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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000552080

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007785-


95.2019.8.26.0077, da Comarca de Birigüi, em que são apelantes CLODOALDO
SOARES TEIXEIRA e ROSIMEIRE ARAÚJO, é apelado AMILCAR
PANTAROTTO JUNIOR (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 34ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CRISTINA


ZUCCHI (Presidente sem voto), LÍGIA ARAÚJO BISOGNI E RÔMOLO RUSSO.

São Paulo, 15 de julho de 2022.

GOMES VARJÃO
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Comarca: BIRIGUI – 2ª VARA CÍVEL


Apelantes: ROSIMEIRE ARAÚJO (pessoa jurídica), ROSIMEIRE ARAÚJO
(pessoa física) e CLODOALDO SOARES TEIXEIRA
Apelado: AMILCAR PANTAROTO JUNIOR
MM. Juiz Prolator: LUCAS GAJARDONI FERNANDES

VOTO Nº 38.896

Locação de imóvel não residencial. Ação de


despejo por falta de pagamento cumulada com
cobrança.

Inadimplemento incontroverso que precede a


pandemia de Covid-19. Impossibilidade de
suspensão da cobrança e de redução do valor
locatício em razão da pandemia. Locatários
não comprovaram a queda do faturamento,
ônus que lhes incumbia. Inviável a imposição
de parcelamento. Inexistência de
comprovantes de pagamento das contas de
água e de luz.

Recurso improvido.

A r. sentença de fls. 122/124, cujo relatório se adota,


julgou procedentes os pedidos iniciais e improcedente a reconvenção para
(i) rescindir o contrato de locação celebrado pelas partes, (ii) decretar o
despejo do imóvel objeto da avença e (iii) condenar os réus ao pagamento
dos aluguéis em aberto, bem como das contas de consumo de energia
elétrica e de água do respectivo imóvel, até a data de sua desocupação,
tudo a ser apurado em fase de liquidação de sentença. Em razão da
sucumbência na ação principal, condenou os réus, em iguais proporções, ao
pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação, observada a
gratuidade processual do réu Clodoaldo Soares Teixeira, que, enquanto
único reconvinte, também foi condenado ao pagamento das custas e

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despesas processuais relativas à pretensão reconvencional, além de


honorários advocatícios de R$ 1.000,00, fixados por equidade em favor do
patrono do autor-reconvindo.

Irresignados, apelaram os réus Rosimeire Araújo


(pessoa física) e Clodoaldo Soares Teixeira (fls.126/143), aduzindo, em
síntese, que deixaram de adimplir os aluguéis do imóvel em razão das
medidas sanitárias de isolamento social impostas pela pandemia de
Covid-19. Relatam que, no período em que permaneceram fechados por
conta das restrições governamentais, não tiveram qualquer faturamento
(“faturamento zero”), tampouco puderam usufruir das dependências locadas.
Afirmam que, mesmo após a retomada da atividade econômica no país, as
perspectivas de crescimento continuam “péssimas”. Alegam que necessitam
permanecer no imóvel por já ocuparem o ponto comercial há muito tempo.
Sustentam, outrossim, que as contas de água e de energia foram
devidamente pagas, sendo devidos, tão somente, os valores a título de
aluguel. Argumentam, ainda, que o Senado Federal aprovou o projeto de Lei
nº 1.179/2020, o qual suspendeu a aplicação das regras de Direito Privado
durante a pandemia. Acrescentam que houve a alteração das condições
vigentes à época da celebração do contrato; que referida mudança lhes
onerou excessivamente, sendo devida, pois, a revisão contratual à luz dos
princípios da função social, da eticidade, da boa-fé e da cooperação.
Afirmam que a pandemia é evento excepcional, imprevisível e inevitável,
configurando força maior. Arguem, por fim, que a sua pretensão encontra
amparo nas teorias da imprevisão e da frustração do fim do contrato
(acolhida pelo Enunciado nº 166 da III Jornada de Direito Civil). Sob tais
fundamentos, requerem a completa reforma da sentença, com a
improcedência da ação principal e a procedência da reconvenção, para
suspender a cobrança dos aluguéis referentes aos “períodos de
quarentena”, ou, subsidiariamente, para reduzir seu valor, ou, ainda, para
oportunizar o parcelamento da dívida. Pedem, ademais, a concessão da
gratuidade processual à ré Rosimeire Araújo (pessoa física).

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Contrariado (fls.155/161), o recurso foi recebido


somente em seu efeito devolutivo (fls.164), sendo tempestivo e isento de
preparo, dada a gratuidade de justiça concedida anteriormente ao réu
Clodoaldo (fls.84) e a gratuidade que ora defiro à ré Rosimeire (pessoa
física).

É o relatório.

Inicialmente, registre-se que não há insurgência dos


apelantes quanto à condenação do Juízo a quo ao pagamento da
importância de R$ 1800,00, devida em função de locativos pretéritos a
agosto de 2018 e cuja tentativa de quitação ficou frustrada pela devolução
dos cheques de fls.13 por falta de fundos.

Sua irresignação diz respeito, exclusivamente, à


condenação ao pagamento dos aluguéis vencidos desde então, bem como
ao pagamento das contas de água referentes ao período de janeiro a abril
de 2019 e da conta de luz referente ao mês de fevereiro de 2019.

Deveras, ficou incontroverso que as partes celebraram


contrato de locação comercial em 30/06/2016 do imóvel localizado na Rua
Saudades, nº 140, no centro da cidade de Birigui.

