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Capitulo 4 SOCIEDADE E DIREITO Sumario: 10. A Sociabilidade Humana. 11. 0 “Estado de Natureza’. 12. Formas de Interacio Social e a Acdo do Direito. 13. A Miitua Dependéncia entre 0 Direito e a Sociedade. 10. A SOCIABILIDADE HUMANA ‘A propria constituigdo fisica do ser humano revela que ele foi programado para conviver ¢ se completar com outro ser de sua espécie. A prole, decorréncia natural da unido, passa a atuar como fator de organizagao e estabilidade do niicleo familiar. O pequeno grupo, formado nao apenas pelo interesse material, mas pelos sentimentos de afeto, tende a propagar-se em cadeia, com a formagiio de outros pequenos niicleos, até se chegar 4 formagao de um grande grupo social. ‘A lembranga de Ortega y Gasset, ao narrar que a Hist6ria registra, periodica- mente, movimentos de “querer ir-se”, conforme aconteceu com os eremitas, indo para os desertos praticar a “moné” — solidéio; com os monges cristéios e, ainda, nos primeiros séculos do Império Romano, com homens fugindo para os deser~ tos, desiludidos da vida publica, nao enfraquece a tese da sociabilidade humana. A experiéncia tem’ demonstrado que o homem é capaz, durante algum tempo, de viver isolado. Nao, porém, durante a sua existéncia, Ele conseguira, nesse tempo, prescindir da convivéncia e nao da produgao social.! © exemplo de Robinson Crusoé serve para reflexdo. Durante algun tempo, esteve isolado em uma ilha, utilizando-se de instrumentos achados na embarcagiio. Em relagao aquele personagem da fic¢4o, dois fatos merecem observag6es. Quan- do Robinson chegou a ilha, j4 possuia conhecimentos e compreensio, alcangados em sociedade e que muito 0 ajudaram naquela emergéncia. Além disso, 0 uso de instrumentos, certamente adquiridos pelo sistema de troca de riquezas, que carac- 1 “..asociabilidade penetra todo o fazer humano até 0 ponto que toda aco é uma verdadeira coacao, um fazer com outros” (Sebastidn Soler, Las Palabras de Ia Ley, 1? ed., Fondo de Cul- tura Econémica, México, 1969, p. 27). 24 | Introducao ao Estudo do Direito « Paulo Nader teriza a dinamica da vida social, da a evidéncia de que, ainda na solidao, Robinson utilizou-se de um trabalho social.? Examinando o fendmeno da sociabilidade humana, Aristételes considerou 0 homem fora da sociedade “um bruto ou um deus”, significando algo inferior ou superior 4 condigao humana. O homem viveria alienado, sem 0 discernimento pré- prio ou, na segunda hipétese, viveria como um ser perfeito, condig&io ainda nao alcangada por ele. Santo Tomas de Aquino, estudando o mesmo fenémeno, enume- rou trés hipéteses para a vida humana fora da sociedade: a) mala fortuna; b) corruptio naturae; ©) excellentia naturae. No infortinio, o isolamento se dé em casos de naufrégio ou em situagdes andlogas, como a queda de um avitio em plena selva. Na alienagdo mental, 0 homem, desprovido de inteligéncia, vai viver distanciado de seus semelhantes. A ultima hipétese é a de quem possui uma grande espiritualidade, como Sao Simeao, chamado “Estilita” por tentar isolar-se, construindo uma alta coluna, no topo da qual viveu algum tempo. E na sociedade, nao fora dela, que o homem encontra o complemento necessa- rio ao desenvolvimento de suas faculdades, de todas as poténcias que carrega em si. Por nao conseguir a autorrealizagao, concentra os seus esforgos na construgao da sociedade, seu habitat natural e que representa o grande empenho do homem para adaptar 0 mundo exterior as suas necessidades de vida. 11. O “ESTADO DE NATUREZA” E na sociedade que o homem encontra o ambiente propicio ao seu pleno de- senvolvimento. Qualquer estudo sobre ele ha de revelar o seu instinto de vida gregaria. O pretenso “estado de natureza”, em que os homens teriam vivido em solidao, originariamente, isolados uns dos outros, é mera hipétese, sem apoio na experiéncia e sem dignidade cientifica. O seu estudo, entretanto, presta-se a fins cientificos, conforme revela Del Vecchio.’ Através dessa hipdtese se chegara, com argumentagiio a contrario, 4 comprovagao de que fora da sociedade nao ha con- digdes de vida para o homem. Acrescenta o mestre italiano que a mesma pratica poderia ser adotada por um cientista da natureza, com relago, por exemplo, a lei 2 Emigual perspectiva é a prelecao e comentério de Rudolf Stammler: “Lo nico que cabe afir- ‘mar con seguridad es que donde quiera que aparecen seres humanos, encontramos siempre una ordenacién juridica. La conocida historia de Robinsén no debe inducirnos a error en este respecto. Robinsdn procedrd, como todo hombre, de una colectividad sujeta a Derecho, y a Ja que se reintegra en definitiva, y durante su aislamiento voluntario se sustenta con el patri- ‘monio espiritual adquirido de esa colectividad.” Em La Genesis del Derecho, 12 ed., Madrid, Talleres Calpe, 1925, p. 8. 3 Giorgio Del Vecchio, Licées de Filosofia do Direito, trad. da 102 ed. original, Arménio Amado, Editor, Suc., Coimbra, 1959, vol. Il, p. 219. Cap. 4+ Sociedade e Direito | 25 da gravidade. Explicar as coisas do mundo, com abstracao desta lei, seria um meio de demonstrar a sua imprescindibilidade. 12. FORMAS DE INTERACAO SOCIAL E A ACAO DO DIREITO 12.1. A Interagiio Social. As pessoas e os grupos sociais se relacionam estrei- tamente, na busca de seus objetivos. Os processos de mittua influéncia, de relagdes interindividuais e intergrupais, que se formam sob a forga de variados interesses, denominam-se interacao social. Esta pressupde cultura e conhecimento das di- ferentes espécies de normas de conduta adotadas pelo corpo social. Na relacao interindividual, em que 0 ego e 0 alter se colocam frente a frente, com as suas pretensdes, a nog’io comum dos padres de comportamento e atitudes é decisiva 4 natural fluéncia do fato. O quadro psicolégico que se apresenta é abordado, com agudeza, por Parsons e Shills: “... como 0s resultados da ago do ego dependem da reagtio do alter, 0 ego orienta-se nao apenas pelo provavel comportamento manifesto do alter, mas também pela interpretagao que faz das expectativas do alter com relacao a seu comportamento, uma vez que 0 ego espera que as expec- tativas do alter influenciarao 0 seu comportamento.”* A interagio social se apresenta sob as formas de cooperagdo, competi¢ao e conflito e encontra no Direito a sua garantia, 0 instrumento de apoio que protege a dinamica das agdes. Na cooperagao as pessoas estiio movidas por igual objetivo e valor e por isso conjugam 0 seu esforgo. A interagdo se manifesta direta e positiva. Na competi- cao h4 uma disputa, uma concorréncia, em que as partes procuram obter 0 que almejam, uma visando a exclusao da outra. Uma das grandes caracteristicas da sociedade moderna, esta forma revela atividades paralelas, em que cada pessoa ou grupo procura reunir os melhores trunfos, para a consecugao de seus objetivos. A interagdo, nesta espécie, se faz indireta e, sob muitos aspectos, positiva. O conflito se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em jogo nao logram uma solugao pelo didlogo e as partes recorrem luta, moral ou fisica, ou buscam a me- diacdo da justiga. Podemos defini-lo como oposigdo de interesses, entre pessoas ou grupos, néo conciliados pelas normas sociais. No conflito a interagao é direta negativa. O Direito sé ira disciplinar as formas de cooperagao e competigaio onde houver relagdo potencialmente conflituosa. Os conflitos so fendmenos naturais 4 sociedade, podendo-se até dizer que lhe sdo imanentes.’ Quanto mais complexa a sociedade, quanto mais se desenvolve, mais se sujeita a novas formas de conflito ¢ 0 resultado € 0 que hoje se verifica, como |j4 se afirmou, em que “o maior desafio nao é 0 de como viver e sim o da convivén- cia’ 4 Talcott Parsons e Edward A. Shills, Homem e Sociedade, de Fernando H. Cardoso e Octavio lanni, Cia. Editora Nacional, Sao Paulo, 1966, p. 125. 5 Pensava Herdclito que “se ajusta apenas 0 que se ope, que a mais bela harmonia nasce das diferencas, que a discérdia é a lei de todo devir", apud Aristoteles, Etica a Nicémaco, VIII, |. 26 | Introducao ao Estudo do Direito « Paulo Nader Conforme Anderson e Parker analisam, as formas de ago social nao cos- tumam desenvolver-se dentro de um tnico tipo de relacionamento, pois “na maior parte das situagdes estdo intimamente ligadas e mutuamente relacionadas de diversas formas”.° De fato, tal fendmeno ocorre, por exemplo, com empresas concorrentes que, no Ambito de um determinado departamento, firmam convénio para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa, ou se unem a fim de pleitear um beneficio de ordem fiscal. Na opinitio dos dois sociélogos norte-americanos “nenhuma forma de aco é mais importante para a dinamica da sociedade do que outra”, embora reconhegam que uma pode ser mais desejavel do que a outra. Em abono a presente opinidio, é de se lembrar a tese do jurisconsulto alemao, Rudolf von Thering, para quem a “uta” sempre foi, no desenrolar da histéria, um fator de propulsao das ideias e instituigdes juridicas. 