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A Lenda de Drizzt, Vol.

7 — Legado
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CRÉDITOS
Título Original: The Legend of Drizzt, Book 7: The Legacy

Tradução: Carine Ribeiro

Revisão: Rogerio Saladino

Diagramação: Guilherme Dei Svaldi

Ilustrações da Capa: Todd Lockwood

Ilustrações do Miolo: Dora Lauer e Walter Pax

Conversão para e-book: Vinicius Mendes

Editor-Chefe: Guilherme Dei Svaldi

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por escrito, da editora.
1ª edição: abril de 2019
 
 
 
Para Diane,
compartilhe comigo.
Prelúdio
 
 
O RENEGADO DININ ABRIU CAMINHO cuidadosamente
através das avenidas escuras de Menzoberranzan, a cidade dos
drow. Sendo um renegado, sem família para chamar de sua por
quase vinte anos, o experiente guerreiro conhecia bem os perigos
da cidade e sabia como evitá-los. 
Passou por um complexo abandonado ao longo da muralha
oeste da caverna de três quilômetros de comprimento, e não podia
deixar de parar e olhar. Dois montes gêmeos de estalagmites
serviam de suporte para uma cerca danificada, e dois conjuntos de
portas quebradas, um no chão e outro além de uma sacada a seis
metros da parede, pendiam desajeitadamente de dobradiças
retorcidas e queimadas. Quantas vezes Dinin levitou até aquela
varanda, entrando nos aposentos privados dos nobres de sua casa,
a Casa Do’Urden?
Casa Do’Urden. Era proibido até mesmo falar esse nome na
cidade drow. No passado, a família de Dinin fora a oitava entre as
sessenta famílias drow em Menzoberranzan; sua mãe havia se
sentado no conselho governante; e ele, Dinin, tinha sido um mestre
em Arena-Magthere, a Escola de Guerreiros na famosa Academia
drow.
De pé diante do complexo, parecia a Dinin como se o lugar
estivesse há milhares de anos daquele tempo de glória. Sua família
não existia mais, sua casa estava em ruínas e Dinin tinha sido
forçado a se juntar a Bregan D’aerthe, o infame bando mercenário,
simplesmente para sobreviver.
— No passado — o drow desgarrado murmurou baixinho. Ele
sacudiu seus ombros delgados e puxou seu manto, sua piwafwi,
sobre ele, lembrando-se do quão vulnerável um drow sem casa
poderia ser. Uma olhada em direção ao centro da caverna, em
direção ao pilar que era Narbondel, mostrou-lhe que a hora estava
avançada. No começo de cada dia, o Arquimago de
Menzoberranzan dirigia-se a Narbondel e infundia no pilar um calor
mágico que gradativamente subia e, então, tornava a descer. Para
os olhos sensíveis dos drow, que podiam enxergar no espectro
infravermelho, o calor do pilar agia como um gigantesco relógio
brilhante. 
Agora Narbondel estava quase frio; outro dia se aproximava do
fim.
Dinin tivera que passar por quase metade da cidade para chegar
até uma caverna secreta dentro do Fosso das Garras, um grande
abismo que ultrapassava o muro noroeste de Menzoberranzan. Lá,
Jarlaxle, o líder de Bregan D’aerthe, esperava em um de seus
muitos esconderijos.
O guerreiro drow atravessou o centro da cidade, passando
diretamente por Narbondel e ao lado de mais de uma centena de
estalagmites ocas, compreendendo uma dúzia de complexos
familiares separados, com suas fabulosas esculturas e gárgulas
brilhando com o fogo feérico multicolorido. Soldados drow,
caminhando a postos ao longo dos muros das casas ou ao longo
das pontes que ligavam uma profusão de estalactites à espreita,
paravam e observavam com cuidado o estranho solitário, com
bestas de mão ou dardos envenenados preparados até que Dinin
estivesse longe deles.
Assim era em Menzoberranzan: sempre alertas, sempre
desconfiados.
Dinin deu uma olhada cuidadosa ao redor quando chegou à
beira do Fosso das Garras, depois escorregou para o lado e usou
seus poderes inatos de levitação para descer lentamente para o
fundo do abismo. A mais de trinta metros de profundidade, olhou
novamente para os virotes das bestas de mão a postos, mas estes
foram abaixados assim que os guardas mercenários reconheceram
Dinin como um dos seus.
— Jarlaxle está esperando por você — um dos guardas sinalizou
no intrincado código silencioso dos elfos negros.
Dinin não se incomodou em responder. Ele não devia
explicações a soldados plebeus. O renegado empurrou os guardas
rudemente, abrindo caminho por um túnel curto que logo se
ramificou em um labirinto de corredores e salas. Várias voltas
depois, o elfo negro parou diante de uma porta cintilante, fina e
quase translúcida. Ele colocou a mão contra a superfície, deixando
o calor do corpo fazer uma impressão de que os olhos sensíveis ao
calor do outro lado entenderiam como uma batida.
— Finalmente — ele ouviu um momento depois, na voz de
Jarlaxle. — Entre, Dinin, meu Khal’abbil. Você me fez esperar por
muito tempo.
 Dinin fez uma pausa para avaliar as inflexões e as palavras do
mercenário imprevisível. Jarlaxle o chamara de Khal’abbil, “meu
amigo de confiança”, seu apelido para Dinin desde a invasão que
destruiu a Casa Do’Urden (uma incursão na qual Jarlaxle havia
desempenhado um papel crucial), e não havia um óbvio sarcasmo
no tom do mercenário. Parecia não haver nada de errado. Mas por
que, então, Jarlaxle o retirara de sua missão importante de
reconhecimento à Casa Vandree, a décima sétima casa de
Menzoberranzan? Dinin se perguntou. Levara quase um ano para
que Dinin ganhasse a confiança da guarda da casa Vandree, uma
posição que, sem dúvida, seria gravemente prejudicada por sua
inexplicável ausência no complexo da casa.
Havia apenas uma maneira de descobrir, o renegado decidiu. Ele
prendeu a respiração e forçou seu caminho pela barreira opaca.
Parecia que estava passando por uma parede de água espessa,
embora não se molhasse, e depois de vários passos longos através
da borda extraplanar de dois planos de existência, forçou seu
caminho através da porta mágica que parecia ter um centímetro de
espessura e entrou no pequeno quarto de Jarlaxle.
A sala estava iluminada em um brilho vermelho confortável,
permitindo que Dinin mudasse seus olhos do infravermelho para o
espectro de luz normal. Ele piscou quando a transição terminou,
depois piscou novamente, como sempre o fazia quando olhava para
Jarlaxle.
 O líder mercenário estava sentado atrás de uma escrivaninha de
pedra em uma cadeira almofadada exótica, apoiada por um único
eixo com um pivô que o permitia se jogar para trás em um ângulo
considerável. Confortavelmente empoleirado, como sempre, Jarlaxle
tinha a cadeira inclinada, com suas mãos delgadas presas atrás da
cabeça raspada (algo raro, para um drow).
Apenas por diversão, Jarlaxle ergueu um pé sobre a mesa,
fazendo a bota preta de cano alto bater na pedra com um baque
surdo, depois levantou a outra, golpeando a pedra com a mesma
força, mas essa bota não fez nenhum ruído.
O mercenário usava seu tapa-olho vermelho rubi sobre o olho
direito naquele dia, observou Dinin.
Ao lado da escrivaninha, havia uma pequena criatura humanoide
trêmula, com menos da metade do metro e setenta de altura de
Dinin, incluindo os pequenos chifres brancos que se projetavam do
topo de sua testa inclinada.
— Um dos kobolds da Casa Oblodra — Jarlaxle explicou
casualmente. — Parece que essa coisa lamentável encontrou seu
caminho até aqui, mas não consegue achar o caminho de volta.
O raciocínio parecia sensato para Dinin. A Casa Oblodra, a
Terceira Casa de Menzoberranzan, ocupava um complexo apertado
no final do Fosso das Garras e, segundo rumores, mantia milhares
de kobolds para seus prazeres tortuosos, ou para servir como
escudo vivo para a casa na eventualidade de uma guerra.
— Você quer ir embora? — Jarlaxle perguntou à criatura em uma
linguagem simplista e gutural.
 O kobold assentiu ansiosamente, estupidamente. Jarlaxle
indicou a porta opaca, e a criatura disparou para ela. Não tinha a
força para atravessar a barreira, porém, e quicou de volta, quase
caindo aos pés de Dinin. Antes mesmo de se incomodar em
levantar-se, o kobold tolamente grunhiu para o mercenário.
A mão de Jarlaxle disparaou várias vezes, rápida demais para
que Dinin contasse quantas. O drow guerreiro ficou, por reflexo,
tenso, mas sabia que não devia se mexer, sabia que a mira de
Jarlaxle era sempre perfeita.
Quando olhou para o kobold, viu cinco adagas em seu corpo
sem vida, uma perfeita formação de estrela no pequeno peito da
criatura escamosa.
Jarlaxle apenas deu de ombros para o olhar confuso de Dinin.
— Eu não podia permitir que a criatura retornasse a Oblodra —
raciocinou ele — não depois de descobrir nosso complexo tão
próximo ao deles.
Dinin compartilhou da risada de Jarlaxle. Ele começou a
recuperar as adagas, mas Jarlaxle o lembrou que não era
necessário.
— Elas vão voltar por conta própria — explicou o mercenário,
puxando a borda da manga embainhada para revelar a bainha
mágica envolvendo seu pulso. — Sente-se — disse ao amigo,
indicando um banquinho sem graça ao lado da mesa. — Temos
muito a discutir.
— Por que me convocou? — Dinin perguntou abruptamente
quando assumiu seu assento ao lado da mesa. — Eu havia me
infiltrado completamente em Vandree.
 — Ah, meu Khal’abbil — Jarlaxle respondeu. — Sempre direto
ao ponto. Uma qualidade que admiro em você.
— Uln’hyrr — Dinin rebateu, dizendo a palavra em drow para
“mentiroso”.
Novamente, os companheiros compartilharam uma risada, mas a
de Jarlaxle não durou muito tempo, e ele baixou os pés e se
balançou para frente, apertando suas mãos, ornamentadas pelas
joias dignas do tesouro de um rei — “quantos desses itens
reluzentes seriam mágicos?” Dinin sempre se perguntava — na
mesa de pedra diante dele, com seu rosto repentinamente sério.
— O ataque a Vandree está prestes a começar? — Dinin
perguntou, acreditando ter desvendado o enigma.
— Esqueça Vandree — respondeu Jarlaxle. — Eles não são tão
importantes para nós agora.
Dinin deixou cair o queixo pontudo em uma palma delgada,
apoiada na mesa. “Não são importantes!?” pensou. Queria se
levantar em um pulo e estrangular o líder enigmático. Ele havia
passado um ano inteiro...
Dinin deixou seus pensamentos sobre Vandree se arrastarem.
Ele olhou atentamente para o rosto sempre calmo de Jarlaxle,
procurando por pistas, então ele entendeu.
— Minha irmã — disse, e Jarlaxle estava assentindo antes que a
palavra saísse da boca de Dinin. — O que ela fez?
Jarlaxle endireitou-se, olhou para o lado da pequena sala e deu
um assobio agudo. Na deixa, uma laje de pedra se abriu, revelando
uma alcova, e Vierna Do’Urden, única irmã sobrevivente de Dinin,
entrou na sala. Ela parecia mais esplêndida e bonita do que Dinin se
lembrava, desde a queda de sua casa.
Os olhos de Dinin se arregalaram quando ele notou as roupas de
Vierna; eram as suas vestes clericais! As vestes de uma alta
sacerdotisa de Lolth, a túnica estampada com o padrão aracnídeo e
o desenho de armas da Casa Do’Urden! Dinin não sabia que Vierna
a guardara, não a via há mais de uma década.
— Você arrisca... — ele começou a avisar, mas a expressão
frenética de Vierna, seus olhos vermelhos brilhando como fogos
gêmeos atrás das sombras de suas altas maçãs do rosto cor de
ébano, o detiveram antes que pudesse proferir as palavras.
 — Eu recuperei o favor de Lolth — anunciou Vierna.
Dinin olhou para Jarlaxle, que apenas deu de ombros e mudou
silenciosamente o tapa-olho para o olho esquerdo.
— A Rainha Aranha me mostrou o caminho — prosseguiu
Vierna, sua voz normalmente melódica quebrando com sua inegável
empolgação.
Dinin achou que a mulher estava à beira da insanidade. Vierna
sempre fora calma e tolerante, mesmo depois da morte repentina da
Casa Do’Urden. Nos últimos anos, porém, suas ações se tornaram
cada vez mais erráticas, e ela passava muitas horas sozinha, em
uma oração desesperada para sua divindade impiedosa.
— Você vai nos dizer que caminho é esse que Lolth mostrou
para você? — Jarlaxle, não parecendo nem um pouco
impressionado, perguntou depois de muitos momentos de silêncio.
— Drizzt. — Vierna cuspiu a palavra, o nome de seu irmão
sacrílego, como uma explosão de veneno através de seus lábios
delicados.
Dinin sabiamente tirou a mão do queixo para cobrir a boca, para
segurar sua resposta. Vierna, apesar de toda a sua aparente
imprudência, era, afinal de contas, uma alta sacerdotisa e
definitivamente não era uma boa ideia irritá-la.
— Drizzt? — Jarlaxle calmamente perguntou a ela. — Seu
irmão?
— Ele não é meu irmão! — Vierna gritou, correndo para a mesa
como se quisesse bater em Jarlaxle. Dinin percebeu o movimento
sutil do líder mercenário, uma remexida que colocou seu braço com
o qual lançava as adagas em prontidão.
— Traidor da Casa Do’Urden! — Vierna gritou. — Traidor de
todos os drow! — Sua carranca tornou-se um sorriso de repente,
maligno e conivente. — Com o sacrifício de Drizzt, tornarei a ter o
favor de Lolth, eu tornarei a... — Vierna interrompeu-se
abruptamente, obviamente desejando manter o resto de seus planos
para si mesma.
— Você soa como Matriarca Malícia — Dinin se atreveu a dizer.
— Ela também começou uma caçada ao nosso irm-- ao traidor.
— Você se lembra de Matriarca Malícia? — Jarlaxle provocou,
usando as implicações do nome como um sedativo sobre o excesso
de empolgação de Vierna. Malícia, a mãe de Vierna e a matriarca da
Casa Do’Urden, havia sido efetivamente apagada da sociedade
drow por não ter conseguido recapturar e matar o traidor Drizzt.
Vierna se acalmou, depois deu início a uma gargalhada
zombeteira que durou muitos minutos.
— Entende por que te convoquei? — Jarlaxle comentou com
Dinin, sem dar atenção à sacerdotisa.
— Você deseja que eu a mate antes que ela possa se tornar um
problema? — Dinin respondeu de forma igualmente casual.
O riso de Vierna parou; seu olhar de olhos arregalados caiu
sobre seu irmão impertinente.
— Wishya! — ela gritou, e uma onda de energia mágica
arremessou Dinin de seu assento, o fazendo bater na parede de
pedra.
 — De joelhos! — Vierna ordenou, e Dinin, quando recuperou a
compostura, caiu de joelhos, o tempo todo olhando
inexpressivamente para Jarlaxle.
O mercenário também não conseguiu esconder sua surpresa.
Este último comando era um feitiço simples, certamente não um que
pudesse ter funcionado tão facilmente em um guerreiro tão
experiente quanto Dinin.
— Estou sob o favor de Lolth — Vierna, de pé, altiva e ereta,
explicou a ambos. — Se você se opõe a mim, então você não está
sob esse favor, e com o poder das bênçãos de Lolth para meus
feitiços e maldições contra você, você não terá nenhuma defesa.
— Da última vez que ouvimos falar de Drizzt, ele tinha ido para a
superfície — disse Jarlaxle a Vierna, para desviar sua raiva
crescente. — De acordo com todos os relatórios, ainda permanece
lá.
 Vierna assentiu, sorrindo estranhamente o tempo todo, com
seus dentes brancos perolados contrastando dramaticamente com a
pele brilhante de ébano.
— Sim — ela concordou —, mas Lolth me mostrou o caminho
até ele, o caminho até a glória.
Mais uma vez, Jarlaxle e Dinin trocaram olhares confusos. Por
todas as estimativas, as alegações de Vierna — e a própria Vierna
— pareciam insanas.
Mas Dinin, contra sua vontade e contra todas as medidas de
sanidade, ainda estava ajoelhado.
PARTE 1

O Medo Inspirador
 
QUASE TRÊS DÉCADAS SE PASSARAM desde que deixei
minha pátria; muito pouco tempo pelas contas de um elfo drow, mas
um período que parecia uma vida inteira para mim.
 Tudo o que eu desejava, ou acreditava que desejava, quando
saí da caverna escura de Menzoberranzan, era um verdadeiro lar.
Um lugar de amizade e paz, onde pudesse pendurar minhas
cimitarras sobre uma lareira quente e compartilhar histórias com
companheiros de confiança.
Encontrei tudo isso agora, ao lado de Bruenor nos salões
sagrados de sua juventude. Nós prosperamos. Estamos em paz. Eu
uso minhas armas apenas em minhas viagens de cinco dias entre o
Salão de Mitral e Lua Argêntea.
Eu estava errado?
Não tenho dúvidas sobre, nem jamais lamento, minha decisão de
deixar o mundo vil de Menzoberranzan, mas estou começando a
acreditar agora, no silêncio e paz (sem fim), que meus sonhos
naquele tempo crítico foram fundados no inevitável desejo de minha
inexperiência. Eu nunca conheci aquela existência calma que tanto
desejava.
Não posso negar que minha vida é melhor, mil vezes melhor do
que qualquer coisa que já conheci no Subterrâneo. E, no entanto,
não me lembro da última vez em que senti a ansiedade, o medo
inspirador, da batalha iminente, o formigamento que só se pode
sentir quando está próximo um inimigo ou um desafio deve ser
enfrentado.
Ah, me lembro de um único caso específico — há apenas um
ano, quando Wulfgar, Guenhwyvar e eu trabalhamos nos túneis
inferiores na limpeza do Salão de Mitral —, mas esse sentimento,
aquele formigamento de medo, há muito desapareceu da memória.
Somos então criaturas de ação? Dizemos que desejamos esses
clichês de conforto socialmente aceitos quando, na verdade, é o
desafio e a aventura que realmente nos dão vida?
Devo admitir, pelo menos para mim mesmo, que não sei.
Porém, há um ponto que não posso contestar, uma verdade que
inevitavelmente me ajudará a resolver tais questões e que me
coloca em uma posição afortunada. Por enquanto, ao lado de
Bruenor e dos seus, ao lado de Wulfgar, Cattibrie e Guenhwyvar,
minha querida Guenhwyvar, meu destino pertence apenas a mim.
Estou mais seguro agora do que nunca em meus sessenta anos
de vida. As perspectivas para o futuro nunca pareceram tão boas,
para a paz e a segurança contínuas. E ainda assim, me sinto mortal.
Pela primeira vez, olho para o que passou e não para o que ainda
está por vir. Não há outra maneira de explicá-lo. Sinto que estou
morrendo, que as histórias que tanto desejava compartilhar com
amigos em breve ficarão obsoletas, sem nada para substituí-las.
Mas então me lembro novamente: é por minha própria escolha.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 1

O Alvorecer da Primavera
 
DRIZZT DO’URDEN CAMINHAVA LENTAMENTE AO longo de
uma trilha no espigão saliente ao sul das Montanhas da Espinha do
Mundo, enquanto o céu brilhava ao seu redor. Ao longe, ao sul, do
outro lado da planície até a Charneca Perene, ele notou o brilho das
últimas luzes de alguma cidade distante (Nesmé, provavelmente)
diminuindo, sendo substituídas pela luz crescente do amanhecer.
Quando Drizzt virou outra curva na trilha da montanha, viu a
pequena cidade de Pedra do Veredito, bem abaixo. Os bárbaros,
parentes de Wulfgar do distante Vale do Vento Gélido, estavam
apenas começando suas rotinas matinais, tentando colocar as
ruínas de volta à ordem.
Drizzt observou as figuras, minúsculas naquela distância,
agitadas em seus afazeres, e lembrou-se de uma época não muito
tempo atrás quando Wulfgar e seu povo orgulhoso percorriam a
tundra congelada de uma terra distante a noroeste, do outro lado do
alcance da grande montanha, a mil e quinhentos quilômetros de
distância.
A primavera, a temporada do comércio, estava se aproximando
rapidamente, e o povo estóico de Pedra do Veredito, trabalhando
como distribuidores para os anões do Salão de Mitral, logo
conheceriam mais riqueza e conforto do que jamais teriam
acreditado ser possível em sua rotina prévia. Eles atenderam ao
chamado de Wulfgar, lutaram bravamente ao lado dos anões nos
antigos salões e logo colheriam as recompensas de seu trabalho,
deixando para trás seus modos nômades desesperados, como
haviam deixado para trás o vento sem fim e impiedoso de Vale do
Vento Gélido.
— Até onde chegamos... — observou Drizzt ao vazio gelado do
ar matinal, e riu do duplo sentido de suas palavras, considerando
que acabara de voltar de Lua Argêntea, uma cidade magnífica a
leste, um lugar onde aquele drow ranger enclausurado jamais havia
ousado acreditar que encontraria aceitação. De fato, quando
acompanhara Bruenor e os outros em sua busca pelo Salão de
Mitral, apenas dois anos antes, Drizzt havia sido enxotado dos
portões decorados de Lua Argêntea.
— Você tinha percorrido 100 km em uma semana — veio uma
resposta inesperada.
Drizzt baixou instintivamente suas mãos delgadas para os
punhos das cimitarras, mas sua mente alcançou seus reflexos e
relaxou imediatamente, reconhecendo a voz melódica com um
sotaque anão mais do que sutil. Um momento depois, Cattibrie, a
filha adotiva humana de Bruenor Martelo de Batalha, saltou ao redor
de um afloramento rochoso, com sua grossa juba castanho-
avermelhada dançando no vento da montanha e seus profundos
olhos azuis brilhando como joias molhadas na fresca luz da manhã.
Drizzt não conseguiu esconder o sorriso com a pequena corrida
alegre dos passos da jovem, uma vitalidade que as batalhas muitas
vezes cruéis que enfrentou nos últimos anos não diminuíram.
Tampouco Drizzt podia negar a onda de calor que se precipitava
sobre ele sempre que via Cattibrie, a jovem que o conhecia melhor
que qualquer um. Cattibrie compreendera Drizzt e o aceitara por seu
coração, e não pela cor de sua pele, desde a primeira vez que se
encontraram num vale rochoso e varrido pelo vento, mais de uma
década antes, quando ela tinha apenas metade da sua idade atual.
O elfo negro esperou mais um momento, esperando ver Wulfgar,
que em breve seria o marido de Cattibrie, seguindo-a pelo
penhasco.
— Você percorreu uma distância razoável sem uma escolta —
observou Drizzt, quando viu que o bárbaro não apareceu.
Cattibrie cruzou os braços sobre o peito e se apoiou sobre um
dos pés, batendo impaciente com o outro.
— E você está começando a soar mais como meu pai do que
como meu amigo — ela respondeu. — Não vejo escolta andando
pelas trilhas ao lado de Drizzt Do’Urden.
— Bem colocado — admitiu o ranger drow, com um tom de voz
respeitoso e nada sarcástico. A bronca da jovem lembrou a Drizzt
que Cattibrie sabia cuidar de si mesma. Ela levava consigo uma
espada curta anã e trajava uma armadura fina sob seu manto de
peles, tão bem feita quanto a cota de malha que Bruenor dera a
Drizzt! Taulmaril, o Buscador de Corações, o arco mágico de
Anariel, descansava sobre o ombro de Cattibrie. Drizzt nunca vira
uma arma mais poderosa, e mesmo além das ferramentas
poderosas que carregava, Cattibrie fora criada entre os robustos
anões, pelo próprio Bruenor, tão duramente quanto a pedra da
montanha.
— É sempre que você observa o sol nascente? Cattibrie
perguntou, notando a posição de Drizzt voltada para o leste.
Drizzt encontrou uma pedra achatada para sentar e convidou
Cattibrie a se juntar a ele.
— Eu vejo o nascer do sol desde os meus primeiros dias na
superfície — explicou, jogando sua grossa capa verde floresta sobre
os ombros. —, embora naquela época ele ferisse meus olhos; um
lembrete de onde eu vim, suponho. Mas agora, para meu alívio,
descobri que consigo tolerar a luz.
— Isso é bom — respondeu Cattibrie. Ela prendeu os
maravilhosos olhos do drow com seu olhar intenso, forçando-o a
olhar para ela, para o mesmo sorriso inocente que ele tinha visto
muitos anos antes em uma encosta varrida pelo vento no Vale do
Vento Gélido.
O sorriso de sua primeira amiga humanoide.
— Tenho certeza de que você pertence à luz do sol, Drizzt
Do’Urden — prosseguiu Cattibrie —, tanto quanto qualquer pessoa
de qualquer raça, pelo que posso ver.
Drizzt olhou para o amanhecer e não respondeu. Cattibrie ficou
em silêncio também, e eles se sentaram juntos por um longo tempo,
observando o mundo que despertava.
— Eu saí para ver você — Cattibrie disse de repente. Drizzt a
olhou com curiosidade, sem entender.
 — Agora, quero dizer — explicou a jovem. — Nós ouvimos que
você retornou a Pedra do Veredito, e que você voltaria para o Salão
de Mitral em poucos dias. Eu estive aqui todos os dias desde então.
A expressão de Drizzt não mudou.
— Você quer falar comigo em particular? — ele perguntou, para
incitar alguma resposta.
O aceno deliberado de Cattibrie ao voltar-se para o horizonte a
leste revelou a Drizzt que algo estava errado.
— Não vou te perdoar se não for ao casamento — disse Cattibrie
em voz baixa. Ela mordeu o lábio inferior ao terminar, Drizzt notou, e
então fungou, embora se esforçasse para fazê-lo parecer o início de
um resfriado.
Drizzt passou um braço pelos ombros fortes da linda mulher.
— Você pode acreditar por um instante, que mesmo se todos os
trolls da Charneca Perene estivessem entre mim e o salão da
cerimônias, eu não estaria lá?
Cattibrie virou-se para ele — caiu em seu olhar — e sorriu
amplamente, sabendo a resposta. Ela jogou os braços ao redor do
Drizzt para um abraço apertado, então saltou de pé, puxando-o para
o lado dela.
Drizzt tentou ficar igualmente aliviado, ou pelo menos fazê-la
acreditar que tinha. Cattibrie sabia o tempo todo que ele não faltaria
no casamento dela com Wulfgar, dois de seus mais queridos
amigos. Por que, então, as lágrimas, a fungada que não provinha de
nenhum resfriado? O perceptivo ranger se perguntou. Por que
Cattibrie sentiu a necessidade de sair e encontrá-lo a apenas
algumas horas da entrada do Salão de Mitral?
Ele não falou com ela sobre isso, mas a dúvida o incomodava
mais do que só um pouco. Toda vez que a umidade se acumulava
nos profundos olhos azuis de Cattibrie, isso incomodava Drizzt
Do’Urden mais do que só um pouco.
 

 
As botas negras de Jarlaxle batiam ruidosamente na pedra
enquanto ele percorria o túnel solitário fora de Menzoberranzan. A
maioria dos drow da grande cidade, no Subterrâneo selvagem, teria
tomado muito cuidado, mas o mercenário sabia o que esperar nos
túneis, conhecia todas as criaturas daquela região em particular.
A informação era o forte de Jarlaxle. A rede de batedores de
Bregan D’aerthe, o bando que Jarlaxle fundara e tornara grandioso,
era mais intrincada que a de qualquer casa drow. Jarlaxle sabia de
tudo o que acontecia, ou logo aconteceria, dentro e ao redor da
cidade, e armado com essas informações, sobreviveu por séculos
como um renegado sem casa. Por muito tempo Jarlaxle tinha sido
parte da intriga de Menzoberranzan sem que ninguém na cidade,
com a possível exceção da Primeira Matriarca Mãe Baenre, sequer
soubesse as origens do engenhoso mercenário.
Ele estava vestindo sua capa brilhante agora, as cores
cascadeando para cima e para baixo em sua forma graciosa, e seu
chapéu de abas largas, imensamente emplumado com as penas de
uma diatryma, uma ave gigante do Subterrâneo incapaz de voar,
adornava sua cabeça raspada. Uma espada esguia dançando ao
lado de um quadril e um longo punhal do outro eram suas únicas
armas visíveis, mas aqueles que conheciam o astuto mercenário
descobriam que ele possuía muitas mais, escondidas pelo seu
corpo, facilmente sacadas se surgisse a necessidade.
Impulsionado pela curiosidade, Jarlaxle acelerou o passo. Assim
que percebeu a extensão de seus passos, forçou-se a ir mais
devagar, lembrando-se de que queria estar elegantemente atrasado
para aquela reunião nada ortodoxa que a louca da Vierna havia
convocado.
A louca da Vierna.
Jarlaxle remoeu o pensamento por um longo tempo, até parou
sua caminhada e recostou-se na parede do túnel para relembrar as
muitas alegações feitas pela alta sacerdotisa durante as últimas
semanas. O que parecia inicialmente ser uma esperança
desesperada e fugaz de uma nobre falida, sem chance de sucesso,
estava rapidamente se tornando um plano sólido. Jarlaxle havia
dado corda a Vierna mais por diversão e curiosidade do que por
quaisquer crenças reais de que matariam, ou mesmo localizariam,
Drizzt, desaparecido há tanto tempo.
Mas algo aparentemente estava guiando Vierna — Jarlaxle tinha
que acreditar que era Lolth, ou um dos poderosos lacaios da Rainha
Aranha. Os poderes clericais de Vierna haviam retornado por
completo, ao que parecia, e ela entregara muita informação valiosa,
e até mesmo um espião perfeito, à sua causa. Eles estavam
bastante certos agora de onde Drizzt Do’Urden estava, e Jarlaxle
estava começando a acreditar que matar o traidor drow não seria
uma coisa tão difícil.
As botas do mercenário anunciaram sua aproximação quando
ele deu a volta em uma curva final no túnel, entrando em uma ampla
câmara de teto baixo. Vierna estava lá, com Dinin, e pareceu a
Jarlaxle bastante curioso (outra nota mental do mercenário
calculista) que Vierna parecia mais confortável ali fora do que seu
irmão. Dinin passara muitos anos naqueles túneis, liderando grupos
de patrulhamento, mas Vierna, como uma nobre sacerdotisa
protegida, raramente estivera fora da cidade.
Se ela realmente acreditasse que andava com as bênçãos de
Lolth, porém, a sacerdotisa não teria nada a temer.
— Você entregou o nosso presente para o humano? — Vierna
perguntou imediatamente, com urgência. Tudo na vida de Vierna,
agora parecia a Jarlaxle, se tornara urgente.
A pergunta súbita, não precedida por qualquer saudação ou
mesmo uma observação de que ele estava atrasado, pegou o
mercenário desprevenido por um momento; olhou para Dinin, que
respondeu com apenas um dar de ombros impotente. Enquanto
fogos famintos ardiam nos olhos de Vierna, a resignação derrotada
pousava nos de Dinin.
— O humano recebeu o brinco — Jarlaxle respondeu.
Vierna estendeu um objeto plano em forma de disco, coberto por
padrões que combinavam com os do precioso brinco. — Está frio —
explicou ela, esfregando a mão na superfície metálica do disco — o
que significa que nosso espião já se afastou de Menzoberranzan.
 — Para longe com um presente valioso — observou Jarlaxle,
com traços de sarcasmo afiando sua voz.
— Foi necessário, e irá promover a nossa causa — Vierna
rebateu para ele.
— Se o humano se provar um informante tão valioso quanto
você acredita — Jarlaxle acrescentou no mesmo tom.
— Você duvida dele? — as palavras de Vierna ecoaram pelos
túneis, causando mais angústia a Dinin e soando claramente como
uma ameaça ao mercenário. — Foi Lolth quem me guiou até ele —
continuou Vierna com um sorriso de escárnio —, Lolth que me
mostrou o caminho para recuperar a honra de minha família. Você
duvida...
— Eu não duvido nada relacionado à nossa divindade — Jarlaxle
prontamente interrompeu. — O brinco, seu farol, foi entregue como
você instruiu, e o humano está a caminho.
O mercenário se curvou respeitosamente, inclinando o chapéu
de aba larga.
Vierna se acalmou e pareceu apaziguada. Seus olhos vermelhos
brilharam ansiosamente, e um sorriso cruel se alargou em seu rosto.
— E os goblins? — ela perguntou, com a voz rouca em expectativa.
 — Eles logo terão contato com os anões gananciosos —
respondeu Jarlaxle —, para a ruína deles, sem dúvida. Meus
batedores estão em posição ao redor dos goblins. Se seu irmão fizer
uma aparição na batalha inevitável, saberemos. O mercenário
escondeu seu sorriso conspiratório ao ver o óbvio prazer de Vierna.
A sacerdotisa acreditava que obteria apenas a confirmação do
paradeiro de seu irmão com a pobre tribo de goblins, mas Jarlaxle
tinha muito mais em mente. Goblins e anões compartilhavam um
ódio mútuo tão intenso quanto aquele entre os drow e seus primos
elfos da superfície, e qualquer encontro entre os grupos certamente
culminariam em uma batalha. Que melhor oportunidade para
Jarlaxle ter uma ideia precisa das defesas anãs?
E as fraquezas dos anões?
Porque, embora os desejos de Vierna estivessem concentrados
— tudo o que ela queria era a morte de seu irmão traidor —, Jarlaxle
olhava para um quadro mais amplo, de como essa exploração
dispendiosa perto da superfície, talvez até mesmo na superfície,
poderia se tornar mais lucrativa.
Vierna esfregou as mãos e virou-se bruscamente para encarar o
irmão. Jarlaxle quase riu alto da débil tentativa de Dinin de imitar a
expressão radiante de sua irmã.
Vierna estava obcecada demais para notar o óbvio deslize de
seu irmão menos entusiasmado.
— Os goblins entendem as opções que têm? — ela perguntou
ao mercenário, mas respondeu a si mesma antes que Jarlaxle
tivesse tempo de fazê-lo. — Claro, eles não têm opções!
Jarlaxle sentiu a súbita necessidade de estourar sua bolha
ansiosa.
— E se os goblins matarem Drizzt? — perguntou, parecendo
inocente.
O rosto de Vierna estremeceu estranhamente e ela gaguejou,
sem sucesso, em suas primeiras tentativas de resposta.
— Não! — decidiu por fim. — Sabemos que mais de mil anões
habitam o complexo, talvez duas ou três vezes esse número. A tribo
goblinoide será esmagada.
— Mas os anões e seus aliados sofrerão algumas baixas —
argumentou Jarlaxle.
— Não Drizzt — Dinin inesperadamente respondeu, e não houve
cumplicidade em seu tom sombrio, e nenhuma resposta de qualquer
um de seus companheiros. — Nenhum goblin vai matar Drizzt.
Nenhuma arma goblin poderia chegar perto dele.
O sorriso de aprovação de Vierna mostrou que ela não entendia
o sincero terror por trás das afirmações de Dinin. Daquele grupo,
apenas Dinin havia enfrentado Drizzt em batalha.
— Os túneis de volta à cidade estão vazios?— perguntou Vierna
para Jarlaxle e, em resposta ao seu aceno afirmativo, saiu
rapidamente, sem mais tempo para brincadeiras.
— Você quer que isso acabe — comentou o mercenário para
Dinin assim que ficaram sozinhos.
— Você não conheceu meu irmão — respondeu Dinin
inexpressivamente, e sua mão instintivamente se contraiu perto do
punho de sua magnífica espada forjada pelos drow, como se a mera
menção de Drizzt o colocasse na defensiva. — Não em combate,
pelo menos.
— Tem medo, Khal’abbil? — a questão atingiu diretamente o
senso de honra de Dinin, soando mais como uma provocação.
Ainda assim, o guerreiro sequer tentou negar.
— Você também deveria temer sua irmã — Jarlaxle argumentou,
pesando cada palavra. Dinin fez uma expressão enojada. — A
Rainha Aranha, ou um dos lacaios de Lolth, tem conversado com
aquela lá — acrescentou Jarlaxle, tanto para si mesmo quanto para
seu companheiro abalado. À primeira vista, a obsessão de Vierna
parecia algo desesperado e perigoso, mas Jarlaxle estivera por
perto do caos de Menzoberranzan por tempo suficiente para
perceber que muitas outras figuras poderosas, inclusive Matriarca
Baenre, haviam tido fantasias aparentemente ultrajantes muito
semelhantes a esta.
Quase todas as figuras importantes em Menzoberranzan,
incluindo membros do conselho governante, tinham chegado ao
poder através de atos que pareciam desesperados, abrindo caminho
através das redes farpadas do caos para encontrar sua glória.
Poderia Vierna ser a próxima a atravessar tal terreno perigoso?
CAPÍTULO 2