Na exordial, o apelado afirmou que os apelantes


deixaram de pagar os locativos vencidos a partir de agosto de 2018, bem
como contas de consumo de água (relativas ao período de janeiro a abril de
2019) e de energia elétrica (relativa ao mês de fevereiro de 2019). Alegou,
ainda, ser devida a quantia de R$ 1800,00, tendo em vista a devolução de
três cheques, assinados pela apelante, por falta de fundos.

Os apelantes, por sua vez, confessaram o


inadimplemento dos aluguéis no período assinalado, pleiteando, em sede de
reconvenção, a suspensão da sua cobrança nos “períodos de quarentena”,
ou, subsidiariamente, a redução de seu valor, ou, ainda, o parcelamento da
dívida correspondente.
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Evidente, portanto, que o inadimplemento dos locativos


antecede a adoção de medidas de isolamento para contenção da Covid-19.
Como bem observou o MM. Juízo sentenciante, “a dívida remonta do mês
de agosto do ano de 2018, ao passo que a pandemia do COVID-19
somente atingiu o país no mês de março do ano de 2020, ou seja, mais de
um ano e meio após o início da ausência de pagamento das obrigações
contratuais pelos réus”. Não há de se falar, dessa forma, como pretendem
os apelantes, que o inadimplemento das parcelas de aluguel decorre dos
efeitos da pandemia, sendo inaplicável, in casu, a teoria da
imprevisibilidade.

Outrossim, a despeito do relato de queda abrupta no


faturamento decorrente da imposição de medidas sanitárias (o qual,
alegadamente, chegou a inexistir nos meses de quarentena), os apelantes
não apresentaram quaisquer documentos que comprovassem o quanto
afirmado, tais como cópias dos balancetes e dos livros contábeis da
empresa.

De fato, incumbia aos apelantes demonstrar a


superveniência de obrigação iníqua e excessivamente onerosa, não sendo
possível presumir o desequilíbrio contratual em seu desfavor.

Confira-se precedente desta Col. Câmara em caso


semelhante:

Apelação. Ação de despejo por falta de pagamento c./c.


cobrança de aluguéis e encargos. Contrato de locação
comercial. Sentença de parcial procedência, rescindindo o
contrato de locação e condenando o Réu ao pagamento dos
aluguéis e demais encargos locatícios vencidos e não pagos
conforme pedido inicial, até a data da efetiva imissão da
Autora na posse no imóvel. Recurso do Réu que não
merece prosperar. Alegação de resistência injustificada da
locadora em receber as chaves do imóvel que não exime o
locatário do pagamento dos aluguéis devidos até a efetiva
formalização do ato solene, que exige recibo ou, em caso
de recusa, ação consignatória de chaves, nos exatos termos
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do art. 335 do CC e art. 67 da Lei nº 8.245/91. Locatário


Réu que não se desincumbiu do ônus que lhe competia de
comprovar que houve recusa injustificada da locadora em
receber as chaves do imóvel e nem de que o imóvel
encontra-se efetivamente desocupado. Responsabilidade do
Réu pelo pagamento dos aluguéis e encargos locatícios que
perdura até a data da efetiva imissão da locadora na posse
do imóvel. Juntada de documentos em sede recursal.
Impossibilidade, por não se tratarem de documentos novos.
Ausência de comprovação do motivo que impediu o Réu de
apresentá-los no momento oportuno. Não observância da
regra prevista no artigo 435, “caput” e parágrafo único do
CPC. Impossibilidade de redução do valor locatício em
razão da pandemia por COVID-19. Locatário que não
logrou êxito em demonstrar comprometimento em suas
finanças ou queda significativa em seu faturamento a
justificar a intervenção judicial na relação entre
particulares sob a alegação de onerosidade excessiva.
Intervenção que tem o caráter excepcionalíssimo, sob
pena de violação aos princípios “pacta sunt servanda” e
da autonomia da vontade. Ausência de situação de
extrema vantagem para a locadora, que também foi
afetada pela pandemia. Precedentes deste Egrégio
Tribunal e desta C. Câmara. Litigância de má-fé não
caracterizada. Sentença mantida. Honorários majorados.
RECURSO DESPROVIDO. (34ª Câmara de Direito Privado,
Apelação Cível nº 1005617-86.2021.8.26.0001, Rel. Des. L.
G. Costa Wagner, j. 20/05/2022) (destaques não originais)

Quanto ao pleito subsidiário de parcelamento da


dívida, cumpre ressaltar que o apelado já manifestou seu desinteresse em
repetidas ocasiões (fls.01/03, 90/93 e 155/161), sendo inviável impor-lhe o
arranjo.

Irretocáveis, nesse sentido, as determinações do Juízo


a quo referentes à rescisão contratual, ao despejo e ao pagamento dos
aluguéis em aberto.

Acertada, igualmente, a condenação ao pagamento


das contas de consumo e de água discriminadas na inicial, visto que os
apelantes deixaram de apresentar os respectivos comprovantes, ônus que
lhes incumbia, limitando-se a afirmar que já as haviam pagado.

Eventuais pagamentos poderão ser comprovados na


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fase de cumprimento de sentença.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e, com


fundamento no art. 85, §11 do CPC, majoro os honorários advocatícios
sucumbenciais da ação principal para 15% do valor atualizado da
condenação e os honorários sucumbenciais da reconvenção para R$
1.250,00, observada a gratuidade de justiça concedida.

É meu voto.

Des. GOMES VARJÃO


Relator

Apelação Cível nº 1007785-95.2019.8.26.0077 -Voto nº 38896. 7

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