12.2. O Solidarismo Social. Léon Duguit, na esfera da Sociologia do Direi- to, desenvolveu uma importante teoria em relagdo a interagdo social por coope- ragdo, no primeiro quartel do séc. XX. Baseando os seus estudos no pensamento do sociélogo Emile Durkheim, que dividiu as formas de solidariedade social em “mecanica” e “organica”,’ Léon Duguit estruturou a sua concepgiio a partir desse ponto, substituindo, porém, essas denominacdes, respectivamente, “por semelhan- ca” e “por divisiio do trabalho”. Consideramos a expressao entrosamento social mais adequada, em virtude de que a palavra solidariedade implica uma participa cdo consciente numa situagdo alheia, animus esse que nao preside todas as formas de relacionamento social. O motorista de praca, que conduz um passageiro ao seu destino, nao age solidariamente ao semelhante, verificando-se, tao somente, um entrosamento de interesses. ‘A solidariedade por semelhanga caracteriza-se pelo fato de que os membros do grupo social conjugam seus esforgos em um mesmo trabalho. Miguel Reale exemplifica esta modalidade: “podemos lembrar o esfor¢o conjugado de cinco ou dez individuos para levantar um bloco de granito. Este é um caso de coordenagao de trabalho, que tem como resultado uma solidariedade mecanica.”* Esta forma foi mais desenvolvida no inicio da civilizagao e é a espécie que predomina entre os povos menos desenvolvidos. Na solidariedade por divisdo do trabalho a atividade global da sociedade é racionalizada e divididas as tarefas por natureza do servigo. Os homens desenvolvem trabalhos diferentes e beneficiam-se mutuamente da pro- ducdo alheia, mediante um sistema de troca de riquezas. Por essa diversificagao de atividades, as tendéncias e vocacées tendem a realizar-se. Um plano de elaboragdio conjunta de um anteprojeto de cédigo, que pressupde o trabalho soliddrio de juristas, pode consagrar uma ou outra forma de solidarie- 6 Anderson e Parker, Uma Introdugdo @ Sociologia, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1971, p. 54d. 7 Emile Durkheim, Diviséio do Trabalho Social, Os Pensadores, Abril Cultural, Sao Paulo, 1973, cap. tte Ill. 8 Miguel Reale, Filosofia do Direito, 72 ed., Edicao Saraiva, 1975, vol. I, p. 389. Cap. 4 + Sociedade e Direito | 27 dade, havendo, inclusive, a possibilidade da adogao das duas concomitantemente. Esta ultima hipétese se configuraria quando, dividido o trabalho global em partes, cada uma destas ficasse confiada a um grupo que estudaria em conjunto. ‘Aestrutura da sociedade, na teoria de Léon Duguit, estaria no pleno desenvol- vimento das formas de solidariedade social. O Direito se revelaria como o agente capaz de garantir a solidariedade social, seu fundamento, e a lei seria legitima enquanto promovesse tal tipo de interagao social. 12.3. A Aco do Direito. O Direito est4 em fungo da vida social. A sua finali- dade é favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas € 0s grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade. Ao separar o licito do ilicito, segundo valores de convivéncia que a propria sociedade elege, 0 ordenamento juridico torna possiveis os nexos de cooperacdo e disciplina a competicao, estabelecendo as limi- tagdes necessdrias ao equilibrio e a justiga nas relagdes. Em relacio ao conflito, a aciio do Direito se opera em duplo sentido. De um lado, preventivamente, ao evitar desentendimentos quanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. Isto se faz mediante a exata definigdo do Direito, que deve ter na clareza, simplicidade e concisdo de suas regras, algumas de suas qua- lidades. De outro lado, diante do conflito concreto, o Direito apresenta solugao de acordo com a natureza do caso, seja para definir o titular do direito, determinar a restauracao da situacdo anterior ou aplicar penalidades de diferentes tipos. O silogismo da sociabilidade expressa os elos que vinculam o homem, a sociedade 0 Direito: Ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi jus; ergo, ubi homo, ibi jus (onde o homem, ai a sociedade; onde a sociedade, af o Direito; logo, onde o ho- mem, ai 0 Direito). Cenério