendo que na verdade se acreditava em fazê-lo compreender sua
própria história junto ao meio social em que faz parte.
Desta forma, Julião e Onofre (2013, p. 56), trazem para o pilar da discussão, a
ausência de infraestrutura adequada e falta de materiais para efetivar trabalhos
pedagógicos pois as salas de aula do sistema prisional:

[...] não atende à demanda de escolarização, com condições de


infraestrutura precárias, ausência de material didático e pedagógico e
de programas culturais e formativos complementares, número de horas
reduzidas destinadas à escolarização, e a inexistência de formação
específica dos educadores para lidar com a singularidade do contexto.

Denota-se também o posicionamento dos autores em relação à ausência de


formação específica e adequada de profissionais para atuar no ensino intramuros, haja
vista as peculiaridades e desafios do ambiente prisional, aliadas ao preconceito dos

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espaços que se ocupam as prisões em termos sociais, havendo inclusive dificuldades em
haver pessoas com perfil em atuar nesses espaços.
No que tange ao desenvolvimento das atividades pedagógicas, os mesmos autores
destacam a imposição de normas rígidas, quais submetem os profissionais a disponibilizar
os materiais que serão trabalhados em sala para que seja feita a vistoria. Muitas das vezes
os materiais são retidos e impossibilitados de serem utilizados.

[...] recursos que possam trazer qualquer tipo de risco em relação à


segurança, não são permitidos. Dessa forma, todo o material é
examinado pelo setor de segurança, antes de sua utilização. Em muitos
casos, as atividades realizadas pelas escolas são desqualificadas e
ameaçadas, dependendo quase que cotidianamente de consentimentos.
(JULIÃO e ONOFRE, 2013, p. 63).

Nesse mesmo sentido, os profissionais do sistema penitenciário “estão a serviço


do sistema e não a serviço da pessoa humana momentaneamente privada da liberdade”.
(SILVA, MOREIRA E OLIVEIRA, 2016, p. 14). Assim, os profissionais estão
aprisionados ao sistema, às normas e às leis, que por sua vez os impedem de ter autonomia
nos trabalhos intramuros.
Isso não quer dizer que não precise haver normas de convivência e de
organização desse trabalho, articulados aos cuidados com as diferentes demandas, no
entanto, é preciso romper com estereótipos sociais que impeçam que um trabalho
verdadeiramente humano se concretize e que o processo de ressocialização aconteça.

A subordinação das ciências sociais, humanas, biológicas e da saúde à


ciência jurídica é mais enfática ao constatarmos que seus profissionais
não possuem nenhuma autonomia no trabalho penitenciário, pois têm
sua atuação rigidamente demarcada pela norma jurídica —
notadamente o Código Penal Brasileiro, o Código de Processo Penal e
a Lei de Execução Penal — e subordinam-se, também, aos ditames da
segurança e da disciplina penitenciária, tornando-se, assim, meros
executores de tarefas necessárias à instrução processual e à avaliação
para concessão de benefícios ao sentenciado. (SILVA, MOREIRA e
OLIVEIRA, 2016, p. 14).

Portanto, “[...] reproduz-se no cárcere uma escola padronizada que pouco dialoga
com as especificidades dos seus sujeitos” bem como “[...] são geralmente experiências
com propostas pedagógicas descontextualizadas da realidade do sistema prisional”
(JULIÃO, 2016, p. 36).

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Em contrapartida, analisando o Plano Estadual de Educação no Sistema Prisional
do Paraná (2015, p. 21) percebe-se que os trabalhos educacionais a serem desenvolvidos
no âmbito prisional deveriam propiciar junto aos internados a reflexão crítica acerca da
realidade, bem como deve ser “[...] um trabalho pedagógico, pautado na construção dos
saberes escolares [...]” sendo que este “[...] auxilia o educando a refletir de forma crítica e
autônoma sobre o mundo que o cerca.”
Ainda, segundo o documento, o espaço pedagógico dentro do sistema prisional deve
ser composto por vários membros que colaboram mutuamente para a eficácia dessa ação que:

[...] não depende apenas do corpo funcional da escola/SEED e dos


alunos. Envolve, também, o quadro funcional do órgão parceiro, da
SESP/DEPEN, da presença do Agente Penitenciário, do pedagogo da
unidade, da chefia da segurança, do psicólogo, do assistente social e
do diretor do Estabelecimento Penal, os quais estão envolvidos,
diretamente, neste processo que proporciona a educação no espaço
prisional. (PARANÁ, 2015, p. 36)