Juntos
 
COM O RIO SURBRIN FLUINDO EM UM VALE LOGO abaixo
dele, Drizzt entrou no portão leste do Salão de Mitral no início da
mesma tarde. Cattibrie havia chegado algum momento antes dele
para aguardar a “surpresa” de seu retorno. Os guardas anões deram
as boas-vindas ao drow ranger como se ele fosse um dos seus
próprios parentes barbudos. Drizzt não podia negar o calor que
sentia no coração com tais boas-vindas, embora não fossem
inesperadas, afinal, o povo de Bruenor o aceitara como amigo
desde seus dias no Vale do Vento Gélido.
Drizzt não precisava de escolta nos corredores sinuosos do
Salão de Mitral, e não desejava nenhuma, preferindo ficar sozinho
com as muitas emoções e lembranças que sempre vinham até ele
quando atravessava essa parte do complexo superior. Ele passou
pela nova ponte no Desfiladeiro de Garumn. Era uma estrutura de
pedra bonita e arqueada que se estendia por centenas de metros
através do profundo abismo. Neste lugar Drizzt tinha perdido
Bruenor para sempre, ou assim tinha acreditado, pois havia visto o
anão cair até as profundezas escuras nas costas de um dragão
flamejante.
Ele não pôde evitar um sorriso quando a memória fluiu para a
conclusão; seria preciso mais do que um dragão para matar o
poderoso Bruenor Martelo de Batalha!
Ao aproximar-se do final da longa expansão, Drizzt notou que as
novas torres de guarda, iniciadas na semana anterior, estavam
quase concluídas, tendo os anões diligentes trabalhado com
absoluta devoção. Ainda assim, todos os trabalhadores anões,
mesmo ocupados, olhavam para o drow que passava e diziam uma
palavra de saudação.
Drizzt dirigiu-se aos principais corredores que saíam da imensa
câmara ao sul da ponte, com o som de ainda mais martelos guiando
o caminho. Logo depois da câmara, além de uma pequena
antessala, ele entrou em um corredor amplo e alto, praticamente
outro cômodo em si, onde os melhores artesãos do Salão de Mitral
trabalhavam com afinco, entalhando na parede de pedra as feições
de Bruenor Martelo de Batalha, em seu lugar apropriado ao lado das
esculturas dos reis ancestrais, os sete predecessores de seu trono.
— Belo trabalho, não é, drow? — o elfo negro ouviu. Drizzt virou-
se para ver um anão baixo e atarracado com uma barba amarela
curta que mal chegava ao topo de seu peito largo.
— É bom vê-lo, Cobble — Drizzt cumprimentou o anão. Bruenor
recentemente o nomeara como o Santo Clérigo dos Salões, uma
posição valorizada, de fato.
— Apropriada? — Cobble perguntou enquanto apontava para a
escultura de seis metros de altura do atual rei do Salão de Mitral.
— Para Bruenor, deveria ter trinta metros de altura — respondeu
Drizzt, e o bondoso Cobble se sacudiu em gargalhadas. O rugido
contínuo dos martelos ecoou atrás de Drizzt por muitos passos
enquanto ele descia de novo pelos corredores sinuosos.
Ele logo chegou à área do salão do andar superior, a cidade
acima da maravilhosa Cidade Baixa. Cattibrie e Wulfgar se alojavam
naquela região, assim como Bruenor na maior parte do tempo,
enquanto se preparava para a temporada de comércio da
primavera. A maioria dos outros dois mil e quinhentos anões do clã
estava muito abaixo, nas minas e na Cidade Baixa, mas aqueles por
ali eram os comandantes da guarda da casa e os soldados de elite.
Mesmo Drizzt, tão bem recebido na casa de Bruenor, não podia ir
até o rei sem anúncio e escolta.
Um anão de ombros quadrados, firme como uma rocha, com
uma expressão azeda e uma longa barba castanha que usava
enfiada em um cinto largo cravejado de joias, levou Drizzt pelo
corredor final até o salão de audiências no nível superior, que
pertencia a Bruenor. General Dagna, como era chamado, fora
atendente pessoal do rei Harbromme da Cidadela Adbar, a fortaleza
anã mais poderosa do norte, mas o anão rude havia chegado à
frente das forças da Cidadela Adbar para ajudar Bruenor a
recuperar seu antigo lar. Com a guerra vencida, a maioria dos anões
de Adbar havia partido, mas Dagna e dois mil outros permaneceram
após a limpeza do Salão de Mitral, jurando fidelidade ao clã Martelo
de Batalha e dando a Bruenor uma força sólida para defender as
riquezas da fortaleza dos anões.
Dagna ficou com Bruenor para servir como seu conselheiro e
comandante militar. Ele não professava amor por Drizzt, mas
certamente não seria tolo o suficiente para insultar o drow
permitindo que um assistente menor escoltasse Drizzt para ver o rei
anão.
— Eu disse que ele voltaria — Drizzt ouviu Bruenor
resmungando do outro lado da porta aberta enquanto se
aproximavam do auditório. — O elfo não ia perder algo como seu
casamento!
— Vejo que estão me esperando — comentou Drizzt para
Dagna.
— Soubemos que cê tava por perto pelo povo de Pedra do
Veredito — respondeu o general rude, sem olhar para Drizzt
enquanto falava. — Percebemos que ia chegar qualquer dia.
Drizzt sabia que o general — um anão entre os anões, como os
outros diziam — via pouco valor nele, ou em qualquer um, incluindo
Wulfgar e Cattibrie, que não fosse anão. O elfo negro sorriu, porém,
pois estava acostumado a tal preconceito e sabia que Dagna era um
aliado importante de Bruenor.
— Saudações — Drizzt disse a seus três amigos quando entrou
na sala. Bruenor estava sentado em seu trono de pedra, com
Wulfgar e Cattibrie ladeando-o.
— Então você chegou — disse Cattibrie distraidamente, fingindo-
se desinteressada. Drizzt sorriu maliciosamente para o segredo
deles; aparentemente, Cattibrie não havia contado a ninguém que o
encontrara do lado de fora do portão a leste.
— Não havíamos planejado isso — acrescentou Wulfgar, um
homem gigantesco, com músculos enormes, longos cabelos loiros
esvoaçantes e olhos do mais profundo azul cristalino do céu da
região norte. — Rezo para que haja um assento extra na mesa.
Drizzt sorriu e se curvou em desculpas. Ele merecia a
repreensão deles, sabia. Ele estivera longe com muita frequência
ultimamente. Por semanas, às vezes.
— Bah! — bufou Bruenor por detrás de sua barba ruiva. — Eu
disse que ele voltaria, e voltaria para ficar, dessa vez!
Drizzt sacudiu a cabeça, sabendo que logo iria sair de novo, em
busca de... Alguma coisa.
— Você está caçando o assassino, elfo? — ele ouviu Bruenor
perguntar. Nunca, Drizzt pensou imediatamente. O anão se referia a
Artemis Entreri, o inimigo mais odiado de Drizzt, um assassino sem
coração tão habilidoso com a lâmina quanto o ranger drow, e
determinado — obcecado! — a derrotar Drizzt. Entreri e Drizzt
haviam lutado em Porto Calim, uma cidade distante ao sul, com
Drizzt felizmente vencendo antes que os acontecimentos os
afastassem. Emocionalmente, Drizzt levara a batalha inacabada à
sua conclusão e libertara-se de uma obsessão semelhante contra
Entreri.
Drizzt vira a si mesmo no assassino, vira o que poderia ter se
tornado se tivesse ficado em Menzoberranzan. Não suportava tal
imagem, ansiava apenas por destruí-la. Cattibrie, a querida e
complicada Cattibrie, mostrou a verdade a Drizzt, sobre Entreri e
sobre si mesmo. Se ele nunca mais visse Entreri, Drizzt seria uma
pessoa mais feliz.
— Não tenho nenhum desejo de encontrar aquele lá de novo —
respondeu Drizzt. Ele olhou para Cattibrie, que estava sentada
impassível. Ela jogou uma piscadela a Drizzt para mostrar que
entendia e aprovava.
— Há muito o que se ver nesse mundo imenso, querido anão —
continuou Drizzt —, que não pode ser visto das sombras; muitos
sons mais agradáveis do que o retinir do aço e muitos cheiros
preferíveis ao fedor da morte.
— Façam outro banquete! — Bruenor bufou, saltando de seu
assento de pedra. — O elfo tem os olhos fixos em outro casamento!
Drizzt deixou a observação passar sem resposta.
Outro anão correu para a sala e saiu, puxando Dagna para trás.
Um momento depois, o general perturbado retornou.
— O que foi? — Bruenor resmungou.
— Outro convidado — explicou Dagna e, enquanto ele falava,
um halfling de barriga redonda, entrou no cômodo.
— Regis! — exclamou Cattibrie, surpresa, e ela e Wulfgar
correram para cumprimentar o amigo. Inesperadamente, os cinco
companheiros estavam juntos novamente.
— Pança-furada! — Bruenor gritou seu apelido costumeiro para
o halfling sempre faminto. — O que nos Nove Infernos...
O mesmo, de fato, pensou Drizzt, curioso por não ter visto o
viajante nas trilhas do lado de fora do Salão de Mitral. Os amigos
tinham deixado Regis para trás em Porto Calim, a mais de mil e
quinhentos quilômetros de distância, à frente da guilda de ladrões
que os companheiros deixaram sem líder ao resgatar o halfling.
— Você acreditou que eu perderia esta ocasião? — Regis bufou,
bancando o insultado por Bruenor chegar a duvidar dele. — O
casamento de dois dos meus queridos amigos?
Cattibrie deu um abraço nele, do qual parecia gostar
imensamente.
Bruenor olhou curioso para Drizzt e balançou a cabeça quando
percebeu que o drow não tinha respostas para essa surpresa
 — Como você soube? — o anão perguntou ao halfling.
— Você subestima sua fama, rei Bruenor — Regis respondeu,
graciosamente mergulhando em um arco que fez sua barriga cair
sobre o cinto fino.
A reverência o fez tinir também, observou Drizzt. Quando Regis
mergulhou, uma centena de joias e uma dúzia de bolsos gordos
tilintaram. Regis sempre gostara de coisas boas, mas Drizzt nunca
vira o halfling tão coberto de enfeites. Ele usava uma jaqueta com
pedras preciosas e mais joias do que Drizzt já vira em um só lugar,
incluindo o mágico e hipnótico pingente de rubi.
 — Você vai ficar por muito tempo? — Cattibrie perguntou.
— Não tenho pressa — respondeu Regis. — Posso ter um
quarto — perguntou a Bruenor — para colocar minhas coisas e
descansar do esforço de uma longa estrada?
— Vamos cuidar disso — garantiu Cattibrie, enquanto Drizzt e
Bruenor trocavam olhares mais uma vez. Ambos estavam pensando
a mesma coisa: que era incomum que um mestre de uma guilda de
ladrões oportunistas e traidores deixasse seu lugar de poder por
qualquer período de tempo.
— E para seus assistentes? — Bruenor perguntou, uma
pergunta pesada.
— Oh — gaguejou o halfling. — Eu... vim sozinho. Os sulistas
não aceitam bem o frio de uma primavera do norte, sabe...
— Bem, vá, então — ordenou Bruenor. — Dessa vez é minha
vez de fazer um banquete para o prazer da sua barriga.
Drizzt sentou-se ao lado do rei anão enquanto os outros três
saíam da sala.
— Poucas pessoas em Porto Calim já ouviram meu nome, elfo
— comentou Bruenor quando ele e Drizzt estavam sozinhos. — E
quem ao sul de Sela Longa saberia do casamento?
A expressão maliciosa de Bruenor mostrou que o anão
experiente concordava exatamente com o sentimento de Drizzt.
— Com certeza o pequeno traz um pouco do seu tesouro junto
com ele, não? — perguntou o rei anão.
— Ele está fugindo — Drizzt respondeu.
— Se meteu em problemas de novo — Bruenor bufou —, ou eu
sou um gnomo com barba!
 

 
— Cinco refeições por dia — resmungou Bruenor para Drizzt
quando o drow e o halfling já estavam no Salão de Mitral há uma
semana. — E porções maiores do que alguém desse tamanho
aguentaria!
Drizzt, sempre impressionado com o apetite de Regis, não tinha
resposta para o rei anão. Juntos, observavam Regis do outro lado
do corredor, enfiando garfada após garfada em sua boca
gananciosa.
— Ainda bem que estamos abrindo novos túneis — resmungou
Bruenor. — Eu vou precisar de um suprimento grande de mitral para
manter aquele lá alimentado.
Como se a referência de Bruenor às novas explorações tivesse
sido uma deixa, o general Dagna entrou no refeitório.
Aparentemente não interessado em comer, o rude anão de barba
castanha afastou um criado e foi direto para o outro lado do
corredor, na direção de Drizzt e Bruenor.
 — Foi uma viagem curta — comentou Bruenor a Drizzt quando
notaram o anão. Dagna havia saído naquela manhã, conduzindo o
mais recente grupo de batedores às novas explorações nas minas
mais profundas, a oeste da Cidade Baixa.
— Problema ou tesouro? — Drizzt perguntou retoricamente, e
Bruenor apenas deu de ombros, sempre esperando — e
secretamente desejando — ambos.
— Meu rei — Dagna cumprimentou, chegando na frente de
Bruenor e intencionalmente não olhando para o elfo negro. Ele
mergulhou em uma reverência curta. A expressão de seu conjunto
atarracado não dava pistas sobre qual das suposições de Drizzt
poderia ser exata.
— Mitral? — Bruenor perguntou esperançosamente.
Dagna pareceu surpreso com a pergunta direta.
— Sim. — ele respondeu por fim. — O túnel além da porta
selada encontrou todo um complexo novo, rico em minério, pelo que
podemos dizer. A lenda do seu nariz farejador de riquezas vai
continuar a crescer, meu rei — ele mergulhou em outra reverência,
ainda mais profunda que a primeira.
— Sabia — Bruenor sussurrou para Drizzt. — Fui por aquele
caminho uma vez, antes mesmo de minha barba aparecer. Matei um
ettin--
— Mas temos problemas — interrompeu Dagna, com o rosto
ainda inexpressivo.
Bruenor esperou e esperou mais um pouco, pelo anão cansativo
decidir começar a explicação.
— Problemas? — ele finalmente perguntou, percebendo que
Dagna fizera uma pausa para um efeito dramático, e que o teimoso
general provavelmente ficaria quieto pelo resto do dia se Bruenor
não oferecesse essa deixa.
— Goblins — disse Dagna ameaçadoramente.
Bruenor bufou.
— Achei que você tinha dito que nós tínhamos problemas?
— Uma tribo de bom tamanho — continuou Dagna. — Podem
ser centenas. — Bruenor olhou para Drizzt e reconheceu no brilho
dos olhos lavanda do drow que a notícia não perturbara o amigo
mais do que o perturbara.
— Centenas de goblins, elfo — disse Bruenor maliciosamente.
— O que você acha disso?
Drizzt não respondeu, apenas continuou a sorrir e deixou que o
brilho em seus olhos falasse por si. Os tempos haviam tornado-se
entediantes desde a retomada do Salão de Mitral; o único metal que
retinia nos túneis dos anões eram a picareta e a pá do mineiro e o
trenó do artesão, e as trilhas entre o Salão de Mitral e Lua Argêntea
raramente eram perigosas ou aventureiras o suficiente para o
habilidoso Drizzt. Esta notícia era particularmente interessante para
o drow. Drizzt era um ranger, dedicado a defender as raças
bondosas, e desprezava os goblins fedorentos de braços magricelas
acima de todas as outras raças maléficas do mundo. 
Bruenor foi para a mesa de Regis, embora todas as outras
mesas do grande salão estivessem vazias.
— A ceia acabou — o rei anão de barba ruiva bufou, varrendo os
pratos à frente do halfling para o chão.
— Vá buscar Wulfgar — grunhiu Bruenor ante a expressão de
dúvida no rosto do halfling. — Você tem até eu terminar de contar
até cinquenta para voltar com ele. Mais do que isso, e eu diminuo
suas refeições pela metade!
Regis atravessou a porta em um instante.
Com o aceno de Bruenor, Dagna tirou um pedaço de carvão do
bolso e desenhou um mapa da nova região na mesa, mostrando a
Bruenor onde haviam encontrado o sinal dos goblins e onde outras
incursões indicavam onde deveria ser o covil principal. De particular
interesse para os dois anões eram os túneis trabalhados na região,
com seus pisos uniformes e paredes quadradas.
— Bom para surpreender goblins estúpidos — Bruenor explicou
a Drizzt com uma piscadela.
— Você sabia que os goblins estavam lá — acusou Drizzt,
percebendo que Bruenor estava mais animado e menos surpreso
com a notícia de inimigos em potencial do que de potenciais
riquezas.
— Achei que poderia haver goblins — admitiu Bruenor. — Vi eles
lá embaixo uma vez, mas com a chegada do dragão, meu pai e
seus soldados nunca tiveram tempo de limpar essas pragas. Ainda
assim, foi muito, muito tempo atrás, elfo — o anão acariciava sua
longa barba ruiva para reforçar o argumento — e eu não tinha
certeza de que eles ainda estariam lá.
— Estamos sob ameaça? — veio uma voz de barítono
ressonante por detrás deles. O bárbaro de mais de dois metros de
altura foi até a mesa e inclinou-se para observar o diagrama de
Dagna.
— São só goblins — respondeu Bruenor.
— Um chamado à guerra! — Wulfgar rugiu, batendo Presa de
Égide, o poderoso martelo de guerra que Bruenor havia forjado para
ele, em sua palma aberta.
— Um chamado à diversão — corrigiu Bruenor, e então trocou
um aceno de cabeça e riu com Drizzt.
— Por meus próprios olhos, vocês dois parecem muito ansiosos
para matar — disse Cattibrie, de pé atrás de Regis.
— Pode apostar — retrucou Bruenor.
— Vocês encontraram alguns goblins em seu próprio buraco,
sem incomodar ninguém, e estão planejando o massacre deles —
Cattibrie continuou diante do sarcasmo de seu pai.
— Mulher! — Wulfgar gritou.
O sorriso divertido de Drizzt se evaporou em um piscar de olhos,
substituído por uma expressão de assombro ao contemplar o
semblante desdenhoso do bárbaro.
— Fique contente por isso — Cattibrie respondeu levemente,
sem hesitação e sem se distrair do debate mais importante com
Bruenor. — Como você sabe que os goblins querem uma briga? —
ela perguntou ao rei. — Ou você ao menos se importa?
— Há mitral nesses túneis — respondeu Bruenor, como se isso
acabasse com o debate.
— Isso não torna o mitral pertencente aos goblins? — Cattibrie
perguntou inocentemente. — Por direito?
— Não por muito tempo — interveio Dagna, mas Bruenor não fez
comentários espirituosos, surpreso pela surpreendente linha de
perguntas praticamente incriminadoras de sua filha.
— A luta é mais importante para você, para todos vocês —
Cattibrie continuou, correndo seus olhos azuis sobre todos os quatro
do grupo — do que qualquer tesouro a ser encontrado. Vocês têm
fome pela emoção. Vocês iriam atrás dos goblins mesmo se os
túneis não fossem mais do que pedras cruas e sem valor!
— Eu não — disse Regis, mas ninguém prestou muita atenção.
— Eles são goblins — Drizzt disse a ela. — Não foi uma incursão
goblin que levou a vida de seus pais?
— Sim — Cattibrie concordou. — E se alguma vez eu encontrar
essa tribo, então fique sabendo que eles tombarão em pilhas por
causa de seu ato cruel. Mas eles são parecidos com esta tribo, a
milhares de quilômetros de distância?
— Goblins são goblins! — Bruenor rosnou.
— Ah? — Cattibrie respondeu, cruzando os braços diante dela.
— E drow são drow?
— Que conversa é essa? — indagou Wulfgar, enquanto olhava
com raiva para a futura noiva.
— Se você encontrasse um elfo negro perambulando por seus
túneis — disse Cattibrie para Bruenor, ignorando Wulfgar, mesmo
quando ele se levantou para ficar ao lado dela — você redigiria seus
planos para retalhar a criatura?
Bruenor lançou um olhar desconfortável para Drizzt, mas Drizzt
estava sorrindo de novo, entendendo aonde o raciocínio de Cattibrie
os havia conduzido — e onde havia aprisionado o teimoso rei.
— Se você o matasse, e se aquele drow fosse Drizzt Do’Urden,
então quem você teria ao seu lado com a paciência para se sentar e
ouvir suas orgulhosas ostentações? — a jovem terminou.
— Pelo menos eu te daria uma morte limpa — Bruenor, liberto de
sua bolha tempestuosa, murmurou para Drizzt.
O drow gargalhou estrondosamente.
— Diplomacia — ele disse finalmente. — Pelas palavras bem
ditas de nossa jovem amiga sábia, devemos dar aos goblins pelo
menos uma chance de explicar suas intenções — ele fez uma pausa
e olhou melancolicamente para Cattibrie, com os olhos lavanda
cintilantes, pois sabia o que esperar dos goblins — Antes de atacá-
los.
— De forma limpa — acrescentou Bruenor.
— Ela não sabe nada desse assunto aqui! — Wulfgar reclamou,
trazendo a tensão de volta à reunião em um instante.
Drizzt o silenciou com um olhar gelado, a encarada mais
ameaçadora que já houve entre o elfo negro e o bárbaro. Cattibrie
olhou de um para o outro com uma expressão de dor, depois bateu
no ombro de Regis e, juntos, saíram do recinto.
— Nós vamos conversar com um bando de goblins? — Dagna
perguntou em descrença.
— Ah, cale a boca — respondeu Bruenor, batendo as mãos na
mesa e estudando o mapa mais uma vez. Demorou alguns instantes
para perceber que Wulfgar e Drizzt ainda não haviam terminado a
troca silenciosa de olhares. Bruenor reconheceu a confusão
subjacente ao olhar de Drizzt, mas, ao olhar para o bárbaro, não
encontrou nenhuma subcorrente sutil, nenhum indício de que esse
incidente em particular seria facilmente esquecido.
 

 
Drizzt recostou-se contra a parede de pedra no corredor do lado
de fora do quarto de Cattibrie. Ele foi conversar com a jovem, para
descobrir por que ela estava tão preocupada, tão inflexível, na
reunião sobre a tribo dos goblins. Cattibrie sempre trouxera uma
perspectiva única para os julgamentos enfrentados pelos cinco
companheiros, mas dessa vez parecia a Drizzt que alguma outra
coisa a estava levando, que algo além de goblins havia trazido o
fogo a seu discurso.
Recostado na parede do lado de fora da porta, o elfo negro
começou a entender.
— Você não vai! — Wulfgar estava dizendo em voz alta. —
Haverá uma luta, apesar de suas tentativas de evitá-la. Eles são
goblins. Eles não vão negociar com os anões!
— Se houver uma briga, então você vai me querer por lá —
retrucou Cattibrie.
— Você não vai.
Drizzt sacudiu a cabeça ante a decisão no tom do Wulfgar,
pensando que nunca antes ouvira Wulfgar falar assim. Mas mudou
de ideia, lembrando-se de quando conhecera o jovem bárbaro,
teimoso, orgulhoso e falando quase tão estupidamente quanto
agora.
Drizzt aguardava o bárbaro quando Wulfgar retornou ao seu
próprio quarto, o drow encostado na parede casualmente, com os
pulsos apoiados nos punhos angulados de suas cimitarras mágicas
e seu manto verde floresta jogado para trás de seus ombros.
— Bruenor mandou me chamar? — perguntou Wulfgar, confuso
sobre por que Drizzt estaria em seu quarto.
Drizzt fechou a porta.
— Eu não estou aqui por Bruenor — explicou inexpressivamente.
Wulfgar deu de ombros, sem entender.
— Bem-vindo de volta, então — disse, e havia algo tenso em sua
saudação. — Você fica fora dos salões demais. Bruenor deseja sua
companhia...
— Estou aqui por Cattibrie — interrompeu Drizzt.
Os olhos azuis do bárbaro se estreitaram imediatamente e ele
endireitou os ombros largos, sua forte mandíbula firme.
— Eu sei que ela se encontrou com você — disse — lá fora, nas
trilhas, antes de você entrar.
Um olhar perplexo passou pelo rosto de Drizzt ao reconhecer a
hostilidade no tom de Wulfgar. Por que Wulfgar se importaria se
Cattibrie tivesse se encontrado com ele? O que nos Nove Infernos
estava acontecendo com seu amigo grandalhão?
— Regis me contou — explicou Wulfgar, aparentemente
entendendo mal a confusão do Drizzt. Um olhar superior apareceu
no olho do bárbaro, como se acreditasse que sua informação
secreta lhe dera algum tipo de vantagem.
Drizzt sacudiu a cabeça e jogou sua juba branca e espessa para
trás do rosto dele com seus dedos esguios.
— Eu não estou aqui por causa de qualquer reunião nas trilhas
— disse — ou por causa de qualquer coisa que Cattibrie tenha me
dito. — Com os pulsos ainda descansando confortavelmente contra
os punhos de armas, Drizzt atravessou a ampla sala, parando em
frente à grande cama do bárbaro.
— O que quer que Cattibrie me diga, no entanto — ele
acrescentou — não é da sua conta.
Wulfgar não piscou, mas Drizzt percebeu que era preciso todo o
controle do bárbaro para evitar que saltasse por cima da cama na
direção dele. Drizzt, que achava que conhecia bem Wulfgar, mal
podia acreditar na cena.
— Como se atreve? — Wulfgar rosnou entre os dentes cerrados.
— Ela é minha...
— Me atrever? — Drizzt rebateu. — Você fala de Cattibrie como
se ela fosse sua posse. Eu ouvi você dizer pra ela, mandá-la, ficar
para trás quando formos até aos goblins.
— Você está passando dos limites — advertiu Wulfgar.
— Você bufa como um orc bêbado — retrucou Drizzt, e achou a
analogia estranhamente apropriada.
Wulfgar respirou fundo, para se equilibrar, fazendo seu grande
peito arfar. Um único passo levou-o da beirada da cama até a
parede, perto dos ganchos que seguravam seu magnífico martelo
de guerra.
— Você já foi meu professor — disse Wulfgar calmamente.
— Sempre fui seu amigo — respondeu Drizzt.
Wulfgar lançou um olhar zangado para ele.
 — Você fala comigo como um pai fala com o filho. Cuidado,
Drizzt Do’Urden. Você não é mais meu professor.
Drizzt quase caiu para trás, especialmente quando Wulfgar,
ainda olhando-o perigosamente, puxou Presa de Égide, o poderoso
martelo de guerra, da parede.
— Você é o professor agora? — o elfo negro perguntou.
Wulfgar assentiu devagar, depois piscou surpreso quando as
cimitarras apareceram de repente nas mãos do Drizzt. Fulgor, a
lâmina mágica que o mago Malchor Harpel dera a Drizzt, brilhava
com uma suave chama azul.
— Lembra de quando nos conhecemos? — o elfo negro
perguntou. Ele se moveu ao redor do pé da cama, sabiamente, já
que o longo alcance de Wulfgar lhe daria uma vantagem distinta
com a cama entre eles. — Você se lembra das muitas lições que
nós compartilhamos no Sepulcro de Kelvin, olhando para a tundra e
as fogueiras de acampamento do seu povo?
Wulfgar se virou devagar, mantendo o perigoso drow no seu
campo de visão. Os nós dos dedos do bárbaro ficaram brancos por
falta de sangue enquanto ele apertava firmemente sua arma.
— Lembra dos verbeeg? — perguntou Drizzt, o pensamento
trazendo um sorriso ao seu rosto. — Você e eu lutando juntos,
vencendo juntos, contra um covil inteiro de gigantes?
— E o dragão, Morte Gélida? — Drizzt continuou, segurando sua
outra cimitarra, a que ele tirara do covil do dragão derrotado, diante
dele.
— Eu me lembro — respondeu Wulfgar baixinho, calmamente, e
Drizzt começou a deslizar as cimitarras de volta para as suas
bainhas, acreditando que havia acalmado o jovem.
— Você fala de dias distantes! — o bárbaro rugiu de repente,
avançando com rapidez e agilidade além do que se poderia esperar
de um homem tão grande. Ele lançou um soco no rosto de Drizzt,
acertando o drow surpreso no ombro enquanto Drizzt recuava.
O ranger rolou com o golpe, levantando-se no canto mais
distante da sala, as cimitarras de volta em suas mãos.
— Hora de outra lição — prometeu, seus olhos lavanda brilhando
com um fogo interior que o bárbaro tinha visto muitas vezes antes.
Destemido, Wulfgar avançou, colocando Presa de Égide em uma
série de fintas antes de abaixá-lo em um golpe que teria esmagado
o crânio do drow.
— Já faz tanto tempo desde a última vez que vimos uma
batalha? — perguntou Drizzt, acreditando que todo esse incidente
era um jogo estranho, talvez um ritual de masculinidade para o
jovem bárbaro. Ele trouxe suas cimitarras em uma cruz de bloqueio
acima dele, facilmente pegando o martelo descendente. Suas
pernas quase se dobraram sob a força do golpe.
Wulfgar recuou para um segundo ataque.
— Sempre pensando em atacar — retrucou Drizzt, batendo os
lados achatados das cimitarras, um-dois, contra os lados do rosto de
Wulfgar.
O bárbaro recuou um passo e limpou uma fina linha de sangue
de sua bochecha com as costas de uma das mãos. Ainda assim,
não piscou.
— Me desculpe — Drizzt disse quando viu o sangue. — Eu não
queria cortar...
Wulfgar se aproximou dele imediatamente, se sacudindo
loucamente e chamando por Tempus, seu deus da batalha.
Drizzt desviou do primeiro ataque — que tirou um pedaço de
tamanho razoável da parede de pedra ao lado dele — e deu um
passo à frente em direção ao martelo de guerra, prendendo o braço
em volta dele para segurá-lo no lugar.
Wulfgar soltou a arma com uma mão, agarrou Drizzt pela frente
da túnica e facilmente levantou-o do chão. Os músculos do braço nu
do bárbaro saltaram quando ele pressionou o braço à frente,
esmagando o drow contra a parede.
Drizzt não podia acreditar na força do homem imenso! Ele se
sentiu como se fosse empurrado direto através da pedra até a
próxima câmara — pelo menos, ele esperava que houvesse uma
próxima câmara! Ele chutou com uma perna. Wulfgar recuou,
acreditando que o chute estivesse direcionado para seu rosto, mas
Drizzt passou a perna por cima do braço estendido do bárbaro, na
parte interna do cotovelo. Usando a perna como alavanca, Drizzt
bateu com a mão na parte de fora do pulso de Wulfgar, dobrando o
braço e libertando-o da parede. Ele bateu com o cabo de cimitarra
enquanto caía, acertando solidamente o nariz de Wulfgar e soltando
seu aperto no martelo do bárbaro.
O rosnado de Wulfgar soou desumano. Ele pegou o martelo para
um golpe, mas Drizzt já havia chegado ao chão. O drow rolou de
costas, colocou os pés contra a parede e chutou para ganhar
impulso, deslizando entre as pernas abertas de Wulfgar. O pé de
Drizzt se esticou uma vez, atingindo a virilha do bárbaro, e então,
quando ele estava atrás de Wulfgar, chutou novamente com os dois
pés, atingindo o bárbaro atrás dos joelhos.
As pernas de Wulfgar se dobraram e um de seus joelhos bateu
na parede.
Drizzt usou o impulso para rolar novamente. Ele voltou a se
levantar e saltou, agarrando o desequilibrado Wulfgar pela parte de
trás de seu cabelo e puxando com força, derrubando o homem
como uma árvore cortada.
Wulfgar grunhiu e rolou, tentando levantar-se, mas as cimitarras
de Drizzt se aproximaram pelos punhos, que atingiram
pesadamente à mandíbula do grande homem.
Wulfgar riu e se levantou devagar. Drizzt recuou.
— Você não é o professor — repetiu Wulfgar, mas a linha de
sangue misturada à saliva rolando da borda da boca dilacerada
enfraqueceu consideravelmente a afirmação.
— O que é isso? — Drizzt exigiu saber. — Fale agora!
Presa de Égide veio em sua direção como resposta.
Drizzt mergulhou no chão, evitando por pouco o golpe mortal.
Ele estremeceu quando ouviu o martelo bater na parede, sem
dúvida abrindo um buraco na pedra.
Ele estava de pé de novo, surpreendentemente, a tempo do
bárbaro em investida sequer chegar perto dele. Drizzt se abaixou
sob o alcance do homem imenso, girou e chutou Wulfgar no
traseiro. Wulfgar rugiu e se virou, apenas para ser atingido
novamente no rosto com o lado da lâmina de Drizzt. Desta vez a
linha de sangue não era tão fina.
Tão teimoso quanto qualquer anão, Wulfgar lançou outro soco
giratório.
— Sua raiva é sua derrota — observou Drizzt, evitando
facilmente o golpe. Não podia acreditar que Wulfgar, tão bem
treinado na arte — e era uma arte! — da batalha, tivesse perdido a
compostura.
Wulfgar resmungou e girou de novo, mas recuou imediatamente,
pois, dessa vez, Drizzt colocou Fulgor, ou mais particularmente,
colocou a lâmina afiada de Fulgor, alinhada para aparar o golpe.
Wulfgar retraiu o giro tarde demais e apertou a mão ensanguentada.
— Sei que seu martelo voltará ao seu alcance — disse Drizzt, e
Wulfgar pareceu quase surpreso, como se tivesse esquecido o
encantamento mágico de sua própria arma. — Você gostaria de
continuar a ter dedos para pegá-lo?
Na deixa, Presa de Égide retornou para a mão do bárbaro.
Drizzt, aturdido pelo discurso ridículo e cansado de todo esse
episódio, colocou as cimitarras de volta em suas bainhas. Ele estava
a menos de um metro e meio do bárbaro, bem ao alcance de
Wulfgar, com as mãos estendidas, indefeso.
Em algum momento da luta, talvez quando percebeu que aquilo
não era um jogo, o brilho desapareceu de seus olhos lavanda.
Wulfgar permaneceu imóvel por um longo momento e fechou os
olhos. Para Drizzt, parecia que ele estava lutando alguma batalha
interna.
Ele sorriu, depois abriu os olhos e deixou a cabeça de seu
poderoso martelo de guerra bater no chão.
— Meu amigo — disse ele a Drizzt. — Meu professor. Que bom
que voltou. — A mão de Wulfgar se esticou em direção ao ombro de
Drizzt.
Seu punho fechou de repente e disparou para o rosto do elfo
negro.
Drizzt girou, enganchou o braço de Wulfgar com o seu e puxou
na direção do próprio impulso do bárbaro, lançando Wulfgar
apressadamente. Wulfgar levantou a outra mão a tempo de pegar o
drow e levou Drizzt junto para a queda. Eles se levantaram juntos,
apoiados lado a lado contra a parede, e compartilharam uma risada
sincera.
Pela primeira vez desde antes da reunião no salão de jantar,
pareceu a Drizzt que ele tinha seu velho companheiro de luta ao seu
lado novamente.
Drizzt saiu logo depois, sem mencionar Cattibrie novamente —
não até que pudesse entender o que, exatamente, acabara de
acontecer no quarto. Drizzt pelo menos entendeu a confusão do
bárbaro sobre a jovem. Wulfgar tinha vindo de uma tribo dominada
por homens, onde as mulheres só falavam quando lhes era
ordenado que falassem, e faziam o que seus mestres, os homens,
mandassem. Parecia que, agora que ele e Cattibrie estavam para se
casar, Wulfgar estava achando difícil se livrar das lições de sua
juventude.
O pensamento perturbou Drizzt mais do que um pouco. Agora
entendia a tristeza que havia detectado em Cattibrie, nas trilhas
além do complexo dos anões.
Ele entendia também a loucura crescente de Wulfgar. Se o
bárbaro teimoso tentasse apagar o fogo interno de Cattibrie, tiraria
dela tudo o que o levara até ela em primeiro lugar, tudo o que
amava — que Drizzt, também, amava — na jovem mulher.
Drizzt descartou essa noção sumariamente; ele olhara em seus
olhos azuis sábios há mais de uma década, vira Cattibrie dobrar seu
pai teimoso inúmeras vezes.
Nem Wulfgar, nem Drizzt, nem os próprios deuses conseguiram
apagar o fogo nos olhos de Cattibrie.
CAPÍTULO 3

Diplomacia
 
O OITAVO REI DO SALÃO DE MITRAL, LIDERANDO seus
quatro amigos e duzentos soldados anões, estava mais
apropriadamente preparado para a batalha do que para a
diplomacia. Bruenor usava o elmo surrado de um só chifre — o
outro chifre havia sido quebrado há muito tempo — e um fino traje
de armadura de mitral, com linhas verticais do metal prateado
percorrendo o comprimento de seu robusto tronco e cintilando à luz
das tochas. Seu escudo tinha o padrão da caneca espumante do
Clã Martelo de Batalha em ouro maciço, e seu machado costumeiro,
mostrando as ranhuras de milhares de abates em batalha (sendo
um bom número deles goblins!) estava em prontidão em um laço no
seu cinto, de fácil acesso.
Wulfgar, em uma armadura de pele natural, com a cabeça de um
lobo na frente de seu tórax largo, caminhava atrás do anão, com
Presa de Égide, seu martelo de guerra, apoiado no outro braço, a
sua frente. Cattibrie, com Taulmaril sobre o ombro, caminhava ao
lado dele, mas os dois falavam pouco, e a tensão entre eles era
óbvia.
Drizzt flanqueava o rei anão à sua direita, com Regis correndo
para se manter ao seu lado, e Guenhwyvar, a pantera elegante e
orgulhosa, com os músculos ondulando a cada passo, vinha à
direita dos dois, mergulhando nas sombras sempre que o corredor
baixo e desigual ficava mais amplo. Muitos dos anões marchando
atrás dos cinco amigos carregavam tochas, e a luz bruxuleante
criava sombras semelhantes a monstros, mantendo os
companheiros em guarda — não que pudessem ser pegos de
surpresa marchando ao lado de Drizzt e Guenhwyvar. A pantera que
acompanhava o elfo negro estava à vontade liderando o caminho.
E nada perderia o tempo de tentar surpreender tal grupo. Eles
estavam vestidos para a batalha, com grandes e resistentes elmos e
armaduras e boas armas. Cada um dos anões carregava um
martelo ou machado para ataques à distância e outra arma
perigosa, caso algum inimigo chegasse perto.
Quatro anões em linha perto do meio do contingente apoiavam
uma grande viga de madeira sobre os ombros atarracados. Outros
perto deles carregavam enormes placas de pedra com os centros
cortados. Cordas pesadas, longas estacas entalhadas, correntes e
chapas de metal maleável eram evidentes entre essa seção da
brigada como ferramentas para um “brinquedo de goblins”, como
Bruenor explicara às expressões curiosas de seus companheiros
não-anões. Ao olhar para as peças pesadas, Drizzt podia muito bem
imaginar o quanto os goblins iriam se divertir com aquela engenhoca
em particular.
Em um cruzamento onde uma passagem larga corria para a
direita, eles encontraram uma pilha de ossos gigantes, com dois
grandes crânios sobre eles, cada um grande o suficiente para caber
o halfling, caso ele rastejasse para dentro deles.
— Ettin — explicou Bruenor, pois fora ele, ainda um rapaz
imberbe, quem derrubara o monstro.
Na bifurcação seguinte, se encontraram com o general Dagna e
a força de comando, outros trezentos anões endurecidos pela
batalha.
— A conversa está marcada — explicou Dagna. — Os goblins
estão a 300 metros lá pra baixo, em uma câmara ampla.
— Você estará flanqueando? — Bruenor perguntou a ele.
— Sim, mas os goblins também — explicou o comandante. —
Quatrocentos deles. Eu mandei Cobble e seus trezentos em um
trajeto largo, ao redor da parte traseira da câmara para impedir
qualquer fuga.
Bruenor assentiu. O pior que eles poderiam esperar era uma
batalha mais ou menos equilibrada, e Bruenor colocaria facilmente
qualquer um de seus anões contra cinco daquela escória goblin.
— Eu vou direto com cem — o rei anão explicou. — Mais cem
vão para a direita, com o brinquedo, e a esquerda é pra você. Não
me decepcione se eu precisar de você! — A risada de Dagna refletiu
a suprema confiança, mas então sua expressão se tornou
abruptamente grave.
— Deveria mesmo ser você a falar? — ele perguntou a Bruenor.
— Eu não sou de confiar em goblins.
— Oh, eles têm um truque para mim, ou eu sou um gnomo com
barba — Bruenor respondeu. — Mas esta tropa goblin não vê anões
em anos, a menos que eu esteja enganado, e eles com certeza nos
acharão menos capazes do que deveriam.
Eles trocaram um aperto de mão pesado, e Dagna saiu em
disparada, e podia-se ouvir as botas duras de seus trezentos
soldados ecoando pelos corredores como o estrondo de uma
tempestade crescente.
— A discrição nunca foi um ponto forte dos anões — observou
Drizzt secamente.
Regis deixou que seu olhar permanecesse por muitos instantes
nas formações da hoste que partia, depois virou-se para o outro
lado, olhando o outro grupo, carregando a viga de madeira, discos
de pedra e outros itens.
— Se você não tem a estômago para isso... — Bruenor
começou, interpretando o interesse do halfling como medo.
— Eu estou aqui, não estou? — Regis rebateu bruscamente,
grosseiramente, na verdade, e o tom incomum em sua voz fez seus
amigos o encararem com curiosidade. Mas então, num movimento
bem típico de Regis, o halfling ajeitou o cinto sob a proeminente
pança, endireitou os ombros e desviou o olhar.
Os outros conseguiram rir às custas de Regis, mas Drizzt
continuou a olhá-lo com curiosidade. Regis estava de fato “aqui”,
mas por que ele viera, o drow não sabia. Dizer que Regis não
gostava de batalhas era um eufemismo tão grande quanto dizer que
o halfling não gostava de perder refeições.
Poucos minutos depois, os cem soldados que permaneceram
atrás de seu rei entraram na câmara designada, passando por um
grande arco em uma seção elevada de pedra, a vários metros do
amplo chão da enorme área principal, onde ficava a hoste dos
goblins. Drizzt notou, com mais do que apenas curiosidade, que
essa seção em particular não continha montes de estalagmites, que
pareciam ser comuns em todo o resto da câmara. Muitas
estalactites espreitavam do teto não muito alto acima da cabeça de
Drizzt; por que as gotas que escorriam de lá não deixavam os
montes de pedra que normalmente estariam ali?
Drizzt e Guenhwyvar se moveram para um lado, fora do alcance
das tochas, das quais o drow, com sua excepcional visão, não
precisava. Deslizando para as sombras de um grupo de estalactites
baixas, os dois pareceram desaparecer.
O mesmo aconteceu com Regis, não muito atrás de Drizzt.
— Abandonaram o terreno elevado antes mesmo de
começarmos — sussurrou Bruenor para Wulfgar e Cattibrie. — Até
goblins seriam mais espertos do que isso!
 Esse pensamento fez o anão parar, e ele olhou em volta para as
bordas da seção elevada, observando que essa laje de pedra havia
sido trabalhada — trabalhada com ferramentas — para caber nessa
parte da caverna. Seus olhos escuros se estreitaram com suspeita
quando Bruenor olhou para a área onde Drizzt havia desaparecido.
— Estou pensando que é uma coisa boa estarmos no alto para a
conversa — disse Bruenor, um pouco alto demais.
Drizzt entendeu.
— A seção inteira está repleta de armadilhas — Regis, logo atrás
do drow, comentou.
Drizzt quase deu um pulo, espantado com o fato de o halfling ter
ficado tão perto dele e se perguntando que item mágico Regis
levava para fazer seus movimentos tão silenciosos. Seguindo o
olhar do halfling, Drizzt observou a borda mais próxima da
plataforma e um pilar meio à mostra por debaixo de uma pedra, uma
esbelta estalagmite que havia sido recentemente decapitada.
— Um bom golpe iria derrubá-la — raciocinou Regis.
— Fique aqui — instruiu Drizzt, concordando com a estimativa
do halfling astuto. Talvez os goblins tivessem passado algum tempo
preparando esse campo de batalha. Drizzt voltou à vista dos anões,
deu a Bruenor um sinal para indicar que iria dar uma olhada, depois
se afastou, com Guenhwyvar movendo-se paralelamente a ele, não
muito longe.
Todos os anões tinham entrado na câmara até então, com
Bruenor cautelosamente mantendo-os para trás, alinhados de ponta
a ponta contra a borda de trás da plataforma semicircular.
Bruenor, com Wulfgar e Cattibrie o flanqueando, deu alguns
passos para observar a hoste de goblins. Havia bem mais de cem
— talvez duzentas — das coisas fedorentas na área mais escura da
câmara, a julgar pelos muitos pares de olhos vermelhos brilhantes
olhando para o anão.
— Nós viemos conversar — Bruenor gritou na língua gutural dos
goblins —, como combinado.
— Fale — veio a resposta de um goblin, na língua comum. — O
que os anõezes vão oferecer a Gar-yak e seus milharezes?
— Milhares? — comentou Wulfgar.
— Os goblins não podem contar além de seus próprios dedos —
lembrou Cattibrie.
— Se preparem — Bruenor sussurrou para os dois. — Esse
grupo está procurando uma briga. Posso sentir o cheiro.
Wulfgar deu a Cattibrie um olhar positivamente superior, mas sua
arrogância juvenil foi perdida, pois a jovem não lhe deu atenção.
 