de lutas, alegrias e softimentos do homem, a sociedade nao € simples aglomeragao de pessoas. Ela se faz por um amplo relacionamento humano, que gera a amizade, a colaboragio, o amor, mas que promove, igualmente, a discérdia, a intolerdncia, as desavencas. Vivendo em ambiente comum, possuindo idénticos instintos e necessidades, é natural o aparecimento de conflitos sociais, que vao reclamar solugdes. Os litigios surgidos criam para 0 homem as necessidades de seguranga e de justia. Mais um desafio Ihe é langado: a adaptagdo das condutas humanas ao bem comum. Como as necessidades coletivas tendem a satisfazer-se, ele aceita 0 desafio e langa-se ao estudo de formulas ¢ meios, capazes de preveni- rem os problemas, de preservarem os homens, de estabelecerem paz ¢ harmonia no meio social. O Direito se manifesta, assim, como um corolario inafastavel da sociedade. Esta foi definida por Massimo Bianca como “todo agregado humano que se submete as regras juridicas comuns, ou seja, a um mesmo ordenamento juridico.” A caracteristica fundamental da sociedade ¢, assim, a submissio de um 9 C. Massimo Bianca, Diritto Civile, 2# ed., Milano, Giuffré Editore, 2002, vol. |, p. 5. 28 | Introducao ao Estudo do Direito « Paulo Nader agrupamento de pessoas a iguais leis ou sistema juridico, sem o que nao poderia haver entendimento e convivéncia. A sociedade sem o Direito nao resistiria, seria andrquica, teria o seu fim. O Direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfei¢do, o Direito representa um grande esfor¢o para adaptar o mundo exterior as suas necessidades de vida. 13. A MUTUA DEPENDENCIA ENTRE O DIREITO E A SOCIEDADE 13.1. Fato Social e Direito. Direito ¢ sociedade so entidades congénitas ¢ que se pressupdem. O Direito nao tem existéncia em si proprio. Ele existe na sociedade. A sua causa material estd nas relacdes de vida, nos acontecimentos mais importantes para a vida social. A sociedade, ao mesmo tempo, € fonte cria- dora e dea de ac&o do Direito, seu foco de convergéncia. Existindo em fungao da sociedade, o Direito deve ser estabelecido 4 sua imagem, conforme as suas pecu- liaridades, refletindo os fatos sociais, que significam, no entendimento de Emile Durkheim, “maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao individuo, dota- das de um poder de coere&o em virtude do qual se Lhe impdem”."” Fatos sociais sao criagdes histéricas do povo, que refletem os seus costumes, tradigdes, sentimentos e cultura. A sua elaboragao é lenta, imperceptivel e feita espontaneamente pela vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais di- ferentes. Cada povo tem a sua histdria e seus fatos sociais. O Direito, como fe- némeno de adaptagao social, nfo pode formar-se alheio a esses fatos. As normas juridicas devem achar-se conforme as manifestagdes do povo. Os fatos sociais, porém, nao séo as matrizes do Direito. Exercem importante influéncia, mas 0 con- dicionamento nao é absoluto. Nem tudo é histérico e contingente no Direito. Ele nao possui apenas um contetdo nacional, como adverte Del Vecchio. A natureza social do homem, fonte dos grandes principios do Direito Natural, deve orientar as “maneiras de agir, de pensar e de sentir do povo” e dimensionar todo o Jus Positum. Falhando a sociedade, ao estabelecer fatos sociais contrarios 4 natureza social do homem, 0 Direito nado deve acompanha-la no erro. Nesta hipdtese, 0 Direito vai superar os fatos existentes, impondo-lhes modificagées. 13.2. O Papel do Legislador. O Direito é criado pela sociedade para reger a propria vida social. No passado, manifestava-se exclusivamente nos costumes, quando era mais sensivel a influéncia da vontade coletiva. Na atualidade, o Direito escrito é forma predominante, malgrado alguns paises, como a Inglaterra, Estados Unidos e alguns povos muculmanos, conservarem sistemas de Direito no escrito. O Estado 10 — Emile Durkheim, As Regras do Método Sociolégico, Cia. Editora Nacional, Sdo Paulo, 1960, cap. |. Sobre a presente definicao, v, José Florentino Duarte, O Direito como Fato Social, Sér- gio Anténio Fabris Editor, Porto Alegre, 1982, p. 17 e segs. Cap. 4+ Sociedade e Direito | 29 modemo dispde de um poder préprio, para a formulagao do Direito — 0 Poder Legisla~ tivo. A este compete a dificil e importante fungao de estabelecer o Direito. Semelhante ao trabalho de um sismégrafo, que acusa as vibragées