Se necessário, e a depender de cada caso em específico, o sistema pode contar


com o apoio de profissionais da rede de atenção, desde que acordado perante as normas do
sistema e dos procedimentos necessários em particular. Segundo o Plano Estadual, a
capacitação profissional tem em vista “[...] uma interpretação mais abrangente da
realidade prisional [...]” e que possua “[...] elementos históricos e sociológicos para
entender que a sociedade produz o homem/mulher com o qual se depara no sistema
prisional.” (PARANÁ, 2015, p. 50).
Ainda, demonstra-se a extrema importância das funções atribuídas ao Pedagogo
dentro do espaço prisional. O respectivo documento descreve que incumbe a este
profissional fazer com que os internados tomem conhecimento de seus direitos quanto ao
ensino, bem como que tal atividade pode acarretar a redução do tempo de cumprimento da
pena estipulada.

Assim, é de responsabilidade do Estabelecimento Penal, por meio dos


Pedagogos (das unidades penais e dos estabelecimentos de ensinos),
informar e explicar aos apenados o direito à remição, bem como as
modalidades educacionais existentes no estabelecimento, propiciando
de maneira indistinta o acesso de todos (as) a, pelo menos, uma das
modalidades, dando preferência àquelas certificadoras. (PARANÁ,
2015, p. 63).

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Finalizamos com o entendimento de Silva (2015, p. 47), que esclarece o real
papel da educação prisional, qual “[...] deve ser única e exclusivamente o de ajudar o ser
humano privado da liberdade a desenvolver habilidades e capacidades [...]”, tais objetivos
visam acima de tudo que após o cumprimento da pena o indivíduo consiga “[...] estar em
melhores condições de disputar as oportunidades socialmente criadas”.

Desafios e perspectivas da educação prisional e sociedade civil: dilemas e contextos

À vista do até aqui exposto, devido à relevância e importância da temática na


sociedade contemporânea, realizamos uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa
partindo do pressuposto da análise crítica dos sujeitos e suas aspirações sociais. Propomos
então um questionário aberto de forma online, organizado pela plataforma Google Forms,
com o objetivo de obter posicionamentos acerca da educação no sistema prisional brasileiro.
Inicialmente, nos propusemos a desenvolver a pesquisa presencialmente, tendo como
sujeitos participantes os profissionais atuantes no meio educacional das prisões brasileiras,
mais especificamente do Estado do Paraná. No entanto, tendo em vista a falta de tempo hábil
em decorrência da morosidade e burocracia do Estado em conceder o campo para pesquisa,
houve necessidade de readequação do questionário para o formato online e ampliação do
público-alvo, passando a figurar como sujeitos os membros da sociedade civil como um todo.
Os questionamentos e os posicionamentos dos sujeitos serão evidenciados a seguir,
ressalvando o anonimato dos participantes.
Desta forma, a primeira questão refere-se ao consentimento expresso dos sujeitos em
participar como voluntários da pesquisa, sendo que todos anuíram. O seguinte questionamento
referiu-se a faixa etária dos envolvidos, sendo constatado que a maioria dos participantes
possuem entre 18 e 24 anos, conforme se expõe no gráfico "1 – Faixa etária dos
participantes”, disposto abaixo.

Figura 1- Faixa etária dos participantes

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Fonte: Organizada pela autora a partir do Google Forms, 2022.

Para compreendermos a diversidade de indivíduos que teriam acesso ao questionário


da pesquisa, optamos que dispusessem as suas profissões, objetivando assim obtermos uma
análise mais minuciosa sobre os sujeitos e em que ambiente social estão inseridos. Da análise,
elaboramos o gráfico “2- profissões dos participantes” a seguir que comporta a respectiva
parcela de profissionais participantes.

Figura 2- profissões dos participantes

Estagiária
Motorista
Pedagoga
Vendedora
Professor(a)
Empresário
Estoquista
Advogado
Aux. de T.I.
Psicóloga

Fonte: Organizada pela autora a partir do Google Forms, 2022.