 
Drizzt saltava de sombra em sombra, ao redor das rochas e,
finalmente, sobre a borda da plataforma elevada. Como ele e Regis
esperavam, esta seção, sustentada ao longo de sua extremidade
dianteira por vários pilares de estalagmite encurtados, não era uma
peça sólida, mas uma laje trabalhada e apoiada no lugar. E, como
esperado, os goblins planejavam derrubar a frente da plataforma e
tombar os anões. Grandes cunhas de ferro haviam sido fincadas
parcialmente pela linha de pilares de sustentação da frente, à
espera de um martelo para empurrá-las.
Não era um goblin que estava posicionado sob a pedra para
ativar a armadilha, mas outro gigante de duas cabeças, um ettin.
Mesmo deitado, era quase tão alto quanto Drizzt; que imaginou que
chegaria a pelo menos três metros de altura se alguma vez se
levantasse. Seus braços, grossos como o peito do drow, estavam
nus, e ele segurava um grande tacape com pontas em ambas as
mãos, e suas duas cabeças enormes se encaravam, aparentemente
mantendo uma conversa.
Drizzt não sabia se os goblins pretendiam negociar, derrubando
a laje de pedra apenas se os anões se movessem para atacar, mas
com a aparição do gigante, não estava disposto a correr nenhum
risco. Usando a cobertura do pilar mais distante, rolou sob a borda e
desapareceu na escuridão atrás e para o lado do gigante que
aguardava.
Quando os olhos amarelo-esverdeados de um felino encararam
Drizzt do outro lado do gigante, ele sabia que Guenhwyvar também
havia se movido silenciosamente para a posição.
 

 
Uma tocha subiu entre as fileiras dos goblins e três das criaturas
de um metro e vinte de altura e pele amarela avançaram.
— Bem — Bruenor resmungou, já cansado desta reunião. —
Qual desses cães é Gar-yak?
— Gar-yak lá atrás com os outrozes — o mais alto do grupo
respondeu, olhando por cima do ombro inclinado para a hoste
principal.
— Um sinal de que haverá problemas — murmurou Cattibrie,
discretamente tirando seu grande arco do ombro. — Quando o líder
está em segurança, os goblins desejam lutar.
— Vá dizer a Gar-yak que não precisamos matá-los — disse
Bruenor com firmeza. — Meu nome é Bruenor Martelo de Batalha--
— Martelo de Batalha? — o goblin cuspiu, aparentemente
reconhecendo o nome. — Você ser rei anão?
Os lábios de Bruenor sequer se mexeram enquanto ele
murmurava para seus companheiros:
— Preparem-se — a mão de Cattibrie pousou na aljava ao seu
lado.
Bruenor assentiu.
— Rei! — o goblin gritou, olhando de volta para a hoste
monstruosa e apontando na direção de Bruenor. Os anões em
prontidão entenderam a deixa para atacar mais rápido do que os
goblins estúpidos, e as próximas vozes ouvidas na câmara eram os
gritos de guerra dos anões.
 

 
Drizzt ouviu o chamado à ação mais rápido do que o ettin idiota.
A criatura balançou o tacape para trás, depois gritou de dor e
surpresa quando a pantera de cem quilos apertou um dos pulsos e
uma cimitarra cruelmente afiada mergulhou em sua axila do outro
lado.
As enormes cabeças do monstro se voltaram para fora em um
movimento sincrônico e estranho, uma se virou para observar Drizzt,
a outra, na direção de Guenhwyvar.
Antes que o ettin soubesse o que estava acontecendo, a
segunda cimitarra de Drizzt atravessou seus olhos esbugalhados. O
gigante tentou se contorcer para chegar ao elfo que o feria, mas o
ágil Drizzt deslizou por baixo do braço e foi com tudo na direção das
cabeças vulneráveis do monstro.
Do outro lado, Guenhwyvar enterrou os dentes na carne e
colocou as garras na pedra, segurando o braço do monstro.
 

 
— Drizzt pegou ele! — Bruenor argumentou quando o chão
estremeceu abaixo de seus pés. Com o fracasso da armadilha
simples, os goblins de fato haviam rendido o terreno favorável. As
criaturas estúpidas assobiaram, gritaram e avançaram de qualquer
maneira, arremessando lanças grosseiras, a maioria das quais
nunca alcançou seus alvos.
A resposta dos anões foi mais eficaz. Cattibrie liderou,
preparando o Buscador de Corações em um instante e soltando
uma flecha mágica de cabo prateado que parecia trilhar relâmpagos
em seu voo mortal. Ela explodiu um buraco fumegante através de
um goblin, fez o mesmo em um segundo mais distante, e se dirigiu
para o peito de um terceiro. Todos os três caíram no chão.
Uma centena de anões rugiu e avançou, levantando machados e
martelos de guerra contra a multidão de goblins que atacavam.
Cattibrie disparou de novo e mais uma vez e, com apenas três
disparos, sua contagem de mortes chegou a oito. Agora era sua vez
de dar a Wulfgar um olhar superior, e o bárbaro, humilhado,
prontamente desviou o olhar.
O chão tremeu descontroladamente; Bruenor ouviu os rugidos do
gigante ferido debaixo dele.
— Para baixo! — o rei anão comandou sobre o som repentino da
batalha.
Os ferozes anões precisavam de pouco encorajamento, porque
os goblins que encabeçavam o ataque estavam perto da plataforma
naquele momento. Surgiram verdadeiros mísseis anões vivos,
esmagando as fileiras dos goblins, sacudindo seus punhos, botas e
armas antes que sequer parassem de quicar.
 

 
Um pilar de sustentação se partiu ao meio quando o ettin atacou
inadvertidamente, tentando acertar seu tacape em Drizzt. A
plataforma, então, foi abaixo, prendendo a fera estúpida.
Drizzt, agachado seguramente abaixo do nível da cintura do
gigante, não podia acreditar no quão mal os goblins — e o ettin —
tinham elaborado seu plano.
— Como você sequer pretende sair daqui? — ele perguntou,
embora, é claro, o ettin não pudesse entendê-lo.
Drizzt sacudiu a cabeça, quase com pena, depois atacou o rosto
e a garganta do monstro com suas cimitarras. Um momento depois,
Guenhwyvar saltou para a outra cabeça, com as garras rasgando
fendas profundas.
Em meros segundos, o ranger e sua companheira felina saíam
debaixo da plataforma, seu assunto ali encerrado. Sabendo que
seus talentos singulares poderiam ser melhor usados de outras
maneiras, Drizzt evitou a confusão selvagem da batalha e se foi
para o lado, ao longo da parede da caverna.
Uma dezena de corredores conduzia a esta câmara principal,
pelo que ele podia ver, e goblins entravam vindo de quase todos
eles. Mais preocupantes eram os inesperados aliados das forças
dos goblins, pois, para surpresa de Drizzt, ele notou vários outros
gigantescos ettins parados e quietos atrás de estalagmites,
esperando o momento em que pudessem se juntar à briga.
Cattibrie, ainda na plataforma e disparando contra a horda de
goblins, foi a primeira a localizar Drizzt, a meio caminho de um
monte de estalagmites no lado esquerdo da caverna e sinalizando
para ela e Wulfgar.
Um goblin saiu da massa de combate e atacou a moça, mas
Wulfgar entrou na frente e bateu nele com seu grande martelo,
lançando-o a mais de três metros de distância por sobre a beirada
da plataforma. O bárbaro girou o mais rápido que pôde, tentando
preparar uma defesa, uma vez que outro goblin tinha vindo por sua
lateral, se aproximando com uma ponta de lança liderando o
caminho.
Ele quase acertou seu ataque, mas sua cabeça explodiu sob o
impacto de uma flecha prateada.
— Drizzt precisa de nós — explicou Cattibrie, e levou o bárbaro
para a esquerda ao longo da plataforma inclinável, com Wulfgar
correndo ao longo da borda e batendo em quaisquer goblins que
tentassem o atrapalhar.
Quando estavam livres do combate principal, Drizzt sinalizou
para que Cattibrie mantivesse sua posição e que Wulfgar se
aproximasse cautelosamente.
— Ele encontrou alguns gigantes — Regis, escondido abaixo do
par, explicou a eles — por trás desses montes.
Drizzt saltou ao redor da estalagmite, depois voltou
mergulhando, em cambalhotas defensivas ao fugir de um ettin que o
perseguia de perto, com seus tacapes gêmeos prontos para
esmagar o drow.
O gigante sacudiu-se quando a flecha de Cattibrie bateu em seu
peito, queimando o imundo couro de animal que vestia.
Uma segunda flecha o desequilibrou, depois o martelo de
Wulfgar, voando ao som dos gritos retumbantes do bárbaro de
“Tempus!” explodiu a criatura para longe.
Guenhwyvar, ainda do lado do monte, pulou em cima do
segundo ettin enquanto ele vinha correndo, com suas garras em
suas patas musculosas arranhando violentamente, cegando ambas
as cabeças do monstro até que Drizzt chegou perto o suficiente para
usar suas cimitarras.
O próximo gigante veio do outro lado do monte, mas Cattibrie
estava pronta para ele, e flecha após flecha o acertou, o fez girar e,
finalmente, cair morto no chão.
Wulfgar avançou, pegando seu martelo mágico de volta em suas
mãos. Drizzt havia terminado com o gigante quando o bárbaro o
alcançou, e o elfo negro se juntou a seu amigo quando encontraram
o próximo dos monstros em ataque lado a lado.
— Como nos velhos tempos — observou Drizzt. Ele não esperou
por uma resposta, mas mergulhou em um rolamento na frente de
Wulfgar.
Ambos estremeceram, cegados por um instante, quando a
próxima flecha de Cattibrie passou entre eles, chocando-se contra a
barriga do gigante mais próximo.
— Ela fez isso por um motivo, você sabe — observou Drizzt, e
ele não esperou uma resposta, mas mergulhou em um rolamento na
frente de Wulfgar.
Compreendendo as táticas de distração de Drizzt, o bárbaro
ergueu o Presa de Égide diretamente sobre a forma em rolamento,
e o ettin, inclinando-se para um golpe em Drizzt, encontrou o
martelo de guerra justamente ao lado de uma de suas cabeças. A
outra cabeça permaneceu viva, mas aturdida e desorientada pela
fração de segundo que levou para assumir o controle de todo o
corpo.
Uma fração de segundo era tempo demais quando se tratava de
Drizzt Do’Urden. O ágil drow elevou-se em um salto, evitando
facilmente um ataque pesado, e lançou suas cimitarras em um golpe
cruzado que desenhou duas linhas paralelas ao longo da garganta
do gigante.
O ettin largou os dois tacapes e agarrou-se ao ferimento mortal.
Uma flecha lançou-o ao chão.
Mais dois ettins permaneceram atrás do monte, mas eles, todas
as quatro cabeças, tinham visto o bastante dos companheiros em
combate. Fugiram pegando um túnel lateral, ficando frente a frente
com as tropas de Dagna, que avançavam.
Um ettin ferido tropeçou de volta para a câmara principal, com
uma dezena de martelos sendo arremessados em suas costas
inclinadas a cada passo pesado que dava. Antes que Drizzt,
Wulfgar, ou até mesmo Cattibrie com seu arco, pudessem fazer
qualquer movimento em direção à fera, uma multidão de anões saiu
correndo do túnel, saltou sobre ele, levou-o ao chão e o golpeou
naquele frenesi abandonado da batalha.
Drizzt olhou para Wulfgar e deu de ombros.
— Não tema, meu amigo — respondeu o bárbaro, sorrindo. —
Há muito mais inimigos para acertar! — com outro grito para o seu
deus da batalha, Wulfgar se virou e investiu na luta principal,
tentando encontrar o elmo de um único chifre de Bruenor em meio a
um mar de goblins e anões entrelaçados.
Drizzt não seguiu, no entanto, porque ele preferia um único
combate à selvageria da batalha desenfreada. Chamando
Guenhwyvar para o seu lado, o drow seguiu o caminho ao longo da
parede, eventualmente saindo da câmara principal.
Depois de apenas alguns passos e um grunhido de advertência
de sua fiel aliada felina, ele percebeu que Regis não estava muito
atrás.
 

 
As estimativas de Bruenor sobre a habilidade de combate dos
anões continuavam infalíveis, visto que a batalha logo se
transformou em uma debandada. Ao trocar golpes com os anões
bem equipados, os goblins perceberam que suas espadas toscas e
tacapes insignificantes não eram páreo para as armas bem forjadas
de seus inimigos. O povo de Bruenor também era mais bem
treinado, mantendo formações cerradas e mantendo o foco, o que
era difícil em meio ao caos e aos gritos dos moribundos.
Goblins fugiam às dúzias, a maioria encontrando a linha de
Dagna e suas investidas ansiosamente esperando para matá-los.
Com toda a confusão, Cattibrie teve que lançar suas flechas com
cuidado, especialmente porque não podia ter certeza de que um
torso de um goblin magricela pararia o voo de suas flechas.
Principalmente, a jovem concentrou-se naqueles goblins quebrando
as fileiras, fugindo para o campo aberto entre a luta principal e a
linha de Dagna.
Apesar de toda a conversa sobre diplomacia e todas as
acusações que levara a Bruenor e aos outros, a jovem não pôde
negar o formigamento, a descarga de adrenalina que a percorria
toda vez que ela levantava Taulmaril, o Buscador de Corações.
Os olhos de Wulfgar também luziam com um brilho que indicava
a margem da sobrevivência. Criado em um povo guerreiro,
conhecera o desejo da batalha ainda jovem, uma fúria que só fora
atenuada quando Bruenor e Drizzt lhe ensinaram o valor de seus
supostos inimigos e as muitas tristezas que as guerras de sua tribo
haviam causado.
Não havia culpa nessa luta, entretanto, não contra goblins
malignos, e a investida de Wulfgar dos ettins mortos para a batalha
principal foi acompanhada por uma canção calorosa para Tempus.
Wulfgar não encontrou nenhum alvo exposto o suficiente para ele
arriscar um arremesso com seu martelo, mas não ficou consternado,
particularmente quando um grupo de vários goblins abandonou a
luta e fugiu em sua direção.
Os três que lideravam a fuga mal perceberam que o bárbaro
estava lá quando o primeiro golpe lateral de Wulfgar com Presa de
Égide os varreu, matando dois. Os goblins atrás tropeçaram em
surpresa, mas seguiram em frente de qualquer maneira, fluindo ao
redor do bárbaro como um rio em volta de uma pedra.
Uma cabeça de goblin explodiu sob o próximo golpe pesado de
Presa de Égide; Wulfgar agarrou o martelo com uma das mãos para
desviar uma espada, depois seguiu com um gancho de esquerda
que quebrou a mandíbula de seu agressor e fez a criatura sair
voando.
O bárbaro sentiu uma picada no seu flanco, e se encolheu antes
que a espada pudesse se cravar mais profundamente. Sua mão
livre bateu de volta, apertando a cabeça de seu atacante e erguendo
a criatura que se contorcia do chão. Ela ainda segurava a espada, e
Wulfgar percebeu que estava vulnerável. Ele encontrou sua única
defesa possível em pura selvageria, sacudindo o goblin de um lado
para o outro tão violentamente que a criatura não conseguiria se
orientar para realizar um ataque.
Wulfgar virou-se para afastar seus muitos atacantes, usando seu
ímpeto para ajudar seu golpe do martelo, que segurava com apenas
uma das mãos. Um goblin que avançava tentou retroceder e ergueu
o braço em uma defesa digna de pena, mas o martelo de guerra
explodiu através do membro magro e esmagou-o, acertando a
cabeça da criatura com tanta força que, quando o goblin caiu no
chão, ele caiu de costas. Mas seu rosto também estava voltado
contra a pedra.
O goblin teimoso e estúpido fez um corte nos enormes bíceps de
Wulfgar. O bárbaro baixou a criatura com força, apertou e torceu e
ouviu o satisfatório estalo do pescoço. Vendo uma investida se
aproximando por sua visão periférica, ele atirou a coisa morta em
seus companheiros, espalhando-os.
— Tempus! — o bárbaro rugiu. Pegou seu martelo de guerra
com as duas mãos e correu para a maior parte do grupo ao redor,
golpeando Presa de Égide para frente e para trás repetidamente.
Qualquer goblin que não pudesse fugir daquela investida furiosa,
que não pudesse sair do alcance mortal, teve um pedaço de seu
corpo totalmente destruído.
Wulfgar girou e voltou para o grupo que sabia estar atrás dele.
Os goblins de fato começaram um avanço, mas quando o guerreiro
se virou com seu rosto contorcido em um frenesi de olhos
arregalados, os goblins se viraram e fugiram. Wulfgar lançou o
martelo, esmagando um, depois girou de novo e correu de volta
para o outro grupo.
Estes também fugiram, aparentemente não se importando que o
humano selvagem estivesse desarmado.
Wulfgar pegou um deles pelo cotovelo, girou-o para encará-lo e
colocou a outra mão sobre o rosto da criatura, inclinando-a de
costas até o chão. Presa de Égide reapareceu em sua mão, e a fúria
do bárbaro duplicou.
 

 
Bruenor teve que plantar uma bota solidamente no chão para
soltar seu machado do peito de sua última vítima. Quando a lâmina
se soltou, uma explosão de sangue a seguiu, banhando o anão.
Bruenor não se importou, certo de que os goblins eram coisas más,
que os resultados de seus ataques selvagens melhorariam o
mundo.
Sorrindo alegremente, o rei anão correu de um lado para o outro,
finalmente encontrando outro alvo. O goblin atacou primeiro, e seu
porrete se despedaçou quando acertou o belo escudo de Bruenor. O
goblin estúpido olhou para a arma quebrada, incrédulo, depois olhou
para o anão a tempo de ver o machado mergulhar entre seus olhos.
Um brilho passou direito pelo anão, assustando seu prazer
momentâneo. Ele percebeu que era obra de Cattibrie, e viu a vítima
a três metros de distância, presa ao chão de pedra pela flecha
tremulante de haste de prata.
— Bom arco... — o anão murmurou, e ao olhar de volta para sua
filha, notou um goblin subindo na plataforma.
— Não, você não vai! — o anão gritou, correndo para a laje e
mergulhando em um rolamento sobre ela. Ele veio ao lado da
criatura, pronto para trocar golpes, quando outro brilho forçou-o a
pular de volta.
O goblin continuava de pé, olhando para o peito como se
esperasse encontrar uma flecha ali. Em vez disso, encontrou um
buraco, direto entre os dois pulmões. A criaturinha pôs um dedo no
buraco, em uma tentativa ridícula de conter o fluxo de sangue, e
caiu morta.
Bruenor colocou as mãos nos quadris e olhou fixamente para a
filha.
— Ei, menina — ele repreendeu. — Você está roubando toda a
minha diversão!
Os dedos de Cattibrie começaram a puxar a corda do arco, mas
ela relaxou imediatamente.
Bruenor considerou a ação curiosa da mulher, então entendeu
quando um porrete de goblin se chocou fortemente com a parte de
trás de sua cabeça.
— Eu deixei esse pra você — Cattibrie disse com um dar de
ombros, um movimento bobo quando pesado contra o olhar furioso
dos olhos escuros de Bruenor.
Bruenor não estava ouvindo. Ele jogou o escudo para cima,
bloqueando o próximo ataque previsível, e girou, com seu machado
liderando o caminho. O goblin segurou sua barriga e pulou de volta
para a ponta dos pés.
— Não foi longe o suficiente — o anão disse, educadamente
usando sua própria língua, e suas palavras foram provadas quando
as entranhas do goblin se espalharam.
A criatura horrorizada as observou em descrença.
— Você não deveria estar me batendo quando não estou
olhando — foi todo o pedido de desculpas que recebeu de Bruenor
Martelo de Batalha, e seu segundo golpe, inclinado no pescoço do
goblin, arrancou a cabeça da criatura de seus ombros.
Com a plataforma livre de inimigos, Bruenor e Cattibrie se
voltaram para a batalha geral. Cattibrie trouxe seu arco, mas depois
não viu sentido em lançar mais flechas. A maioria dos goblins
estava em fuga, mas com as tropas de Dagna alinhadas na câmara,
não tinham para onde ir.
Bruenor saltou para baixo e colocou suas forças em uma
perseguição organizada, e como uma bocarra abocanhando, as
hostes dos anões se fecharam sobre a horda de goblins.
CAPÍTULO 4

Brinquedo de Anão
 
DRIZZT SE ESGUEIROU ATÉ UMA PASSAGEM tranquila, com
o clamor da batalha selvagem desaparecendo por detrás dele. O
drow não estava preocupado, porque sabia que sua sombra, sua
Guenhwyvar, estava caminhando junto dele silenciosamente, não
muito longe. O que mais preocupava Drizzt era Regis, que ainda o
seguia teimosamente de perto. Felizmente, o halfling se
movimentava tão silenciosamente quanto o drow, se mantendo
igualmente bem nas sombras e não parecia ser um risco para
Drizzt.
A necessidade de silêncio era a única coisa que impedia Drizzt
de questionar o halfling ali mesmo, porque, se esbarrassem em um
grupo de goblins, Drizzt não saberia como Regis, que não era muito
habilidoso em batalha, ficaria longe do perigo à frente.
A pantera parou e olhou para Drizzt. A gata, mais negra do que a
escuridão, esgueirou-se em uma abertura e caminhou para o lado
até chegar em uma câmara. Além da abertura, o ranger ouviu o
rosnado inconfundível das vozes de goblins. Olhou para trás para
Regis, para os pontos vermelhos que mostravam visão
infravermelha e sensível a calor do amigo. Halflings também podiam
ver no escuro, mas não tão bem quanto os drow ou os goblins.
Drizzt levantou uma mão, acenou para Regis esperar no corredor,
então se esgueirou até a entrada.
Os goblins, pelo menos seis ou sete, estavam amontoados perto
do centro da pequena câmara, se emaranhando ao redor dos vários
pilares naturais, que lembravam presas. À direita, ao longo da
parede, Drizzt percebeu um ligeiro movimento e sabia que era
Guenhwyvar, esperando pacientemente para que ele agisse
primeiro. Que companheira maravilhosa de lutas era aquela pantera,
Drizzt lembrou a si mesmo. Sempre Guenhwyvar deixava Drizzt
determinar o curso da batalha, e então via a melhor forma de se
encaixar.
O drow ranger foi para detrás da estalagmite mais próxima, se
arrastou até outra e rolou para trás de uma terceira, ainda mais
perto de sua presa. Ele contou nove goblins, aparentemente
discutindo o que fazer. Eles não tinham guardas a postos, não
tinham ideia de que o perigo estava próximo.
Um se afastou para apoiar as costas contra uma estalagmite,
separado dos outros por apenas um metro e meio. Uma cimitarra
penetrou através de sua barriga em seus pulmões antes que
pudesse emitir um som.
Faltavam oito.
Drizzt soltou o cadáver no chão e tomou o seu lugar, apoiando
as costas na pedra. Um momento depois, um dos goblins chamou-o,
achando que fosse o goblin morto. Drizzt grunhiu em resposta. Uma
mão alcançou para dar um tapinha no ombro dele, e o drow não
conseguiu esconder o sorriso.
O goblin bateu nele uma vez, depois novamente, mais devagar,
então a criatura começou a sentir em torno do manto espesso do
drow, aparentemente notando a estatura mais alta de Drizzt. Com
uma expressão curiosa em seu rosto feio, o goblin espiou ao redor
do monte.
Então havia sete, e Drizzt saltou para o meio deles com as
cimitarras brilhando em um redemoinho que levou os dois goblins
mais próximos ao chão em um piscar de olhos.
Os cinco restantes gritaram e correram, alguns colidindo com
estalagmites, outros se chocando e caindo uns sobre os outros. Um
goblin foi direto até Drizzt, com sua boca emitindo um fluxo firme de
palavras indecifráveis e suas mãos bem abertas, como em um gesto
de amizade Aparentemente a criatura maligna só então reconheceu
que este elfo negro não era um companheiro em potencial, porque
começou a recuar freneticamente. As cimitarras de Drizzt
atravessaram em um corte descendente, arrancando um X de
sangue quente no peito da criatura.
Guenhwyvar correu ao lado do drow e atacou um goblin que
fugia para o outro lado da caverna. Com um único golpe de garra
enorme da pantera, a contagem caiu para três.
Finalmente, dois goblins recuperaram seus sentidos o suficiente
para ir até o drow de forma coordenada, com as armas sacadas. Um
lançou seu porrete em um balanço giratório, mas Drizzt afastou a
arma para longe antes que chegasse perto.
Sua cimitarra, a mesma que usara para afastar o golpe, disparou
para a esquerda, depois para a direita, para esquerda e para a
direita e repetiu esse padrão uma terceira vez, deixando a criatura
atordoada com seis feridas mortais. Ela estava perplexa enquanto
caía para trás no chão. Durante todo o tempo, a segunda cimitarra
de Drizzt desviava com facilidade os muitos ataques desesperados
do outro goblin.
Quando o drow se virou para encarar a criatura, ela soube que
estava condenada. O goblin lançou sua espada curta na direção
Drizzt, com pouco efeito, e disparou para trás do pilar de pedra mais
próximo.
A última criatura confusa cruzou atrás dele, surpreendendo o
drow, e assegurando a fuga do outro. Drizzt xingou a aparente sorte
do goblin. Ele não queria que ninguém fugisse, mas aqueles dois
estavam, sábia ou afortunadamente, fugindo em direções opostas.
Uma fração de segundo depois, porém, o drow ouviu um estalo
ressonante por detrás do pilar, e o goblin que tinha lançado sua
espada curta caiu de trás do monte, com seu crânio quebrado.
Regis, segurando sua pequena maça, espiou ao redor do pilar e
deu de ombros. Drizzt estava perplexo e simplesmente devolveu o
olhar, então girou prestes a perseguir o goblin remanescente, que
estava abrindo caminho rapidamente ao redor das presas da
caverna em direção a um corredor na extremidade oposta da
câmara.
O drow, mais rápido e mais ágil, se aproximava de forma
constante. Ele notou Guenhwyvar, a boca da pantera brilhando com
o sangue de sua última matança, andando ao longo de um curso
paralelo e se aproximando do goblin a cada passo longo. Drizzt
estava confiante de que a criatura não tinha chance de escapar.
Na entrada do corredor, o goblin parou de repente. Drizzt
deslizou para o lado, assim como Guenhwyvar, ambos mergulhando
para a cobertura de pilares, enquanto uma série de explosões de
sons e faíscas cobriu o corpo do goblin. Ele gritou e se sacudiu
descontroladamente, de um lado para o outro; pedaços de suas
roupas e sua carne explodiam.
As explosões contínuas mantiveram o goblin de pé muito depois
de já estar morto. Finalmente, elas terminaram e a criatura caiu no
chão, deixando finas linhas de fumaça saindo de várias dezenas de
feridas. Drizzt e Guenhwyvar mantiveram-se firmes, perfeitamente
silenciosos, sem saber que monstro novo havia chegado.
A câmara se iluminou de repente com uma luz mágica. Drizzt,
lutando arduamente para manter seus olhos em foco, apertou as
cimitarras com força.
— Todos mortos? — ele ouviu uma voz de anão familiar dizer.
Ele abriu seus olhos bem a tempo de ver o clérigo Cobble entrar na
sala, com uma mão em uma bolsa de cinto grande, a outra
segurando um escudo diante dele.
Vários soldados vieram logo depois, um deles resmungando,
— Muito bom o feitiço, clérigo.
Cobble inspecionou o corpo destruído, depois assentiu em
acordo. Drizzt saiu de trás do monte.
A mão do clérigo surpreso veio como um chicote, lançando uma
quantidade de pequenos objetos — pedrinhas? — no drow.
Guenhwyvar rosnou, Drizzt mergulhou, e as pedrinhas atingiram a
rocha onde estivera de pé, iniciando outra série de pequenas
explosões.
— Drizzt! — Cobble gritou, percebendo seu erro. — Drizzt! —
Ele correu para o drow, que estava olhando para as muitas marcas
chamuscadas no chão.
— Você está bem, caro Drizzt? — gritou Cobble.
— Muito bom o feitiço, clérigo — Drizzt respondeu em sua
melhor imitação da voz anã, com seu sorriso aberto e repleto de
admiração.
Cobble bateu com força nas suas costas, quase derrubando-o.
— Eu também gosto — disse, mostrando a Drizzt que tinha uma
bolsa cheia das pedrinhas bombardeiras. — Você quer levar
algumas?
— Eu quero — respondeu Regis, vindo em torno de uma
estalagmite, mais perto da entrada do túnel que Drizzt.
Drizzt piscou seus olhos de lavanda com espanto ao ver a
habilidade do halfling.
 

 
Outra força goblinoide, com mais de uma centena de guerreiros,
tinha sido posicionada em corredores à direita da câmara principal,
para flanquear os anões depois que o combate começasse. Com o
fracasso da armadilha e a investida de Bruenor que se seguiu
(liderada pelas terríveis flechas prateadas), o fracasso miserável dos
ettin e a chegada subsequente das tropas anãs de Dagna, até
mesmo os goblins estúpidos foram sábios o bastante para virar para
o outro lado e correr
— Anõezes — gritou um dos goblins da frente, e os outros logo
ecoaram em gritos que mudaram de terror para fome quando as
criaturas chegaram a acreditar que tinham esbarrado em um grupo
pequeno do povo barbado, talvez um grupo de batedores.
Qualquer que fosse o caso, esses anões aparentemente não
tinham nenhuma intenção de parar para lutar, e a perseguição
começou. Algumas curvas e contornos puseram os anões em fuga e
os goblins perto de um túnel largo, trabalhado suavemente e
iluminado por tochas, um que fora cavado pelos anões do Salão de
Mitral várias centenas de anos antes. Pela primeira vez desde
aquele dia longínquo, os anões estavam lá novamente, esperando.
Mãos anãs poderosas abriram grandes discos sobre uma viga de
madeira, um após o outro, até que o conjunto se assemelhou a uma
roda sólida e cilíndrica, alta como um anão e quase tão larga quanto
o corredor trabalhado, pesando bem mais que uma tonelada.
Completando o quadro principal da estrutura estavam alguns pinos
bem colocados, um envoltório de alguma chapa metálica (com
cumes afiados e cruéis martelados nela) e duas alças entalhadas
que corriam do lado da roda para trás da engenhoca, onde os anões
poderiam manejá-las e empurrar a coisa.
Um pano com as imagens em tamanho real dos anões em
investida pintadas sobre ele estava pendurado na frente como um
toque final que manteria os goblins em formação até que fosse tarde
demais para recuar.
— Aqui vêm eles — um dos batedores relatou, retornando ao
grupo de batalha principal. — Eles vão virar a curva em alguns
minutos.
— As iscas estão prontas? — perguntou o anão encarregado da
brigada do brinquedo.
O outro anão acenou e os carregadores pegaram as estacas,
colocando as mãos firmemente atrás dos entalhes apropriados.
Quatro soldados saíram na frente da engenhoca, prontos para a sua
corrida selvagem, enquanto o resto do contingente de cem anões se
pôs em linhas atrás dos carregadores.
— Os buracos tão trinta metros lá pra baixo — o chefe anão
lembrou aos soldados que iam à frente. — Vê se num erram o lugar!
Assim que nós botar isso pra rolar, num vai sê fácil de parar!
Gritos fingidos de medo vieram dos anões em fuga no outro
extremo do longo corredor, seguido pelos gritos dos goblins em
perseguição. O chefe dos anões sacudiu o rosto barbudo; era tão
fácil atrair goblins. Bastava deixá-los acreditar que tinham
vantagem, e eles viriam.
Os soldados que iam à frente começaram um trote lento, os
carregadores atrás deles seguiram o ritmo fácil, e o exército se
arrastou atrás do trovejar da roda lenta. Outra série de gritos soou, e
em meio aos sons ouviu-se o grito inconfundível de “Agora!”
Os soldados à frente rugiram e começaram a correr. O brinquedo
imenso veio logo atrás, com as pernas anãs mantendo a roda
demoníaca em um grande rolamento. Acima do trovejar, os anões
começaram sua canção rosnada:
 
Túnel é muito apertado,
O túnel vai abaixando,
Melhor correr, goblin,
Porque tamo chegando!
 
Sua investida soou como uma avalanche, um instrumental
retumbante para os gritos dos goblins. As iscas acenaram para os
anões que se aproximavam, em seguida, pararam ao lado dos
nichos e viraram-se para lançar insultos aos seus perseguidores
goblins.
O chefe anão sorriu sombriamente ao saber que ele, que o
brinquedo, passaria pelas pequenas alcovas, os únicos lugares
seguros em frente à engenhoca, uma fração de segundo antes da
hoste de goblins chegar lá. Exatamente como os anões haviam
planejado.
Sem ter como voltar atrás, pensando que eles haviam
encontrado uma simples expedição anã, as longas filas de goblins
soltaram seus gritos de batalha e continuaram a investida.
Os soldados anões à frente juntaram-se às iscas; juntos,
mergulharam de lado para as alcovas, e o brinquedo roncou, com
seu dossel de disfarce fazendo os goblins da frente diminuírem seu
ritmo, confusos.
Uivos de terror substituíram os gritos de guerra e ecoaram pela
formação dos goblins. O goblin mais próximo cortou corajosamente
a imagem anã saltitante, derrubando o dossel pintado e revelando o
desastre um instante antes de a criatura ser esmagada.
Os temíveis anões chamavam seu brinquedo de guerra de “o
espremedor”, e a poça de fluido goblin que saiu do lado de trás da
roda de esmagamento mostrou que era um título apropriado.
— Cantem, meus anões! — comandou o chefe, e eles levaram
seu canto para grandes crescendos, com suas vozes estrondosas
ecoando sobre os uivos dos goblins.
 
Cada solavanco é a cabeça de um goblin que se vai,
Poças do sangue goblinoide que se esvai.
Corram, bons anões, empurrem o brinquedo,
Espremam seus corpos, os deixem com medo!
 
