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2 Fenomenologia e Teoria de Campo Cendrio: Em um restaurante. Os autores estao fazendo uma pausa no seu trabalho de escrever. Charlotte: A fenomenologia é um conceito tao extraordinariamente estimulante, No entanto, quando o descrevemos parece um tanto pesado e chato. Como vocé lhe daria mais vida? Phil: Bem - para vocé, o que estd ocorrendo neste momento? O que é que vocé estd vivenciando e percebendo? Charlotte: [otha a sua volta] Percebo uma vela branca Id no canto que esta iluminando © quadro atras dela de tal forma que quase parece parte do quadro. Phil: E como vocé se sente? Charlotte: Curiosa ¢ feliz. Phil: Entao vocé est4 olhando o mundo a seu redor e obtendo prazer ao ver as coisas em harmonia umas com as outras. Charlotte: [ri] E essa sou eu — gosto de ver harmonia. Phil: Quando olhei para aquela vela, percebi que estava pingando na mesa e me per- guntei se deveria fazer alguma coisa sobre isso. Portanto sua fenomenologia neste momento é ver harmonia ao seu redor e a minha é perceber problemas que posso consertar. Alids, tem umas migalhas na sua blusa. O método fenomenolégico de investigagao A abordagem fenomenoldgica significa tentar estar 0 mais perto possivel da vivéncia do cliente, permanecer no momento aqui e, agora e em vez de in- terpretay o comportamento do cliente, ajuda-lo a explorar e ficar consciente de como ele esta fazendo sentido do mundo. A medida que ele passa a abordar a si préprio com o mesmo espirito investigativo, o cliente vem a saber “quem ele é e como ele é”. O método fenomenolégico é, na verdade, tanto uma atitude quanto uma técnica. Ele envolve abordar o cliente com uma mente aberta e curiosidade genuina, onde nada importa a nao ser a descoberta da experiéncia pessoal dele. Ao fazer isso, a awareness que o cliente tem de seu proprio pro- cesso e das escolhas que faz, fica mais focada e mais aguda. O método fenomenoldgico foi proposto pela primeira vez por Husserl (1931) como um método para investigar a natureza da existéncia. Mais tarde, foi desenvolvido por filésofos existenciais como Heidegger e Merleau-Ponty. Uma perspectiva fenomenoldgica essencial é que as pessoas estao sempre ati- vamente fazendo sentido de seu mundo e, portanto, o cliente € sempre um participante ativo naquilo que est vivenciando e como o esta vivenciando ~ inclusive a queixa que o levou a buscar terapia. A investigacdo fenomenoldgica foi adaptada para o ambiente terapéutico para que passe a ser um método pelo qual tanto o terapeuta quanto o cliente investiguem o significado subjetivo do cliente e a expe! si préprio no mundo. Aqui, ha trés componentes principais: o primeiro é a reducdo fenomenoldgica (bracketing ou epoché) em que as cren¢as, premissas e julgamentos sao suspensos temporariamente ou pelo menos nao sao toma- dos com tanta seriedade, para ver o cliente em sua situacdo “como se fosse a primeira vez”. O segundo é a descricdo em que o fendmeno do cliente no mo- mento presente e a interacdo entre vocés € simplesmente descrita em termos daquilo que é imediatamente dbvio aos sentidos. O terceiro é 0 horizontalismo ncia que ele tem de em que, potencialmente, da-se a mesma importancia a todos os aspectos do cliente (e também do terapeuta): seu comportamento, sua aparéncia, suas ex- pressGes e seu contexto. Embora esteja implicito na propria nocao da investigacao fenomenologica, acreditamos que vale a pena explicitar um quarto elemento — a curiosidade ativa — ja que ele é que da vida aos outros trés. Para o terapeuta, o método fenomenolégico é uma tentativa de se permitir uma experiéncia nova do cliente, evitando tomar os proprios juizos e precon- ceitos com muita seriedade e procurando ter uma atitude aberta. E como se fosse o primeiro dia de férias em um novo pais com uma nova cultura, onde vocé aborda suas experiéncias com abertura para a novidade e a diferenga, desejando apenas absorver plenamente o novo e permitir que o entendimento surja naturalmente. E claro, nao existe a possibilidade de se estar