Água - Aula 5

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Formação Continuada

Ensino de Química

Tópico: Interações Intermoleculares.

Objetivos: Tratar dos diferentes tipos de interações intermoleculares presentes na fase


condensada, focando em interações de natureza eletrostática.

Prezados alunos, tudo bem?


Nesta aula discutiremos os vários tipos de interações intermoleculares presentes na fase
condensada, isto é, nas fases líquida e sólida. Como vimos na aula passada, o caráter polar de uma
molécula depende da natureza de suas ligações químicas e também de sua geometria. Vimos
também que uma ligação é polar se há uma grande diferença de eletronegatividade entre os
átomos presentes na ligação química. Nestes casos, o compartilhamento do par de elétrons não é
homogêneo entre os átomos que participam da ligação.
O tema de interações intermoleculares é vasto e possui aplicações em química, física,
biologia, ciências dos materiais, entre outras disciplinas. Nesta aula iremos apresentar os
principais tipos de interações intermoleculares tendo sistemas químicos simples como exemplo. É
importante entender que as interações intermoleculares são em geral bem mais fracas do que as
ligações químicas e, portanto, estão tipicamente relacionadas a descrição dos diferentes estados
de agregação da matéria.
A água é uma molécula polar (veja a figura 7 da aula 4), portanto apresenta o seu centro de
cargas negativo e positivo em locais distintos. Isto se deve única e exclusivamente a natureza
polar de suas ligações químicas! Definimos o momento de dipolo 𝜇⃗ = 𝑞𝑟⃗ como sendo o vetor que
liga o centro de cargas negativo ao centro de cargas positivo da molécula (q é o valor da carga e r a
distância ente os centros de carga). Pode-se descrever boa parte do comportamento da matéria
no estado condensado em termos de suas interações eletrostáticas, ou seja, pelo comportamento
da atração e repulsão de cargas elétricas. O comportamento com a distância é outra propriedade
fundamental para classificarmos as interações intermoleculares. Como veremos, há uma
hierarquia em termos de importância entre as interações intermoleculares que deriva do seu
comportamento com a distância. Neste documento faremos uma breve revisão dos diferentes
tipos de interações eletrostáticas e introduzimos os diferentes tipos de interações
intermoleculares.
Interações íon-íon
Partindo de conceitos básicos de eletrostática sabemos que cargas de mesmo sinal se
repelem e cargas de sinais opostos se atraem. Este tipo de interação é chamado de interações do
tipo carga-carga (ou íon-íon). A dependência da energia de interação com a distância (a energia
potencial V do sistema) para cargas pontuais é dada por
𝑘𝑞1 𝑞2
𝑉(𝑟) =
𝑟
1
onde k é a constante eletrostática (4𝜋𝜀 ) e r é a distância entre as cargas. Sistemas que possuem
0

ligações iônicas tais como como o NaCl, o MgO ou mesmo o CaCO3 podem ter suas interações
descritas aproximadamente por este tipo de equação. Nestes casos, reconhecemos que o átomo
mais eletronegativo possui uma carga –q e o átomo menos eletronegativo uma carga q, onde q
possui um valor inteiro +1, +2, etc. A figura 1 apresenta um cristal de NaCl, que possui um
empacotamento do tipo cubico de face centrada. No cristal, temos interações favoráveis entre
íons de cargas opostas e desfavoráveis entre íons de mesma carga. A estabilização resultante de
todas as interações entre os íons no cristal é dada o nome de energia de coesão, e depende da
natureza do íon e do empacotamento do cristal.

Figura 1: Representação usando esferas de um pequeno pedaço de cristal de NaCl. Note a alternância Figura retirada da pagina
https://online.science.psu.edu/chem101_sp1/node/6301.