havidas no solo, 0 legislador deve estar senstvel as mudancas sociais, registrando-as nas leis e nos cédigos. Atento aos reclamos e imperativos do povo, 0 legislador deve captar a von- tade coletiva e transporta-la para os cédigos. Assim formulado, 0 Direito nao é produto exclusivo da experiéncia, nem conquista absoluta da raziio. O povo nao é seu tinico autor e o legislador nao extrai exclusivamente de sua razdo os modelos de conduta. O concurso dos dois fatores é indispensdvel A concrecao do Direito. Este pensamento é confirmado por Edgar Bodenheimer, quando de- clara que “seria unilateral a afirmagiio de que s6 a razo ou s6 a experiéncia como tal nos deveriam guiar na administragao da justiga”." No presente, o Direito nao representa somente instrumento de disciplinamen- to social. A sua missiio nfo é, como no passado, apenas garantir a seguranga do homem, a sua vida, liberdade e patrimdnio. A sua meta é mais ampla; consiste em promover 0 bem comum, que implica justiga, seguranga, bem-estar e progresso. O Direito, na atualidade, é um fator decisivo para o avango social. Além de garantir © homem, favorece o desenvolvimento da ciéncia, da tecnologia, da produgao das riquezas, a preservagdo da natureza, 0 progresso das comunicagies, a elevagao do nivel cultural do povo, promovendo ainda a formagdo de uma consciéncia nacional. O legislador deste inicio de milénio nao pode ser mero espectador do pano- rama social. Se os fatos caminham normalmente a frente do Direito, conforme 0s interesses a serem preservados, o legislador deverd antecipar-se aos fatos. Ele deve fazer das leis uma cépia dos costumes sociais, com os devidos acertos e com- plementagées. O volksgeist deve informar as leis, mas 0 Direito contemporaneo nao é simples repetidor de formulas sugeridas pela vida social. Se de um lado 0 Direito recebe grande influxo dos fatos sociais, provoca, igualmente, importantes modificagdes na sociedade. Quando da elaboragao da lei, 0 legislador haverd de considerar os fatores histérico, natural e cientifico e a sua conduta serd a de adotar, entre os varios modelos possiveis de lei, o que mais se harmonize com os trés fato- res. Na visio de Demolombe “A suprema missao do legislador é precisamente a de conciliar 0 respeito devido a liberdade individual dos cidadaos com a boa ordem e harmonia moral da sociedade”.!? Earl Warren, na presidéncia da Suprema Corte Norte-Americana, salientou a importancia do Direito para 0 progresso e seguranga dos povos: “A histéria tem demonstrado que onde a lei prevalece, a liberdade individual do Homem tem sido 11 Edgar Bodenheimer, Ciéncia do Direito, Filosofia e Metodologia Juridicas, Forense, Rio, 1966, p. 178. 12 Cours de Code Napoléon, Paris, Cosse, Marchal et Billard, s/d., vol. 1, p. 3. | 30 | Introducio ao Estudo do Direlto - Paulo Nader forte e grande o progresso. Onde a lei é fraca ou inexistente, 0 caos € 0 medo im- peram e 0 progresso humano é destruido ou retardado”.!* As transformagdes que o mundo atual experimenta, no setor cientifico e tec- nolégico, vém favorecendo as comunicagées humanas, tio precdrias no passado. O mundo, notadamente com o incremento das redes sociais geradas pela internet, apresenta sinais evidentes de uma grande aldeia. O desenvolvimento das comu- nicacées entre povos distantes e de diferentes origens provocaré o fenémeno da aculturagdo e, em consequéncia, a abertura de um caminho para a unificagao dos fatos sociais e uma tendéncia para a universalidade do Direito. A unificagao ab- soluta, tanto dos fatos sociais quanto do Direito, sera inalcangavel, em face da permanéncia de diversidades culturais. BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL Ordem do Sumério: 10 ~ Giorgio del Vecchio, Licdes de Filosofia do Direito; 11 ~ Idem; 12 — Emile Durkheim, As Regras do Método Sociolégico; Da Divisdio do Trabalho Social; Paulo Dourado de Gusmio, Introdugdo ao Estudo do Direito; 13 — Mouchet e Becu, Introduccién al Derecho; Felippe Augusto de Miranda Rosa, Sociologia do Direito; José Florentino Duarte, O Direito como Fato Social. 13 Earl Warren, Tribuna da Justica, n® 357, de 28.11.66, artigo “A busca da paz por meio da Lei”. Warren presidiu a Suprema Corte no perfodo de 1953 a 1969 e notabilizou-se pela defesa dos direitos individuais e protecdo aos direitos das min

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