livre das lentes de sua pré- ptia subjetividade, sua prépria maneira especifica de fazer sentido do mundo e das pessoas nele. Além disso, sua investigacao fenomenoldgica — as pergun- tas que vocé faz, o que vocé percebe, o que atrai seu interesse — inevitavel- 31 mente estardo orientados para seu papel como terapeuta. No entanto, todos nés sabemos a diferenca entre aqueles momentos quando nossa atitude com relacao a alguma coisa é¢ rigida, estereotipada e limitada, e outras quando estamos abertos e disponiveis para novos significados, novas impressoes e novos entendimentos. Como também diremos durante todo 0 livro, acreditamos que em todas as interagdes ha sempre uma coconstrucdo de significado e, sob essa luz, & impossivel ser objetivo em qualquer sentido real; vocé nao pode se extrair do telacionamento ou se isolar de seu proprio fazimento de sentido. O método sé pode realmente ser uma tentativa de tornd-lo consciente de seus juizos e rea- Ges ao cliente (e ao relacionamento) a fim de permitir uma perspectiva e uma compreensdo mais claras. Reducao fenomenolégica Esta primeira técnica na investigacao fenomenoldgica € uma tentativa de identificar e reconhecer as preconcepcdes, os julgamentos e atitudes que o conselheiro inevitavelmente leva para seu relacionamento terapéutico. No mo- mento da reducdo fenomenolégica 0 conselheiro tenta, na medida do possivel, por todas essas coisas de lado e estar aberto e presente para este cliente unico e este momento unico. Talvez vocé tenha tido a experiéncia de ver uma pessoa familiar de um ponto de vista diferente (talvez depois de uma longa auséncia) e isso foi sen- tido como se vocé a tivesse vendo pela primeira vez. Muitas vezes essa ex- periéncia é acompanhada por uma sensacao de frescor, apreco e espanto por aquela pessoa unica que anteriormente vocé tinha considerado corriqueira. Na pratica, é claro, é impossivel fazer esse tipo de reducao por mais do que alguns momentos de cada vez e realmente seria impossivel funcionarmos sem nos- sas premissas e atitudes. Os seres humanos sao naturalmente atraidos a fazer sentido e nao poderiamos viver de forma significativa se nao aprendéssemos com nossa experiéncia, extraissemos conclusées, fizéssemos juizos de valor e formassemos atitudes. A percepcao é considerada como um proceso de construgio e reso- lucdo de problemas ¢ no uma gravacdo passiva de uma “realidade” externa (CLARKSON & CAVVICHIA, 2013: 207). No entanto, os seres humanos também tendem a se tornarem rigidos e estereotipistas — eles veem 0 que esperam ver e entao perdem o sentido do 32 novo e da nova possibilidade. Nao temos de ir muito longe para ver as conse- quéncias de atitudes estereotipadas com relacdo a cor, a raca, a nacionalidade ou a doenca mental. A reducdo fenomenolégica, no entanto, nao é tentar ser livre de preconcepcées, atitudes ou reagées. E uma tentativa de nos manter proximos 4 novidade do momento do aqui e agora evitando o perigo de fazer juizos apressados ou prematuros sobre o significado da experiéncia tinica de cada cliente. Sugestdo Considere o seguinte: 1) Jim Ihe diz que a mae dele acabou de morrer de cAncer. 2) Kathryn diz que foi promovida a uma posiggo com miais responsabilidade. 3) Miles Ihe diz que bateu em sua filha de sete anos. 4) Keiko anuncia que vai fazer um casamento arranjado com um homem que ela nunca viu, Imagine-se ouvindo cada uma dessas afirmacoes de um cliente. Qual é sua reagao, emo¢ao ou juizo imediatos ao ouvir cada uma delas? Mesmo com uma informacdo t4o limitada vocé pode perceber com que rapidez forma uma opi- nido. Com frequéncia nos surpreendemos ao ver a diferenca entre a percepcao que o terapeuta e¢ o cliente tém do mesmo evento: uma morte que significou alivio ou raiva e nao tristeza, um evento aparentemente desejado que signifi- cou ansiedade para o cliente, abuso que foi justificado como necessdério ou um significado cultural surpreendentemente diferente para um evento universal. E dificil descrever como praticar a redugao fenomenolégica, mas pode ser util comecar a partir de uma atitude deliberada de que suas opiniées ou juizos sao potencialmente suspeitos ou prematuros e que vocé precisa esperar antes de chegar a quaisquer conclusdes. No minimo, vocé pode estar consciente de suas preconcep¢oes, ou trata-las de uma maneira leve estando preparado para muda-las ou modificd-las 4 luz de nova evidéncia. Vocé vera que os exercicios de enraizamento (grounding) e simples awareness descritos em capitulos poste- riores também irao ajuda-lo para que vocé possa ouvir com seu coracdo e com seu corpo € nao com sua mente! 