Interações dipolo-dipolo
Pode se derivar com certa facilidade a interação entres dois momentos de dipolos, que
possuem uma formula similar a dada para carga-carga. Mais especificamente temos:
⃗⃗⃗⃗⃗⃗
𝑘𝜇 1 . ⃗⃗⃗⃗⃗⃗
𝜇2 𝑘𝜇1 𝜇2 cos 𝜃
𝑉(𝑟, θ) = = ,
𝑟3 𝑟3
onde 𝜇⃗ = 𝑞𝑟⃗ (r é a distância entre os centros de carga, q a carga e θ é o ângulo entre os dois
vetores de dipolo). Veja que μ é um vetor e não um escalar (um número), e por isso o potencial V
depende da orientação relativa entre estes dois vetores descrita pelo ângulo θ. Este tipo de
interação é chamado de interação do tipo dipolo-dipolo. Note que a interação do tipo dipolo-
dipolo decai mais rapidamente com a distância do que a interação do tipo carga-carga (decai com
1
onde r é a distância entre as moléculas). Estas interações são importantes para a descrição na
𝑟3

fase condensada de sistemas polares tais como a água líquida, a amônia, o gelo e o HCl (figura 2).
Outro ponto importante é que as interações do tipo dipolo-dipolo podem ocorrer em sistemas

Figura 2: Representação de interações do tipo dipolo-dipolo ente moléculas de HCl. Figura retirada do site
https://www.khanacademy.org/test-prep/mcat/chemical-processes/covalent-bonds/a/intramolecular-and-
intermolecular-forces
neutros e, nestes casos, é tipicamente a interação intermolecular mais importante.
Vimos que a água é uma molécula polar, ou seja, as moléculas de água interagem via
interações dipolo-dipolo. Quando os dipolos interagentes podem girar quase que livremente como
em um líquido a temperatura ambiente, as interações dipolo-dipolo passam a ter um decaimento
mais acentuado e rápido com a distância. Mais especificamente, nestes casos a interação é dada
pela equação de Keesom:
𝐶1 𝜇1 2 𝜇2 2 1
𝑉(𝑟) = − com 𝐶1 = 24𝜋𝜀2 𝑘 .
𝑟6 𝑟 𝑏𝑇

Temos que C1 é dado em função da temperatura T, da constante dielétrica no meio εr e da


constante de Boltzmann. Sem se ater muito aos detalhes da equação, os pontos mais importantes
da equação de Keesom são: i) ela descreve a interação entre moléculas polares em um meio
líquido, onde não há uma orientação preferencial; ii) a interação é sempre atrativa; iii) ela decai
1
com 𝑟 6 onde r é a distância entre as moléculas, ou seja, bem mais rapidamente do que quando os

dipolos estão estáticos.


Interações íon-dipolo
Quando um sal iônico dissolve em água os íons do composto interagem fortemente com a
água e vencem as interações que mantêm o cristal coeso (a energia de coesão). Quando o
processo é energeticamente favorável há liberação de calor para o ambiente e a dissolução é um
processo exotérmico, caso contrario há absorção de calor e o processo é dito endotérmico. As
interações intermoleculares entre os íons do sal e as moléculas de água são também do tipo
Keesom, mas neste caso entre íons (os íons do cristal) e os dipolos da água. A equação que
descreve a energética da interação íon-dipolo é dada por:
𝐶1 𝑞 2 𝜇2 2
𝑉(𝑟) = − .
𝑟5

A figura 3 ilustra um processo de dissolução de um cristal iônico em água. Note na figura


que as interações entre a molécula de água e os íons negativos se dá pelos átomos de hidrogênio,
enquanto que as interações ente molécula de água e os íons positivos se dá pelo oxigênio. Isto se
deve a característica polar das ligações OH, que resulta em cargas parciais positivas no átomo de H
e negativas no átomo de O.