A brutal engenhoca saltou e bateu; os carregadores tropeçavam
nas pilhas de goblins. Mas se algum anão caísse, uma dúzia mais
estavam prontos para pegar seu lugar, pernas poderosas
bombeando febrilmente.
O exército atrás da engenhoca começou a se esticar, anões
parando para acabar com os goblins que ainda se contorciam. A
hoste principal ficou perto da engenhoca, porém, porque quando
chegou mais ao longo do túnel, começou a passar por túneis
laterais. Brigadas predeterminadas de soldados anões virava
nestes, logo atrás do brinquedo que passava, abatendo quaisquer
goblins ainda na área.
— Curva fechada! — o chefe anão gritou, e as faíscas voaram
do lado das rodas de pedra exteriores cobertas de aço enquanto
elas faziam um barulho agudo. Os anões estavam contando com
esta região para parar a monstruosidade.
Isso não aconteceu, e ao redor da curva apareceu o fim do
corredor, uma dúzia de goblins arranhando a pedra inflexível,
tentando encontrar alguma possibilidade de fuga.
— Continuem. — gritou o chefe, e os anões apressados
obedeceram, caindo um sobre o outro enquanto continuavam a
saltar.
Com uma tremenda explosão que sacudiu o leito de rocha, o
espremedor colidiu com a parede. Não foi difícil para os anões
descobrirem o que aconteceu com as criaturas infelizes capturadas
na batida.
— Oh, bom trabalho! — o chefe anão disse aos seus
subordinados olhando ao redor da curva para a longa fila de goblins
esmagados.
Os soldados anões ainda estavam lutando, mas agora
superavam absurdamente a quantidade de seus inimigos, porque
mais da metade da força goblin tinha sido esmagada.
— Bom trabalho! — o chefe reiterou cordialmente, e pelas
estimativas de um anão que odiava goblins, certamente era.
 

 
De volta à câmara principal, Bruenor e Dagna trocaram abraços
vitoriosos e viscosos, “compartilhando o sangue de seus inimigos”,
como os anões brutais assim chamavam. Alguns anões foram
mortos e muitos outros estavam feridos, mas nenhum dos líderes se
atrevera a esperar que a derrota fosse tão completa.
— O que você acha disso, minha menina? — Bruenor perguntou
a Cattibrie quando ela veio se juntar a ele, seu longo arco
confortavelmente posicionado sobre um ombro.
— Fizemos o que tínhamos que fazer — respondeu a mulher. —
E os goblins foram, como esperado, um bando traiçoeiro. Mas eu
não vou voltar atrás em minhas palavras. Nós fizemos certo em
tentar conversar primeiro.
Dagna cuspiu no chão, mas Bruenor, o mais sábio dos dois,
acenou sua concordância com a filha.
— Tempus! — ouviram Wulfgar gritar em vitória, e o bárbaro,
avistando o grupo, começou a se aproximar deles, com seu
poderoso martelo de guerra erguido acima de sua cabeça.
— Ainda acho que vocês estão tendo prazer demais com tudo
isso — comentou Cattibrie para Bruenor. Aparentemente não
querendo falar com Wulfgar, se afastou, voltando a ajudar os
feridos.
— Bah! — Bruenor bufou atrás dela. — E você com certeza pôs
seu arco pra tocar uma doce canção!
Cattibrie tirou os cachos castanho avermelhados do rosto e não
olhou para trás. Não queria que Bruenor a visse sorrir.
A brigada do espremedor entrou na câmara principal meia hora
mais tarde, reportando o flanco direito livre de goblins. Alguns
minutos depois deles, Drizzt, Regis e Guenhwyvar vieram, com o
drow dizendo a Bruenor que as forças de Cobble estavam acabando
com os corredores à esquerda e na retaguarda.
— Você conseguiu pegar alguns? — perguntou o anão. —
Depois dos ettins, quero dizer?
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Sim — respondeu ele. — assim como Guenhwyvar... e Regis.
— tanto Drizzt quanto o anão lançaram olhares curiosos sobre o
halfling, que estava parado casualmente, com sua maça
ensanguentada na mão. Percebendo os olhares, Regis colocou a
arma nas costas como se estivesse envergonhado.
— Eu nem esperava que viesse, Pança-furada — disse Bruenor
para ele. — Achei que você ficaria acordado, se enchendo de mais
comida, enquanto o resto de nós lutava.
Regis deu de ombros.
— Eu imaginei que o lugar mais seguro em todo o mundo fosse
ao lado de Drizzt — explicou ele.
Bruenor não estava disposto a discutir com essa lógica.
— Podemos começar a cavar em algumas semanas — explicou
a seu amigo ranger.
— Assim que alguns mineiros expedicionários chegarem e
declararem o lugar como seguro.
A essa altura, Drizzt mal o ouvia. Ele estava mais interessado no
fato de que Cattibrie e Wulfgar, andando entre as fileiras de feridos,
estavam obviamente se evitando.
— É o rapaz — Bruenor disse a ele, notando seu interesse.
— Ele não achava que uma mulher deveria estar na batalha —
Drizzt respondeu.
— Bah! — bufou o anão de barba ruiva. — Ela é uma guerreira
tão boa quanto qualquer outro. Além disso, cinco dúzias de
mulheres anãs vieram junto e duas delas chegaram a morrer.
O rosto de Drizzt se contorceu de surpresa ao escutar o rei anão.
O ranger balançou seu cabelo branco e começou a andar para se
juntar a Cattibrie, mas parou e olhou para trás depois de apenas
alguns passos, balançando a cabeça mais uma vez.
— Cinco dúzias delas — Bruenor reiterou ante a expressão de
dúvida do elfo. — Mulheres anãs, estou dizendo.
— Meu amigo — Drizzt respondeu, afastando-se mais uma vez
—, eu nunca conseguiria dizer a diferença.
As forças de Cobble juntaram-se aos outros anões duas horas
depois, reportando as áreas posteriores livres de inimigos. A
debandada estava completa, e, pelo que Bruenor e seus
comandantes poderiam discernir, nenhum inimigo fora deixado vivo.
Nenhuma das forças anãs havia notado as formas esguias e
escuras — elfos negros, espiões de Jarlaxle — flutuando entre as
estalactites perto de áreas críticas de batalha, observando os
movimentos dos anões e técnicas de batalha com mais do que um
interesse casual.
A ameaça dos goblins havia acabado, mas esse era o menor dos
problemas de Bruenor Martelo de Batalha.
CAPÍTULO 5

Vós de Pouca Fé
 
DINIM OBSERVOU CADA MOVIMENTO DE SUA IRMÃ,
assistindo-a passar pelos rituais precisos para honrar à Rainha
Aranha. O drow estava em uma pequena capela que Jarlaxle
conseguira para Vierna em uma das casas menores de
Menzoberranzan.
Dinin permaneceu fiel à divindade sombria Lolth e concordou de
bom grado em acompanhar Vierna em suas preces naquele dia,
mas, na verdade, o drow achava a coisa toda uma fachada sem
sentido, achava que sua irmã era uma sátira ridícula de seu antigo
eu.
— Você não deveria ter tantas dúvidas — comentou Vierna,
continuando o ritual e não se importando em olhar por cima do
ombro para encarar Dinin.
No entanto, ao som do suspiro enojado de Dinin, Vierna girou,
com um olhar furioso e um brilho vermelho em seus olhos
estreitados.
— Qual é o propósito? — Dinin exigiu saber, enfrentando sua ira
bravamente. Mesmo que ela não estivesse no favor de Lolth, como
Dinin teimava em acreditar, Vierna era maior e mais forte do que ele
e estava armada com magia clerical. Ele cerrou os dentes, firme em
sua determinação, e não recuou, com medo de que a crescente
obsessão de Vierna tornasse a levar aqueles ao seu redor ao
caminho da destruição.
Em resposta, Vierna tirou um curioso chicote das dobras de suas
vestes clericais. Enquanto a sua empunhadura era de adamante
negro, as cincos correias do instrumento estavam se contorcendo:
eram cobras vivas. Os olhos de Dinin se arregalaram; ele entendeu
o significado da arma.
— Lolth não permite que ninguém além de suas altas
sacerdotisas os usem — lembrou Vierna, carinhosamente
acariciando as cabeças.
— Mas nós perdemos o favor... — Dinin começou a reclamar,
mas era um argumento fraco diante da demonstração de Vierna.
Vierna olhou para ele e riu maldosamente, quase ronronando,
enquanto se inclinava para beijar uma das cabeças.
— Então por que ir atrás de Drizzt? — perguntou Dinin. — Você
recuperou o favor de Lolth. Por que arriscar tudo perseguindo nosso
irmão traidor?
— Foi assim que recuperei o favor! — Vierna gritou. Ela avançou
um passo e Dinin recuou sabiamente. Ele se lembrava de seus dias
na Casa Do’Urden, quando Briza, sua irmã mais velha e mais cruel,
muitas vezes torturava-o com um daqueles temidos chicotes de
cabeça de cobra.
Vierna se acalmou imediatamente, porém, e olhou de volta para
seu altar negro (vivo e esculpido) coberto de aranhas.
— Nossa família caiu por causa da fraqueza de Matriarca Malícia
— explicou ela. — Malícia falhou na tarefa mais importante que
Lolth já deu a ela.
— Matar Drizzt — raciocinou Dinin.
— Sim — disse Vierna simplesmente, olhando por cima do
ombro para observar seu irmão. — Matar Drizzt, o miserável e
traidor Drizzt. Eu prometi seu coração a Lolth, prometi corrigir o erro
da família, para que nós, você e eu, pudéssemos recuperar o favor
de nossa deusa.
— Para quê? — Dinin teve que perguntar, olhando ao redor da
capela comum com óbvio desprezo. — Nossa casa não existe mais.
O nome Do’Urden não pode ser falado em nenhum lugar da cidade.
Qual será o ganho se novamente encontrarmos o favor de Lolth?
Você será uma alta sacerdotisa, e por isso fico feliz, mas você não
terá uma casa sobre a qual presidir.
— Mas eu vou! — retrucou Vierna com os olhos brilhando. — Eu
sou uma nobre sobrevivente de uma casa destruída assim como
você, meu irmão. Nós temos todos os Direitos de Acusação.
Os olhos de Dinin se arregalaram. Vierna estava tecnicamente
correta; os Direitos de Acusação eram um privilégio reservado para
os filhos nobres sobreviventes da destruição de suas casas, onde os
filhos nomeavam seus agressores e assim traziam o peso da justiça
drow sobre o culpado. Na contínua intriga dos bastidores da caótica
Menzoberranzan, porém, a justiça era dispensada seletivamente.
— Acusação? — Dinin gaguejou, mal conseguindo tirar a palavra
da boca subitamente seca. — Por acaso se esqueceu qual casa
destruiu a nossa?
— É o que torna tudo mais doce — ronronou sua teimosa irmã.
— Baenre! — gritou Dinin. — Casa Baenre, primeira casa de
Menzoberranzan! Você não pode acusar os Baenre. Nenhuma casa,
sozinha ou em aliança, se moverá contra eles, e Matriarca Baenre
controla a Academia. Onde sua força de justiça será ganha?
— E quanto a Bregan D’aerthe? — Dinin continou. — O próprio
bando de mercenários que nos acolheu ajudou a derrotar a nossa
casa. — Dinin parou abruptamente, considerando suas próprias
palavras, sempre impressionado com o paradoxo, a cruel ironia da
sociedade drow.
— Você é um macho e não consegue entender a beleza de Lolth
— respondeu Vierna. — Nossa deusa se alimenta desse caos,
considera tal situação mais doce simplesmente por causa das
muitas e furiosas ironias.
 — A cidade não vai guerrear contra a Casa Baenre — disse
Dinin inexpressivamente.
 — Nunca chegará a isso! — Vierna retrucou, e de novo veio
aquele brilho selvagem em suas órbitas vermelhas brilhantes. —
Matriarca Baenre está velha, meu irmão. Seu tempo já passou.
Quando Drizzt estiver morto, como exige a Rainha Aranha, terei
concedida uma audiência na Casa Baenre, onde eu... nós faremos
nossa acusação.
— Então seremos servidos como comida aos escravos goblins
dos Baenre — respondeu Dinin secamente.
— As próprias filhas de Matriarca Baenre vão forçá-la a sair para
que a casa recupere o favor da Rainha Aranha — continuou Vierna
empolgada, ignorando o irmão que duvidava dela — Para esse fim,
vão me colocar no controle.
Dinin mal podia encontrar as palavras para rebater as alegações
absurdas de Vierna.
— Pense nisso, meu irmão — prosseguiu Vierna. — Imagine-se
ao meu lado enquanto eu presidir a Primeira Casa de
Menzoberranzan!
— Lolth prometeu isso a você?
— Através de Triel — respondeu Vierna —, filha mais velha de
Matriarca Baenre, ela própria sendo a Matriarca Mestra da
Academia.
Dinin estava começando a entender. Se Triel, muito mais
poderosa que Vierna, pretendia substituir sua mãe
reconhecidamente antiga, ela certamente reivindicaria o trono da
Casa Baenre para si mesma, ou pelo menos permitiria que uma de
suas muitas irmãs dignas ocupasse o assento. As dúvidas de Dinin
eram óbvias quando ele se sentou em um banco, cruzando os
braços à sua frente e balançando a cabeça lentamente, para frente
e para trás. 
 — Não tenho espaço para descrentes em minha comitiva —
avisou Vierna.
— Sua comitiva? — Dinin respondeu.
— Bregan D’aerthe é apenas uma ferramenta, fornecida a mim
para que eu possa agradar a deusa — explicou Vierna sem hesitar.
— Você é insana — disse Dinin antes que pudesse encontrar a
sabedoria para manter o pensamento para si. Para seu alívio,
porém, Vierna não avançou contra ele.
— Você deve se arrepender das palavras sacrílegas quando o
nosso traidor Drizzt for dado a Lolth — prometeu a sacerdotisa.
— Você nunca vai chegar perto de nosso irmão — Dinin
respondeu bruscamente, suas memórias de seu encontro
desastroso anterior com Drizzt ainda dolorosamente claras. — E
não vou acompanhá-la à superfície — não contra esse demônio. Ele
é poderoso, Vierna, mais poderoso do que você imagina.
— Silêncio! — a palavra carregava um peso mágico, e Dinin
encontrou seus próximos protestos planejados presos em sua
garganta.
— Mais poderoso? — Vierna zombou um momento depois. — O
que você sabe sobre poder, macho impotente? — um sorriso irônico
cruzou seu rosto, uma expressão que fez Dinin se contorcer em seu
assento. — Venha comigo, Dinin, o duvidoso — disse Vierna. Ela
começou a seguir por uma porta lateral na pequena capela, mas
Dinin não fez nenhum movimento para seguir.
— Venha! — Vierna comandou, e Dinin sentiu as pernas
movendo-se sob ele, viu-se abandonando o único monte de
estalagmites da casa menor, depois deixando Menzoberranzan
completamente, seguindo fielmente cada passo de sua irmã insana.
Assim que os dois Do’Urden saíram de vista, Jarlaxle abaixou a
cortina em frente ao seu espelho mágico, dissipando a imagem da
pequena capela. Pensou que deveria falar com Dinin em breve, para
alertar o obstinado guerreiro sobre as consequências que poderia
enfrentar. Jarlaxle gostava sinceramente de Dinin e sabia que o
drow caminhava para o desastre.
 — Você a tem atraído bem — o mercenário comentou com a
sacerdotisa ao lado dele, dando-lhe uma piscadela conspiratória
com o olho esquerdo — o que estava descoberto naquele dia.
A drow, mais baixa que Jarlaxle, mas repleta de uma força
inegável, rosnou para o mercenário, com seu desprezo óbvio.
— Minha querida Triel — arrulhou Jarlaxle.
— Segure sua língua — advertiu Triel Baenre —, ou eu vou
arrancá-la e dar a você, para que possa segurá-la em sua mão.
Jarlaxle deu de ombros e sabiamente mudou a conversa de volta
para o assunto em questão.
— Vierna acredita em suas palavras — observou ele.
— Vierna está desesperada — respondeu Triel Baenre.
— Ela teria ido atrás de Drizzt com a simples promessa de que
você a levaria para a sua família — argumentou o mercenário —,
mas atraí-la com delírios de substituir a Matriarca Baenre...
— Quanto maior o prêmio, maior a motivação de Vierna —
respondeu Triel calmamente. — É importante para minha mãe que
Drizzt Do’Urden seja dado a Lolth. Deixe a Do’Urden idiota pensar
que vai conseguir.
— Concordo — Jarlaxle disse com um aceno de cabeça. — A
Casa Baenre preparou a escolta?
— Trinta irão se misturar aos guerreiros de Bregan D’aerthe —
respondeu Triel. — Eles são apenas homens — acrescentou com
escárnio — e dispensáveis.
A primeira filha da Casa Baenre inclinou a cabeça com
curiosidade enquanto continuava a olhar para o astuto mercenário.
— Você vai acompanhar pessoalmente Vierna com seus
soldados escolhidos? — Triel perguntou. — Para coordenar os dois
grupos?
Jarlaxle bateu as mãos delgadas:
— Eu sou parte disso — respondeu com firmeza.
— Para meu desagrado — rosnou a filha Baenre. Ela pronunciou
uma única palavra e, com um lampejo, desapareceu.
— Sua mãe me ama, querida Triel — disse Jarlaxle ao vazio,
como se a Matriarca Mestra da Academia ainda estivesse ao lado
dele. — Eu não perderia isso — o mercenário continuou, pensando
em voz alta.
Pela estimativa de Jarlaxle, a busca por Drizzt só podia ser uma
coisa boa. Ele poderia perder alguns soldados, mas eles são
substituíveis. Se Drizzt fosse de fato levado a sacrifício, Lolth ficaria
satisfeita, a Matriarca Baenre ficaria satisfeita, e Jarlaxle encontraria
uma maneira de ser recompensado por seus esforços. Afinal, em
um nível mais simples, Drizzt Do’Urden, como um renegado traidor,
carregava uma alta recompensa em sua cabeça. Jarlaxle riu
maliciosamente, divertindo-se com a beleza de tudo isso. Se Drizzt
conseguisse escapar de alguma forma, então Vierna cairia, e o
mercenário continuaria, intocado.
Havia outra possibilidade de que Jarlaxle, afastado da situação
imediata e entendido dos costumes dos drow, reconhecia; e se, por
alguma chance remota, isso acontecesse, ele novamente estaria em
condições de lucrar muito, simplesmente por sua relação favorável
com Vierna. Triel prometera a Vierna um prêmio inacreditável
porque Lolth a instruíra, e à sua mãe, a fazê-lo. O que aconteceria
se a Vierna cumprisse sua parte do acordo? O mercenário se
perguntou. Que ironias a conivente Lolth reservava para a Casa
Baenre?
Com certeza, Vierna Do’Urden parecia insana por acreditar nas
promessas vazias de Triel, mas Jarlaxle sabia bem que muitas das
drow mais poderosas de Menzoberranzan, inclusive Matriarca
Baenre, pareceram, em algum momento de suas vidas, igualmente
loucas.
 

 
Vierna atravessou a porta opaca para os aposentos particulares
de Jarlaxle mais tarde naquele dia, sua expressão enlouquecida
revelando a ansiedade pelos eventos que se aproximavam.
Jarlaxle ouviu uma comoção no corredor externo, mas Vierna
apenas continuou a sorrir conscientemente. O mercenário se
balançou para trás em sua cadeira confortável, batendo os dedos à
sua frente e tentando discernir que surpresa a sacerdotisa Do’Urden
havia preparado para ele desta vez.
— Vamos precisar de um soldado extra para complementar o
nosso grupo — ordenou Vierna.
— Pode ser arranjado — respondeu Jarlaxle, começando a
entender. — Mas por quê? Dinin não vai nos acompanhar?
Os olhos de Vierna brilharam.
— Ele vai — disse a sacerdotisa —, mas o papel de meu irmão
nessa caçada mudou.
Jarlaxle não avançou, apenas continuou sentado tamborilando
com seus dedos.
— Dinin não acreditava no destino de Lolth — explicou Vierna,
sentando-se à beira da mesa de Jarlaxle. — Ele não queria me
acompanhar nesta importante missão. A Rainha Aranha exigiu isso
de nós! — ela pulou de volta para o chão, feroz de repente, e voltou
para a porta opaca.
Jarlaxle não fez nenhum movimento, exceto flexionar os dedos
da mão que lançava a adaga, enquanto o discurso de Vierna
continuava. A sacerdotisa varreu a pequena sala, rezando para
Lolth, amaldiçoando aqueles que não cairiam de joelhos diante da
deusa e amaldiçoando seus irmãos, Drizzt e Dinin.
Então Vierna se acalmou de novo de repente e sorriu
maliciosamente.
— Lolth exige fidelidade — disse ela acusatoriamente.
— É claro — respondeu o mercenário inabalável.
— A justiça é uma das obrigações de uma sacerdotisa.
— É claro.
Os olhos de Vierna brilharam. Jarlaxle ficou tenso, temendo que
a mulher instável o atacasse por alguma razão desconhecida. Em
vez disso, ela voltou para a porta e chamou em voz alta seu irmão.
Jarlaxle viu a silhueta discreta e velada do outro lado do portal,
viu o material opaco se curvar e se esticar quando Dinin começou a
entrar vindo do outro lado.
Uma enorme perna de aranha entrou na sala, depois outra,
depois uma terceira. O torso mutante passou, o corpo despido e
dilatado de Dinin transmutado abaixo da cintura no torso inferior de
uma gigantesca aranha negra. Seu rosto, antes bonito, agora
parecia uma coisa morta, inchada e inexpressiva, os olhos sem
brilho.
O mercenário lutou arduamente para manter a respiração
estável. Ele tirou o grande chapéu e passou a mão sobre a cabeça
careca e suada.
A criatura desfigurada terminou de entrar na sala e parou
obedientemente atrás de Vierna, a sacerdotisa sorrindo para o óbvio
desconforto do mercenário.
— A missão é crucial — explicou Vierna. — Lolth não vai tolerar
nenhum questionamento.
Se Jarlaxle tinha alguma dúvida sobre o envolvimento da Rainha
Aranha com a missão de Vierna, ela se desfez naquele momento.
Vierna havia exigido a maior punição da sociedade drow contra o
problemático Dinin, algo que só uma alta sacerdotisa no mais alto
favor de Lolth poderia realizar. Ela substituíra o gracioso corpo drow
de Dinin por aquela forma aracnídea grotesca e mutante, substituíra
a feroz independência de Dinin por um comportamento malévolo
que poderia dobrar aos seus caprichos.
Ela o transformara em um drider.
PARTE 2

Percepções
 
NÃO HÁ PALAVRA NA LÍNGUA DROW PARA O AMOR. A
palavra mais próxima da qual consigo me lembrar é ssinssrigg, mas
é um termo que tem mais haver com luxúria física e ganância
egoísta. O conceito de amor existe nos corações de alguns drow, é
claro, mas o amor verdadeiro, um desejo altruísta que muitas vezes
exige sacrifício pessoal, não tem lugar em um mundo de rivalidades
tão amargas e perigosas. Os únicos sacrifícios na cultura drow são
os presentes a Lolth, e eles certamente não são altruístas, já que o
doador reza por algo maior em troca.
Ainda assim, o conceito de amor não era novo para mim quando
deixei o Subterrâneo. Eu amava Zaknafein. Amei tanto Belwar
quanto Estalo. De fato, foi a capacidade, a necessidade, do amor
que acabou me afastando de Menzoberranzan.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais
elusivo? Muitas pessoas de todas as raças parecem simplesmente
não entender o amor, sobrecarregar sua bela simplicidade com
noções preconcebidas e expectativas irrealistas. Quão irônico é que
eu, saindo da escuridão daquela Menzoberranzan sem amor, possa
compreender melhor o conceito do que muitos daqueles que
viveram com ele, ou pelo menos com a possibilidade muito real
dele, por toda suas vidas.
Há algumas coisas que um drow renegado não deixaria de dar o
devido valor.
Minhas poucas viagens a Lua Argêntea nestas últimas semanas
estimularam brincadeiras espirituosas por parte de meus amigos.
“Com certeza o elfo tem os olhos fixos em outro casamento!”
Bruenor costuma cantarolar em relação ao meu relacionamento com
Alustriel, a Senhora de Lua Argêntea. Eu aceito as provocações à
luz do calor sincero e das esperanças por trás delas, e não frustrei
essas esperanças explicando aos meus queridos amigos que suas
suposições são equivocadas.
Eu aprecio Alustriel e a bondade que me mostrou. Eu aprecio
que ela, uma governante em um mundo muitas vezes implacável,
tenha tido a chance de permitir que um elfo negro andasse
livremente pelas avenidas maravilhosas de sua cidade. A aceitação
de Alustriel de mim como amigo permitiu-me extrair meus desejos
de meus verdadeiros sonhos, não de limitações esperadas.
Mas eu a amo?
Não mais do que ela me ama.
Admito, porém, que amo a noção de que poderia amar Alustriel,
e ela poderia me amar, e que, se a atração estivesse presente, a cor
da minha pele e a reputação de minha herança não deteriam a
nobre Senhora de Lua Argêntea.
Eu sei agora, porém, que o amor se tornou a parte mais
proeminente da minha existência, que meu vínculo de amizade com
Bruenor, Wulfgar e Regis é de extrema importância para qualquer
felicidade que este drow venha a conhecer.
Meu vínculo com Cattibrie é ainda mais profundo.
O amor honesto é um conceito altruísta, isso eu já disse, e meu
próprio altruísmo foi submetido a um teste severo nesta primavera.
Temo agora pelo futuro, por Cattibrie e Wulfgar e pelas barreiras
que devem superar juntos. Wulfgar a ama, não duvido, mas carrega
seu amor com uma possessividade que beira o desrespeito.
Ele deve entender o espírito que é Cattibrie, deve ver claramente
o combustível que acende as chamas em seus maravilhosos olhos
azuis. É esse mesmo espírito que Wulfgar ama e, ainda assim, sem
dúvida sufocará sob as ideias do lugar de uma mulher como posse
do marido.
Meu amigo bárbaro chegou longe desde seus dias de juventude
vagando pela tundra. E mais longe ainda ele deve chegar para
segurar o coração da filha de alma ardente de Bruenor, para manter
o amor de Cattibrie.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais
elusivo?
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 6

Sundabar
 
— EU NÃO VOU ACEITAR O GRUPO DE NESMÉ! — Bruenor
rosnou para o emissário bárbaro de Pedra do Veredito.  
— Mas, rei anão... — o homem grande e ruivo gaguejou
impotente.
— Não! — o tom severo de Bruenor o silenciou.
— Os arqueiros de Nesmé desempenharam um papel importante
na recuperação do Salão de Mitral — Drizzt, que estava ao lado de
Bruenor no auditório, prontamente lembrou ao rei anão.
Bruenor se mexeu abruptamente em seu assento de pedra.
— Você esqueceu o tratamento que os cães de Nesmé deram a
você quando passamos pela terra deles? — ele perguntou ao drow.
Drizzt sacudiu a cabeça, com a ideia realmente trazendo um
sorriso ao rosto dele.
— Nunca — ele respondeu, mas sua expressão e tom calmos
revelaram que, ainda que não tivesse esquecido, ele aparentemente
havia perdoado.
Olhando para o seu amigo de pele de ébano, tão em paz e
contente, a fúria do anão foi imediatamente amenizada.
— Você acha que eu deveria deixá-los ir ao casamento, então?
— Agora você é um rei — respondeu Drizzt, e estendeu as mãos
como se essa simples declaração explicasse tudo. A expressão de
Bruenor mostrou claramente que não tinha entendio e então o elfo
negro igualmente teimoso prontamente elaborou. — Suas
responsabilidades para com o seu povo dependem da diplomacia —
explicou Drizzt. — Nesmé será uma parceira comercial promissora e
uma aliada valiosa. Além disso, podemos perdoar os soldados de
uma cidade ameaçada por sua reação à visão de um elfo negro.
— Bah, você é muito coração mole, elfo — resmungou Bruenor
— e está me levando com você!
Ele olhou para o enorme bárbaro, obviamente parecido com
Wulfgar, e assentiu:
— Mande minhas boas-vindas a Nesmé, então, mas eu vou
precisar de uma contagem dos que virão!
O bárbaro lançou um olhar apreciativo a Drizzt, depois fez uma
reverência e partiu, embora sua partida não tenha ajudado a parar
os resmungos de Bruenor.
— Umas cem coisas pra fazer, elfo — o anão reclamou.
— Você tenta fazer do casamento da sua filha o mais grandioso
que o mundo já viu — destacou Drizzt.
— Eu tento — Bruenor concordou. — Ela merece, minha
Cattibrie. Eu tentei dar a ela o que pude todos esses anos, mas... —
Bruenor estendeu as mãos, convidando a uma inspeção visual de
seu corpo robusto, um lembrete de que ele e Cattibrie não eram da
mesma raça.
Drizzt pôs a mão no ombro forte do amigo.
— Nenhum humano poderia ter dado mais — assegurou a
Bruenor. O anão fungou; Drizzt fez bem em esconder sua risada.
— Mas cem malditas coisas! — Bruenor rosnou, seu ataque de
sentimentalismo sendo previsivelmente de curta duração. — A filha
do rei tem que ter um casamento adequado, eu digo, mas não estou
conseguindo muita ajuda em fazer essa maldita coisa direito!
Drizzt conhecia a fonte da frustração exagerada de Bruenor. O
anão esperava que Regis, um ex-mestre de guilda e inegavelmente
habilidoso na etiqueta, ajudasse no planejamento da enorme
celebração.
Logo depois que Regis chegou nos salões, Bruenor assegurou a
Drizzt que seus problemas haviam acabado, que “Pança-furada vai
ver o que tem pra ser visto”.
Na verdade, Regis assumira muitas tarefas, mas não se saíra
tão bem quanto Bruenor esperava ou exigia. Drizzt não tinha certeza
se isso vinha da inesperada inépcia de Regis ou da atitude coruja de
Bruenor.
Um anão entrou correndo e entregou a Bruenor vinte
pergaminhos diferentes de possíveis configurações para o grande
refeitório. Outro anão entrou logo atrás do primeiro, carregando
vários cardápios em potencial para a festa.
Bruenor apenas suspirou e olhou impotente para Drizzt.
— Você vai passar por isso — o drow assegurou. — E Cattibrie
vai achar essa a celebração mais grandiosa já feita.
Drizzt pretendia continuar, mas sua última declaração o fez
parar. Uma expressão preocupada cruzou sua testa, o que Bruenor
não ignorou.
— Você está preocupado com a garota — concluiu o anão
observador.
— Mais com Wulfgar — admitiu Drizzt.
Bruenor riu.
— Precisei colocar três pedreiros trabalhando para consertar as
paredes do rapaz — disse o anão. — Algo causou uma raiva bem
poderosa nele.
Drizzt apenas assentiu. Não revelara a ninguém que ele havia
sido o alvo de Wulfgar naquela ocasião em particular, e que Wulfgar
provavelmente o teria matado cegamente se o bárbaro tivesse
vencido a briga.
— O garoto só está nervoso — disse Bruenor.
Novamente o drow assentiu, embora não tivesse certeza de que
conseguiria concordar. Wulfgar estava de fato nervoso, mas seu
comportamento ia além dessa desculpa. Ainda assim, Drizzt não
tinha melhores explicações, e, desde o incidente no quarto, Wulfgar
se tornara novamente amigável com Drizzt, parecendo mais com
seu antigo eu.
— Ele vai se acalmar depois que o dia passar — continuou
Bruenor, e pareceu a Drizzt que o anão estava mais tentando
convencer a si mesmo mais do que a qualquer outra pessoa. Isto
também, Drizzt entendeu, era porque Cattibrie, a humana órfã, era
filha de Bruenor em coração e alma. Ela era o único ponto fraco no
coração duro de Bruenor, a brecha vulnerável na armadura do rei.
O comportamento errático e dominador de Wulfgar não tinha
escapado ao sábio anão, ao que parecia. Mas, embora a atitude de
Wulfgar incomodasse Bruenor, Drizzt não acreditava que o anão
faria algo a respeito — a menos que Cattibrie lhe pedisse ajuda. E
Drizzt sabia que Cattibrie, tão orgulhosa e teimosa quanto seu pai,
não pediria — não a Bruenor e nem a Drizzt.
— Onde você esteve se escondendo, seu pequeno malandro? —
Drizzt ouviu Bruenor rugir, e o enorme volume da voz do anão
arrancou Drizzt de suas contemplações. Ele olhou por cima do
ombro e viu Regis entrando no corredor, o halfling parecendo
completamente confuso.
— Estava fazendo minha primeira refeição do dia! — Regis
gritou de volta, com uma expressão amarga no rosto de querubim e
uma mão sobre a barriga queixosa.
— Não há tempo para comer! — Bruenor retrucou. — Nós temos
umas--
— Cem coisas para fazer — Regis terminou, imitando o sotaque
pesado do anão e levantando sua mão rechonchuda em um apelo
desesperado para Bruenor recuar.
Bruenor pisou forte e correu para a pilha de cardápios em
potencial.
— Já que você pensa tanto em comida...
Bruenor começou a falar enquanto recolhia os pergaminhos e os
levava, cobrindo Regis com eles:
— Haverá elfos e humanos aos montes no banquete — explicou,
enquanto Regis tentava colocar a pilha em ordem. — Dê a eles algo
que suas entranhas sensíveis aguentem!
Regis lançou um olhar de súplica para Drizzt, mas quando o
drow apenas deu de ombros em resposta, o halfling pegou os
pergaminhos e afastou-se.
— Eu achei que aquele lá fosse melhor nessa coisa de planejar
casamento — comentou Bruenor, em voz alta o suficiente para o
halfling ouvir.
— E não tão bom em lutar contra goblins — respondeu Drizzt,
lembrando-se dos notáveis esforços do halfling na batalha. Bruenor
acariciou a espessa barba ruiva e olhou para a porta vazia pela qual
Regis acabara de passar.
— Passou muito tempo na estrada ao lado de gente como nós —
o anão decidiu por fim.
— Tempo demais — Drizzt acrescentou em voz baixa, muito
baixo para que Bruenor ouvisse, pois era óbvio para o drow que
Bruenor, ao contrário de Drizzt, consideravam boas as revelações
surpreendentes sobre o amigo halfling.
Pouco tempo depois, quando Drizzt, em uma missão para
Bruenor, se aproximou da entrada da capela de Cobble, descobriu
que Bruenor não era o único perturbado pelos preparativos para o
casamento que se aproximava.
— Nem por todo o mitral no reino de Bruenor! — ele ouviu
Cattibrie gritar enfaticamente.
— Seja razoável — Cobble choramingou de volta para ela. —
Seu pai não está pedindo muito.
Drizzt entrou na capela e viu Cattibrie de pé em cima de um
pedestal, com as mãos resolutas nos quadris esguios, e Cobble
mais abaixo diante dela, segurando um avental cravejado de pedras
preciosas.
Cattibrie olhou para Drizzt e deu uma breve sacudida de cabeça.
— Eles estão querendo que eu use um avental de ferreiro! — ela
berrou. — Um maldito avental de ferreiro no dia do meu casamento!
Drizzt percebeu com prudência que aquela não era a hora de
sorrir.
Ele caminhou solenemente até Cobble e pegou o avental.
— Tradição dos Martelo de Batalha — o clérigo bufou.
— Qualquer anã ficaria orgulhosa de usar essas vestes —
concordou Drizzt. — Devo, porém, lembrá-lo de que Cattibrie não é
uma anã?
— Um símbolo de subserviência, é o que isso é — a mulher de
cabelos arruivados despejou. — Espera-se que as anãs trabalhem
na forja durante todo o dia. Eu nunca levantei um martelo de
ferreiro, e...
Drizzt acalmou-a com a mão estendida e um olhar melancólico.
— Ela é filha de Bruenor — destacou Cobble. — Tem o dever de
agradar seu pai.
— De fato — Drizzt, o consumado diplomata, concordou mais
uma vez —, mas lembre-se de que ela não está se casando com um
anão. Cattibrie nunca trabalhou na forja...
— É simbólico — protestou Cobble.
— ... e Wulfgar levantou o martelo apenas durante seus anos de
servidão a Bruenor, quando não tinha escolha — concluiu Drizzt,
sem perder o ritmo.
Cobble olhou para Cattibrie, depois de volta para o avental, e
suspirou.
— Encontraremos um meio termo — ele concedeu.
Drizzt lançou uma piscadela para Cattibrie e ficou surpreso ao
perceber que seus esforços aparentemente não haviam amenizado
o humor da jovem.
— Eu vim em nome de Bruenor — disse o drow ranger para
Cobble.
— Ele mencionou algo sobre aprovar a água benta para a
cerimônia.
— Provar — Cobble corrigiu, então ficou assustadiço, olhando
para um lado e para o outro. — Sim, sim, a cerveja — disse ele,
confuso. — Bruenor está querendo resolver a questão da cerveja
hoje.
Ele olhou para Drizzt.
— Estamos achando que a mais escura será demais para o
grupo de barriga fraca de Lua Argêntea.
O anão correu pela capela grande, pegando baldes das várias
fontes que cobriam as paredes. Cattibrie respondeu a Drizzt com um
dar de ombros incrédulo enquanto ele silenciosamente pronunciava
as palavras,
— Água benta?
Clérigos da maioria das religiões preparavam sua água
abençoada com óleos exóticos; não deveria ser uma surpresa para
Drizzt, depois de muitos anos ao lado do barulhento Bruenor, que os
clérigos anões usassem lúpulo.
— Bruenor disse que você deveria trazer uma quantia generosa
— disse Drizzt a Cobble, instruções que dificilmente seriam
necessárias, já que o clérigo empolgado já enchera um pequeno
carrinho com frascos.
— Já acabamos por hoje — anunciou Cobble para Cattibrie.
O anão caminhou rapidamente até a porta, com sua preciosa
carga.
— Mas não pense que você teve a última palavra! — Cattibrie
rosnou de novo, mas Cobble, andando a toda velocidade, estava
longe demais para notar.
Drizzt e Cattibrie sentaram-se lado a lado no pequeno pedestal
em silêncio por algum tempo.
— O avental é tão ruim? — o drow finalmente reuniu a coragem
de perguntar.
Cattibrie sacudiu a cabeça.
— Não é a roupa, mas o significado da coisa que não estou
gostando — ela explicou. — Meu casamento é em duas semanas.
Estou pensando que já vi minha última aventura, minha última
batalha, exceto por aquelas que estou condenada a enfrentar contra
o meu próprio marido.
A admissão contundente atingiu Drizzt profundamente e aliviou
muito do peso de manter seus medos em segredo.
— Goblins de toda a Faerun ficarão contentes em ouvir isso —
disse, tentando trazer alguma leveza ao humor sombrio da jovem.
Cattibrie conseguiu dar um leve sorriso, mas uma profunda tristeza
permaneceu em seus olhos azuis.
— Você lutou tão bem quanto qualquer um de nós —
acrescentou Drizzt.
— Você não acha que eu lutaria? — Cattibrie gritou para ele, de
repente na defensiva, seu tom tão afiado quanto as bordas das
cimitarras mágicas de Drizzt.
— Você está sempre tão cheia de raiva? — Drizzt replicou, e
suas palavras acusatórias acalmaram Cattibrie imediatamente.
— Só com medo, suponho — ela respondeu calmamente.
Drizzt assentiu, compreendendo e apreciando o crescente
dilema de sua amiga.
— Eu preciso voltar para Bruenor — explicou, levantando-se do
pedestal. Ele teria parado de falar naquele momento, mas não podia
ignorar o olhar de súplica que Cattibrie lhe lançou.
Ela se virou imediatamente, olhando diretamente para a frente
sob o capuz de suas grossas mechas arruivadas, e tal desalento
atingiu Drizzt com mais força.
— Não é meu direito te dizer como deve se sentir — Drizzt disse
uniformemente. Ainda assim, a jovem não olhou para ele. — Meu
fardo como seu amigo é igual ao que você carregou na cidade de
Porto Calim, lá no sul, quando eu me perdi. Eu digo a você agora: o
caminho diante de você se desdobra em muitas direções, mas a
escolha desse caminho é sua. Para o bem de todos nós e
principalmente o seu, oro para que você considere seu curso com
cuidado.
Ele se abaixou, empurrou o cabelo de Cattibrie para trás e
beijou-a suavemente na bochecha.
Ele não olhou para trás quando saiu da capela.
 