33 Exemplo James: Acabo de saber que minha companheira est gravida ¢ ela est muito feliz. (Conselheiro, reagdo: Sente como se devesse ter uma reacao positiva, mas hesita.) Cons., resposta: O que é que vocé acha disso? (Reduz seus prdprios valores e reagao.) James: Nao sei realmente. Estou contente, é claro. Cons., resposta: Vocé parece estar um pouco inseguro. James: € acho que estou. £ uma nova vida. Trazer um bebé ao mundo. (Cons., reagao: Comega a perceber alguma emocao outra que nao o prazer — preocu- pacaéo ou inquietacao talvez?) Cons., resposta: Ha algum outro sentimento ou inquietagao sobre ter um bebé? (Re- duz.o préprio julgamento que emerge e investiga aquilo que pode nao ter sido falado.) James: Tudo bem. Mas estou preocupado por trazer uma crianca ao mundo em uma época tao dificil. E assim por diante... A hesitagao inicial do conselheiro permitiu o surgimento de um significa- do mais complexo que poderia ter sido perdido se a resposta tivesse sido mais positiva (“Parabéns”). A atitude de reducdo é semelhante em varias maneiras a investigacdo de um mistério. Vocé esta tentando fazer sentido dessa situagdo especifica, faz perguntas e descobre: “E o que vocé sente sobre isso?” ou *O que isso significa para vocé?” “Que sentido vocé faz disso?” “Como isso ocorreu?”, mas sem wna expectativa (pelo menos inicialmente) daquilo que vocé vai descobrir. Vocé esta tentando permitir que o significado da situacdo venha a tona e uma atitude de reducd4o ou de abertura é muitas vezes a melhor maneira de comecar. Sugestéo Pense sobre um cliente (ou um amigo) com quem vocé estd se relacionando hd algum tempo. Descreva-o para si mesmo-em termos de Categorias, por éxém- plo, sua ocupagao, géneio; grupo socicecondmico, estilo de personalidade, como ele vé vocé, o que ele realmente deveria fazer para organizar a vida dele (!) Por diante. (Faca isso durante mais ou menos um minuto.) 34 Agora, esqueca tudo isso e se imagine sentado a frente dessa pessoa sem qual- quer preconceito ou tentativa de fazer sentido. O que é que vocé percebe ‘sobre ela? Como é que ela est4’sentada? Como é seu cabelo, o tom de sua pele, sua respi- rag4o? Qual é a expresséio.em seu rosto? Que imageris ou sentimentos lhe ocorrem? Voce ird perceber que impressdes diferentes emergem dessas duas maneiras de conhecer, : A técnica de redug4o também sera essencial na pratica de indiferenca cria- tiva e inclusdo, que iremos abordar posteriormente neste livro, j4 que ambas exigem um tipo de reducao. Descrigao A segunda técnica envolvida na investigacdo fenomenologica é a descrigao. Significa permanecer com a awareness daquilo que é imediatamente obvio e descrever 0 que vocé vé. Enquanto o conselheiro esta reduzindo fenomenolo- gicamente suas premissas e valores, ela se limita a descrever 0 que percebe (vé, ouve, percebe etc.), o que ela percebe que o cliente esta dizendo ou fazendo e aquilo que ela mesma esta vivenciando naquele momento (sem interpretacao). Intervengées tipicas podem ser: * Estou percebendo... (ex.: “que sua respiracdo esté mais répida”.) + Parece que vocé esta dizendo... (ex.: “que isso é muito importante para vocé”.) * Vocé parece... (ex.: “angustiado”.) * Percebi que... (“vocé chegou dez minutos atrasado”.) O conselheiro precisa estar préximo da informacao que vem de suas fun- codes de contato (suas maneiras de diretamente perceber, vivenciar e tocar o mundo) e suas reagdes corporais. A medida que ele faz isso, figuras de interes- se irao surgir — a postura corporal do cliente, o tom de voz, o ritmo da respira- cdo, ou um tema repetitivo. Ele percebera também sua prépria fenomenologia, talvez uma reacao emocional, uma tens4o corporal ou perda de interesse. Des- sa forma ele descreve (as vezes em voz alta, as vezes nao) as figuras e temas que emergem do cliente. Essa atividade do conselheiro € também chamada de rastreamento (tracking) isso é, acompanhar o movimento do processo fenome- nolégico que se desdobra com o passar do tempo. 