Figura 3: Figura ilustrativa de um processo de dissolução de um cristal iônico em água. As moléculas de água interagem
fortemente com os íons do cristal e vencem a energia de coesão do sistema.
http://www.middleschoolchemistry.com/multimedia/chapter5/lesson3

Interações induzidas
Um sistema carregado (molécula ou íon) ou mesmo uma molécula polar pode exercer uma
influência (perturbação) sobre uma outra molécula. Esta perturbação é exercida pelo campo
elétrico da carga ou dipolo produzido pela molécula, e, induz um momento de dipolo na molécula
perturbada. Estes tipos de interações atrativas são chamadas de interações carga-dipolo
induzido ou dipolo-dipolo induzido, dependendo da natureza do ente perturbador (carga ou
dipolo). São também conhecidas por interações de Debye, em homenagem a Peter Debye, físico
Holandês que primeiro formulou a descrição teórica deste tipo de interação. As interações de
Debye estão presentes, por exemplo, quando misturamos um composto apolar em um solvente
polar. No exemplo dado pela figura 4 temos a ilustração da interação entre uma molécula de água

Figura 4: Ilustração de uma interação de dipolo-dipolo induzido entre em uma molécula de água e um átomo de
Xenônio.

e um átomo de Xenônio. As interações de Debye apresentam a mesma dependência com a


1
distância que as interações de Keesom entre dois dipolos, ou seja, decai com (onde r é a
𝑟6

distância entre as moléculas) e são similares em termos de importância.

Ligações de hidrogênio
As ligações de hidrogênio são um tipo especial das interações do tipo dipolo-dipolo onde
há um caráter covalente parcial entre os átomos participantes. A ligação de hidrogênio ocorre
quando temos um sistema molecular interagente na forma AH∙∙∙∙B, onde A e B são os elementos
eletronegativos oxigênio, nitrogênio e flúor (F,O e N - FON) e H é o hidrogênio. Por ter um caráter
covalente parcial, as ligações de hidrogênio são particularmente estáveis, com uma estabilização
da ordem de 12-30 kJ/mol por ligação de H. Muitas das propriedades únicas da água como
solvente tem origem nas propriedades de suas ligações de hidrogênio. Por ter um caráter
covalente parcial as ligações de hidrogênio decaem muito rapidamente com a distância. Mais
rapidamente, por exemplo, do que as interações do tipo carga-dipolo e dipolo-dipolo.

A figura 5 trás ilustrações da estrutura do gelo. Note que cada molécula de água realiza
quatro ligações de hidrogênio e, por este motivo, é dita doadora e aceptora de ligações de H. A
água realiza um número menor de ligações de H auando na forma líquida, dado a maior desordem
presente no líquido. Sabe-se hoje em dia que este número é menor do que 4, da ordem de 3.5
ligações por molécula de água. Existe, portanto, uma estrutura preservada de ligações de
hidrogênio na água líquida, que lhe confere uma alta viscosidade, tensão superficial e ponto de
ebulição quando comparado a outros líquidos.
(a) (b)

Figura 5: (a) Representação de ligações de hidrogênio entre moléculas de água no gelo. (b) Estrutura mais comum do gelo (gelo
hexagonal). Figuras retiradas do site
https://en.wikibooks.org/wiki/Introduction_to_Inorganic_Chemistry/Ionic_and_Covalent_Solids_-_Structures.

Interações de dispersão
O último tipo de interação intermolecular a ser discutido é também o único tipo
onipresente. As interações de dispersão, também conhecidas como forças de London (receberam
este nome em homenagem ao físico Fritz London), tem uma natureza puramente quântica e
origem na flutuação das nuvens eletrônicas presentes em átomos e moléculas. Tais flutuações
levam ao aparecimento de momentos de dipolo instantâneos, que por sua vez, geram momentos
de dipolo induzidos em moléculas próximas. A descrição teórica detalhada destas flutuações é
feita por complexas teorias quânticas e esta fora do escopo de nosso curso. Podemos, no entanto,
apresentar seus principais resultados. São eles: i) está presente em todos os sistemas
moleculares e atômicos; ii) é sempre atrativa em sua natureza; iii) assim como as interações de

Figura 6: Ilustração do processo associado a interação de dispersão. O dipolo instantâneo em um átomo de


argônio resultante de uma flutuação eletrônica induz um dipolo em um átomo próximo. Este é o tipo de
interação presente entre átomos de gases nobres e é responsável pela sua liquefação.