 
Metade do carrinho de Cobble já estava vazio quando o drow
entrou no salão de audiências de Bruenor. O rei anão, Cobble,
Dagna, Wulfgar, Regis e vários outros anões discutiam em voz alta
sobre qual balde da “água benta” tinha o gosto mais suave —
discussões que inevitavelmente produziam mais testes de provar, o
que por sua vez criava mais discussão.
— Esta! — Bruenor berrou depois de esvaziar um balde e voltar
com a barba vermelha coberta de espuma.
— Essa é boa para goblins! — Wulfgar rugiu, sua voz misturada
a uma gargalhada. Sua risada terminou abruptamente, no entanto,
quando Bruenor jogou o balde sobre a cabeça e deu-lhe uma
pancada retumbante.
— Eu posso estar errado — Wulfgar, de repente, sentado no
chão, admitiu, sua voz ecoando sob o balde de metal.
— Diga-me o que você pensa, drow — Bruenor berrou quando
notou Drizzt. Ele estendeu dois baldes.
Drizzt levantou a mão, recusando o convite.
— As fontes da montanha são mais do meu agrado do que a
cerveja encorpada — explicou.
Bruenor jogou os baldes para ele, mas o drow se afastou com
facilidade, e o líquido escuro e dourado escorreu lentamente pelo
chão de pedra. O grande volume dos protestos dos outros anões
resultantes da perda de uma boa cerveja espantou Drizzt, mas não
tanto quanto o fato de essa provavelmente ser a primeira vez que
ele vira Bruenor repreendido sem encontrar coragem para revidar.
— Meu rei — veio um chamado da porta, terminando a
discussão.
Um anão bastante rechonchudo, totalmente trajado com
equipamento de batalha, entrou no salão de audiências, a seriedade
de sua expressão arrancando a alegria na câmara de degustação.
— Sete dos nossos não retornaram das seções mais recentes —
explicou o anão.
— Estão levando o tempo necessário, só isso — respondeu
Bruenor.
— Eles perderam o jantar — disse o guarda.
— Problema — Cobble e Dagna disseram juntos, de repente
solenes.
— Bah! — bufou Bruenor quando acenou com a mão grossa
instável na frente dele. — Não tem mais goblins nesses túneis. Os
grupos lá embaixo estão apenas caçando mitral. Eles encontraram
um veio de mitral, eu digo. Isso seguraria qualquer anão, mesmo
com o jantar.
Cobble e Dagna, mesmo Regis, observou Drizzt, balançaram a
cabeça em concordância. Dado o perigo potencial que sabia haver
sempre que viajava pelos túneis do Subterrâneo (e os túneis mais
profundos dos Salões de Mitral não poderiam ser considerados
nada menos que isso), o drow cauteloso não estava tão facilmente
convencido.
— O que você está pensando? — Bruenor perguntou a Drizzt,
vendo sua clara preocupação.
Drizzt considerou sua resposta por um longo tempo.
— Estou pensando que você provavelmente está certo.
— Provavelmente? — bufou Bruenor. — Ah, bem, eu nunca
consegui te convencer, mesmo. Vá, então. É o que você quer.
Pegue sua gata e vá encontrar meus anões atrasados.
O sorriso irônico de Drizzt não deixou dúvidas de que as
instruções de Bruenor haviam sido sua intenção o tempo todo.
— Eu sou Wulfgar, filho de Beornegar! Eu também vou! —
Wulfgar proclamou, mas soava um pouco ridículo com a cabeça
ainda embaixo do balde. Bruenor deu outra pancada para silenciar o
bárbaro.
— E elfo — o rei chamou, voltando Drizzt de volta para ele.
Bruenor ofereceu um sorriso perverso para todos aqueles que o
cercavam, depois largou-o totalmente sobre Regis. — Leva o
Pança-furada com você — explicou o rei anão. — Ele não está
fazendo nada aqui mesmo.
Os grandes olhos redondos de Regis ficaram ainda maiores e
mais redondos. Ele passou os dedos macios e gorduchos pelo
cabelo castanho encaracolado, depois puxou desconfortavelmente o
brinco pendente que usava.
— Eu? — perguntou humildemente. — Voltar lá para baixo?
— Você foi para lá uma vez — disse Bruenor, argumentando
mais com os outros anões do que com Regis. — Até pegou alguns
goblins, se bem me lembro.
— Eu tenho muito para...
— Vai-te embora, Pança-furada — rosnou Bruenor, inclinando-se
para a frente em seu assento e quase se desequilibrando no
processo. — Pela primeira vez desde que você voltou correndo para
nós, e nós sabemos que você está fugindo, faça o que peço sem
reclamações e sem desculpas!
A seriedade do tom sombrio de Bruenor surpreendeu a todos na
sala, aparentemente até Regis, pois o halfling não ofereceu nenhum
outro argumento, apenas se levantou e caminhou obedientemente
para ficar ao lado de Drizzt.
— Podemos passar no meu quarto primeiro? — Regis perguntou
calmamente ao drow. — Eu gostaria de pegar minha maça minha e
mochila, pelo menos.
Drizzt colocou um braço sobre os ombros caídos do
companheiro de um metro de altura e virou-o.
— Não tenha medo — disse em voz baixa, e para acentuar o
que disse, deixou cair a estatueta de ônix de Guenhwyvar nas mãos
ansiosas do halfling.
Regis sabia que estava em boa companhia.
CAPÍTULO 7

Silêncio na Escuridão
 
MESMO COM LÂMPADAS ACESAS REVESTINDO todas as
paredes e com o caminho claro e bem marcado, Drizzt e Regis
levaram mais de três horas para atravessar os quilômetros do
grande complexo do Salão de Mitral até as novas áreas do túnel.
Passaram pela maravilhosa Cidade Baixa, com seus muitos níveis
de habitações anãs que se assemelhavam a gigantescos degraus
nos dois lados da enorme caverna. As residências davam para uma
área de trabalho central no chão da caverna que fervilhava com as
atividades da raça laboriosa. Esse era o centro de todo o complexo;
ali, a maioria do povo de Bruenor vivia e trabalhava. Grandes
fornalhas rugiam o dia todo, todos os dias. Martelos anões ecoavam
em uma canção contínua, e embora as minas tivessem sido abertas
há apenas alguns meses, milhares de produtos acabados — desde
armas finamente trabalhadas até belos cálices — já enchiam vários
carrinhos de mão, que esperavam ao longo das paredes pelo
começo da época de comercialização.
Drizzt e Regis entraram pelo extremo leste no nível superior,
cruzaram a caverna ao longo de uma ponte alta e desceram as
muitas escadas para chegar no nível mais abaixo da cidade,
seguindo para o oeste, para as minas mais profundas do Salão de
Mitral. Lamparinas baixas queimavam nas paredes, embora agora
fossem mais espaçadas, e de vez em quando os companheiros
passavam por uma equipe de trabalho anã, tirando o precioso
minério prateado, o mitral, da parede do túnel.
Então chegaram aos túneis externos, onde não havia lâmpadas
nem anões. Drizzt tirou a mochila, pensando em acender uma
tocha, mas notou os olhos do halfling brilhando com o vermelho
revelador da infravisão.
— Eu prefiro a luz de uma tocha — Regis comentou quando o
drow começou a devolver a tocha para a mochila.
— Devemos economizar — respondeu Drizzt. — Não sabemos
quanto tempo teremos que passar nesses novos túneis.
Regis deu de ombros; Drizzt se divertiu com o fato de que o
halfling já estava segurando sua maça pequena, mas inegavelmente
eficaz, embora ainda não tivessem ido além das regiões seguras do
complexo.
Eles fizeram uma pequena pausa, depois seguiram novamente,
colocando outros dois ou três quilômetros atrás deles.
Previsivelmente, Regis logo começou a reclamar de seus pés
doloridos e se aquietou apenas quando ouviram o som de
conversas anãs algum lugar à frente.
Algumas voltas e reviravoltas no túnel levaram-nos a uma
escada estreita que se esvaziava na última sala de guarda daquela
seção. Quatro anões estavam lá, jogando dados (e resmungando a
cada jogada) e dando pouca atenção à grande porta de pedra com
barras de ferro que fechava as novas áreas.
— Olá — disse Drizzt, interrompendo o jogo.
— Temos alguns dos nossos ali — um anão de barba castanha e
atarracada respondeu assim que notou Drizzt. — Rei Bruenor
mandou vocês dois atrás deles?
— Sorte a nossa — comentou Regis.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Devemos lembrar aos anões desaparecidos que o mitral será
obtido no devido tempo — disse ele, tentando manter o encontro
despreocupado, não querendo alarmar os guardas com a sua
crença de que poderia haver problemas na nova seção.
Dois dos anões pegaram suas armas enquanto os outros dois se
aproximavam para remover a pesada barra de ferro que trancava a
porta.
— Bem, quando estiver pronto para sair, bata na porta três
vezes, depois duas — explicou o anão de barba castanha. — Não
vamos abrir a menos que o sinal esteja certo!
— Três, depois duas — concordou Drizzt.
A barra saiu e a porta se abriu para dentro com um grande som
de sucção. Nada além da escuridão de um túnel vazio era aparente
além dela.
— Calma, meu amiguinho — disse Drizzt, vendo o brilho súbito
nos olhos do halfling. Eles haviam estado ali apenas algumas
semanas antes, para a luta contra os goblins, mas, embora tivessem
erradicado tal ameaça, o túnel silencioso não parecia menos
imponente.
— Rápido — disse-lhes o anão de barba castanha, obviamente
não contente em manter a porta aberta.
Drizzt acendeu uma tocha e liderou o caminho para a penumbra,
com Regis nos seus calcanhares. Os anões fecharam a porta
imediatamente quando os companheiros foram liberados, e Drizzt e
Regis ouviram o barulho da barra de ferro sendo colocada de volta
no lugar.
Drizzt entregou a Regis a tocha e sacou suas cimitarras, fazendo
Fulgor brilhar num suave tom de azul.
— Devemos terminar o mais depressa que pudermos —
raciocinou o drow. — Traga Guenhwyvar e deixe-a nos guiar.
Regis largou a maça e a tocha e se atrapalhou para encontrar a
estatueta de ônix. Ele a colocou no chão diante de si e pegou seus
outros itens, depois olhou para Drizzt, que andara alguns degraus
mais abaixo no túnel.
— Você pode chamar a pantera — disse Drizzt, um tanto
surpreso, quando olhou para trás e viu o halfling esperando por ele,
uma visão curiosa dada a estreita relação de Regis com o grande
felino. Guenhwyvar era uma entidade mágica, uma habitante do
Plano Astral, que vinha ante a convocação do dono da estatueta.
Bruenor sempre fora um pouco tímido ao redor da gata (anões não
costumavam gostar de magia além da mágica de belas armas), mas
Regis e Guenhwyvar eram amigos íntimos. Guenhwyvar tinha até
salvado a vida do halfling uma vez, levando Regis em um passeio
astral e tirando-o de uma torre em colapso no processo.
Agora, porém, Regis estava acima da estatueta, com a tocha e a
maça na mão, aparentemente inseguro de como proceder.
Drizzt deu alguns passos para se juntar ao seu diminuto amigo.
— Qual é o problema? — perguntou ele.
— Eu... Acho que você deveria chamar Guenhwyvar — o halfling
respondeu. — É sua pantera, afinal, e é a sua voz que Guenhwyvar
conhece melhor.
— Guenhwyvar viria ao seu chamado — assegurou Drizzt a
Regis, dando um tapinha no ombro do halfling. Não querendo se
atrasar discutindo, o drow suavemente chamou o nome da pantera.
Alguns segundos depois, uma névoa acinzentada, parecendo mais
escura sob a luz fraca, juntou-se à estatueta e gradualmente se
transformou na forma da pantera. A névoa sutilmente tornou-se algo
mais substancial, depois desapareceu, deixando em seu lugar a
forma felina e musculosa de Guenhwyvar. As orelhas da pantera se
achataram imediatamente — Regis deu um passo prudente para
trás —, e então Drizzt agarrou Guenhwyvar pelo queixo e deu uma
sacudida brincalhona.
— Alguns anões estão desaparecidos — Drizzt explicou à gata,
e Regis sabia que Guenhwyvar entendia cada palavra. — Encontre
o cheiro deles, minha amiga. Conduza-me a eles.
Guenhwyvar passou um longo tempo estudando a área, voltou-
se para olhar um pouco para Regis e depois emitiu um rosnado
baixo.
— Continue — Drizzt disse à gata, e os músculos macios se
flexionaram, impulsionando Guenhwyvar com facilidade e em
perfeito silêncio para a escuridão além da luz das tochas.
Drizzt e Regis seguiram em passo calmo, o drow confiante de
que a pantera não iria longe demais para a acompanharem e Regis
olhando de um lado para o outro a cada centímetro que passava.
Atravessaram a interseção com os gigantescos ossos do ettin, o
primeiro abate de Bruenor, pouco tempo depois, e Guenhwyvar se
juntou a eles mais uma vez quando entraram na caverna baixa onde
a força principal dos goblins havia sido derrotada.
Pouca evidência restava daquela recente batalha, exceto as
muitas manchas de sangue e uma pilha cada vez menor de corpos
de goblins no centro do local. Criaturas parecidas com vermes de
três metros de comprimento se apinhavam sobre eles, com seus
longos tentáculos sentindo o caminho enquanto se banqueteavam
nos cadáveres inchados.
— Fique perto — alertou Drizzt, e Regis não precisou ser
avisado duas vezes. — São vermes da carniça — explicou o ranger
—, os abutres do Subterrâneo. Com a comida tão prontamente
disponível, eles provavelmente nos deixarão em paz, mas são
inimigos perigosos. Um toque de seus tentáculos pode roubar a
força de seus membros.
— Você acha que os anões chegaram perto demais deles? —
perguntou Regis, semicerrando os olhos na penumbra para ver se
conseguia distinguir corpos não-goblinoides em meio à pilha.
Drizzt sacudiu a cabeça.
— Os anões conhecem bem os vermes — explicou. — Eles
acolhem os animais para se livrarem do fedor dos cadáveres dos
goblins. Eu dificilmente esperaria que sete anões veteranos fossem
derrubados por vermes da carniça.
Drizzt começou a descer da plataforma em ângulo, mas o
halfling agarrou sua capa para detê-lo.
— Tem um ettin morto aqui — explicou Regis. — Muita carne.
Drizzt inclinou a cabeça curiosamente, enquanto considerava o
halfling de pensamento rápido, o drow começando a achar que
talvez Bruenor tivesse sido sábio em mandar o pequenino junto.
Eles contornaram a borda da pedra elevada e desceram para o
lado. Com certeza, vários vermes da carniça estariam sobre o
enorme corpo do ettin; o curso original de Drizzt o teria levado para
perigosamente perto das criaturas.
Eles entraram nos túneis vazios novamente em poucos
segundos, Guenhwyvar deslizando silenciosamente na escuridão
para conduzi-los.
A tocha logo se apagou; Regis balançou a cabeça quando Drizzt
procurou outra, lembrando ao elfo que deviam economizar suas
fontes de luz.
Eles continuaram, em silêncio, no escuro, com apenas o brilho
suave de Fulgor para marcar sua passagem. Para o drow, parecia
como nos velhos tempos, atravessando o Subterrâneo com sua
companheira felina, seus sentidos aumentados com o conhecimento
de que o perigo poderia estar à espreita em qualquer curva.
 

 
— O disco está quente? — Jarlaxle perguntou, vendo a
expressão prazerosa de Vierna enquanto esfregava os dedos
delicados na superfície metálica. Ela sentou-se sobre o drider, sua
montaria para a jornada, o rosto de Dinin inchado e inexpressivo.
— Meu irmão não está longe — respondeu a sacerdotisa, com
os olhos fechados em concentração.
O mercenário encostou-se na parede, espiando pelo longo túnel
cheio de cadáveres goblins achatados. Sobre ele formas escuras,
seu silencioso bando de assassinos, deslizaram silenciosamente.
— Podemos saber que Drizzt está lá? — o mercenário ousou
perguntar, embora não estivesse ansioso em dissipar a antecipação
volátil de Vierna, especialmente com a sacerdotisa sentada em cima
de uma lembrança tão pungente de sua ira.
— Ele está aqui — respondeu Vierna com calma.
— E você tem certeza que nosso amigo não vai matá-lo antes
que o encontremos? — o mercenário perguntou.
— Podemos confiar nesse aliado — replicou Vierna com calma,
seu tom um alívio para o líder mercenário. — Lolth me assegurou.
“Assim termina qualquer debate”, pensou Jarlaxle, embora se
sentisse pouco seguro em confiar em qualquer humano,
particularmente naquele a quem Vierna o havia conduzido. Ele
olhou de volta para o túnel, de volta para as formas mutáveis,
enquanto o bando de mercenários seguia o seu caminho
cautelosamente.
No que Jarlaxle realmente confiava era em seus soldados, uma
força tão boa quanto qualquer outra no mundo dos elfos negros. Se
Drizzt Do’Urden estivesse de fato vagando por esses túneis, os
habilidosos assassinos de Bregan D’aerthe o pegariam.
— Devo despachar a força dos Baenre? — perguntou o
mercenário a Vierna.
Vierna considerou as palavras por um momento, depois sacudiu
a cabeça, sua indecisão revelando a Jarlaxle que ela não estava tão
certa do paradeiro do irmão quanto alegava.
— Mantenha-os perto por mais algum tempo — instruiu. —
Quando tivermos encontrado meu irmão, servirão para cobrir nossa
partida.
Jarlaxle ficou muito feliz em obedecer. Mesmo que Drizzt
estivesse ali embaixo, como acreditava Vierna, não sabiam quantos
de seus amigos poderiam estar o acompanhando. Com cinquenta
soldados drow, o mercenário não estava muito preocupado.
Ele se perguntou, no entanto, como Triel Baenre poderia receber
a notícia de que seus soldados, mesmo que fossem apenas
homens, tinham sido usados apenas como bucha.
 

 
— Esses túneis são infinitos — Regis gemeu depois de mais
duas horas de retornos e voltas sem graça nos corredores naturais
trabalhados pelos goblins. Drizzt permitiu uma pausa para o jantar
— até acendeu uma tocha — e os dois amigos sentaram-se em uma
pequena câmara natural em uma rocha plana, rodeados por
estalactites cruéis e montes monstruosos de pedra empilhada.
Drizzt entendia o quão acidentalmente acertadas as palavras do
halfling poderiam ser. Eles estavam muito abaixo do solo, a vários
quilômetros, e as cavernas continuavam sem rumo, conectando
câmaras grandes e pequenas e se encontrando com dezenas de
passagens laterais. Regis estivera nas minas dos anões antes, mas
nunca entrara no reino mais abaixo, o temido Subterrâneo, onde
viviam os elfos drow, onde Drizzt Do’Urden nascera.
O ar sufocante e a inevitável percepção de milhares de
toneladas de rocha sobre sua cabeça forçosamente levaram o elfo
negro a pensar em sua vida passada, nos dias em que vivera em
Menzoberranzan ou a caminhar com Guenhwyvar nos
aparentemente intermináveis túneis do mundo subterrâneo de Toril.
— Vamos nos perder, assim como os anões — resmungou Regis
mastigando um biscoito. Ele deu pequenas mordidas e mastigou-as
mil vezes para saborear cada migalha preciosa.
O sorriso de Drizzt não pareceu confortá-lo, mas o ranger estava
confiante de que ele e, mais particularmente, Guenhwyvar, sabiam
exatamente onde estavam, fazendo um circuito sistemático com a
câmara da batalha dos goblins como seu centro. Apontou para trás
de Regis, seu movimento levando o halfling a meio giro em seu
assento rochoso.
— Se nós voltássemos por aquele túnel e ramificássemos na
primeira passagem à direita, nós iríamos, em questão de minutos,
para a grande câmara onde Bruenor derrotou os goblins, — Drizzt
explicou. — Nós não estávamos tão longe deste local quando
encontramos com Cobble.
— Parece mais longe, só isso — resmungou Regis baixinho.
Drizzt não insistiu, feliz por ter Regis junto, mesmo que o halfling
estivesse particularmente mal-humorado. Drizzt não tinha visto
muito de Regis nas semanas desde que voltara ao Salão de Mitral;
na verdade, ninguém tinha, exceto talvez a equipe de cozinheiros
dos anões nos refeitórios comunitários.
— Por que você voltou? — Drizzt perguntou de repente, sua
pergunta fazendo Regis engasgar com um pedaço de biscoito. O
halfling olhou para ele incrédulo.
— Estamos contentes por ter você de volta — Drizzt continuou,
esclarecendo as intenções de sua pergunta bastante contundente.
— E certamente todos nós esperamos que você fique aqui por muito
tempo. Mas por que, meu amigo?
— O casamento... — Regis gaguejou.
— Um bom motivo, mas dificilmente o único — Drizzt respondeu
com um sorriso compreensivo. — Quando nos vimos pela última
vez, você era um mestre de guilda e todo o Porto Calim era seu.
Regis desviou o olhar, passou os dedos pelo cabelo castanho
encaracolado, brincou com vários anéis e passou a mão para tocar
o brinco.
— Essa é a vida que o Regis que conheço sempre desejou —
observou Drizzt.
— Então talvez você realmente não tenha entendido o Regis —
respondeu o halfling.
— Talvez — admitiu Drizzt —, mas há mais que isso. Eu o
conheço bem o suficiente para entender que você faria um grande
esforço para evitar uma briga. No entanto, quando a batalha dos
goblins chegou, você permaneceu ao meu lado.
— E que lugar é mais seguro do que ao lado de Drizzt
Do’Urden?
— No complexo superior, nos refeitórios — respondeu o drow
sem hesitação. O sorriso de Drizzt era de amizade; o brilho nos
olhos lavanda não mostrava animosidade pelo halfling, quaisquer
que fossem as falsidades que Regis estivesse jogando. — Seja qual
for a razão pela qual você veio, tenha certeza de que estamos todos
felizes por você estar aqui — disse Drizzt honestamente. — Bruenor
mais que qualquer outro, talvez. Mas se você encontrou algum
problema, algum perigo, seria aconselhável declará-lo abertamente,
para que pudéssemos batalhar juntos. Nós somos seus amigos e
ficaremos ao seu lado, sem julgamentos, contra quaisquer
possibilidades. Pela minha experiência, tais chances são sempre
melhores quando conheço o inimigo.
— Eu perdi a guilda — admitiu Regis — apenas duas semanas
depois que você deixou Porto Calim.
A notícia não surpreendeu o drow.
— Artemis Entreri — disse Regis sombriamente, erguendo seu
rosto querúbico para olhar diretamente para Drizzt, estudando cada
movimento do drow.
— Entreri assumiu a guilda? — perguntou Drizzt.
Regis assentiu.
— Ele não teve tanta dificuldade com isso. Sua rede de
influência chegou aos meus companheiros de maior confiança.
— Você deveria ter esperado isso do assassino — Drizzt
respondeu, e deu uma risadinha, o que fez os olhos de Regis
arregalarem-se com aparente surpresa.
— Você acha isso engraçado?
— A guilda está melhor nas mãos de Entreri — respondeu Drizzt
à surpresa continuada do halfling. — Ele é adequado para a vida de
intrigas do miserável Porto Calim.
— Achei que você... — Regis começou. — Quero dizer, você não
quer ir lá e...
— Matar Entreri? — Drizzt perguntou com uma risada suave. —
Minha batalha com o assassino acabou — acrescentou quando o
aceno ansioso de Regis confirmou seu palpite.
— Entreri pode não pensar assim — disse Regis sombriamente.
Drizzt deu de ombros — e notou que sua atitude casual parecia
incomodar o halfling mais do que um pouco.
— Enquanto Entreri ficar no sul, ele não é problema meu. —
Drizzt sabia que Regis não esperava que Entreri permanecesse no
sul. Talvez fosse por isso que Regis não ficara nos níveis superiores
durante a luta dos goblins, pensou o elfo. Talvez Regis receasse que
Entreri pudesse se infiltrar no Salão de Mitral. Se o assassino
encontrasse Drizzt e Regis, provavelmente iria atrás de Drizzt
primeiro.
— Você o feriu, você sabe — continuou Regis. — Na sua luta,
quero dizer. Ele não é do tipo que perdoa algo assim.
O olhar de Drizzt tornou-se repentinamente grave; Regis recuou,
colocando mais distância entre ele e o fogo nos olhos lavanda do
drow.
— Você acredita que ele te seguiu até aqui? — Drizzt perguntou
sem rodeios.
Regis balançou a cabeça enfaticamente.
— Arrumei as coisas para parecer que eu tinha sido morto —
explicou. — Além disso, Entreri sabe onde fica o Salão de Mitral. Ele
poderia encontrar você sem ter que me seguir até aqui. Mas ele não
vai — continuou Regis. — De tudo o que ouvi, perdeu o uso de um
braço e perdeu um olho também. Dificilmente seria páreo a você em
batalha.
— Foi a perda de seu coração que roubou sua capacidade de
lutar — observou Drizzt, mais para si mesmo do que para Regis.
Apesar de sua atitude casual, Drizzt não podia facilmente ignorar
sua longa rivalidade com o assassino mortal. Entreri era seu oposto
de muitas maneiras, sem paixão e amoral, mas na capacidade de
luta provou ser igual a Drizzt — quase. A filosofia de Entreri
sustentava que um verdadeiro guerreiro seria uma coisa sem
coração, um assassino puro e eficiente. As crenças de Drizzt iam
exatamente na direção oposta. Para os drow, que havia crescido
entre tantos guerreiros mantendo ideais semelhantes aos do
assassino, a paixão da justiça aumentava a habilidade de um
guerreiro. O pai de Drizzt, Zaknafein, era inigualável em
Menzoberranzan porque suas espadas soavam por justiça, porque
ele lutava com a crença sincera de que suas batalhas eram
moralmente justificadas.
— Não duvide de que ele vá odiar você — comentou Regis,
roubando as contemplações particulares de Drizzt.
Drizzt notou um brilho nos olhos do halfling e tomou como uma
indicação do ardente ódio de Regis por Entreri. Será que Regis
queria esperar que ele voltasse para Porto Calim e terminasse sua
luta com Entreri? O drow se perguntou. Será que Regis esperava
que Drizzt devolvesse a guilda dos ladrões, depondo seu líder
assassino?
— Ele me odeia porque meu estilo de vida mostra que o dele é
uma mentira vazia — observou Drizzt, com certa frieza. O drow não
voltaria a Porto Calim, não voltaria a lutar com Artemis Entreri por
nenhum motivo. Fazer isso o colocaria no nível moral do assassino,
algo que o drow, que virara as costas ao seu próprio povo amoral,
temia mais do que qualquer coisa em todo o mundo.
Regis desviou o olhar, aparentemente captando os verdadeiros
sentimentos de Drizzt. A decepção era óbvia em sua expressão; o
drow teve que acreditar que Regis realmente esperava recuperar
sua preciosa guilda com a lâmina das cimitarras de Drizzt. E o elfo
negro não tinha muita esperança nas alegações do halfling de que
Entreri não viria para o norte. Se o assassino, ou pelo menos os
agentes do assassino, não estivessem por perto, por que Regis
havia ficado ao lado de Drizzt quando desceram para lutar contra os
goblins?
— Venha — disse o drow, antes que sua crescente raiva
pudesse dominá-lo. — Temos muitos quilômetros para cobrir antes
de pararmos pra passar a noite. Em breve, devemos mandar
Guenhwyvar de volta ao Plano Astral, e nossas chances de
encontrar os anões são melhores com a pantera ao nosso lado.
Regis enfiou a comida restante em sua pequena mochila,
apagou a tocha e seguiu um passo atrás do drow. Drizzt olhou para
ele muitas vezes, um tanto espantado, um pouco desapontado, pelo
brilho zangado nos pontos vermelhos que eram os olhos do halfling.
CAPÍTULO 8

Faíscas voando
 
GOTAS DE SUOR BRILHANTE ROLARAM ao longo dos braços
esculpidos do bárbaro; as sombras da lareira bruxuleante
desenhavam linhas ao longo de seus bíceps e antebraços
espessos, acentuando os enormes músculos definidos. 
Com incrível facilidade, como se estivesse empunhando uma
ferramenta feita para pregos finos, Wulfgar batia o malho de nove
quilos repetidamente contra uma haste de metal. Pedaços de ferro
derretido voavam a cada batida e salpicavam as paredes e o chão e
o grosso avental de couro que usava, pois o bárbaro
descuidadamente aquecera demais o metal. O sangue subiu nos
grandes ombros de Wulfgar, mas ele não piscou e não se cansou.
Ele era impulsionado pela certeza de que tinha que lidar com as
emoções demoníacas que haviam agarrado seu coração.
Ele encontraria consolo na exaustão.
Wulfgar não havia trabalhado na forja há anos, desde que
Bruenor o libertara da servidão no Vale do Vento Gélido, um lugar,
uma vida, que parecia estar há anos-luz de distância.
Wulfgar precisava do ferro agora, precisava do pulsar instintivo e
irrefletido, precisava da coerção física para anular a confusão
desordenada de emoções que não o deixariam descansar. O bater
ritmado forçou seus pensamentos em um padrão de linhas retas; o
bárbaro se permitia avaliar apenas um único pensamento completo
entre cada estrondo que o interrompia.
Ele queria resolver tantas coisas naquele dia, principalmente
para se lembrar daquelas qualidades que inicialmente o atraíram a
sua futura esposa. A cada intervalo, porém, a mesma imagem
brilhava para ele: Presa de Égide girando perigosamente perto da
cabeça de Drizzt.
Ele havia tentado matar seu melhor amigo.
De repente, renovado seu vigor, lançou o malho no metal e
novamente enviou linhas de faíscas voando através da pequena
câmara privada.
O que nos Nove Infernos estava acontecendo com ele? Mais
uma vez, as faíscas voaram descontroladamente.
Quantas vezes Drizzt Do’Urden o salvara? Quão vazia seria sua
vida sem seu amigo de pele de ébano?
Ele grunhiu quando o martelo bateu.
Mas o drow havia beijado Cattibrie — sua Cattibrie — do lado de
fora do Salão de Mitral no dia de seu retorno!
A respiração de Wulfgar veio em suspiros ofegantes, mas seu
braço trabalhava ferozmente, jogando sua fúria através do martelo
de ferreiro. Seus olhos estavam tão fechados quanto a mão que
cerrava o martelo; seus músculos se inchavam com a tensão.
— Essa aí é pra usar dobrando a curva? — ele ouviu a voz de
um anão perguntar.
Os olhos de Wulfgar se abriram e ele se virou para ver um dos
parentes de Bruenor passando pela porta parcialmente aberta,
enquanto seu riso ecoava ao caminhar pelo corredor de pedra.
Quando o bárbaro olhou para o seu trabalho, entendeu a risada do
anão, porque a lança de metal que estivera modelando estava agora
muito curvada no centro por causa das batidas excessivas no metal
aquecido.
Wulfgar jogou o cano arruinado para o lado e deixou o martelo
cair no chão de pedra.
— Por que você fez isso comigo? — ele perguntou em voz alta,
embora Drizzt estivesse longe demais para ouvi-lo. Sua mente
mantinha uma imagem de Drizzt e sua amada Cattibrie abraçados
em um beijo profundo, uma imagem da qual o perturbado Wulfgar
não conseguia se livrar, embora não tivesse visto os dois no ato.
O bárbaro passou a mão pela testa suada, deixando uma linha
de fuligem na testa, e se sentou à beira de uma mesa de pedra. Ele
não esperava que as coisas se tornassem tão complicadas, não
tinha antecipado o comportamento ultrajante de Cattibrie. Pensou na
primeira vez em que vira seu amor, quando ela mal era mais do que
uma garota, pulando pelos túneis do complexo dos anões no Vale
do Vento Gélido — saltitando sem parar, como se todos os perigos
sempre presentes daquela região difícil e todas as lembranças da
recente guerra contra o povo de Wulfgar houvessem simplesmente
se afastado de seus delicados ombros, como se houvessem se
afastado dela como suas brilhantes madeixas castanho
avermelhadas se afastavam de seu rosto quando as sacudia.
Não demorou muito para que o jovem Wulfgar entendesse que
Cattibrie capturara seu coração com aquela dança despreocupada.
Ele nunca conhecera uma mulher como ela; em sua tribo, as
mulheres eram praticamente escravas, encolhidas diante das
exigências muitas vezes irracionais dos homens. As mulheres dos
bárbaros não ousavam questionar seus homens, certamente não os
envergonhavam, como Cattibrie fizera a Wulfgar quando ele havia
insistido para que ela não acompanhasse a força enviada para
negociar com a tribo goblin.
Wulfgar era sábio o bastante agora para admitir suas próprias
falhas e se sentia um tolo pelo modo como falara com Cattibrie.
Ainda assim, restava no bárbaro a necessidade de uma mulher —
uma esposa — a quem pudesse proteger, uma esposa que lhe
permitisse seu lugar de direito como um homem.
As coisas se tornaram muito complicadas, e então, só para
piorar as coisas, Cattibrie — sua Cattibrie — tinha compartilhado um
beijo com Drizzt Do’Urden!
Wulfgar saltou de seu assento e correu para pegar o martelo,
sabendo que passaria muitas horas na forja, muitas horas a mais
passando a raiva de seus músculos trincados para o metal. Pois o
metal se dobrava a ele como Cattibrie jamais o faria, obedecia ao
inegável apelo de seu pesado martelo.
Wulfgar desceu o martelo com toda a força e uma barra de metal
recém-aquecida estremeceu com o impacto. Teng! Faíscas se
jogavam nas maçãs do rosto salientes de Wulfgar, uma chegando
bem perto de seu olho. 
Com o sangue subindo e os músculos tensos, Wulfgar não
sentiu dor.
 

 
— Pegue a tocha — sussurrou o drow.
— A luz vai alertar os inimigos — argumentou Regis num tom
igualmente abafado.
Eles ouviram um grunhido baixo ecoando pelo corredor.
— A tocha — instruiu Drizzt, entregando a Regis uma pequena
pederneira. — Espere aqui com a luz. Guenhwyvar e eu vamos
circular.
— Agora eu sou a isca? — perguntou o halfling.
Drizzt, com os sentidos afinados para detectar sinais de perigo,
não ouviu a pergunta. Com uma cimitarra sacada, e Fulgor e seu
brilho revelador aguardando em sua bainha, ele deslizou em silêncio
e desapareceu na penumbra.
Regis, ainda resmungando, acendeu a tocha. Drizzt estava fora
de vista.
Um rosnado fez o halfling se girar, com a maça em prontidão,
mas era apenas Guenhwyvar, sempre alerta, voltando a dobrar uma
passagem lateral. A pantera passou pelo halfling, seguindo o rumo
de Drizzt, e Regis rapidamente se arrastou para trás, embora não
pudesse esperar acompanhar o ritmo da fera.
Ele estava sozinho novamente após alguns segundos, sua tocha
projetando sombras alongadas e agourentas ao longo das paredes
irregulares. De costas para a pedra, Regis avançou, tão quieto
quanto a morte.
A boca negra de uma passagem lateral surgiu a poucos metros
de distância. O halfling continuou andando, segurando a tocha atrás
dele, sua maça na frente. Ele sentiu uma presença em torno
daquele canto, algo subindo até a borda da outra direção.
Regis cuidadosamente colocou a tocha na pedra e aproximou
sua maça do peito, deslizando suavemente os pés para equilibrar
perfeitamente seu peso.
Ele virou a esquina em uma corrida ofuscante, cortando com a
maça. Algo azul brilhou para interceptar; lá veio o tilintar de metal
contra metal. Regis instantaneamente trouxe a arma de volta e
mandou chicotear de lado, mais baixo.
Mais uma vez veio o tilintar distintivo de um bloqueio.
A maça foi lançada para fora, e então para dentro, habilmente ao
longo do mesmo curso. O habilidoso adversário do halfling não foi
enganado, porém, e a lâmina de bloqueio ainda estava no lugar.
— Regis!
A maça girou acima da cabeça do halfling, pronta para se lançar
à frente, mas Regis a balançou no altura do braço, de repente,
reconhecendo a voz.
— Eu disse para você ficar lá com a luz — Drizzt repreendeu-o,
saindo das sombras — Você tem sorte de eu não ter matado você.
— Ou de eu não ter matado você — Regis respondeu sem
hesitar, e seu tom calmo e frio fez o rosto de Drizzt se contorcer em
surpresa. — Achou alguma coisa? — o halfling perguntou.
Drizzt sacudiu a cabeça:
— Estamos perto — respondeu calmamente. — Guenhwyvar e
eu temos certeza disso.
Regis se aproximou e pegou a tocha, depois enfiou a maça no
cinto, deixando-a de fácil acesso.
O grunhido súbito de Guenhwyvar ecoou para eles de mais
longe no longo corredor, lançando os dois em uma corrida.
— Não me deixem pra trás! — Regis exigiu, e agarrou o manto
de Drizzt e não o soltou, com os pés peludos saltando, pulando e
derrapando enquanto tentava acompanhar o ritmo.
Drizzt diminuiu a velocidade quando os olhos vítreos amarelo-
esverdeados de Guenhwyvar refletiram de volta além da fronteira da
luz da tocha, em um canto onde a passagem se virava
bruscamente.
— Acho que encontramos os anões. — murmurou Regis,
sombrio. Ele entregou a tocha a Drizzt e soltou o manto, seguindo o
drow até a curva do túnel.
Drizzt olhou ao redor — Regis o viu estremecer — e depois
levou a tocha para o alto, lançando luz sobre a cena terrível.
Eles realmente haviam encontrado os anões desaparecidos —
fatiados e abatidos; alguns caídos, alguns encostados nas paredes
em intervalos irregulares ao longo de uma pequena extensão do
corredor de pedra trabalhada.
 