Em seguida, questionamos se os participantes conheciam ou o que entendiam sobre a


Educação prisional. Algumas respostas foram bastante objetivas e afirmaram apenas “sim” ou
“não”, ao passo que outras discorreram e justificaram que não sabiam ao certo, mas que

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acreditavam que estava relacionado a aulas para detentos nos centros penitenciários. Outras
duas respostas nos despertaram a atenção, pois tratou-se de um profissional atuante e outro
que já atuou diretamente com a ressocialização de pessoas encarceradas durante 16 anos. Do
primeiro profissional mencionado, extraiu-se:

“Sou coordenadora pedagoga numa escola prisional. compreendo-a como


uma forma de instrumentalizar o sujeito para a reinserção social. Numa
perspectiva mais elaborada, a educação prisional representa a
contribuição na emancipação do sujeito privado de liberdade.”

Ainda sobre o mesmo questionamento, convém destacar outras duas respostas que
enfatizaram o que conheciam ou entendiam sobre a educação no sistema prisional,
conforme se reproduz abaixo.

“Ressocialização do sujeito na sociedade, tornando possível maiores


chances de estudar, para entrar no mercado de trabalho e assim sair do
crime, buscando reeducação necessária para ter novas chances de
pertencer na sociedade como sujeito ativo.”

“Em uma aula o 3° semestre do curso de pedagogia, o professor


comentou sobre as aulas que são dadas no sistema prisional. Comentamos
sobre q organização, fatos que ocorreu quando ele era professor de
presídio, o acesso aos estudos e materiais didáticos, rotina,
principalmente o fato da prática ser totalmente o contrário ao que está
prescrito em lei.”

Prosseguindo o questionário, queríamos entender o posicionamento dos sujeitos


em relação à oferta do estudo nas prisões e para isso problematizamos: “Para o indivíduo
em conflito com a lei/em processo de ressocialização, deve ser oportunizado estudo dentro da
prisão? o conhecimento pode interferir no processo de vida dos sujeitos?”
Com relação a essa questão, definitivamente todos os participantes manifestaram-se
absolutamente positivos, com afirmações do tipo: “sim”, “com certeza”, “creio que seria
muito útil”, “sim, o estudo é uma forma de humanização!”. Outros, foram além e discorreram
sobre a importância da oferta da educação no sistema prisional, por isso se exibe algumas das
justificativas elencadas:

“Sim, pois aquele indivíduo está em um processo de preparação para a


sociedade, preparando para ser um cidadão novamente com todos os
direitos de uma pessoa livre. os estudos dentro da prisão é uma luz que o
preso enxerga e há uma esperança para ele voltar aos direitos como

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cidadão. um outro ponto é que quando um preso vai para a sala de aula,
ele precisa socializar com os colegas, professores, obedecer regras,
enfim, uma preparação total para ele conseguir viver em sociedade
novamente.”

“Sim, todos tem direito a educação. A educação interfere diretamente na


vida dos sujeitos, visto que, ao sair da prisão, o mesmo poderá concorrer
a vagas de emprego de igual para igual com os demais sujeitos que
estiveram "em liberdade". A educação é uma excelente arma para a
ressocialização do indivíduo.”

“A educação é um direito que a privação ou restrição de liberdade não


pode suprimir. Nesse sentido, não há outro posicionamento senão a
garantia do direito. Dadas as condições do direito pela educação, a luta
por outros direitos se torna muito mais justa.”

“Com certeza, o processo do estudo pode transformar vidas. Uma vez que
trabalho efetivamente dentro dos sistemas prisionais. A falta de
conhecimento pode causar diversos tipos de violências, tanta físicas como
psicológicas.”

“Concerteza! nem todos vão sair da prisão para cometer outros crimes,
muitos vão querer uma nova vida e com a ajuda da educação isso se torna
mais um motivo para uma mudança positiva na vida do mesmo.”
“Sim, com acesso ao conhecimento o indivíduo pode ter despertado o
interesse por alguma área que futuramente possa ser de suma
importância para que o mesmo não volte a praticar atos infracionais.”

Em contrapartida, discorremos sobre a discriminação das pessoas já ressocializadas e


incentivamos que cada participante escolhesse uma alternativa sobre o seguinte
questionamento: “Caso o ex-detento deixe a prisão com um certificado de conclusão de
ensino, isso o ajudará a encontrar um trabalho ?”. Dentre as opções de escolha estavam:
“Não, mesmo assim não conseguiria emprego por ser ex-detento” e, “Sim, pois a formação
que obteve o qualificará para o mercado de trabalho, superando a discriminação.”
Assim, extraímos um percentual com 95,8% (noventa e cinco vírgula oito por
cento) de respostas positivas e apenas 4,2% (quatro vírgula dois por cento) de respostas
negativas, conforme se expõe a seguir no gráfico “3- Ressocialização e reingresso no
mercado de trabalho”.