𝟏
Debye e Keesom, decai com onde r é a distância entre as moléculas.
𝒓𝟔

As interações de dispersão estão presentes, por exemplo, entre as folhas de grafeno que
compõem o grafite, ou entre as moléculas de um líquido apolar como ciclohexano ou tolueno.
Uma característica importante das forças de London é que elas aumentam com o tamanho do
sistema molecular. Portanto, moléculas apolares com alta massa molecular como as moléculas
que compõe a parafina ou os óleos viscosos (principalmente os hidrocarbonetos) interagem
fortemente via interações de dispersão. Este é, na verdade, o motivo do aumento da viscosidade
nos hidrocarbonetos com o aumento de sua massa molecular: há um aumento nas interações
entre as moléculas do líquido. Ao contrário das interações intermoleculares de Keesom ou Debye,
as forças de London não necessitam da presença de um íon ou molécula polar para existirem: elas
são onipresentes em todos os sistemas moleculares e atômicos. No caso de moléculas apolares,
como por exemplo os hidrocarbonetos, as forças de London são as únicas interações
intermoleculares relevantes.

Resumo
A tabela abaixo traz de todas as interações intermoleculares discutidas na aula de hoje, sua
dependência com a distância e energias de interação típicas. As interações de Keesom, Debye e
London são interações residuais atrativas entre sistemas moleculares e atômicos, e possuem uma
dependência similar com a distância r entre os sistemas. Em conjunto elas são conhecidas como as
interações de van der Waals.
Tipo de interação Dependência com a Energia típica de interação Comentário
distância kJ/mol

Íon-íon (Sólido) 𝟏 250 Pode ser atrativa ou


𝒓 repulsiva. Entre íons.

Íon-dipolo estático (Sólido) 𝟏 15 Pode ser atrativa ou


𝒓𝟐 repulsiva.

Dipolo-dipolo estático 𝟏 2-4 Pode ser atrativa ou


𝒓𝟑 repulsiva. Entre
moléculas polares.

Dipolo-dipolo em um 𝟏 2-4 Sempre atrativa. Entre


líquido (Keesom) 𝒓𝟔 moléculas polares.

Íon-dipolo em um líquido 𝟏 5-30 Sempre atrativa.


(Keesom) 𝒓𝟓
Dipolo-dipolo induzido 𝟏 2-4 Sempre atrativa. Uma
(Debye) 𝒓𝟔 molécula deve ser polar.

Dipolo induzido-dipolo 𝟏 2-4 Sempre atrativa. Ocorre


induzido (London) 𝒓𝟔 mesmo entre moléculas
(pode chegar a 30 em apolares
sistemas grandes)

Ligação de hidrogênio Curto alcance 12-30 por ligação Sempre atrativa.


Elementos FON.

A figura abaixo traz exemplos de vários sistemas químicos, com o tipo mais relevante de
interação intermolecular assinalado. É importante destacar que as forças de London estão
presentes em todos os sistemas, mas as vezes não são as interações mais relevantes.
Figura 7: Exemplos de vários sistemas químicos com os tipos principais de interações intermoleculares assinalado.
Figura retirada do site http://www.science.uwaterloo.ca/~cchieh/cact/c123/intermol.html

Bom trabalho a todos!!

Bibliografia
A ACS (American Chemical Society) possui um ótimo material sobre o tema de interações
intermoleculares. http://www.middleschoolchemistry.com/multimedia/chapter5/lesson3

O livro Wiki abaixo possui um capítulo sobre a água e suas propriedades únicas. Há uma ótima
seção com título Interactions with Nonpolar Compounds
https://en.wikibooks.org/wiki/Structural_Biochemistry/Water .

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