35 Exemplo Kess chega atrasada e se senta lentamente, com os olhos baixos, quase sem movi- mentar 0 corpo, e silenciosa. Quando o conselheiro comenta sobre como 0 corpo dela esta imdvel e sobre a intensidade de seu siléncio, ela gradativamente comeca a levantar os olhos e diz que esta consciente de quanta tristeza est guardando dentro de si. O conselheiro Ihe diz que ele estd consciente de pequenos movimentos inquie- tos em suas mos entrelacadas. A medida que Kess presta atengdo nas sensagdes em seus dedos, mos ¢ bracos... ela se torna mais energizada e comeca a expressar sua tristeza. Mais tarde, o conselheiro percebe que a voz de Kess est ficando mais baixa e que ela est ficando imével outra vez. Ele compartilha essa observacao e Kess diz que tem medo de ficar muito triste e de que ele a julgue por ser frigil. E surpreendente como essa técnica pode ser poderosa para ajudar o cliente a entrar em contato com sua experiéncia e também descobrir o que estd atrapa- lhando. A descri¢do oferece atencao, apoio e interesse para as figuras emergen- tes que se ndo fosse por isso poderiam ser desviadas. O conselheiro também esta ajudando 0 cliente a trazer a tona suas proprias interpretagées, crencas e fazimento de sentido, assim como dando sua atencao total aos sentimentos e experiéncias do cliente. Uma palavra de adverténcia. Com frequéncia, o que o terapeuta perce- be sao fendmenos ou reacdes que nao foram percebidos pelo cliente. Alguns clientes podem se sentir muito expostos e até envergonhados pela experiéncia de alguém perceber seus movimentos corporais, tensGes, tom de voz, escolha de palavras e assim por diante. E importante que os comentarios do terapeu- ta sejam feitos com sensibilidade e de uma maneira que pareca relevante. O cliente ndo deve ser convidado a sentir que foi colocado sob um microscépio. Voltaremos a essa técnica mais tarde neste mesmo capitulo. Horizontalismo Tudo que acontece é potencialmente tao importante (horizontal) quanto qualquer outra coisa. Ou, em outras palavras, o pleno sentido de alguma coi- sa s0 pode ser captado se tudo é levado em conta. Esse principio nos leva a terceira técnica da investigacéo fenomenoldgica. O conselheiro nao presume qualquer hierarquia de importancia naquilo que ele vé ou ao qual reage. Um movimento do corpo do cliente pode ser tao significativo quanto aquilo que ele esta falando. Essa, é claro, é uma técnica sutil. Nao seria nada apropriado que o conselheiro interrompesse o fluxo do cliente de uma forma atabalhoada 36 para chamar a atencao dele para uma irrelevancia. No entanto, devemos ter em mente tanto o lembrete bem conhecido de Perls de que a Gestalt é a “terapia do 6bvio” ¢ também os principios da teoria de campo. O horizontalismo é obtido mais naturalmente se estivermos sendo bem-su- cedidos na redu¢do ¢ limitando nossas intervencoes a descrigées de “o que é”. Dessa forma confiamos que nossa percepcéo mais agucada ird perceber e nome- ar conexdes ou anomalias possiveis. E claro, aquilo que esta no pano de fundo, que esta ausente ou faltando, pode também ser de igual importancia, tal como no caso de um cliente que fala com pouca emocao sobre um divércio iminente. Exemplo Cons.: Percebi que vocé olhou pela janela muitas vezes enquanto falava sobre sua esposa (O consefheiro dé a mesma importancia ao olhar pela janela que as palavras.) Cliente: £ mesmo? Suponho que sim. Posso ver o topo daquela enorme faia e ela me parece estar tao distante e isso de alguma maneira é reconfortante. Cons.: De que maneira é reconfortante? Cliente: Nao quero falar