 
— Se você não quer usar o avental, então você não vai usá-lo.
Bruenor disse em frustração. Cattibrie assentiu, finalmente ouvindo
a concessão que queria desde o começo.
— Mas, meu rei... — protestou Cobble, o único outro na câmara
privada com Bruenor e Cattibrie. Tanto ele quanto Bruenor
ostentavam graves dores de cabeça causadas pela água benta.
— Bah! — o rei anão bufou para silenciar o clérigo bem-
intencionado. —Você não conhece minha garota tão bem quanto eu.
Se ela está dizendo que não vai usá-lo, então nem todos os
gigantes da Espinha do Mundo poderiam fazer ela mudar de ideia.
— “Bah” você! — veio um chamado inesperado de fora da sala,
seguido por uma tremenda batida. — Eu sei que você está aí,
Bruenor Martelo de Batalha, que se considera rei do Salão de Mitral!
Agora, abra essa porta e encontre seu superior!
— Conhecemos essa voz? — perguntou Cobble, trocando
olhares confusos com Bruenor.
— Abre logo! — veio outro grito, seguido por um som agudo de
raspagem. A madeira lascou quando uma luva de pregos,
basicamente grandes espetos colocados em uma manopla de metal
especialmente construída, se prendeu pela porta grossa.
— Ai, arenito — veio um som mais baixo.
Bruenor e Cobble olharam um para o outro, incrédulos.
— Não — disseram em uníssono, abanando suas cabeças.
— O que foi? — Cattibrie perguntou, ficando impaciente.
— Não pode ser — respondeu Cobble, e pareceu à jovem que
ele esperava com todo seu coração que suas palavras fossem
verdadeiras.
Um grunhido sinalizou que a criatura além da porta havia
finalmente extraído seu espigão.
— O que foi? — Cattibrie exigiu saber de seu pai, com as mãos
plantadas diretamente em seus quadris.
A porta se abriu e lá estava o anão de aparência mais curiosa
que Cattibrie já vira. Ele usava uma manopla de aço com pontas
afiadas que deixava seus dedos descobertos em cada mão, tinha
espigões similares saindo de seus cotovelos, joelhos e dedos de
suas botas pesadas, e usava uma armadura (ajustada à sua forma
curta e atarracada) com cravos metálicos paralelos horizontais a um
centímetro de distância do outro ornando seu corpo do pescoço ao
meio da coxa e seus braços do ombro ao antebraço. Seu elmo
cinzento era aberto, com grossas correias de couro desaparecendo
sob sua monstruosa barba negra, e ostentava uma ponta brilhante
sobre ele, quase a metade mais alta que o anão de um metro e vinte
de altura.
— Isso — Bruenor respondeu, seu tom refletindo seu desdém
óbvio — é um furioso de batalha.
— Não só um furioso de batalha — o curioso anão de barba
negra acrescentou. — O furioso de batalha! O mais selvagem
furioso de batalha! — ele caminhou em direção a Cattibrie e sorriu
amplamente com a mão estendida em sua direção. Sua armadura, a
cada movimento, emitia ruídos de raspagem que faziam os cabelos
da nuca da jovem se arrepiarem. 
— Thibbledorf Pwent ao seu serviço, minha boa senhora! — o
anão se apresentou grandiosamente. — Primeiro guerreiro do Salão
de Mitral. Você deve ser essa Cattibrie de quem eu tanto ouvi falar
lá em Adbar. A filha humana de Bruenor, me disseram, embora eu
ainda esteja um pouco abalado por ver qualquer mulher Martelo de
Batalha sem uma barba para fazer cócegas nos dedos dos pés!
O cheiro da criatura quase derrubou Cattibrie. Teria ele tirado
aquela armadura em qualquer momento neste século, ela se
perguntou.
— Vou tentar deixar uma crescer — ela prometeu.
— Faça isso! Faça isso! — Thibbledorf cacarejou, e então pulou
para ficar diante de Bruenor, o barulho de sua armadura rasgando a
medula dos ossos de Cattibrie.
 — Meu rei! — Thibbledorf gritou. E caiu numa mesura — e
quase cortou pela metade o nariz comprido e pontudo de Bruenor
com a ponta do elmo ao se abaixar.
— O que nos Nove Infernos você está fazendo aqui? — Bruenor
exigiu saber.
— E, principalmente, vivo — acrescentou Cobble, depois
respondeu ao olhar incrédulo de Bruenor com um dar de ombros
impotente.
— Eu achei que você tinha morrido quando Prefulgor Soturno, o
dragão, tomou os corredores inferiores — continuou Bruenor.
— Seu sopro era a morte! — gritou Thibbledorf. “Olha quem está
falando” Cattibrie pensou, mas ficou em silêncio. Pwent rugiu,
dramaticamente agitando os braços e girando no chão, olhando
para nada, como se estivesse recordando uma cena de seu
passado distante. — Sopro maligno. Uma profunda escuridão que
caiu sobre mim e roubou a força de meus ossos.
— Mas eu saí e fui embora! — Thibbledorf gritou de repente,
girando na direção de Cattibrie, um dedo atarracado apontando em
sua direção. — Por uma porta secreta nos túneis inferiores. Mesmo
o dragão não conseguiu parar Pwent!
— Mantivemos os corredores seguros por mais dois dias antes
que os lacaios de Prefulgor Soturno nos empurrasse para o Vale do
Guardião — disse Bruenor. — Eu não ouvi nada sobre seu retorno
para lutar ao meu lado de meu pai e seu pai, o então rei do Salão de
Mitral.
— Foi uma semana que se passou até eu recuperar a minha
força pra voltar ao redor da montanha pela passagem da porta oeste
— explicou Pwent. — Até lá os corredores estavam perdidos.
— Algum tempo depois — prosseguiu Pwent, abrindo a barba
incrivelmente espessa com uma de suas luvas de pregos — ouvi
que um bando de jovens, inclusive você, tinha ido para o oeste.
Alguns disseram que você estava indo trabalhar nas minas de
Mirabar, mas quando cheguei lá, não ouvi uma palavra.
— Duzentos anos! — Bruenor grunhiu no rosto de Pwent,
roubando seu sorriso aparentemente perpétuo. — Você levou
duzentos anos para nos encontrar, mas nem uma vez ouvimos uma
palavra de que você estava vivo.
— Eu voltei para o leste — explicou Pwent com tranquilidade. —
Vivendo, vivendo bem, fazendo trabalho mercenário, principalmente,
em Sundabar e para o rei Harbromme da Cidadela Adbar. Foi lá,
três semanas atrás, eu estava no sul há algum tempo, sabe, que
ouvi pela primeira vez do seu retorno, que um Martelo de Batalha
tinha retomado o Salão!
— Então aqui estou eu, meu rei — disse ele, se deixando cair
sobre um joelho. — Me aponte para seus inimigos. — O furioso de
batalha deu uma piscadela a Cattibrie e apontou um dedo sujo e
atarracado em direção à ponta do espigão do capacete.
— Mais selvagem? — Bruenor perguntou, um pouco
ironicamente.
— Sempre fui — respondeu Thibbledorf.
— Vou chamar uma escolta — disse Bruenor — para que você
possa tomar um banho e fazer uma refeição.
— Eu aceito a refeição — respondeu Pwent. — Fique com seu
banho e sua escolta. Eu conheço os caminhos por esses salões tão
bem quanto você, Bruenor Martelo de Batalha. Melhor, eu digo, já
que você era apenas um anãozinho de penugem no queixo quando
fomos expulsos. — Ele estendeu a mão para beliscar o queixo de
Bruenor e a teve prontamente afastada com um tapa. Com sua
risada estridente como um grito de falcão e sua armadura rangendo
como garras na ardósia, o furioso de batalha arrastou-se para longe.
— Tipo agradável — observou Cattibrie.
— Pwent vivo — pensou Cobble, e Cattibrie não poderia dizer se
isso era uma boa notícia ou não.
— Você nunca mencionou aquele lá — disse Cattibrie a Bruenor.
— Confie em mim, menina — respondeu Bruenor. — Aquele lá
não vale muito a pena se mencionar.
 

 
Exausto, o bárbaro caiu sobre sua cama e tentou dormir um
pouco. Ele sentiu o sonho retornar antes mesmo de fechar os olhos.
Então, se levantou, não querendo ver de novo as imagens de sua
Cattibrie entrelaçada com a figura de Drizzt Do’Urden.
Elas vieram de qualquer maneira.
Ele viu mil milhares de faíscas, um milhão de fogos refletidos,
descendo em espiral, convidando-o.
Wulfgar rosnou desafiadoramente e tentou se levantar. Levou-lhe
vários momentos para perceber que a tentativa fora fútil, que ainda
estava em sua cama e que estava descendo, seguindo o inegável
rastro de brilhos cintilantes até as imagens.
CAPÍTULO 9

Cortes Limpos Demais


 
— GOBLINS? — Regis perguntou.
Drizzt se inclinou sobre um dos cadáveres anões, balançando a
cabeça antes mesmo de se aproximar o suficiente para inspecionar
as feridas. Os goblins provavelmente não teriam deixado os anões
nessa condição, o drow ranger sabia, certamente não com todas as
suas valiosas armaduras e equipamentos intactos. Além disso, os
goblins nunca recuperavam os corpos de seus próprios mortos, mas
os únicos mortos nesse corredor eram anões. Não importava quão
grande fosse a força dos goblins, e quão maior fosse a vantagem da
surpresa, Drizzt não achava provável que eles pudessem ter matado
esse grupo robusto sem uma única perda.
Os ferimentos do anão mais próximo pareciam confirmar os
instintos do drow. Finos e precisos, os cortes não foram feitos pelas
armas toscas e rudimentares dos goblins. Uma lâmina bem feita,
afiada e provavelmente encantada, cortara a garganta daquele anão
em particular. A linha mal era visível, mesmo depois de Drizzt ter
limpado o sangue, mas definitivamente fatal.
— O que matou os anões? — Regis perguntou, ficando
impaciente. Mudava o apoio de um pé para outro, passando a tocha
de uma mão para a outra.
A mente de Drizzt se recusava a aceitar a conclusão óbvia.
Quantas vezes em seus anos em Menzoberranzan, lutando ao lado
de seus parentes drow, Drizzt Do’Urden testemunhara ferimentos
semelhantes a estes? Nenhuma outra raça em todos os Reinos,
talvez exceto os elfos da superfície, usava armas tão afiadas.
— O que os matou? — Regis perguntou novamente, com um
notável tremor em sua voz.
Drizzt sacudiu as madeixas brancas.
— Eu não sei — respondeu honestamente. Ele foi para o
próximo corpo, este jogado, meio encostado na parede. Apesar da
abundância de sangue, a única ferida que o drow encontrou foi um
único corte diagonal limpo ao longo do lado direito da garganta do
infeliz anão, fino como papel, mas muito profundo.
— Podem ser duergars — disse Drizzt a Regis, referindo-se à
raça maligna dos anões cinzentos. Fazia sentido, uma vez que os
duergars serviram como lacaios do dragão Prefulgor Soturno e
habitaram aqueles mesmos salões há até pouco tempo, quando as
forças de Bruenor os expulsaram. Ainda assim, Drizzt sabia que seu
raciocínio se baseava mais na esperança do que na verdade. Os
gananciosos duergars teriam saqueado as vítimas, particularmente
o equipamento de mineração, e os duergars, assim como os anões
das montanhas, preferiam armas mais pesadas, como machados.
Nenhuma arma assim havia atingido esse anão.
— Você não acredita nisso — disse Regis atrás dele. Drizzt não
se virou para observar o halfling; permanecendo agachado, se
arrastou até o próximo infeliz anão.
A voz de Regis desapareceu atrás dele, mas Drizzt ouviu a
última declaração do halfling tão claramente quanto qualquer outra
coisa que ouvira em sua vida.
— Você acha que foi Entreri.
Drizzt não pensava isso, não achava que qualquer guerreiro
solitário, por mais habilidoso que fosse, pudesse ter feito um
trabalho tão completo e preciso. Olhou de relance para Regis,
parado impassível sob a lanterna, os olhos procurando em Drizzt
alguma reação. Drizzt achou o raciocínio do halfling curioso, e a
única explicação que conseguiu imaginar foi que Regis estava
terrivelmente apavorado com a ideia de Entreri tê-lo seguido de
Porto Calim.
Drizzt sacudiu a cabeça e voltou a investigar. No corpo do
terceiro anão, encontrou uma pista que reduziu a lista de possíveis
assassinos a uma raça.
Um minúsculo dardo se projetava do lado do corpo, sob o manto.
Drizzt teve que respirar fundo antes de reunir coragem para retirá-lo,
porque o reconhecia, e explicava a facilidade com que esses anões
endurecidos haviam sido facilmente abatidos. O virote, feito para
uma besta de mão, sem dúvida tinha sido coberto com veneno do
sono, e era uma das armas preferidas dos elfos negros.
Drizzt se levantou, suas cimitarras saltaram para as mãos
delgadas.
— Temos que sair daqui — sussurrou duramente.
— O que foi? — Regis perguntou.
Drizzt, com os sentidos aguçados em sintonia com a escuridão,
ao longo do corredor, não respondeu.
De algum lugar por detrás do halfling, Guenhwyvar emitiu um
grunhido baixo.
Drizzt desceu um pé para trás e deslizou lentamente,
entendendo que qualquer movimento abrupto provocaria um ataque.
Elfos negros no Salão de Mitral! De todos os horrores que Drizzt
conseguia pensar — e, em Faerun, eles eram incontáveis —
nenhum chegava perto do desastre dos drow.
— Para que lado? — Regis sussurrou. A luz azul de Fulgor
pareceu se acender.
— Vai! — exclamou Drizzt, entendendo a advertência da
cimitarra. Ele virou-se e viu Regis por um momento, depois o halfling
desapareceu sob uma bola de escuridão conjurada, a magia
apagando a luz da lanterna em um piscar de olhos.
Drizzt rolou para o lado do corredor e virou-se atrás do corpo
apoiado de um anão morto. Fechou os olhos, forçando-os a entrar
no espectro infravermelho, e sentiu o corpo do anão tremer um
pouco, de vez em quando. Drizzt sabia que o corpo tinha sido
atingido por virotes.
Uma faixa preta emergiu do globo das trevas atrás dele; o
corredor iluminou-se um pouco quando Regis aparentemente saiu
pela parte de trás da área escura, sua tocha lançando alguma luz ao
redor da borda do globo inflexível.
O halfling não gritou, no entanto. Isso surpreendeu a Drizzt e o
fez temer que Regis tivesse sido pego.
Guenhwyvar passou por ele e disparou para a esquerda, depois
para a direita. Um virote coberto de veneno saltou do chão de pedra,
a centímetros das patas em movimento rápido da pantera. Outro
acertou Guenhwyvar com um baque, mas a gata mal desacelerou.
Drizzt viu os contornos aquecidos de duas formas esbeltas a
muitos metros de distância, cada uma com um único braço
estendido, como se estivessem novamente mirando suas armas
malignas. Drizzt invocou suas próprias habilidades mágicas inatas e
jogou um globo de escuridão no corredor à frente de Guenhwyvar,
oferecendo alguma cobertura. Ele também estava de pé e correndo,
seguindo a gata, esperando que Regis tivesse escapado.
Entrou em sua própria área de escuridão sem diminuir a
velocidade, com passos firmes, lembrando-se da disposição do
corredor perfeitamente e habilmente pulando mais um corpo anão.
Ao emergir, Drizzt notou a boca negra de uma passagem lateral à
sua esquerda. Guenhwyvar passara direto por ela e agora estava se
inclinando sobre as duas formas drow, mas Drizzt, treinado nas
táticas dos elfos negros, sabia em seu coração que a passagem
lateral não podia estar vazia.
Ele ouviu um ruído cortante, como de muitas pernas rígidas, e
então caiu para trás, aturdido e com medo, enquanto uma
monstruosidade de oito pernas, metade drow e metade aracnídeo,
subia ao redor da curva, suas pernas se firmando com igual força e
facilidade no chão e na parede. Machados gêmeos agitavam
ameaçadoramente em suas mãos, que outrora haviam sido as
delicadas mãos de um drow.
Em todo o vasto mundo, não havia nada mais repulsivo para
qualquer elfo negro, inclusive Drizzt Do’Urden, do que um drider.
O rugido de Guenhwyvar, acompanhado pelos sons de vários
bestas, trouxe Drizzt de volta aos seus sentidos a tempo de desviar
o primeiro ataque do drider. O monstro entrou direto com as patas
dianteiras levantadas e chutando — para manter Drizzt fora de
equilíbrio — e lançou seus machados em um golpe duplo rápido na
cabeça de Drizzt.
Drizzt recuou para fora do alcance das pernas a tempo de evitar
os machados cortantes, mas em vez de continuar sua retirada,
enganchou um braço em uma perna de aranha e girou em volta
dela, correndo de volta para dentro. Fulgor cintilou, desviando uma
segunda perna e dando a Drizzt uma abertura suficiente para descer
até os joelhos, bem debaixo da fera.
O drider recuou e sibilou, com os dois machados cortando na
direção da parte de trás de Drizzt.
A outra cimitarra de Drizzt já estava no lugar, porém, parada
horizontalmente atrás de seu pescoço vulnerável. Ela desviou um
machado inofensivamente para longe e pegou o outro onde sua
lâmina encontrava seu cabo. Drizzt colocou os pés sob ele e virou
de lado quando se levantou, ambas as lâminas subindo. Com o seu
bloqueio com a cimitarra, continuou o movimento, girando o
machado preso na mão do drider e soltando-o. Com Fulgor,
empurrou para cima, encontrando uma fresta no exoesqueleto
blindado da criatura e afundando a lâmina profundamente na carne
aracnídea. Fluidos quentes jorravam sobre o braço de Drizzt; o
drider gritou em agonia e se contorceu violentamente.
Pernas bateram em Drizzt de todos os lados. Ele quase perdeu o
controle sobre Fulgor e teve que puxar a lâmina para mantê-la em
sua mão. Através das barras de pernas de aranha de sua prisão,
Drizzt notou mais formas escuras emergindo do corredor lateral, os
elfos drow, ele sabia, cada um com um braço estendido em sua
direção.
O ranger girou freneticamente quando o primeiro disparou. Sua
capa grossa flutuou por trás dele e pegou o virote inofensivamente
em suas dobras pesadas. Quando terminou sua desesperada
manobra, Drizzt descobriu que estava parcialmente para fora da
parte de baixo do drider, e a criatura girou para alinhá-lo com o
machado restante. Ainda pior, o segundo drow o tinha mirado com
precisão em sua besta.
O machado desceu de forma curiosa — pela lateral inofensiva,
observou Drizzt — forçando o ranger a se apará-lo. Ele esperava
ouvir o clique do disparo de uma besta, mas ouviu um gemido
abafado quando trezentos quilos de pantera negra soterraram seu
atacante elfo negro.
Drizzt deu um tapa no machado com uma das lâminas, depois a
outra, ganhando tempo suficiente para sair por completo. Ele subiu
instintivamente, girando para longe do drider, bem a tempo de
levantar suas armas para bloquear um golpe de espada do inimigo
drow mais próximo.
— Largue suas armas e será mais fácil para você! — o drow,
segurando duas belas espadas, gritou em uma linguagem que Drizzt
não ouvia há mais de uma década, uma linguagem que trazia
imagens de sua linda, deturpada e terrível Menzoberranzan, à sua
mente. Quantas vezes Zaknafein, seu pai, esteve diante dele,
similarmente armado, aguardando sua inevitável competição de
luta?
Um grunhido que nem sequer conhecia escapou dos lábios de
Drizzt; ele entrou em uma série de combinações ofensivas que
deixaram seu oponente deslumbrado e desequilibrado em uma
fração de segundo. Uma cimitarra veio baixa para o lado, a segunda
veio para o alto, para a frente, e a primeira cortou novamente,
inclinada para baixo no nível do ombro.
Os olhos do drow inimigo se arregalaram como se de repente
tivesse percebido sua destino.
Guenhwyvar saltou sobre ambos, acertou o drider e caiu em uma
bola preta de garras e pernas de aranha.
Mais elfos negros estavam chegando, Drizzt sabia, de mais
longe e da passagem lateral. A fúria de Drizzt não cedeu. Fulgor e
sua outra lâmina trabalhavam ferozmente, impedindo o outro drow
de começar um contra-ataque.
Ele encontrou uma abertura no pescoço do drow, mas não teve
estômago para matá-lo. Não era um goblin que enfrentava, mas um
drow, um de sua própria raça, um como Zaknafein, talvez. Drizzt
lembrou-se de uma promessa que fizera quando deixara a cidade
dos elfos negros. Ignorando a abertura no pescoço do drow, bateu a
lâmina para baixo, golpeando uma das espadas de seu oponente.
Fulgor seguiu o ataque imediatamente, batendo na mesma espada,
então a primeira cimitarra de Drizzt virou para o outro lado,
acertando a arma do seu oponente e mandando-a para longe. O
drow maligno recuou, depois abaixou, esperando contra-atacar com
a espada que restava para empurrar Drizzt para trás, para então
talvez recuperar a arma perdida.
Um retorno ofuscante de Fulgor mandou a espada restante
voando para longe, e Drizzt, sem nunca duvidar da eficácia de seu
ataque, estava avançando antes que Fulgor sequer o tocasse.
Ele podia ter acertado o drow em qualquer lugar que escolhesse,
incluindo uma dúzia de áreas críticas, mas Drizzt Do’Urden recordou
novamente o voto que fizera quando deixara Menzoberranzan, uma
promessa a si mesmo e uma justificativa de sua partida, de que
nunca mais tornaria a tirar a vida de alguém de seu povo.
Sua cimitarra apontou para baixo, inclinando-se acima do joelho
do oponente. O drow maligno uivou e caiu para trás, rolando para a
pedra e agarrando sua articulação rasgada.
Guenhwyvar estava sob o drider de pé, os músculos do flanco da
pantera expostos por baixo de um pedaço solto da pele preta da
gata.
— Vá, Guenhwyvar! — gritou Drizzt enquanto corria ao longo da
parede, saltando descontroladamente, cortando a confusão de
pernas de drider daquele lado. Ouviu a monstruosidade gritar
novamente quando uma cimitarra acertou com força uma perna,
quase arrancando-a, e então caiu livre, pelo lado de trás.
Guenhwyvar levou outro golpe de machado, mas não respondeu,
não seguiu Drizzt ou contra-atacou.
— Guenhwyvar! — gritou Drizzt, e a cabeça da pantera se virou
devagar para olhá-lo. Drizzt compreendeu a lentidão da pantera
quando Guenhwyvar recuou várias vezes com os golpes contínuos
de besta.
O instinto de Drizzt disse-lhe para mandar a pantera embora
antes que sofresse mais algum grande dano — mas ele não tinha a
estatueta!
— Guenhwyvar! — ele gritou de novo, vendo muitas formas se
aproximando rapidamente, vindas de além do drider.
Verdadeiramente dilacerado, Drizzt decidiu voltar correndo e lutar ao
lado da pantera até o amargo fim.
A criatura de oito patas silvou vitoriosa enquanto seu machado
se alinhava para um golpe no pescoço da pantera indefesa e
trêmula. Abaixo veio a lâmina, mas ela atingiu apenas névoa
insubstancial, e o berro do drider se transformou em um grito de
frustração.
— Vamos! — Drizzt ouviu Regis dizer atrás dele. O ranger então
entendeu e ficou aliviado.
Mas então o drider virou-se completamente e, pela primeira vez,
com a luz da tocha voltada para essa área do túnel, Drizzt deu uma
boa olhada no rosto irritantemente familiar da criatura.
Porém, não teve tempo de parar para observá-lo com cuidado.
Ele fez um movimento em arco, muito exagerado, para fazer sua
capa voar (e bloquear ainda outro virote que estava mergulhando
em suas costas) e correu para longe.
O corredor escureceu imediatamente, depois iluminou-se um
pouco e escureceu novamente, quando Regis entrou e atravessou
os dois globos de escuridão. Drizzt mergulhou para o lado assim
que entrou na cobertura de seu próprio globo, e ouviu um virote
bater na pedra não muito longe. A toda velocidade, pegou Regis um
pouco além do segundo globo, e os dois passaram pelos corpos dos
anões, cortaram a curva do corredor e continuaram correndo, com
Drizzt na frente.
CAPÍTULO 10

Nas Facetas de
uma Joia Maravilhosa
 
Regis e Drizzt pararam em uma pequena câmara lateral, com
teto relativamente livre das estalactites comuns naquela região de
cavernas, e sua entrada baixa e defensável.
— Devo apagar a tocha? — perguntou o halfling. Ele ficou atrás
de Drizzt enquanto o drow se agachava na frente da entrada,
ouvindo sons de movimento no túnel principal.
Drizzt pensou por um longo momento, depois sacudiu a cabeça,
sabendo que realmente não importava, que ele e Regis não tinham
chance de escapar daqueles túneis sem mais confrontos. Logo
depois de terem escapado da batalha, Drizzt descobriu outros
inimigos paralelos ao lado dos corredores. Conhecia as técnicas de
caça dos elfos negros o suficiente para entender que a armadilha
não seria definida com nenhuma abertura óbvia.
— Eu luto melhor à luz do que os meus iguais, imagino —
argumentou Drizzt.
— Pelo menos não era Entreri — disse Regis, e Drizzt achou a
referência ao assassino uma coisa bem estranha. “Quem dera fosse
Artemis Entreri!”, o drow pensou. Pelo menos, ele e Regis não
seriam cercados por uma horda de guerreiros drow!
— Você se saiu bem ao dispensar Guenhwyvar — observou
Drizzt.
— A pantera teria morrido? — Regis perguntou.
Drizzt honestamente não sabia a resposta, mas não acreditava
que Guenhwyvar estivesse em perigo mortal. Ele tinha visto a
pantera ser arrastada para dentro da pedra por uma criatura do
plano elemental da terra e mergulhada em um lago mágico de ácido
puro. Em ambas as vezes a pantera havia retornado e,
eventualmente, todas os ferimentos de Guenhwyvar haviam se
curado.
— Se o drow e o drider tivessem como continuar — acrescentou
—, é provável que Guenhwyvar tivesse precisado de mais tempo
para curar seus ferimentos no Plano Astral. Eu não acredito que a
pantera possa ser morta longe de sua casa, no entanto, não
enquanto a estatueta existir. — Drizzt olhou de volta para Regis,
com sincera gratidão em seu belo rosto. — Você fez bem em
mandar Guenhwyvar embora, pois certamente a pantera estava
sofrendo nas mãos de nossos inimigos.
— Estou feliz por Guenhwyvar não morrer — Regis comentou
enquanto Drizzt olhava para a entrada. — Não seria bom perder um
item mágico tão valioso.
Nada que Regis dissera desde o seu retorno de Porto Calim,
nada do que Regis dissera a Drizzt parecia tão fora de lugar. Não, ia
mais longe do que isso, decidiu Drizzt, chocado com a observação
insensível de seu companheiro halfling. Guenhwyvar e Regis eram
mais que companheiros, eram amigos há muitos anos. Regis nunca
se referiria a Guenhwyvar como um item mágico.
De repente, tudo começou a fazer sentido para o elfo negro: as
referências do halfling a Artemis Entreri agora, com os anões
mortos, e de novo quando conversaram sobre o que havia
acontecido em Porto Calim depois da partida de Drizzt. Agora Drizzt
entendia o modo ansioso como Regis media suas reações a
comentários sobre o assassino.
E Drizzt entendeu a crueldade de sua luta com Wulfgar — o
bárbaro não mencionara que era Regis quem lhe contara sobre o
encontro de Drizzt com Cattibrie do lado de fora do Salão de Mitral?
— O que mais você disse a Wulfgar? — Drizzt perguntou, sem
se virar, sem vacilar nem um pouco. — Do que mais você o
convenceu com aquele pingente de rubi pendurado no seu
pescoço?
A pequena maça caiu ruidosamente no chão ao lado do drow,
chegando a ficar vários metros à sua frente, na diagonal. Então veio
outro item, uma máscara que o próprio Drizzt usara em sua jornada
nas terras do sul, uma máscara que permitira a Drizzt alterar sua
aparência para a de um elfo da superfície.
 

 
Wulfgar olhou com curiosidade para o anão ultrajante, sem saber
ao certo o que fazer com aquele maltrapilho não ortodoxo. Bruenor
havia apresentado Pwent ao bárbaro um minuto antes, e Wulfgar
teve a nítida impressão de que Bruenor não gostava muito do anão
fedorento de barba negra. O rei anão, para sentar-se entre Cobble e
Cattibrie, correu então pelo salão de audiências, deixando Wulfgar,
desajeitado, de pé junto à porta.
Thibbledorf Pwent, no entanto, parecia perfeitamente à vontade.
— Você é um guerreiro, não? — perguntou Wulfgar
educadamente, esperando encontrar algum ponto em comum.
A gargalhada de Pwent zombou dele.
— Guerreiro? — berrou o anão mal-humorado. — Você quer
dizer, alguém que luta com honra? — Wulfgar deu de ombros, não
tendo ideia de onde Pwent estava querendo chegar.
— Você é um guerreiro, garotão? — Pwent perguntou.
Wulfgar estufou o peito grande.
— Eu sou Wulfgar, filho de Beornegar — ele começou
solenemente.
— Eu imaginei — Pwent gritou do outro lado da sala para os
outros. — E se você estivesse lutando contra alguém, e ele
tropeçasse em seu caminho e largasse sua arma, você se ia se
afastar e deixar ele pegar, sabendo que você ganharia a luta de
qualquer maneira — Pwent raciocinou.
Wulfgar deu de ombros, a resposta óbvia.
— Você sabe que Pwent certamente vai insultar o garoto —
disse Cobble, apoiando-se no braço da cadeira de Bruenor,
sussurrando para o rei anão.
— Ouro contra prata no garoto, então — ofereceu Bruenor
calmamente. — Pwent é bom e selvagem, mas não tem forças para
lidar com aquele lá.
— Não é bem uma aposta que eu aceite — respondeu Cobble
—, mas se Wulfgar levantar a mão contra ele, será cutucado, não há
dúvidas.
— Bom — Cattibrie colocou inesperadamente. Tanto Bruenor
quanto Cobble lançaram olhares incrédulos para a jovem. —
Wulfgar está precisando levar uns cutucões — explicou com uma
insensibilidade incomum.
— Bem, aí é que tá — Pwent rugiu no rosto de Wulfgar,
conduzindo o bárbaro pela sala enquanto falava. — Se eu tivesse
lutando com qualquer um, se eu tivesse lutando com você, e você
largasse sua arma, eu deixaria você se curvar e pegá-la.
Wulfgar assentiu em concordância, mas deu um salto para trás
quando Pwent estalou os dedos sujos bem debaixo do nariz do
Wulfgar.
— E então eu colocaria meu espeto através do topo de sua
cabeça grossa! — o furioso terminou. — Eu não sou nenhum
guerreiro estúpido, seu idiota! Sou um furioso de batalha, O furioso
de batalha! E nunca se esqueça de que Pwent joga para ganhar! —
estalou os dedos novamente na direção de Wulfgar, depois passou
pelo bárbaro atordoado, pisando para ficar diante de Bruenor.
— Você tem alguns amigos esquisistos, mas não estou surpreso
— Pwent rugiu para Bruenor. Ele olhou para Cattibrie com seu
sorriso de dentes quebrados. — Mas sua garota seria bonitinha se
pudesse dar um jeito de crescer um pouco de cabelo no queixo.
— Tome isso como um elogio — Cobble calmamente ofereceu a
Cattibrie, que apenas deu de ombros e sorriu com diversão.
— Martelos de Batalha sempre têm um ponto fraco em seus
corações por aqueles que não são anões — prosseguiu Pwent,
dirigindo seus comentários para Wulfgar enquanto o homem alto
vinha até o lado dele. — E deixamos que eles sejam nossos reis de
qualquer maneira. Nunca consegui entender essa parte.
As juntas de Bruenor se embranqueceram sob o esforço
enquanto segurava com força os braços da cadeira, tentando se
controlar. Cattibrie deixou cair a mão sobre a dele, e quando olhou
para seus olhos tolerantes, a tempestade passou rapidamente.
— Falando nisso — prosseguiu Pwent —, há um rumor
desagradável de que você tem um elfo drow ao seu lado. Isso é
verdade?
A primeira reação de Bruenor foi de raiva — sempre o anão
estava na defensiva a respeito de seu amigo drow frequentemente
visto como maligno.
Cattibrie falou primeiro, porém, suas palavras dirigiam-se mais a
seu pai do que a Pwent, um lembrete para Bruenor de que a pele de
Drizzt havia engrossado e que ele podia cuidar de si mesmo.
— Você logo encontrará o drow — disse ela ao guerreiro
frenético. — Com certeza ele é o tipo de guerreiro que se encaixa
em sua descrição, se é que já houve algum. — Pwent soltou um riso
irônico, que desapareceu quando Cattibrie continuou. — Se você
fosse até ele para começar uma briga, mas soltasse seu elmo
pontudo, ele pegaria para você e colocaria de volta em sua cabeça
— ela explicou. — Claro, então ele pegaria de volta e enfiaria na
parte de trás de suas calças, e lhe acertaria com as botas, só pra te
dar uma pontadinha.
Os lábios do guerreiro frenético pareceram se amarrar em um
nó. Pela primeira vez em muitos dias, Wulfgar pareceu aprovar
completamente o raciocínio de Cattibrie e o aceno de suas cabeças,
de Bruenor e de Cobble, foi certamente de gratidão quando Pwent
não fez nenhum movimento para responder.
— Por quanto tempo Drizzt vai ficar fora? — perguntou o
bárbaro, mudando de assunto antes que Pwent pudesse encontrar
sua voz irritante.
— Os túneis são longos — respondeu Bruenor.
— Ele vai voltar para a cerimônia? — perguntou Wulfgar, e
pareceu a Cattibrie que havia alguma ambivalência em seu tom de
voz, uma incerteza de qual resposta ele preferiria.
— Vai com certeza — a jovem colocou inexpressivamente. —
Por que com certeza não haverá casamento até Drizzt voltar dos
túneis. — ela olhou para Bruenor, arrancando prontamente suas
reclamações antes mesmo que as pronunciasse. — E eu não me
importo se todos os reis e rainhas do Norte ficarem esperando por
um mês!
Wulfgar parecia prestes a explodir, mas era sábio o suficiente
para afastar sua ira crescente da volátil Cattibrie.
— Eu deveria ter ido com ele! — rosnou para Bruenor. — Por
que você mandou o Regis junto? Que bem poderia fazer o halfling
se inimigos fossem encontrados?
A ferocidade do tom do rapaz pegou Bruenor fora de sua guarda.
— Ele está certo — Cattibrie rebateu no ouvido de seu pai, não
que quisesse concordar com Wulfgar, mas ela, como Wulfgar, viu a
oportunidade de desabafar sua raiva abertamente.
Bruenor se afundou em sua cadeira, seus olhos escuros
correndo de um para o outro.
— São só uns anões perdidos — disse ele.
— Mesmo que isso seja verdade, o que Regis fará, além de
atrasar o drow? — Cattibrie raciocinou.
— Ele disse que encontraria uma maneira de se encaixar! —
Bruenor protestou.
— Quem disse? — Cattibrie exigiu saber.
— Pança-furada! — gritou seu pai confuso.
— Ele sequer queria ir! — Wulfgar retrucou.
— Mas foi! — Bruenor rugiu, saltando de seu assento,
empurrando Wulfgar e fazendo-o se inclinar dois passos para trás
com um antebraço robusto, batendo no peito do rapaz. — Foi
Pança-furada quem me disse para mandá-lo junto com o drow, eu
digo a você!
— Regis não estava aqui sozinho quando recebeu a notícia dos
anões desaparecidos — argumentou Cattibrie. — Você não disse
nada sobre Regis dizer a você para mandá-lo.
— Ele me disse antes disso — respondeu Bruenor. — Ele
disse... — o anão parou, percebendo a falta de lógica da situação.
De alguma forma, em algum lugar no fundo de sua mente, se
lembrava de Regis explicando que ele e Drizzt deveriam ir atrás dos
anões desaparecidos, mas como isso poderia ser, já que Bruenor
havia tomado a decisão assim que todos descobriram que os anões
estavam desaparecidos?
— Você andou provando a água benta de novo, meu rei? —
Cobble perguntou respeitosamente, mas com firmeza.
Bruenor estendeu a mão, fazendo sinal para que todos ficassem
quietos enquanto revirava suas lembranças. Ele se lembrava das
palavras de Regis distintamente e sabia que não estava
imaginando-as, mas nenhuma imagem acompanhava a lembrança,
nenhuma cena em que pudesse situar o halfling e assim endireitar a
aparente discrepância de tempo.
Então veio uma imagem a Bruenor, um turbilhão de facetas
brilhantes, descendo em espiral e arrastando-o para as profundezas
de um maravilhoso rubi.
— Pança-furada me disse que os anões estariam desaparecidos
— disse Bruenor devagar e claramente, com os olhos fechados
enquanto forçava a memória de seu subconsciente. — Ele me disse
que eu deveria enviar ele e Drizzt para encontrá-los, que os dois
sozinhos poderiam levar os anões de volta ao Salão de Mitral em
segurança.
— Regis não teria como saber — argumentou Cobble,
obviamente duvidando das palavras de Bruenor.
— E mesmo se tivesse, o pequeno não teria desejado ir junto
para encontrá-los — acrescentou Wulfgar, igualmente duvidoso. —
Seria um sonho--?
— Não é um sonho! — Bruenor rosnou. — Ele me contou... com
aquele rubi dele. O rosto de Bruenor estremeceu quando tentou se
lembrar, tentou invocar sua resistência anã à magia para lutar além
do bloqueio mental teimoso.
— Regis não iria... — Wulfgar começou a dizer de novo, mas
desta vez foi Cattibrie, conhecendo a verdade das afirmações de
seu pai, que o interrompeu.
— A menos que não fosse realmente Regis — ela disse, e suas
próprias palavras fizeram sua boca cair aberta ante suas terríveis
implicações. Os três tinham passado por muita coisa ao lado de
Drizzt, e todos sabiam bem que o drow tinha inimigos malignos e
poderosos, um em particular que teria as artimanhas para criar uma
fraude tão elaborada.
Wulfgar parecia igualmente ferido, perdido, mas Bruenor reagiu
rapidamente. Ele pulou do trono e passou entre Wulfgar e Pwent,
quase derrubando os dois de seus pés. Cattibrie foi logo atrás,
Wulfgar se virou para segui-los.
— De que doideira aqueles três estão falando? — Pwent exigiu
que Cobble dissesse enquanto o clérigo, também, passava correndo
por ele.
— Uma briga — respondeu Cobble, sabendo bem como desviar
qualquer exigência de Pwent para uma explicação longa.
Thibbledorf Pwent caiu sobre um joelho e rolou seu ombro
corpulento, socando o punho triunfalmente na frente dele.
— Sim! — gritou de alegria. — Com certeza é bom servir a um
Martelo de Batalha!
 