Figura 3- Ressocialização e reingresso no mercado de trabalho

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Fonte: Organizada pela autora a partir do Google Forms, 2022.

Para finalizar a pesquisa de forma democrática, abrimos espaço para ouvir a opinião
pessoal e genuína de cada sujeito acerca do tema, com o seguinte questionamento: “Se você
pudesse sugerir um novo sistema prisional para o Brasil, qual seria a sua sugestão?
justifique.”
Analisando as respostas, obteve-se diversos posicionamentos acerca da finalidade da
prisão, alguns com ressalva para penas mais severas e pena de morte, outros com um olhar
mais humanitário ao sujeito condenado, outro com a sugestão de um sistema normativo sem
prisões e dois participantes que não souberam responder.
Um dos primeiros posicionamentos versa sobre a empatia da sociedade em relação às
pessoas que estão em processo de ressocialização e em busca de uma “segunda chance”, bem
como, formula uma autocrítica sobre a falta de estudos e conhecimento acerca do tema, mas
defende que se deve observar o lado humano de cada ser antes de julgá-lo. Assim se reproduz:

“Eu não tenho um argumento formado totalmente, pois há um estudo


profundo por trás de todo esse assunto, e por se tratar de pessoas que
estão conseguindo uma segunda chance, é necessário um estudo mais
elaborado. Mas a base desse tema, é a empatia que a maioria dos
superiores não tem, tratando os presos como alguém que não merece uma
segunda chance, merece morrer, julga o crime do outro sem considerar
que somos humanos e prontos para errar e cada pessoa tem seu trauma
de infância, a mente é diferente das outras, e que esse crime que a pessoa
cometeu pode ser uma doença que merece ser tratada como qualquer
outra. Posso estar sendo muito leve, mas é necessário observar ambos
lados, considerando que a maioria das pessoas preferem que um
criminoso morra ao invés de ressocializar. Eu prefiro ver o lado humano
de cada pessoa.”

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Considerando os participantes que possuem propostas mais rígidas e coercitivas para
os sujeitos apenados, temos que a solução, segundo os mesmos, seria a aplicação da pena de
morte para que o sistema fosse mais respeitado. Outros defenderam que o preso deve trabalhar
e não ser remunerado, seguido por aqueles que entendem que o apenado deve estudar e
trabalhar para pagar a sua estadia na prisão.
Um dos participantes defende a aplicação de penas seguindo o critério de gravidade
do crime cometido, bem como a diminuição da maioridade penal e um sistema de ensino
adequado. Por suas palavras:

“Com penas mais severas para crimes com maior gravidade e diminuição
da maioridade penal, para que jovens infratores paguem pelos seus
crimes, combinado com um ensino adequado dentro da prisão para que
quando volte a viver em sociedade possa ter maior facilidade no mercado
de trabalho e possa dar um novo rumo a sua vida!”

Nesse mesmo sentido, sobre a classificação de gravidade dos crimes, podemos


complementar com a proposta de outro participante que defende um sistema com “medidas
mais drásticas de punição e que as penas leves fossem convertidas em trabalho social
(como são) e na apresentação de diplomas de atualização, como cursos, faculdades,
trabalhos, etc.”
Igualmente, temos um participante que formula uma crítica à estrutura das
instituições prisionais e afirma que deve ser garantido um espaço adequado pois “o sistema
carcerário no Brasil já passa uma crise estrutural a anos, com problemas de superlotação.
Acredito que precisa-se adotar um novo sistema prisional, onde se respeite os direitos dos ,
ofertando um ambiente minimamente seguro e limpo.”
Por outro lado, os demais participantes trouxeram propostas voltadas para um
sistema mais dinâmico, que fosse “pautado na educação, cursos profissionalizantes,
também, que tragam formas de humanização do sujeito, com inserção na sociedade, além
de projetos psicológicos que ajudem os detentos”. Enfatizaram, ainda, uma mudança na
legislação vigente para que o sistema abrangesse acima de tudo a finalidade da
ressocialização. Algumas propostas nesse sentido, foram:

“Primeiro, prenderia somente os crimes hediondos e faria trabalho


baseado na justiça restaurativa p os crimes leves e modelados. trabalhar
a proposta de restauração e educação da pessoa em liberdade, inserido/a

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na comunidade é muito mais efetivo. desta forma, com menos pessoas no
cárcere, propiciaria educação, qualificação p trabalho, psicoterapia e
tratamento digno p todas as pessoas encarceradas.”