sobre isso - meu casamento. Nao quero contar isso para vocé € fazer com que isso seja real e que vocé fique olhando para mim com comi- seragdo. Sinto - sei que é bobagem — uma espécie de raiva de vocé. Vocé esta me fazendo falar sobre isso. Vocé estd me fazendo ver o que realmente est acontecendo © nao quero isso. Cons,: OK... Cliente: E como se vocé no pudesse me alcancar |4 em cima, ninguém pode me fazer falar sobre qualquer coisa dolorosa. Cons.: Ir embora, para se manter seguro, lhe parece familiar? Nesse exemplo, o conselheiro da um peso igual ao fendmeno de olhar pela janela e ao contetido das palavras do cliente e, com isso, permite inesperada- mente que uma comunica¢ao relacional venha a tona. Curiosidade ativa Uma das exigéncias primordiais de fazer terapia é ser capaz de estar fascinado com o cliente. Polster (1985: 9). a7 Embora sem ser formalmente uma parte do método fenomenolégico, acre- ditamos que a curiosidade ativa seja uma parte essencial do papel do conse- Theiro em Gestalt que est4 tentando entender o mundo do cliente. E preciso que vocé esteja interessado em como a situagdo surge, que sentido ela tem para o cliente, como isso se encaixa naquilo e o que isso significa no campo mais amplo. Ao fazé-lo, vocé esta ajudando o cliente a explorar e clarificar sua prépria compreensao. Vocé precisa simplesmente estar curioso sobre tudo que o cliente vivencia. Sua curiosidade muitas vezes o levard a fazer muitas perguntas. A regra de ouro com relacdo a perguntas é garantir que elas sdo parte de uma investigacdo fenomenoldgica e ndo de uma interrogacdo. E importante evitar fazer com que © cliente se sinta como se a Inquisicdo espanhola (inesperadamente) tivesse caido sobre ele. Ou, como se ha uma resposta correta e vocé esta tentando manobré-lo na direcao dela. Evite perguntas fechadas que colocam restricdes € parametros na resposta. Por exemplo, compare essas quest6es fechadas: * “Foi dificil?” * “Vocé dormiu bem?” * “Vocé ficou triste?” com alternativas “abertas” tais como: * “Como € que foi isso?” * “Como foi seu sono?” * “Como vocé se sentiu?” Também tenha cuidado com as perguntas do tipo “Por que?”, ja que elas podem encerrar 0 tipo de curiosidade que estamos sugerindo. Normalmente uma pergunta com “Por que?” convida uma resposta pensante ou uma racio- nalizacao e com frequéncia implica alguma critica, por exemplo, “Por que vocé chegou atrasado para a sessdo...?” E mais proveitoso investigar com perguntas abertas tais como “O que ocorreu que fez vocé chegar tarde?” e “Qual é a sen- sacao de chegar tarde?” Essas sao perguntas dirigidas ao processo do cliente ¢ nao ao contetdo. Recomendamos também dois modos de investigacdo especificos. Um € aquele que chamamos de “exploracdo microprocessual”. Convide o cliente a prestar uma atencao minuciosa a sua experiéncia durante alguns segundos, a fim de que fique consciente de sua reacéo complexa a alguma coisa. Por exemplo, se o cliente parece confuso ou reage de uma maneira incomum a algo 38 que vocé disse, ignore o “por que?” ou até mesmo o “como” da experiéncia e pergunte: “O que foi que ocorreu naquele exato momento?” ou “O que esta ocorrendo neste exato momento?” Exemplo Cons.: O que foi que aconteceu agorinha mesmo? Enquanto eu estava falando, a ex- pressao em seu rosto mudou e vocé olhou na diregao da janela. Entéo, quando parei de falar, vocé gentilmente me pediu que Ihe explicasse 0 que eu quis dizer. Estou curioso para saber 0 que ocorreu nesses segundos entre uma coisa e a outra? Reg.: Bem, vocé estava me fazendo muitas perguntas e eu nao conseguia acompa- nhé-las. Entao, primeiro me senti perdido. Cons.: E depois, o que aconteceu? Reg.: Comecei a me sentir burro. Cons.: E depois? Reg.: Ai comecei a ficar zangado com vocé. Senti como se vocé estivesse me critican- do — dizendo que eu era incompetente, Cons.: E depois? Reg.: Eu disse a mim mesmo que vocé é um conselheiro profissional... que vocé deve saber 0 que esta fazendo. Entao tentei pensar sobre uma resposta para as perguntas, mas senti um né no