 
— Você está com eles, ou isso é tudo uma coincidência terrível?
— perguntou Drizzt secamente, ainda se recusando a dar a Artemis
Entreri a satisfação de ver seu tormento.
— Eu não acredito em coincidências — veio a resposta
previsível. Finalmente, Drizzt se virou, para ver seu rival temido, o
assassino humano Artemis Entreri, de pé e com sua bela espada
em prontidão em uma mão, e a adaga adornada na outra. A tocha,
ainda acesa, jazia a seus pés. A transformação mágica de halfling
para humano tinha sido completa, incluindo as roupas, e esse fato
de certa forma confundia Drizzt. Quando Drizzt usara a máscara,
não havia feito mais do que alterar a cor de sua pele e cabelo, e sua
surpresa agora era óbvia em seu rosto.
— Você deveria aprender melhor o valor dos itens mágicos antes
descartá-los tão casualmente — o assassino disse, entendendo o
olhar.
Havia uma nota de verdade nas palavras de Entreri,
aparentemente, mas Drizzt nunca se arrependeu de ter deixado a
máscara mágica em Porto Calim. Sob sua camuflagem protetora, o
elfo negro andava livremente, sem perseguição, entre as outras
raças. Mas sob aquela máscara, Drizzt Do’Urden era uma mentira.
— Você poderia ter me matado na luta dos goblins, ou uma
centena de outras vezes desde o seu retorno ao Salão de Mitral —
argumentou Drizzt. — Por que os jogos elaborados?
— Porque será ainda mais doce a minha vitória.
— Você quer que eu saque minhas armas, para continuar a luta
que começamos nos esgotos de Porto Calim.
— Nossa luta começou muito antes de lá, Drizzt Do’Urden — o
assassino repreendeu. Ele casualmente apontou a lâmina para
Drizzt, que nem se encolheu nem alcançou as cimitarras quando a
espada o cortou de leve na bochecha.
— Você e eu — prosseguiu Entreri enquanto começava a circular
ao lado de Drizzt — nos tornamos inimigos mortais no dia em que
ficamos sabendo um sobre o outro, cada um insultando o código de
luta do outro. Eu zombo de seus princípios e você insulta minha
disciplina.
— Disciplina e vazio não são a mesma coisa — respondeu
Drizzt. — Você é uma casca que sabe usar armas. Não há
substância nisso.
— Bom — Entreri ronronou, batendo no quadril de Drizzt com
sua espada. — Sinto sua raiva, drow, embora você tente
desesperadamente escondê-la. Tire suas armas e solte-a. Ensina-
me com suas habilidades o que suas palavras não podem.
— Você ainda não entende — Drizzt respondeu calmamente,
com a cabeça inclinada para o lado e um riso presunçoso e sincero
se alargando em seu rosto. — Eu não gostaria de te ensinar nada.
Artemis Entreri não vale o meu tempo.
Os olhos de Entreri se arregalaram com uma raiva repentina e
ele saltou para a frente, com a espada alta como se fosse atacar
Drizzt.
Drizzt não se mexeu.
— Saque suas armas e deixe-nos completar nosso destino —
grunhiu Entreri, recuando e nivelando a espada ao nível dos olhos
do drow.
— Caia na sua própria espada e encontre o único destino que
você merece — Drizzt respondeu.
— Eu tenho sua gata! — Entreri rebateu. — Você deve lutar
comigo, ou Guenhwyvar será minha.
— Você esquece que nós dois seremos capturados em breve, ou
mortos — argumentou Drizzt. — Não subestime as habilidades de
caça do meu povo.
— Então lute pelo halfling — resmungou Entreri. A expressão de
Drizzt mostrou que o assassino havia atingido um nervo. — Você se
esqueceu de Regis? — Entreri provocou. — Eu não o matei, mas
ele morrerá onde está, e só eu conheço o lugar. Eu só te direi se
você ganhar. Lute, Drizzt Do’Urden, por nenhum motivo melhor do
que salvar a vida daquele halfling miserável!
A espada de Entreri fez um impulso preguiçoso para o rosto de
Drizzt novamente, mas desta vez foi voando para o lado quando
uma cimitarra surgiu e bateu nela.
Entreri a mandou de volta, e seguiu de perto com um golpe da
adaga que quase encontrou um buraco nas defesas de Drizzt.
— Pensei que você tivesse perdido o uso de um braço e de um
olho — disse o drow.
— Eu menti — Entreri respondeu, recuando e segurando suas
armas afastadas. — Devo ser punido?
Drizzt deixou suas cimitarras responderem, avançando
rapidamente e cortando repetidamente, esquerda e direita, esquerda
e direita, depois à direita uma terceira vez enquanto sua lâmina
esquerda girava acima de sua cabeça e seguia em frente em uma
estocada ofuscante.
Espada e adaga contra-atacando, o assassino afastou cada
ataque.
A luta tornou-se uma dança, movimentos sincrônicos demais, em
harmonia perfeita demais para conseguir alguma vantagem. Drizzt,
sabendo que o tempo estava se esgotando para ele, e mais
particularmente para Regis, manobrou perto da tocha de fogo baixo,
depois pisoteando, rolando e sufocando as chamas, roubando a luz.
O elfo negro acreditava que sua visão noturna racial lhe renderia
vantagem, mas quando olhou para Entreri, viu os olhos do
assassino brilhando no vermelho revelador da infravisão.
— Você achou que foi a máscara tinha me dado essa
habilidade? — Entreri argumentou. — Não é verdade, você vê. Foi
um presente do meu associado elfo negro, um mercenário, não tão
diferente de mim.
Suas palavras terminaram no início de seu ataque, sua espada
se elevando e forçando Drizzt a se retorcer e se abaixar para o lado.
Drizzt sorriu de satisfação quando Fulgor subiu, a cimitarra soando
quando derrubou a adaga de Entreri. Um giro sutil colocou Drizzt de
volta na ofensiva, Fulgor se aproximando da mão do punhal de
Entreri e cortando o peito exposto do assassino.
Entreri já tinha começado a rolar, para trás, e a lâmina nunca
chegou perto.
Na luz fraca do brilho de Fulgor, com suas cores de pele
perdidas em um cinza em comum, eles pareciam iguais, como
irmãos vindo do mesmo molde. Entreri aprovava essa percepção,
mas Drizzt certamente não. Para o drow renegado, Artemis Entreri
parecia um espelho negro de sua alma, uma imagem do que ele
poderia ter se tornado se permanecesse em Menzoberranzan ao
lado de seus parentes amorais.
A fúria de Drizzt levou-o então a outra série de estocadas
ofuscantes e cortes engenhosos e radicais, suas lâminas curvas
tecendo linhas apertadas umas sobre as outras, atingindo Entreri de
um ângulo diferente a cada ataque.
Espada e punhal eram usadas igualmente bem, bloqueando e
devolvendo contra-ataques astutos, depois bloqueando os contra-
ataques que o assassino parecia antecipar com facilidade.
Drizzt poderia lutar com ele para sempre, nunca se cansaria com
Entreri parado na frente dele. Mas então sentiu uma picada na
panturrilha e uma sensação ardente, entorpecente, emanando por
toda a perna.
Em segundos, sentiu seus reflexos diminuindo. Ele queria gritar
a verdade, roubar o momento da vitória de Entreri, pois certamente
o assassino, que tanto desejava derrotar Drizzt em combate justo,
não apreciaria uma vitória trazida pelo virote envenenado de aliados
ocultos.
A ponta de Fulgor caiu no chão e Drizzt percebeu que estava
perigosamente vulnerável.
Entreri caiu primeiro, igualmente envenenado. Drizzt sentiu as
formas escuras entrando pela porta baixa e se perguntou se teria
tempo de bater no crânio do assassino caído antes que também
caísse no chão.
O drow ouviu uma de suas próprias lâminas, depois a outra,
tilintar no chão, mas não estava ciente de que as havia soltado.
Então estava caído, os olhos fechados, a consciência ofuscante
tentando entender a extensão desse desastre, as muitas
implicações para seus amigos e para si.
Seus pensamentos não foram aliviados com as últimas palavras
que ouviu: uma voz na língua drow, uma voz de algum lugar em seu
passado.
— Durma bem, meu irmão perdido.
PARTE 3

Legado
 
QUE CAMINHOS PERIGOSOS TRACEI na minha vida; que
caminhos tortuosos estes pés andaram, em minha pátria, nos túneis
do Subterrâneo, pela superfície das Terras ao Norte e até mesmo no
curso de seguir meus amigos.
Meneio minha cabeça, maravilhado — seriam todos os cantos do
vasto mundo possuidores de pessoas tão autocentradas que não
podem deixar os outros cruzarem os caminhos de suas vidas?
Pessoas tão cheias de ódio que devem perseguir e se vingar dos
erros escolhidos, mesmo que tais erros não sejam mais do que uma
defesa honesta contra seus próprios males invasivos?
 Eu deixei Artemis Entreri em Porto Calim, deixei-o lá em corpo e
com o meu gosto pela vingança saciado corretamente. Nossos
caminhos se cruzaram e se separaram, para o melhor de nós dois.
Entreri não tinha nenhuma razão prática para me perseguir, não
tinha nada a ganhar em me encontrar, além da possível redenção
de seu orgulho ferido. 
Como ele é tolo.
Ele encontrou a excelência da forma física, aperfeiçoou suas
habilidades de combate mais completamente do que qualquer outro
que eu tenha conhecido. Mas sua necessidade de me perseguir
revela sua fraqueza. Ao descobrirmos os mistérios do corpo,
também devemos desvendar as harmonias da alma. Mas Artemis
Entreri, apesar de toda a sua destreza física, nunca saberá quais
músicas seu espírito poderia cantar. Sempre ouvirá invejosamente
as harmonias dos outros, absorto em derrubar qualquer coisa que
ameace sua superioridade tão desejada.
Como meu povo, é ele, assim como muitos outros que conheci,
de raças variadas: senhores da guerra bárbaros, cujas posições de
poder dependem de sua capacidade de fazer guerra contra inimigos
que não são inimigos; reis anões que acumulam riquezas além da
imaginação, ainda que ao compartilhar apenas uma ninharia de
seus tesouros poderiam melhorar as vidas de todos aqueles ao seu
redor e, por sua vez, permitir-lhes derrubar suas sempre presentes
defesas militares e jogar fora sua paranoia consumidora; elfos
altivos que desviam seus olhos para os sofrimentos de qualquer um
que não é um elfo, sentindo que as “raças menores” de alguma
forma trouxeram suas dores para si mesmos.
Eu fugi de tais seres, passei por essas pessoas e ouvi
incontáveis histórias de viajantes de todas as terras conhecidas
sobre elas. E agora sei que devo combatê-los, não com lâmina nem
com exércitos, mas permanecendo fiel ao que sei em meu coração
que é o curso correto da harmonia.
Pela graça dos deuses, não estou sozinho. Desde que Bruenor
recuperou seu trono, os povos vizinhos levam esperança em suas
promessas de que os tesouros anões do Salão de Mitral serão o
melhor para toda a região. A devoção de Cattibrie aos seus
princípios não é menor que a minha, e Wulfgar mostrou ao seu povo
guerreiro o caminho melhor da amizade, o caminho da harmonia.
Eles são minha armadura, minha esperança no que está por vir
para mim e para todo o mundo. E enquanto os caçadores perdidos
como Entreri inevitavelmente encontrarem seus caminhos ligados
mais uma vez com os meus, lembro-me de Zaknafein, meu parente
de sangue e alma. Lembro-me de Montólio, e creio que há outros
que sabem a verdade, e sei que se eu for destruído, meus ideais
não morrerão comigo. Por causa dos amigos que conheci, por
causa das pessoas honradas que encontrei, sei que não sou um
herói solitário de causas únicas. Eu sei quem quando eu morrer,
aquilo que é importante continuará vivo.
Este é meu legado; pela graça dos deuses, não estou sozinho.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 11

Negócios de Família
 
ROUPAS VOAVAM DESCONTROLADAMENTE, peças variadas
batiam contra a parede do outro lado da sala, armas giravam no ar e
espiralavam para baixo, algumas quicando nas costas de Bruenor.
O anão, com metade do seu corpo enterrado em seu armário
particular, não sentia nada disso, nem sequer grunhiu quando, ao se
levantar por um momento, a lateral da lâmina de um machado de
arremesso atingiu e desalojou seu capacete de um chifre.
— Está aqui! — o anão grunhiu teimosamente, e uma cota de
malha quase completa bateu por cima do seu ombro, quase
colidindo com os outros no quarto. — Por Moradin, essa maldita
coisa tem que estar aqui!
— O que nos Nove-- —Thibbledorf Pwent começou, mas o grito
de êxtase de Bruenor o interrompeu.
— Eu sabia! — o anão de barba vermelha berrou, girando e
afastando-se do baú desmantelado. Em sua mão, segurava um
pequeno medalhão em forma de coração em uma corrente de ouro.
Cattibrie reconheceu instantaneamente como o presente mágico
que Lady Alustriel de Lua Argêntea havia dado a Bruenor para
encontrar seus amigos que tinham ido para as terras ao Sul. Dentro
do medalhão havia um pequeno retrato de Drizzt, e o item estava
sintonizado ao drow, que daria ao seu possuidor informações gerais
sobre o paradeiro do Drizzt Do’Urden.
 — Isso vai nos levar ao elfo — disse Bruenor, segurando o
medalhão bem alto diante dele.
— Então me entregue, meu rei — disse Pwent —, e deixe-me
achar seu... amigo estranho.
— Eu posso muito bem usar o medalhão — grunhiu Bruenor em
resposta, ajeitando o elmo de um chifre por cima da cabeça e
pegando o machado e o escudo dourado.
 — Você é o rei do Salão de Mitral! — Pwent protestou. — Você
não pode correr para o perigo de túneis desconhecidos.
Cattibrie rasgou uma resposta antes que Bruenor tivesse a
chance:
— Cala a boca, furioso — insistiu a jovem. — Meu papai largaria
os corredores aos goblins antes que deixasse Drizzt em apuros.
Cobble agarrou o ombro de Pwent (e, no processo, fez um corte
feio em um dedo na armadura cheia de pontas) para confirmar a
observação da mulher e alertar silenciosamente ao selvagem furioso
de batalha para não insistir nesse ponto.
Bruenor não teria ouvido a nenhum argumento de qualquer
maneira. O rei anão de barba ruiva, com os olhos escuros em
chamas, passou novamente por Pwent e Wulfgar e conduziu o
grupo para fora da sala.
 

 
A imagem entrou em foco devagar, de forma quase surrealista, e
quando Drizzt Do’Urden despertou completamente, reconheceu
claramente sua irmã Vierna, curvando-se para olhá-lo.
— Olhos roxos — disse a sacerdotisa na língua drow.
A sensação de que havia repassado essa mesma cena uma
centena de vezes em sua juventude quase inundou o elfo negro
preso.
Vierna! O único membro de sua família com quem que Drizzt já
se importara, além do falecido Zaknafein, estava diante dele agora.
Ela havia sido a mãe de desmame de Drizzt, encarregada de
ensinar a ele, como um príncipe da Casa Do’Urden, as tradições
sombrias da sociedade drow. Mas, lembrando-se daquelas
memórias longínquas, de tempos em que tinha poucas lembranças,
se é que havia alguma, Drizzt sabia que havia algo diferente em
Vierna, uma ternura oculta enterrada sob as vestes malignas de
uma sacerdotisa da Rainha Aranha.
— Quanto tempo faz, meu irmão perdido? — perguntou Vierna,
ainda usando o idioma dos elfos negros. — Quase três décadas? E
até onde você chegou? E ainda tão perto de onde você começou, e
de onde você pertence.
Drizzt endureceu o olhar, mas não teve nenhum efeito prático —
não com as mãos amarradas por detrás dele e uma dezena de
soldados drow ao redor da pequena câmara. Entreri também estava
lá, conversando com um elfo negro de aparência curiosa que usava
um chapéu escandalosamente emplumado e um colete curto e
aberto que mostrava os músculos ondulados de seu estômago
esguio. O assassino tinha a máscara mágica presa ao cinto, e Drizzt
temia o mal que Entreri poderia causar se lhe deixassem voltar ao
Salão de Mitral.
— O que você vai pensar quando entrar novamente em
Menzoberranzan? — perguntou Vierna a Drizzt e, embora a
pergunta fosse novamente retórica, chamou sua atenção totalmente
para ela.
— Vou pensar o que um prisioneiro pensa — Drizzt respondeu.
— E quando eu for levado diante de Matr - diante da cruel Malícia...
— Matriarca Malícia! — Vierna sibilou.
— Malícia — repetiu Drizzt desafiadoramente, e Vierna lhe deu
uma bofetada no rosto. Vários elfos negros se viraram para encarar
o incidente, depois deram risadas abafadas e voltaram para suas
conversas.
Vierna também irrompeu em gargalhadas, longas e selvagens.
Ela jogou a cabeça para trás, suas madeixas brancas flutuando para
longe de seu rosto.
Drizzt a olhou em silêncio, sem a menor ideia do que havia
instigado a reação explosiva.
— Matriarca Malícia está morta, seu tolo! — Vierna disse de
repente, inclinando a cabeça para a frente a um centímetro do rosto
de Drizzt.
Drizzt não sabia como reagir. Ele acabara de saber que sua mãe
estava morta e não tinha ideia de como a informação deveria afetá-
lo. Sentiu uma tristeza, distante, mas a descartou, entendendo que
esta vinha da sensação de nunca conhecer uma mãe, não da perda
de Malícia Do’Urden. Ao se recostar, digerindo a notícia, Drizzt
chegou a sentir uma calma, uma aceitação que não trouxe nem um
pingo de pesar. Malícia fora sua genitora natural, nunca sua mãe e,
de acordo com a estimativa de Drizzt Do’Urden, a morte dela não
era uma coisa ruim.
— Você nem sabia, não é? — Vierna riu dele. — Há quanto
tempo você se foi, meu irmão perdido!
Drizzt lançou um olhar curioso, suspeitando que alguma
revelação ainda maior, ainda mais grandiosa, ainda estava para ser
pronunciada.
— Por suas próprias ações, a Casa Do’Urden foi destruída e
você nem sabia! — Vierna gargalhou histericamente.
— Destruída? — perguntou Drizzt, surpreso, mas de novo, não
muito preocupado. Na verdade, o drow renegado não sentia mais
por sua própria casa do que por qualquer outro em
Menzoberranzan. Na verdade, Drizzt não sentiu absolutamente
nada.
— Matriarca Malícia foi encarregada de encontrá-lo — explicou
Vierna. — Quando não conseguiu, quando você escapou para além
de seu alcance, também o fez o favor de Lolth.
— Uma pena — interveio Drizzt, com a voz cheia de sarcasmo.
Vierna o atingiu novamente, com mais força, mas ele se manteve
firme em sua disciplina estoica e não piscou.
Vierna se afastou dele, apertou as mãos delicadas, mas
enganosamente fortes, na sua frente e descobriu que era difícil
respirar.
 — Destruída — ela disse de novo, de repente, obviamente
magoada. — Derrubada pela vontade da Rainha Aranha. Eles estão
mortos por sua causa — gritou, voltando para Drizzt e apontando
acusatoriamente. — Suas irmãs, Briza e Maya, e sua mãe. Toda a
casa, Drizzt Do’Urden, morta por sua causa!
Drizzt não expressou nada, um reflexo preciso de sua ausência
de sentimentos, ante a novidade que Vierna acabara de lançar
sobre ele.
 — E o nosso irmão? — perguntou, mais para discernir
informações sobre essa força invasora do que por qualquer
preocupação sincera sobre o merecido fim de Dinin.
— Ora, Drizzt — disse Vierna, com uma confusão obviamente
fingida —, você o encontrou pessoalmente. Quase arrancou uma
das pernas dele.
A confusão de Drizzt era genuína, e durou até Vierna terminar o
pensamento.
— Uma de suas oito pernas.
Mais uma vez, Drizzt conseguiu manter suas feições sem
expressão, mas a informação terrível de que Dinin se tornara um
drider o pegara de surpresa.
— Mais uma vez a culpa é sua! — rosnou Vierna, e o observou
por um longo momento, seu sorriso gradualmente desaparecendo
quando ele não reagiu.
— Zaknafein morreu por você! — Vierna gritou de repente,
embora Drizzt soubesse que ela dissera isso apenas para evocar
uma reação, dessa vez não conseguiu manter a calma.
— Não! — ele gritou de raiva, cambaleando para frente até o
chão, apenas para ser facilmente empurrado de volta ao seu lugar.
Vierna sorriu maldosamente, sabendo que encontrara o ponto
fraco de Drizzt.
— Se não fosse pelos pecados do Drizzt Do’Urden, Zaknafein
ainda estaria vivo — provocou. — A Casa Do’Urden teria conhecido
suas maiores glórias e Matriarca Malícia se sentaria no conselho
governante.
— Pecados? — Drizzt respondeu, encontrando sua coragem em
meio às lembranças dolorosas de seu pai perdido. — Glórias? —
perguntou. — Você confunde os dois.
A mão de Vierna se ergueu como se fosse atacar de novo, mas,
quando o estoico Drizzt não se mexeu, ela a abaixou.
— Em nome de sua divindade miserável, você se deleita com a
maldade do mundo drow — continuou o indomável Drizzt. —
Zaknafein morreu... não: foi assassinado, em busca de falsos ideais.
Você não pode me convencer a aceitar a culpa. Foi Vierna quem
segurou a adaga de sacrifício?
A sacerdotisa parecia à beira de uma explosão, com seus olhos
brilhando intensamente e seu rosto se mostrou quente ante a visão
de calor de Drizzt.
— Ele também era seu pai — disse Drizzt, e ela estremeceu
apesar de seus esforços para manter sua raiva. Era verdade.
Zaknafein teve dois filhos, e apenas dois filhos, com Malícia.
— Mas você não se importa com isso — raciocinou Drizzt
imediatamente. — Afinal, Zaknafein era apenas um macho, e
machos não contam no mundo dos drows.
— Mas ele era seu pai — Drizzt precisou acrescentar. — E deu
mais a você do que você jamais aceitará.
— Silêncio! — Vierna rosnou, rangendo os dentes. Ela deu outro
tapa em Drizzt, e mais outro, várias vezes e em rápida sucessão.
Ele podia sentir o calor de seu próprio sangue escorrendo pelo
rosto.
Drizzt permaneceu quieto naquele momento, capturado por
reflexões particulares sobre Vierna e o monstro no qual se
transformara. Ela agora estava mais parecida com Briza, a irmã
mais velha e mais cruel de Drizzt, presa no frenesi que a Rainha
Aranha sempre parecia pronta para promover. Onde estava a Vierna
que tinha secretamente mostrado misericórdia para o jovem Drizzt?
Onde estava a Vierna que acompanhava os caminhos sombrios,
como fizera Zaknafein, mas nunca parecia aceitar plenamente o que
Lolth tinha a oferecer?
Onde estava a filha de Zaknafein?
Morta e enterrada, decidiu Drizzt, enquanto considerava aquele
rosto coberto pelo calor, enterrado sob as mentiras e as promessas
vazias de glória distorcida que pervertiam tudo no mundo sombrio
dos drows.
— Eu vou te resgatar — disse Vierna, acalmando-se de novo, o
calor gradativamente abandonando seu rosto delicado e bonito.
 — Pessoas mais malignas que você já tentaram — Drizzt
respondeu, entendendo mal sua intenção. A risada seguinte de
Vierna revelou que reconhecia o erro de suas conclusões.
— Eu vou te dar a Lolth — explicou a sacerdotisa. — E vou
aceitar, em troca, mais poder do que a ambiciosa Matriarca Malícia
esperava. Alegre-se, meu irmão perdido, e saiba que você
restaurará à Casa Do’Urden mais poder do que antes.
— Poder que diminuirá — Drizzt respondeu calmamente, e seu
tom irritou mais Vierna do que suas palavras perspicazes. — Poder
que elevará a casa a outro precipício, para que outra casa,
encontrando o favor de Lolth, derrube os Do’Urden mais uma vez.
O sorriso de Vierna se alargou.
— Você não pode negar — Drizzt rosnou, e foi ele quem agora
vacilou na guerra de palavras, aquele que achava sua lógica, por
mais sólida que fosse, inadequada. — Não há constância, nem
permanência em Menzoberranzan, além do capricho mais recente
da Rainha Aranha.
— Bom, meu irmão perdido — ronronou Vierna.
— Lolth é uma coisa maldita! — berrou Drizzt.
Vierna assentiu.
— Seu sacrilégio não pode me prejudicar mais — explicou a
sacerdotisa, em um tom mortalmente calmo — porque você não é
mais meu. Não é mais do que um renegado sem lar que Lolth julgou
adequado para o sacrifício.
— Então continue cuspindo suas maldições na Rainha Aranha —
prosseguiu Vierna. — Mostre a Lolth quão apropriado o sacrifício
será! Quão irônico é, pois se você se arrependesse de seus modos,
se voltasse à verdade de sua herança, então me derrotaria.
Drizzt mordeu o lábio, percebendo que faria bem em manter o
silêncio, até melhor entender a profundidade desse encontro
inesperado.
— Você não entende? — Vierna continuou. — A misericordiosa
Lolth receberia de volta sua espada habilidosa, e meu sacrifício não
existiria mais. Assim eu viveria como uma pária, como você, uma
renegada sem lar.
— Você não tem medo de me dizer isso? — Drizzt perguntou-lhe
timidamente. Vierna entendia seu irmão renegado melhor do que ele
acreditava.
— Você não vai se arrepender, tolo e honrado Drizzt Do’Urden —
respondeu. — Você não proferia tal mentira, não proclamaria sua
fidelidade à Rainha Aranha, nem mesmo para salvar sua própria
vida. Quão inúteis são esses ideais que você considera tão
preciosos!
Vierna deu-lhe uma bofetada mais uma vez, sem nenhuma razão
especial que Drizzt pudesse discernir, e foi para longe, sua forma
quente desfocada pelo fluxo protetor de suas vestes clericais. Quão
apropriada era aquela imagem para Drizzt, que o verdadeiro
contorno de sua irmã estivesse escondido sob as vestes da
perversa Rainha Aranha.
O curioso drow que estivera conversando com Entreri
aproximou-se de Drizzt, as botas altas batendo ruidosamente na
pedra. Ele deu a Drizzt um olhar quase simpático, depois deu de
ombros.
— Uma pena — observou ele, enquanto puxava a cintilante
Fulgor sob as dobras de sua capa brilhante. — Uma pena — disse
novamente, e então se afastou, desta vez suas botas não fazendo
um único som.
 

 
Os espantados guardas ficaram atentos quando seu rei entrou
inesperadamente em sua câmara, acompanhado por sua filha,
Wulfgar, Cobble e um anão estranhamente blindado que eles não
conheciam.
— Vocês sabem do drow? — Bruenor perguntou aos guardas, o
rei anão indo direto para a barra pesada na porta de pedra enquanto
falava.
O silêncio deles contou a Bruenor tudo o que ele precisava
saber.
— Vá até o General Dagna — ordenou a um dos guardas. —
Diga para reunir um grupo de guerra e descer até os novos túneis!
O guarda anão levantou os calcanhares e disparou. Os quatro
companheiros de Bruenor aproximaram-se dele quando a barra
ressoou na pedra, Wulfgar e Cobble com tochas resplandecentes.
— Três, depois duas, é o sinal do drow — explicou o guarda
restante a Bruenor.
— Três, depois duas — Bruenor respondeu, e desapareceu na
escuridão, forçando os outros, particularmente Thibbledorf, que
ainda não achava uma coisa boa o rei do Salão de Mitral estar lá
embaixo, a praticamente correr para manter o ritmo.
Cobble e até mesmo o destemido Pwent olharam para trás e
fizeram uma careta quando a porta de pedra se fechou, enquanto os
outros três, impulsionados para frente com o peso de seus medos
voltados para o amigo desaparecido, nem ouviram o som.
CAPÍTULO 12

A Verdade a
ser Conhecida
 
— SANGUE — murmurou Cattibrie, segurando uma tocha e se
abaixando sobre a linha de gotículas no corredor, perto da entrada
de uma pequena câmara. 
— Poderia ser da luta contra os goblins — disse Bruenor,
esperançoso, mas Cattibrie sacudiu a cabeça.
— Ainda está úmido — ela respondeu. — O sangue da luta
contra os goblins já estaria seco há muito tempo.
— Então, dos vermes da carniça que vimos — argumentou
Bruenor — destroçando os corpos dos goblins.
Cattibrie ainda não estava convencida. Inclinando-se para baixo,
com a tocha bem na frente dela, atravessou a pequena porta da
câmara lateral. Wulfgar veio por trás e passou por ela assim que a
passagem se alargou novamente, levantando-se defensivamente
diante da jovem.
A ação do bárbaro não caiu bem para Cattibrie. Talvez, do ponto
de vista de Wulfgar, estivesse apenas seguindo um rumo prudente,
colocando seu corpo pronto para a batalha diante de uma pessoa
com uma tocha e cujos olhos estavam no chão. Mas Cattibrie
duvidava dessa possibilidade, achava que Wulfgar tinha chegado
com tanta urgência porque ela estava na liderança, por causa de
sua necessidade de protegê-la e ficar entre ela e qualquer possível
perigo. Orgulhosa e capaz, Cattibrie se sentiu mais insultada do que
lisonjeada.
E preocupada, pois se Wulfgar estivesse com tanto medo por
sua segurança, poderia cometer um erro tático. Os companheiros
tinham sobrevivido a muitos perigos juntos porque cada um havia
encontrado um nicho no grupo, porque cada um desempenhava um
papel complementar às habilidades dos outros. Cattibrie entendeu
claramente que uma ruptura desse padrão poderia ser fatal.
Ela se pôs novamente à frente de Wulfgar, afastando o braço
dele quando ele o estendeu para bloquear seu progresso. Ele olhou
para ela, e ela prontamente devolveu o olhar inflexível.
— O que há aí? — veio o chamado de Bruenor, desviando do
confronto iminente. Cattibrie olhou para trás para ver a forma escura
de seu pai agachado na porta baixa, e Cobble e Pwent, que
seguravam a segunda tocha, no corredor atrás dele.
— Vazio — respondeu Wulfgar com firmeza, e se virou para ir
embora. Cattibrie continuou agachada e olhando em volta, tanto
para provar que o bárbaro estava errado quanto em uma busca
honesta por pistas.
— Não está vazio — corrigiu ela um momento depois, e seu tom
de voz superior fez Wulfgar voltar e atraiu Bruenor para a câmara.
Eles flanquearam Cattibrie, que se abaixava sobre um minúsculo
objeto no chão: um virote de besta, mas pequeno demais para
qualquer das bestas que os guerreiros de Bruenor carregavam, ou
qualquer arma similar que os companheiros já tivessem visto.
Bruenor o pegou nos dedos grossos, aproximou-os dos olhos e
estudou-o com cuidado.
 — Temos pixies nesses túneis? — perguntou, referindo-se aos
sprites diminutivos, mas cruéis, mais comuns aos cenários das
florestas.
— Algum tipo de ... — Wulfgar começou.
— Drow — Cattibrie interrompeu. Wulfgar e Bruenor se voltaram
para ela, os olhos claros de Wulfgar brilhando de raiva por terem
sido interrompidos, mas apenas pelo momento que o levou a
entender a gravidade do que Cattibrie havia anunciado.
— O elfo tinha um arco que se encaixaria nisso? — Bruenor
recusou.
— Não Drizzt — corrigiu Cattibrie severamente —, outro drow.
Wulfgar e Bruenor contorceram os rostos com dúvida óbvia, mas
Cattibrie tinha certeza do palpite. Muitas vezes, no passado, no Vale
do Vento Gélido, nas encostas vazias do Sepulcro de Kelvin, Drizzt
falara sobre sua terra natal, contara-lhe sobre as conquistas
notáveis e os artefatos exóticos da nação dos elfos negros. Entre
tais artefatos estava a arma preferida dos elfos negros, a besta de
mão, com virotes geralmente envenenados.
Wulfgar e Bruenor se entreolharam, cada um esperançoso de
que o outro encontrasse alguma lógica para derrotar as afirmações
sinistras de Cattibrie. Bruenor apenas encolheu os ombros, jogou o
virote longe e partiu para a passagem do lado de fora. Wulfgar olhou
de novo para a jovem, com o rosto corado de preocupação.
Nenhum dos dois falava — nem precisava —, porque ambos
conheciam bem os contos cheios de horror dos elfos negros
saqueadores. As implicações pareciam graves, de fato, se a
suposição de Cattibrie estivesse correta, se os elfos drow tivessem
chegado ao Salão de Mitral.
Havia algo mais na expressão de Wulfgar que incomodava
Cattibrie, no entanto, uma proteção possessiva que a jovem estava
começando a acreditar que lhes causaria problemas. Ela empurrou
o enorme homem, mergulhando baixo e saindo da câmara,
deixando Wulfgar no escuro com seu tumulto interno.
 

 
A caravana seguiu seu caminho lento, mas constante, através
dos túneis, enquanto as passagens se tornavam cada vez mais
naturais. Drizzt ainda usava sua armadura, mas fora despojado de
suas armas e tinha as mãos firmemente amarradas às costas por
algum cordão mágico que não afrouxava nem um pouco, não
importando o quanto conseguisse torcer seus pulsos.
Dinin, com suas oito pernas estalando na pedra, liderava a tropa,
com Vierna e Jarlaxle um pouco atrás. Vários membros do grupo de
vinte drow tinham entrado em formação atrás deles, incluindo os
dois vigiando Drizzt. Eles se cruzaram uma vez com o maior grupo
de soldados da Casa Baenre, Jarlaxle emitindo ordens silenciosas e
a segunda força drow deslizando para as sombras.
Só então Drizzt começou a entender a importância do ataque ao
Salão de Mitral. Por sua conta, em algum lugar entre quarenta e
sessenta elfos negros tinham vindo de Menzoberranzan, um
formidável grupo de incursão.
E tudo tinha sido para ele.
E quanto a Entreri? Drizzt se perguntou. Como o assassino se
encaixava nisso? Ele parecia se dar tão bem com os elfos negros!
De corpo e temperamento semelhantes, o assassino avançava com
facilidade com as fileiras drow, discretamente.
Bem até demais, pensou Drizzt.
Entreri passou algum tempo com o mercenário de cabeça
raspada e com Vierna, mas depois recuou cada vez mais, indo
inevitavelmente até seu inimigo mais odiado.
— Olá — disse hesitantemente quando finalmente chegou ao
lado de Drizzt. Um olhar do humano fez os dois guardas dos elfos
negros mais próximos andarem respeitosamente para longe.
Drizzt olhou o assassino de perto por um momento, procurando
por pistas, depois se virou.
— O quê? — Entreri insistiu, agarrando o ombro do drow
obstinado e virando-o de volta. Drizzt parou abruptamente,
arrancando olhares preocupados dos drow que o flanqueavam,
particularmente Vierna. Começou a se mover novamente
imediatamente, não apreciando a atenção e, gradualmente, os
outros elfos negros se acomodaram em seu ritmo ao redor dele.
— Não compreendo — Drizzt disse com dificuldade a Entreri. —
Você tinha a máscara, tinha Regis e sabia onde eu poderia ser
encontrado. Por que então se aliou a Vierna e seu grupo?
— Você presume que a escolha foi minha — respondeu Entreri.
— Eu não procurei sua irmã. Ela me encontrou.
— Então você é um prisioneiro — argumentou Drizzt.
— Dificilmente — respondeu Entreri sem hesitar, rindo enquanto
falava. —Você acertou na primeira vez. Eu sou um aliado.
— Quando meus parentes estão envolvidos, as duas coisas dão
no mesmo.
Entreri riu mais uma vez, aparentemente reconhecendo a
provocação. Drizzt estremeceu com a sinceridade da risada do
assassino, porque percebeu a força nos laços de seus inimigos,
laços que ele esperava, em um momento fugaz de esperança, que
pudesse enfraquecer e explorar.
— Eu lido com Jarlaxle, na verdade — o assassino explicou —,
não com sua irmã volátil. Jarlaxle, o mercenário pragmático, o
oportunista. Esse eu entendo. Ele e eu somos muito parecidos!
— Quando você não for mais necessário... — Drizzt começou a
dizer, ameaçadoramente.
— Mas eu sou e continuarei a ser! — Entreri interrompeu. —
Jarlaxle, o oportunista — reiterou em voz alta, atraindo um aceno de
aprovação do mercenário, que aparentemente entendia bem a
língua comum da superfície. — Que ganho Jarlaxle teria em me
matar? Sou um laço valioso à superfície, não sou? O chefe de uma
guilda de ladrões na exótica Porto Calim, um aliado que pode ser útil
no futuro. Lidei com o tipo de Jarlaxle a minha vida toda, mestres de
guilda de uma dúzia de cidades ao longo da Costa da Espada.
— Sabe-se que os drows matam pelo simples prazer de matar —
protestou Drizzt, não querendo abandonar tão facilmente esse fio
solto.
— Concordo — respondeu Entreri —, mas não matam quando
ganham não matando. Pragmáticos. Você não vai abalar essa
aliança, condenado Drizzt. É de benefício mútuo, para sua inevitável
impotência.
Drizzt parou um bom tempo para digerir a informação, para
encontrar alguma maneira de recuperar aquela vertente
potencialmente descontrolada, aquela ponta solta que acreditava
sempre existir quando indivíduos traiçoeiros se uniam por qualquer
causa.
— Não é um benefício mútuo — disse em voz baixa, observando
o olhar curioso de Entreri em seu caminho.
— Explique — Entreri disse depois de um longo momento de
silêncio.
— Eu sei porque você veio atrás de mim — Drizzt raciocinou. —
Não foi para que me matassem, mas para você mesmo me matar. E
não apenas para me matar, mas para me derrotar em combate
justo. Essa possibilidade parece menos provável agora, nestes
túneis ao lado da impiedosa Vierna e seus desejos de um simples
sacrifício.
— Tão formidável, mesmo quando tudo está perdido —
comentou Entreri, seus tons superiores puxando o fio indescritível
para longe do alcance do Drizzt mais uma vez. — Derrotar você em
combate... Eu irei, esse é o acordo. Em uma câmara não tão
distante daqui, seus parentes e eu nos separaremos, mas não até
que você e eu tenhamos resolvido nossa rivalidade.
— Vierna não deixaria você me matar — retrucou Drizzt.
— Mas ela me permitiria derrotá-lo — respondeu Entreri. — Ela
deseja isso mesmo, deseja que sua humilhação seja completa.
Depois de eu ter resolvido nossos negócios, ela te dará a Lolth...
Com as minhas bênçãos.
— Vamos agora, meu amigo — ronronou Entreri, sem ver
nenhuma resposta vindo de Drizzt, vendo o rosto do elfo negro
encrespado em um beiço incaracterístico.
— Não sou seu amigo — disparou Drizzt.
— Meu semelhante, então — Entreri brincou, seu prazer
absoluto quando Drizzt virou um olhar furioso para ele.
— Nunca.
— Nós lutamos — explicou Entreri. — Nós dois lutamos muito
bem e lutamos para vencer, embora nossos propósitos para batalha
possam variar. Eu lhe disse antes que você não pode escapar de
mim, não pode escapar de quem você é.
Drizzt não tinha resposta para isso, não em um corredor cercado
de inimigos e com as mãos amarradas atrás das costas. Entreri já
havia feito tais afirmações antes, e Drizzt as havia reconciliado,
chegado a um acordo com as decisões de sua vida e com o
caminho que escolhera como seu.
Mas ver o evidente prazer no rosto do assassino maligno
perturbava o honrado drow, apesar de tudo. Seja o que for que
pudesse fazer nessa situação aparentemente sem esperança, Drizzt
Do’Urden determinou que não daria nenhuma satisfação a Entreri.
Chegaram a uma área de muitas passagens laterais sinuosas,
túneis escalonados, buracos de vermes, que pareciam serpentear e
girar em todas as direções ao mesmo tempo. Entreri dissera que a
câmara, a separação de caminhos, estava próxima, e Drizzt sabia
que estava ficando sem tempo.
Ele mergulhou de cabeça no chão, colocou os pés bem
apertados e deslizou os braços sobre eles, depois os trouxe de volta
para a frente, enquanto rolava para uma posição de pé. Quando se
virou, Entreri, sempre alerta, já tinha a espada e a adaga na mão,
mas Drizzt o atacou de qualquer maneira. Sem armas, o drow não
tinha nenhuma chance prática, mas imaginou que Entreri não o
derrubaria, imaginando que o assassino não destruiria tão
impulsivamente o desafio que desejava tão desesperadamente, no
exato momento em que Entreri havia trabalhado tão duramente para
conseguir.
Previsivelmente, Entreri hesitou, e Drizzt estava além de suas
defesas desanimadas em um momento, saltando para o ar e dando
um chute de dois pés no rosto e no peito de Entreri, que o fez voar
para longe.
Drizzt voltou a se levantar e correu em direção à entrada do túnel
lateral mais próximo, bloqueado por um único guarda drow.
Novamente, Drizzt chegou destemido, esperando que Vierna tivesse
prometido tormentos incríveis para qualquer um que roubasse seu
sacrifício — uma esperança que parecia confirmada quando Drizzt
olhou de volta para Vierna, para ver sua mão segurando Jarlaxle, os
dedos do mercenário empunhando uma adaga.
O guerreiro drow de guarda, tão ágil quanto um gato, acertou
Drizzt, que o atacava. Mas Drizzt, mais rápido ainda, lançou as
mãos para o alto, e os laços que prendiam seus pulsos
engancharam a mão armada do inimigo e lançaram sua espada
inofensivamente para o alto. Drizzt bateu nele, corpo a corpo,
levantando o joelho ao se aproximar, atingindo o abdome do seu
oponente. O guerreiro se dobrou e Drizzt, sem tempo a perder,
passou por ele, jogando-o para fazer tropeçar o próximo soldado, e
Entreri, que se aproximava rápido.
Ao redor de uma curva, descendo uma pequena extensão,
depois mergulhando em outra passagem lateral, Drizzt mal
conseguiu se manter à frente da perseguição. Seus inimigos
estavam tão próximos que, quando ele virou na próxima passagem,
ouviu um virote passar ao longo da lateral da parede.
Pior ainda, o drow ranger notou outras formas entrando e saindo
das aberturas para os lados do túnel. Não havia mais de sete elfos
negros no corredor com ele, mas ele sabia que mais do que o dobro
desse número havia acompanhado Vierna, para não mencionar a
força maior que havia sido deixada para trás há não muito tempo.
Os soldados desaparecidos estavam por todo lado, Drizzt sabia,
flanqueando e explorando, fazendo relatórios ao longo de rotas
prescritas em códigos silenciosos.
Ele girou ao redor de outra curva, depois mais outra, se voltando
em direção oposta à primeira. Escalou uma parede curta, então
amaldiçoou sua sorte quando o corredor de ramificação em cima
dela desceu de volta para o nível anterior.
Em torno de outra curva, viu um lampejo de calor brilhando e
soube que era um espelho de sinal, uma placa de metal
magicamente aquecida de um lado, que os elfos negros usavam
para sinalizar. O lado aquecido brilhava como um espelho na luz do
sol para seres usando a infravisão. Drizzt abaixou em uma
passagem lateral, percebendo que as teias estavam apertando ao
seu redor, sabendo que sua tentativa não teria sucesso.
Então o drider se levantou na sua frente.
A repulsa de Drizzt era absoluta, e recuou apesar dos perigos
que sabia que estavam por trás dele. Ver seu irmão em tal estado! O
torso inchado de Dinin movia-se em harmonia com as oito patas, o
rosto era uma máscara de morte inexpressiva.
Drizzt acalmou suas emoções agitadas, sua necessidade de
gritar, e procurou uma maneira prática de superar esse obstáculo.
Dinin havia virado seus machados gêmeos para os lados cegos,
acenando-os descontroladamente, e suas oito pernas chutavam e
resistiam, não dando a Drizzt uma abertura óbvia.
O ranger não teve escolha; se virou, com a intenção de fugir
para o outro lado. Vierna, Jarlaxle e Entreri viraram a esquina para
encontrá-lo.
Eles conversavam em voz baixa na língua comum. Entreri dizia
algo sobre acertar suas contas naquele momento, mas
aparentemente mudou de ideia.
Em vez disso, Vierna avançou com seu chicote de cinco cabeças
de cobra que se agitavam ameaçadoramente diante dela.
— Se você me derrotar, pode ter de volta a sua liberdade — ela
brincou na língua drow, enquanto jogava Fulgor no chão aos pés do
Drizzt. Ele foi na direção da arma e Vierna atacou, mas Drizzt já a
esperava e caiu para trás de sua cimitarra, deixando Fulgor fora de
alcance.
O drider se adiantou, um machado cortando o ombro do Drizzt,
derrubando-o para trás em direção a Vierna. O ranger não tinha
outra escolha, e mergulhou para sua cimitarra, seus dedos mal a
alcançando.
Presas de cobra se enterraram em seu pulso. Outra mordida o
pegou no antebraço e mais três se afundaram em seu rosto ou na
outra mão, que estava torcida sobre a mão que segurava em uma
defesa fraca. A picada das mordidas era cruel, mas foi o veneno
mais insidioso que derrotou Drizzt. Ele tinha Fulgor em suas mãos,
ou ao menos pensava, mas não podia ter certeza, já que seus
dedos dormentes não podiam mais sentir o metal da arma.
O chicote cruel de Vierna atacou novamente, cinco cabeças
mordendo ansiosamente a carne de Drizzt, espalhando as ondas de
dormência em toda a sua forma machucada. A sacerdotisa
impiedosa, de uma deusa ainda mais impiedosa, acertou o
prisioneiro indefeso uma dúzia de vezes, seu rosto contorcido em
alegria absoluta e perversa.
Drizzt manteve a consciência obstinada, olhou-a com desprezo
absoluto, mas isso só estimulou Vierna, e ela o teria espancado até
a morte não fosse Jarlaxle, e mais incisivamente, Entreri, que foram
acalmá-la.
Para Drizzt, com o corpo atormentado pela agonia e sem
nenhuma esperança de sobrevivência a longo prazo, parecia menos
que um alívio.
 