“A minha sugestão seria um sistema onde não seja pra castigar quem
infringe a lei (que é o sistema que temos no Brasil) para um sistema que
buscar realmente a ressocialização dos mesmos, todos merecem uma
segunda chance se realmente forem mudados.”

“Acredito que um sistema prisional que pudesse ofertar aulas de


educação básica e também focasse no trabalho de questões
emocionais/psicológicas traria mais resultados positivos na vida dos
detentos, e também mais resultados à sociedade.”

Por fim, temos uma crítica e proposta de como deveria ser efetivado o ensino
dentro do sistema prisional. Segundo o participante, de modo “que fosse trabalhado
efetivamente como a rede estadual. Acredito que o EJA, fica mais superficial. Deve ter
estudo efetivos e tirá-los que salas multisseriada.” Assim, observamos que existe
conhecimento por parte de alguns integrantes da referida pesquisa, no entanto, ainda se
conserva posicionamentos focados no enfoque punitivo e não ressocializador, reiterando a
ideia de que punir se efetiva, segundo a concepção da maioria, como a única e/ou melhor
forma de resolver as questões de delitos cometidos.

Considerações

O papel socializador da escola e da educação, em seu amplo contexto, é o de preparar


o sujeito para a vida social, priorizando acima de tudo o seu desenvolvimento pessoal de
maneira integral. Assim, mesmo a partir dos desafios da ressocialização de pessoas presas
elencados com esse trabalho, percebemos que a educação resiste neste espaço na tentativa de
cumprir com seu propósito.
A Educação prisional resiste. Resiste para enfrentar a precarização do ensino pela
insuficiência de recursos e burocratização do sistema; resiste, ao compreender o apenado
como sujeito histórico inserido em um contexto social que influencia diretamente sobre as
suas perspectivas individuais futuras; e, resiste, quando a sociedade, embora o significativo
avanço, ainda possui conhecimento insuficiente para entender o processo de ressocialização.
Este trabalho pretendeu entender os desafios contemporâneos da educação de
pessoas em situação de privação de liberdade a partir de uma retomada histórica do

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surgimento da prisão, do desenvolvimento de prerrogativas legais no decorrer dos anos e do
posicionamento da sociedade civil em relação à temática. Este minucioso estudo foi realizado
através de pesquisa de fonte teórica, documental e sujeitos sociais pertencentes à sociedade
civil, participantes da pesquisa de campo via questionário Google forms.
Para se atingir uma compreensão em relação aos desafios da Educação prisional,
diante das atuais demandas da sociedade contemporânea, definiu-se três objetivos específicos.
O primeiro, para entender o contexto histórico da educação prisional e suas nuances na
sociedade contemporânea. Verificou-se que as sociedades se encarregaram, ao longo da
história, de formular suas próprias regras e documentos que serviram de base para as punições
de acordo com a necessidade de repelir a criminalidade, até chegar à criação da instituição da
prisão, evoluindo até a existente na atualidade.
Depois, buscamos discutir e compreender as prerrogativas legais da Educação
prisional em contexto nacional. A acurada análise permitiu concluir a evolução dos
dispositivos legais e a análise de autores renomados trouxe dados importantes acerca da
dificuldade de implantar aquilo que está legislado.
Ainda, procuramos compreender como a sociedade concebe a Educação prisional,
via pesquisa de campo em redes sociais. Da análise dos dados extraiu-se que a sociedade,
embora ainda enraizada pelo preconceito, já detém uma visão mais crítica acerca da temática,
trazendo importantes contribuições para o processo de ressocialização dos indivíduos em
privação de liberdade.
Sendo assim, a presente pesquisa conclui que existe a necessidade de se compreender
o sistema prisional não apenas pelo caráter punitivo, mas sim, pelo caráter ressocializador, no
sentido de buscar a reintegração dos sujeitos em diferentes espaços sociais.

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