estémago. Entéo fiquei confuso e olhei para outro lado. Essa investigacdo quadro por quadro pode ser muito proveitosa para desfa- zer momentos quando o cliente subitamente muda de rumo, mas diz “nao sei” quando vocé pergunta o que ocorreu. A sugestao de “volte atras e va falando comigo, repassando aquele momento especifico segundo por segundo” pode muitas vezes revelar processos importantes que ocorreram rapido demais para serem reconhecidos naquele momento. A exploracao de microprocessos também ocorre em “tempo real” na medi- da em que vocé convida o cliente a prestar uma atencdo detalhada as mudancas em sensacdes, micromovimentos, emogoes, pensamentos e imagens 4 medida que seu processo se desenrola. Reg.: Nao sei sobre o que falar hoje. Cons.: O que é que vocé percebe dentro de vocé tendo me dito isso? Reg.: Um... ndo sei exatamente... uma ansiedade em algum lugar aqui (indica o peito). 39 Cons.: Sim, continua — que tipo de sentimento de ansiedade: E um sentimento fixo? Ou se move? Reg.: Nao, ele se move, assim como se palpitasse, e eu posso senti-lo nas minhas entra- nhas. Sinto medo, acho que vou fazer as coisas erradas. Cons.: Entdo, quando vocé entra em contato com uma sensacdo de palpitacao em suas entranhas, vocé pensa: “Vou fazer as coisas erradas?” Isso é interessante. Como é que vocé se sente agora que me disse isso? O segundo modo de investigacao é aquele que chamamos “adotar uma po- sicdo de ingenuidade clinica”. Comeca com vocé fazendo uma pergunta para a qual vocé pode bem achar que sabe a resposta. Ele é particularmente util quando a hist6ria que vocé esta ouvindo nao faz sentido para vocé ou vocé esta confuso. Na avaliacao, o conselheiro nao pode compreender por que Tom ti- nha vindo em busca de aconselhamento e por isso Ihe perguntou diretamente. Tom: Meu problema é que nao consigo enfrentar as coisas. Meu médico diz que estou deprimido. Cons.: Nao sei muito bem o que vocé quer dizer com “deprimido”. Tom.: Bem, tenho vontade de chorar 0 tempo todo. Cons.: Ha quanto tempo isso vem ocorrendo? Tom.: Bem, eu ainda nao falei isso com ninguém, mas fui despedido més passado. A pergunta “ingénua” pode provocar aquilo que esta sendo coberto por generalizacées ou rotulos. Por exemplo, vocé pode dizer: “Vocé pode me dar um exemplo de quando vocé “nao consegue enfrentar as coisas”? ou “Fico feliz de que a terapia o esteja ajudando, mas vocé pode me dizer de que maneira?” (Mesmo que vocé ache que pode imaginar.) Outra adverténcia importante é que nao podemos esperar que os clientes, a menos que estejam familiarizados com tais intervencoes, entendam o que nés estamos fazendo sem que isso lhes seja explicado. Entdo, em vez de simples- mente dizer: “O que é que seu pé estd Ihe dizendo?” € proveitoso introduzir um cliente novo & awareness de seu corpo (p. ex.) com algo como: “Percebi que vocé esta batendo com o pé no chao o tempo todo enquanto fala, e estou me perguntando se isso indica alguma inquietaco ou tensao. Se vocé prestar atencéo em seu pé, vocé se conscientiza de qué?” Isso nao sé explica como vocé trabalha e convida 4 awareness, mas também garante que vocé mantém 40 um elo com o tema da fala do cliente, de tal forma que vocé nao se arrisca nem a passar a frente dele ou a ficar para tras. Sua experiéncia fenomenoldgica Claramente, 4 medida que vocé pratica o método fenomenolégico de in- vestigacao, vocé vai tendo suas proprias respostas e reagdes ao mesmo tempo em que se esforca para estar aberto para a experiéncia do cliente. A medida que vocé se familiariza com o método, passa a ser cada vez mais proveitoso prati- c4-lo com relacao a sua propria experiéncia com o cliente, refletindo privada- mente sobre seu proprio processo. “Percebo que estou me sentindo inquieto (ou chateado, ou ansioso) neste momento — o que pode ser isso?” Pode ser uma maneira de prestar atencdo ao fluxo de sua propria experi- éncia, ser curioso, descritivo, horizontal e reflexivo sobre suas teagGes e juizos. Isso pode ser tanto uma ajuda para compreender o efeito que o cliente tem sobre vocé e também as vezes uma intervencdo proveitosa. Por exemplo: “En- quanto ouco vocé falar sobre seu local de trabalho, tenho uma sensacao de tris- teza em meu peito que ndo compreendo” ou “Percebo que estou me sentindo confuso sobre que sentido vocé deu a esse evento...” Aplicagao clinica O uso do método fenomenoldgico tem varias consequéncias. Primeiro, os clientes muitas vezes t@m a sensacdo de que alguém os escuta sem qual- quer julgamento, talvez pela primeira vez. Dada a natureza generalizada da autocritica e da culpa na maioria dos clientes, isso pode ter uma influéncia profundamente saudavel. Segundo, o método modela e promove o aumento de uma awareness atenta e compassiva no cliente. Ele o encoraja a permanecer no presente, curioso, proximo a sua experiéncia e aberto a novas possibilidades de relevancia. Terceiro, ele ajuda a revelar para vocé e ainda mais importante para o cliente, as maneiras especificas que ele usa para construir o significado de sua existéncia e de suas questdes. Isso permite ao cliente revelar e reavaliar sua res- ponsabilidade pela maneira como ele cocria seus problemas. Quarto, o método deixa claro que o aconselhamento vai ser uma investigago compartilhada. Cendrio: Mais tarde no restaurante... Charlotte: Entdo, como poderfamos descrever um movimento a partir da investigacio fenomenolégica para a percepeao de padroes? 4 Phil: Va mais adiante com sua investigacéo. O que é que vocé est experienciando agora? Charlotte: OK — Estou percebendo o fogo, e os quadros — Realmente gosto dos qua- dros — hd uma gravura antiga de Nelson a bordo de seu navio, aquele cachorro tao lin- do... E estou gostando de conversar com vocé bebendo golinhos de vinho e a comida e estar aqui... e percebo que tenho uma pontada de culpa porque nao convidamos Jo para vir com a gente. Espero que isso nao cause ressentimentos. Phil: Entdo vocé estava desfrutando aquilo que esta vivenciando no aqui e agora, mas interrompeu isso com uma preocupacao sobre o passado eo futuro. Charlotte: E, suponho que sim. Mas minha atengao foi levada para la por aquele senti- mento irritante subjacente em meu estémago. Phil: E suponhamos que vocé permaneca no presente mesmo com aquele sentimento? Charlotte: Entao imagino que o sentimento significaria que estou feliz neste momento, mas 0 que pode ocorter depois? Nao vai durar. Alguma coisa pode sair errada. Phil: Entao, em vez de permanecer com aquilo que vocé estava vivenciando, vocé o interrompeu com uma preocupacao sobre algo que tinha feito no passado. Esse é um padrao que Ihe parece familiar? Charlotte: Ah... Tudo bem Sherlock, coma sua comida. Alunos muitas vezes perguntam que aspecto da fenomenologia do cliente eles devem observar ou sobre qual devem ter curiosidade. O que exatamente eles devem estar acompanhando — movimentos corporais, temas emergentes, cren- cas ou emocées? EF importante dar permissao a si mesmo para experimentar. Em grande medida vocé segue aquilo que lhe interessa, embora isso se tor- ne mais refinado & medida que, com o passar do tempo, sua experiéncia lhe da um retorno sobre sua efetividade. Além disso, seria ingénuo sugerir que sua atencao nao ira, até certo ponto, estar focada pelas lentes de seu papel como terapeuta e 0 contrato que vocé tem com o cliente. Vocé estaré naturalmente in- teressado naquilo que lhe parece relevante para o problema que trouxe o cliente e para aquilo que esta faltando. No entanto, se vocé esta aplicando o método fenomenologico, ira preferir prestar atencao aos fendmenos “proximos a expe- rigncia” (o que é imediatamente dbvio ou vivenciado) em vez daqueles “longes da experiéncia” (sobre o que cliente esta falando ou relatando). Vocé também estar verificando com o cliente se ele esta percebendo o mesmo fenémeno, se esta interessado nele ¢ sua reacdo energética ao interesse do conselheiro. Um conceito relevante aqui é 0 de “figura e fundo”. O fundo da atencdo de uma pessoa, sua experiéncia fenomenoldgica é 0 pano de fundo atual ou 42

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