 
— Aaahhh! — Bruenor lamentou. — Meus parentes!
A reação de Thibbledorf Pwent à horripilante cena dos sete
anões abatidos foi ainda mais dramática. O furioso de batalha se
afundou ao lado do túnel e começou a bater a testa contra a parede
de pedra. Sem dúvida teria continuado até cair se Cobble não lhe
recordasse em voz baixa que suas batidas podiam ser ouvidas a um
quilômetro de distância.
— Mortos de forma limpa e rápida — Cattibrie comentou,
tentando se manter racional e fazer algum sentido desta nova pista.
— Entreri — Bruenor rosnou.
— Se ele estava mesmo disfarçado com o rosto e corpo de
Regis, esses anões estavam desaparecidos antes de ele entrar por
esses túneis. — Cattibrie ponderou. — Parece que o assassino
pode ter trazido alguns ajudantes. — A imagem do pequeno virote
de besta repassou em sua mente e ela esperava que suas suspeitas
estivessem erradas.
— Ajudantes mortos quando eu puser minhas mãos em torno de
suas gargantas assassinas! — Bruenor prometeu. Ele caiu de
joelhos e curvou-se sobre um anão morto que fora um amigo
próximo.
Cattibrie não suportou a visão. Desviou o olhar do pai para
Wulfgar, em pé em silêncio e segurando a tocha.
A carranca de Wulfgar, virada para ela, pegou-a de surpresa.
Ela o estudou por alguns instantes.
— Bem, diga o que está pensando — ela exigiu, ficando
desconfortável sob seu olhar implacável.
— Você não deveria ter vindo — o bárbaro respondeu
calmamente.
— Drizzt não é meu amigo, então? — ela perguntou, e ficou
surpresa com a forma como o rosto de Wulfgar se enrugou com
uma raiva quase explosiva ao mencionar o elfo negro.
— Oh, ele é seu amigo, eu não duvido — respondeu Wulfgar,
com seu tom respingando veneno. — Mas você vai ser minha
esposa. Você não deveria estar neste lugar perigoso.
Os olhos de Cattibrie se arregalaram de incredulidade, em total
ultraje, mostrando os reflexos da luz das tochas como se algum fogo
interno ardesse dentro deles.
— Isso não é uma escolha sua! — ela gritou alto — tão alto que
Cobble e Bruenor trocaram olhares preocupados e o rei anão se
levantou do lado de seu amigo morto e foi em direção à sua filha.
— Você vai ser minha esposa! — Wulfgar a lembrou, seu volume
igualmente perturbador.
Cattibrie não recuou, nem piscou, seu olhar determinado
forçando Wulfgar a recuar um passo. A jovem decidida quase sorriu
apesar de sua raiva, com o noção de que o bárbaro estava
finalmente começando a entender.
— Você não deveria estar aqui — disse Wulfgar novamente,
renovando sua força em sua declaração.
— Vá para Pedra do Veredito, então — Cattibrie respondeu,
cutucando um dedo no peito volumoso de Wulfgar. — Pois se está
achando que eu não deveria estar aqui para ajudar a encontrar
Drizzt, então você não pode se dizer amigo dele!
— Não tanto quanto você! — Wulfgar rosnou de volta, seus
olhos brilhando com raiva, seu rosto torcido e um punho cerrado
firmemente ao seu lado.
— O que você está dizendo? — Cattibrie perguntou,
sinceramente confusa com tudo, com as palavras irracionais e o
comportamento errático de Wulfgar.
Bruenor ouvira o suficiente. Ele se colocou entre os dois,
empurrando Cattibrie gentilmente para trás e virando-se para
encarar o bárbaro que tinha sido como um filho para ele.
— O que você está dizendo, garoto? — perguntou o anão,
tentando manter a calma, embora tudo que quisesse fazer fosse dar
um soco na boca tagarela de Wulfgar.
Wulfgar não olhou para Bruenor, apenas estendeu a mão sobre
o robusto mas baixo anão para apontar acusadoramente para
Cattibrie.
— Quantos beijos você e o drow deram? — ele berrou.
Cattibrie quase caiu.
— O quê? — ela gritou. — Você perdeu o bom senso. Eu
nunca...
— Mentira! —Wulfgar rugiu.
— Malditas sejam suas palavras! — uivou Bruenor logo antes de
sacar seu grande machado. Ele golpeou, forçando Wulfgar a pular
para trás e bater com força na parede do corredor, depois cortou,
forçando o bárbaro a se afastar. Wulfgar tentou bloquear com a
tocha, mas Bruenor a arrancou de sua mão. Wulfgar tentou chegar a
Presa de Égide, que havia escorregado debaixo de sua mochila
quando encontraram os anões mortos, mas Bruenor fora até ele
com uma ligeira falta de firmeza, nunca realmente atingindo, mas
forçando-o a se esquivar e mergulhar, a sair tropeçando pela pedra.
— Deixe-me matá-lo por você, meu rei! — Pwent gritou,
apressando-se e interpretando mal as intenções de Bruenor.
— Volte! — Bruenor rugiu para o furioso de batalha, e todos os
outros ficaram impressionados, Pwent principalmente, com a força
da voz de Bruenor.
— Eu tenho deixado passar suas atitudes estúpidas por
semanas — disse Bruenor para Wulfgar —, mas não tenho mais
tempo para você. Fale qualquer coisa que esteve na sua cabeça
aqui e agora, ou cale sua boca estúpida e mantenha-a fechada até
encontrarmos Drizzt e nos tirarmos desses túneis fedorentos!
— Tentei manter a calma — retrucou Wulfgar, e isso parecia
mais um apelo, já que o bárbaro ainda estava de joelhos, evitando
os perigosamente próximos ataques de Bruenor. — Mas não posso
ignorar o insulto à minha honra! — Como se percebendo sua
aparência de subserviente, o orgulhoso bárbaro saltou de pé. —
Drizzt encontrou-se com Cattibrie antes que o drow retornasse ao
Salão de Mitral.
— Quem te disse isso? — Cattibrie exigiu saber.
— Regis! — Wulfgar gritou de volta. — E ele me disse que sua
reunião foi preenchida com mais do que palavras!
— É mentira! — Cattibrie gritou.
Wulfgar começou a responder da mesma maneira, mas viu o
largo sorriso de Bruenor e ouviu o riso zombeteiro do anão. A
cabeça do machado do anão caiu no chão, Bruenor colocou ambas
as mãos nos quadris e balançou a cabeça em óbvia descrença.
— Idiota... — o anão murmurou. — Por que você não usa
qualquer parte do seu corpo que não seja músculo e pensa no que
você acabou de dizer? Estamos aqui justamente porque supomos
que Regis não é Regis!
Wulfgar franziu o rosto em confusão, percebendo apenas então
que não havia reconsiderado as acusações voláteis do halfling à luz
das recentes revelações.
— Se você está se sentindo tão estúpido quanto parece, então
está se sentindo do jeito que deve se sentir — comentou Bruenor
secamente.
As súbitas revelações atingiram Wulfgar com a mesma certeza
que o machado de Bruenor jamais conseguiria. Quantas vezes
Regis havia falado com ele sozinho nos últimos dias? E o que,
considerou cuidadosamente, tinha sido o conteúdo dessas muitas
reuniões? Pela primeira vez, talvez, o bárbaro percebeu o que tinha
feito em sua câmara contra o drow, realmente percebeu que teria
matado Drizzt se o ranger não tivesse vencido a batalha.
— O halfling... Artemis Entreri tentou me usar em seus planos
maléficos — ponderou Wulfgar. Ele se lembrou de uma miríade de
reflexos cintilantes, as facetas de uma pedra preciosa, convidando-o
a mergulhar em suas profundezas. — Ele usou seu pingente em
mim — não posso ter certeza, mas acho que me lembro... Eu
acredito que usou...
— Tenha certeza — disse Bruenor. — Te conheço há muito
tempo, rapaz, e nunca te vi agindo de forma tão estúpida. E eu
mesmo também. Mandar o halfling junto com Drizzt para essa
região desconhecida!
— Entreri tentou fazer com que eu matasse Drizzt — continuou
Wulfgar, tentando entender tudo.
— Tentou fazer o Drizzt te matar, quer dizer — corrigiu Bruenor.
Cattibrie riu, incapaz de conter seu prazer e sua gratidão por
Bruenor ter colocado o bárbaro arrogante em seu lugar.
Wulfgar fez uma careta para ela por cima do ombro de Bruenor.
— Você se encontrou com o drow — afirmou.
— Isso é problema meu — respondeu a jovem, não cedendo
nem um centímetro ao ciúme prolongado de Wulfgar.
A tensão voltou a aumentar. Cattibrie percebeu que, embora as
revelações sobre Regis tivessem tirado parte do veneno de Wulfgar,
o homem protetor ainda não a queria ali, não queria que sua futura
esposa estivesse em uma situação perigosa. Orgulhosa e teimosa,
Cattibrie continuou se sentindo mais insultada do que lisonjeada.
Ela não teve a chance de descarregar sua raiva, entretanto, não
naquele momento, pois Cobble voltou para o grupo, implorando para
que todos ficassem em silêncio. Só então Bruenor e os outros
perceberam que Pwent não estava mais presente.
— Barulho — o clérigo explicou em voz baixa — em algum lugar
nos túneis mais profundos. Vamos orar para Moradin que o que quer
que esteja lá embaixo não tenha ouvido o clamor de nossa própria
estupidez!
Cattibrie olhou para os anões caídos, olhou para ver Wulfgar
fazendo o mesmo, e sabia que o bárbaro, como ela, estava
lembrando a si mesmo que Drizzt estava em sério perigo. Quão
insignificantes suas discussões lhe pareciam então, e quão
envergonhada ela estava.
Bruenor sentiu seu desespero, e se aproximou dela e colocou o
braço sobre seus ombros.
— Tinha que ser dito — ofereceu confortavelmente. — Tinha que
ser botado para fora e resolvido antes que a luta começasse.
Cattibrie acenou com a cabeça e esperava que os combates, se
houvesse algum, começassem em breve.
Ela também esperava, com todo o coração, que a próxima
batalha não fosse travada como vingança pela morte de Drizzt
Do’Urden.
CAPÍTULO 13

Votos Quebrados
 
UMA ÚNICA TOCHA ESTAVA ACESA; Drizzt percebeu que isso
fazia parte do acordo. Entreri provavelmente ainda não estava
confortável o bastante com sua infravisão recém-adquirida para
enfrentar Drizzt sem nenhuma fonte de luz. 
Quando seus olhos se voltaram para o espectro normal de luz,
Drizzt estudou a câmara de tamanho médio. Enquanto suas paredes
e teto eram naturalmente formados, curvados e com ângulos
salientes e pequenas estalactites penduradas, havia duas portas de
madeira — construídas recentemente, acreditava Drizzt,
provavelmente arranjadas por Vierna como parte do acordo com
Entreri. Um soldado drow flanqueava as portas de cada lado e um
terceiro ficava entre eles, bem na frente de cada porta.
Doze elfos negros estavam na sala agora, incluindo Vierna e
Jarlaxle, mas o drider não estava em lugar algum. Entreri estava
conversando com Vierna; Drizzt a viu dar ao assassino o cinto que
continha as duas cimitarras de Drizzt.
Havia também uma alcova curiosa na sala, a um único passo
adentro da parede dos fundos da área principal e com uma saliência
na altura da cintura, o topo coberto por um cobertor e um soldado
encostado, com a espada e a adaga desembainhadas.
Uma rampa? Drizzt se perguntou.
Entreri dissera que aquele era o lugar onde ele e os elfos negros
se separariam, mas Drizzt duvidava que o assassino terminasse
com a intenção de voltar pelo caminho por onde tinham chegado,
num lugar perto do Salão de Mitral. Com apenas uma outra porta
aparente na câmara, talvez houvesse de fato uma rampa sob aquele
cobertor, um caminho para os corredores abertos e retorcidos do
Subterrâneo mais profundo.
Vierna disse algo que Drizzt não ouviu e Entreri aproximou-se
dele, carregando as armas. Um soldado drow se moveu atrás de
Drizzt e soltou suas amarras, e ele lentamente levou as mãos à
frente, com os ombros doloridos graças à sua longa permanência na
posição desconfortável e da dor residual da surra violenta de Vierna.
Entreri largou o cinturão com as cimitarras aos pés de Drizzt e
deu um passo cauteloso para trás. Drizzt olhou para as armas com
curiosidade, inseguro do que deveria fazer.
— Pegue-as — Entreri instruiu.
— Por quê?
A pergunta pareceu dar um tapa no rosto do assassino. Uma
grande carranca brilhou por apenas um instante, depois foi
substituída pela expressão tipicamente sem emoção de Entreri.
— Para que possamos saber a verdade — ele respondeu.
— Eu sei a verdade — Drizzt respondeu calmamente. — Você
deseja distorcê-la, para que possa manter escondida, mesmo de si
mesmo, a loucura de sua existência miserável.
— Pegue-as — o assassino rosnou — ou eu vou te matar aí
mesmo.
Drizzt sabia que a ameaça era vazia. Entreri não o mataria até
que o assassino tentasse se redimir em uma batalha honesta.
Mesmo se Entreri atacasse para matá-lo, Drizzt imaginou que
Vierna iria intervir. Drizzt era importante demais para Vierna;
sacrifícios à Rainha Aranha não eram prontamente aceitos, a menos
que fossem dados por sacerdotisas drow.
Drizzt finalmente se dobrou e recuperou suas armas, sentindo-se
mais seguro enquanto as segurava. Ele sabia que as probabilidades
naquela sala eram impossíveis, estivesse ele com as cimitarras ou
não, mas tinha experiência suficiente para perceber que as
oportunidades eram fugazes e muitas vezes vinham quando menos
se esperava.
Entreri sacou a espada esbelta e o punhal adornado com joias,
depois se agachou, com os lábios finos se arregalando em um
sorriso ansioso.
Drizzt permaneceu relaxado, com os ombros caídos e as
cimitarras ainda em suas bainhas.
A espada do assassino cortou, perfurando Drizzt na ponta do
nariz, forçando sua cabeça para o lado. Ele esticou a mão
casualmente com o polegar e indicador, beliscando o fluxo de
sangue.
— Covarde — provocou Entreri, fingindo uma investida direta e
ainda circulando.
Drizzt se virou para mantê-lo diretamente na frente, sem se
incomodar com o ridículo insulto.
— Anda, Drizzt Do’Urden — interveio Jarlaxle, atraindo olhares
tanto de Drizzt quanto de Entreri. — Você sabe que está condenado,
mas não terá nenhum prazer em matar esse humano, esse homem
que fez tanto mal para você e seus amigos?
— O que você tem a perder? — Entreri perguntou. — Eu não
posso te matar, apenas derrotá-lo — esse é o meu acordo com sua
irmã. Mas você pode me matar. Certamente, Vierna não iria intervir
e iria até mesmo se divertir com a perda de uma reles vida humana.
Drizzt permaneceu impassível. Ele não tinha nada a perder, eles
diziam. O que aparentemente não entendiam era que Drizzt
Do’Urden não lutava quando não tinha nada a perder, apenas
quando tinha algo a ganhar, apenas quando a situação exigia que
lutasse.
— Saque suas armas, eu imploro — acrescentou Jarlaxle. —
Sua reputação é considerável e eu gostaria muito de vê-lo em
batalha, para ver se você é realmente melhor do que Zaknafein.
Drizzt, tentando se acalmar, tentando manter-se firme em seus
princípios, não conseguiu esconder sua careta ante a menção de
seu pai morto, o melhor mestre de armas a sacar uma espada em
Menzoberranzan. Apesar de si mesmo, sacou suas cimitarras, com
Fulgor brilhando em um azul raivoso, refletindo sinceramente a raiva
que Drizzt Do’Urden não conseguira suprimir totalmente.
Entreri veio subitamente, ferozmente, e Drizzt reagiu com seus
instintos guerreiros, cimitarras se chocando contra espada e adaga,
bloqueando todos os ataques. Tomando a ofensiva antes mesmo
que percebesse o que estava fazendo, agindo apenas por instinto,
Drizzt começou a girar círculos completos, suas lâminas fluindo ao
seu redor como a borda de um parafuso, cada virada trazendo-as ao
adversário de diferentes alturas e diferentes ângulos.
Entreri, confuso com a rotina não convencional, errou muitos
bloqueios, mas seus pés rápidos o mantiveram fora de alcance.
— Sempre uma surpresa — admitiu o assassino severamente, e
estremeceu, com inveja dos suspiros de aprovação e dos
comentários dos elfos negros ao longo da sala.
Drizzt parou seu giro, terminando perfeitamente ao lado do
assassino, lâminas baixas e em prontidão.
— Bonito, mas sem sucesso — gritou Entreri e correu para a
frente, a espada voando baixo, o punhal cortando alto. Drizzt torceu
diagonalmente, uma lâmina derrubando a espada de lado, a outra
formando uma barreira que a adaga não poderia atravessar, uma
vez que cortava inofensivamente alto demais.
A mão da adaga de Entreri continuou um circuito completo —
Drizzt notou que ele girou a lâmina nos dedos — enquanto sua
espada disparava e empurrava, de um jeito ou de outro, para manter
Drizzt ocupado.
Previsivelmente, a mão da adaga do assassino surgiu,
mergulhando para o lado, logo antes de Drizzt afastá-la.
Soando como um martelo em metal, Fulgor entrou no caminho
do projétil e o rebateu, derrubando-o pela sala.
— Muito bem. — Jarlaxle parabenizou, e Entreri também recuou
e acenou com a aprovação sincera. Com apenas uma espada
agora, o assassino avançou com mais cautela, soltando um ataque
medido.
Sua surpresa foi absoluta quando Drizzt não bloqueou, quando
Drizzt não perdeu não um desvio, mas dois, e a arma empurrada
passou pela defesa da cimitarra. A espada rapidamente recuou,
nunca alcançando sua marca vulnerável. Entreri avançou
novamente, fingindo outro impulso direto, mas tirando a arma de
volta e ao redor.
Ele havia espancado Drizzt, poderia ter rasgado o ombro do
drow, ou o pescoço, com aquela simples finta! O sorriso de Drizzt o
deteve, no entanto. Ele virou a espada para a borda plana e bateu
no ombro do drow, sem causar nenhum dano real.
Drizzt o deixara passar as duas vezes, agora zombava da luta
preciosa do assassino com uma pretensa inabilidade!
Entreri queria gritar seus protestos, deixar todos os outros elfos
negros entrarem no jogo particular de Drizzt. O assassino decidiu
que aquela batalha era muito pessoal, porém, algo que deveria ser
resolvido entre ele e Drizzt, e não através de qualquer intervenção
de Vierna ou Jarlaxle.
— Eu peguei você — provocou, usando a língua anã rochosa na
esperança de que aqueles drow em torno dele, exceto, é claro,
Drizzt, não o entendessem.
— Você deveria ter terminado, então — Drizzt respondeu
calmamente, na língua comum da superfície, embora falasse o
idioma anão perfeitamente. Ele não daria a Entreri a satisfação de
remover a conversa a um nível pessoal, manteria a briga pública e o
ridicularizaria abertamente com suas ações.
— Você deveria ter lutado melhor — replicou Entreri, voltando à
língua comum. — Pelo bem do seu amigo halfling, se não por si
mesmo. Se você me matar, então Regis estará livre, mas se eu sair
daqui... — Ele deixou a ameaça pairar no ar, mas ficou menos
ameaçador quando Drizzt riu abertamente.
— Regis está morto — argumentou o drow ranger. — Ou estará,
independentemente do resultado da nossa batalha.
— Não... — Entreri começou.
— Sim — interrompeu Drizzt. — Eu te conheço bem demais para
ser vítima de suas mentiras intermináveis. Você ficou muito cego
pela sua raiva. Você não previu todas as possibilidades.
Entreri avançou de novo, com facilidade, sem fazer nenhum
ataque descarado que tornasse evidente essa farsa aos elfos
negros reunidos.
— Ele está morto — Drizzt perguntou tanto quanto afirmou.
— O que você acha? — Entreri retrucou, seu tom rosnado
fazendo a resposta parecer óbvia.
Drizzt percebeu a mudança de tática, entendeu que Entreri agora
estava tentando enfurecê-lo, fazê-lo lutar com raiva.
Drizzt permaneceu impassível, deixou escapar algumas rotinas
de ataque preguiçosas que Entreri não teve dificuldade em derrotar
— e que o assassino poderia ter reagido a um efeito devastador se
assim o desejasse.
Vierna e Jarlaxle começaram a falar em sussurros, e Drizzt,
achando que eles poderiam se cansar da farsa, foi com mais força,
embora ainda com ataques medidos e ineficazes. Entreri deu um
aceno leve, mas definido, para mostrar que estava começando a
entender. O jogo, com suas comunicações sutis e silenciosas,
estava ficando pessoal, e Drizzt, tanto quanto Entreri, não queria
que Vierna interviesse.
— Você vai saborear a sua vitória — prometeu Entreri
estranhamente, uma frase com uma deixa.
— Não será um ganho — respondeu Drizzt, uma resposta que o
assassino estava obviamente começando a esperar. Entreri queria
vencer essa luta, queria ganhar ainda mais porque Drizzt não
parecia se importar. Drizzt sabia que Entreri não era estúpido, e
embora ele e Drizzt tivessem habilidades de luta semelhantes, suas
motivações certamente os separavam. Entreri lutaria de todo o
coração contra Drizzt só para provar alguma coisa, mas Drizzt
sentia honestamente que não tinha nada a provar, não ao
assassino.
As falhas de Drizzt nessa luta não eram um blefe, não eram algo
que Entreri pudesse fazê-lo parar. Drizzt perderia, tendo mais
satisfação em não dar a Entreri o prazer da vitória honesta.
E, como suas ações agora revelaram, o assassino não estava
completamente surpreso com a reviravolta dos acontecimentos.
— Sua última chance — provocou Entreri. — Aqui, você e eu nos
despedimos. Eu saio pela porta distante e os drow voltam lá para
baixo, para o mundo escuro deles.
Os olhos violetas de Drizzt foram para o lado, para a alcova, por
um momento, seu movimento revelando a Entreri que não deixara
passar a ênfase na palavra “para baixo”, não perdera a óbvia
referência à calha coberta de tecido.
Entreri rolou para o lado de repente, tendo se aproximado o
suficiente para recuperar sua adaga perdida. Foi uma manobra
ousada e, novamente, um movimento revelador para seu oponente,
pois, com a luta de Drizzt tão obviamente em falta, Entreri não
precisava correr o risco de pegar sua arma perdida.
— Posso rebatizar sua gata? — Entreri perguntou, deslocando a
cintura para revelar uma grande bolsa de cinto, a estatueta preta
óbvia através das bordas abertas de sua parte superior saliente.
O assassino veio rápida e intensamente com uma rotina de
quatro golpes, qualquer um dos quais poderia ter escapado, se ele
assim desejasse, para atingir Drizzt.
— Vamos — Entreri disse em voz alta. — Você sabe lutar melhor
que isso! Eu testemunhei suas habilidades vezes demais, nesses
mesmos túneis, para acreditar que você pode ser tão facilmente
derrotado!
A princípio, Drizzt ficou surpreso por Entreri ter deixado tão
obviamente que sua comunicação privada se tornasse tão pública,
mas Vierna e os outros provavelmente imaginaram a essa altura
que Drizzt não estava lutando com todo o seu coração. Ainda assim,
parecia um comentário curioso — até que Drizzt entendeu o
significado oculto das palavras do assassino, a isca do assassino.
Entreri referiu-se a seus combates nesses túneis, mas essas
batalhas não tinham sido um contra o outro. Naquela ocasião
incomum, Drizzt Do’Urden e Artemis Entreri lutaram juntos, lado a
lado e de costas um para o outro, pelo simples desejo de sobreviver
contra um inimigo comum.
Seria assim de novo, aqui e agora? Estaria Entreri tão
desesperado por uma luta honesta contra Drizzt que estava se
oferecendo para ajudá-lo a derrotar Vierna e os seus? Se isso
acontecesse e vencessem, então qualquer batalha subsequente
entre Drizzt e Entreri certamente daria a Drizzt algo a ganhar, algo
pelo qual lutar honestamente. Se juntos ele e Entreri pudessem
vencer, ou fugir, a batalha que se seguiria entre eles faria a
liberdade de Drizzt cair diante de seus olhos, com apenas Artemis
Entreri em seu caminho.
— Tempus! — o grito roubou as contemplações de ambos
oponentes, forçando-os a reagir à óbvia distração que se
aproximava.
Eles se moviam em perfeita harmonia, Drizzt chicoteando sua
cimitarra e o assassino derrubando suas defesas, recuando e
virando o quadril para estender a bolsa do cinto. Fulgor cortou a
bolsa, derrubando a estatueta da pantera encantada no chão.
A porta, a mesma porta pela qual haviam entrado na câmara
explodiu sob o peso de Presa de Égide, arremessando o drow em
pé diante dela para o chão.
O primeiro instinto de Drizzt disse-lhe para ir até a porta, tentar
encontrar-se com seus amigos, mas viu essa possibilidade
bloqueada pelos muitos elfos negros em movimento. A outra porta
também não oferecia nenhuma esperança, pois ela se abriu
imediatamente com o início da comoção, com o drider Dinin levando
a tropa drow para dentro da sala.
A câmara brilhou com luz mágica; gemidos irromperam de todos
os cantos. Uma flecha prateada atravessou a porta destruída,
pegando o mesmo elfo negro azarado no meio do caminho ao se
levantar. Ela o empurrou para trás contra a parede mais distante,
onde ele ficou no lugar, com flecha o prendendo na pedra através do
peito.
— Guenhwyvar!
Drizzt não podia esperar para ver se o seu chamado para a
pantera tinha sido ouvido, não podia esperar por nada. Ele correu
para a alcova, o único drow mantendo guarda perto dela levantando
suas armas em uma defesa surpreendida.
Vierna gritou; Drizzt sentiu um punhal cortando seu manto largo
e soube que ele estava pendurado a um centímetro de sua coxa.
Correu para frente, abaixando um ombro no último momento, como
se quisesse mergulhar de lado.
O guarda drow mergulhou junto com ele, mas Drizzt voltou direto
para o adversário, com suas cimitarras cruzando-se alto, no nível do
pescoço.
O drow guardião não conseguiria pegar sua espada e se
agachar rápido o bastante para desviar do ataque rápido como um
raio, não podia reverter seu ímpeto e voltar para o lado fora de
perigo.
As armas afiadas de Drizzt atravessaram sua garganta.
Drizzt estremeceu, dobrou as lâminas ensanguentadas e
mergulhou de cabeça no tecido, na esperança de que houvesse de
fato uma abertura embaixo e esperando que fosse uma rampa, não
uma queda reta.
CAPÍTULO 14

Derrotados
 
THIBBLEDORF PWENT CORREU AO LONGO DE uma
passagem lateral, seguindo em paralelo e seis metros à direita do
túnel onde se separara de seus companheiros para uma manobra
prudente de flanquear. Ouviu a batida da porta destruída pelo
martelo de guerra, o chiar das flechas de Cattibrie e gritos de vários
lugares, até mesmo um grunhido ou dois, e amaldiçoou sua sorte
por ter perdido parte da diversão. 
Com a tocha à frente, o furioso de batalha se virou ansiosamente
em um canto esquerdo, esperando se encontrar com os outros
antes que a luta terminasse. Parou abruptamente, considerando
uma figura curiosa, aparentemente tão surpreso em vê-lo quanto ele
estava.
— Ei, você — perguntou o furioso — você é o drow de estimação
de Bruenor?
Pwent observou a mão do elfo esbelto se aproximar e ouviu o
clique de uma besta de mão sendo disparada, fazendo o virote
acertar a armadura resistente de Pwent e deslizar através de uma
das muitas rachaduras para tirar uma gota de sangue do ombro do
anão.
— É... acho que não! — o feliz Pwent gritou, atacando
freneticamente a cada palavra e jogando sua tocha de lado. Ele
baixou a cabeça, colocando a ponta do elmo na direção do drow,
que parecia espantado com a pura crueldade do ataque do anão, se
atrapalhou para sacar a espada em prontidão.
Pwent, mal conseguindo enxergar, mas esperando a defesa,
sacudiu a cabeça de um lado para o outro enquanto se aproximava
do alvo, afastando a espada. Ele se endireitou novamente sem
diminuir a velocidade e se lançou contra o oponente, atacando o elfo
negro atordoado com abandono.
Eles se chocaram contra a parede, o drow ainda tentando
manter seu equilíbrio, e segurando Pwent no ar, sem saber o que
fazer com esse incomum estilo de batalha.
O elfo negro balançou a mão da espada, enquanto Pwent
simplesmente começou a chacoalhar, com a armadura cheia de
pontas cortando linhas no peito do drow. O elfo se contorceu
enlouquecidamente, suas próprias ações desesperadas só ajudando
o ataque convulsivo do furioso de batalha. Pwent soltou um braço e
socou descontroladamente, as pontas da luva abrindo buracos na
pele lisa de ébano. O anão se ajoelhou e deu uma cotovelada,
mordeu o drow no nariz e deu-lhe um soco na lateral.
— Aaaaaahhh!!! — O grito rosnado irrompeu da barriga de
Pwent, reverberando instavelmente em seus lábios enquanto se
agitava furiosamente. Ele sentiu o calor do sangue fluindo de seu
inimigo, a sensação apenas dirigindo-o, conduzindo o mais
selvagem furioso de batalha a outros níveis de ferocidade.
— Aaaaaahhh!!!
O drow caiu em um monte, Pwent em cima dele, ainda
convulsionando descontroladamente. Em alguns momentos, seu
inimigo não se contorceu mais, mas Pwent não abandonou sua
vantagem.
— Coisa élfica sorrateira! — rugiu, repetidamente batendo sua
testa no rosto do elfo negro.
Bem literalmente, o furioso de batalha, com sua armadura de
pontas e espigões afiados, despedaçou o drow infeliz de tanto se
debater.
Pwent finalmente o soltou, pulou e ficou de pé, puxando o corpo
flácido para uma posição sentada e deixando-o caído contra a
parede. O guerreiro frenético sentiu a dor nas costas e percebeu
que a espada do drow o atingira pelo menos uma vez. Mais
preocupante, porém, era a dormência que fluía pelo braço de Pwent,
o veneno se espalhando do ferimento da besta. Com sua raiva
aumentando mais uma vez, Pwent mergulhou o capacete pontudo,
raspou uma bota pela pedra várias vezes em busca de tração e
correu para a frente, espetando o inimigo já morto no peito.
Quando ele pulou para trás dessa vez, o drow morto caiu no
chão, o sangue quente se espalhando sob o torso do corpo.
— Espero que não seja o drow de estimação de Bruenor —
observou o combatente, percebendo de repente que todo o
incidente poderia ter sido um simples engano. — Ah, bom, agora
não posso fazer mais nada!
 

 
Cobble, magicamente inspecionando armadilhas à frente,
instintivamente fez uma careta quando outra flecha passou por seu
ombro, seu brilho prateado diminuindo na câmara iluminada do
outro lado. O clérigo anão se obrigou a voltar ao trabalho, querendo
que acabasse rapidamente, para que pudesse liberar a investida de
Bruenor e dos outros.
Um virote de besta mergulhou em sua perna, mas o clérigo não
estava muito preocupado com sua picada ou seu veneno, pois ele
havia colocado encantamentos sobre si mesmo para retardar os
efeitos da toxina. Que os elfos negros o atinjam com uma dúzia
desses virotes; demoraria horas antes de Cobble cair no sono.
Com sua varredura do corredor completa, sem nenhuma
armadilha imediata discernida, Cobble gritou de volta para os outros,
que já estavam impacientes e indo em direção a ele. Quando o
clérigo olhou para trás, porém, na luz fraca que emanava da câmara
do inimigo, ele notou algo curioso no chão: aparas metálicas.
— Ferro? — sussurrou ele. Instintivamente, a mão dele entrou
em sua bolsa protuberante, cheia de bombas de cascalho
encantadas, e ficou agachado na defensiva, segurando a mão livre
atrás dele para avisar os outros logo atrás.
Quando se concentrou no barulho geral da batalha repentina,
ouviu uma voz drow feminina, entoando, lançando feitiços.
Os olhos do anão se arregalaram de horror. Ele se virou,
gritando para seus amigos fugirem. Ele também tentou correr, suas
botas deslizando pela pedra lisa tão rápido que suas pequenas
pernas começaram a se mover.
Ele ouviu o crescendo da drow que lançava os feitiços.
As aparas metálicas imediatamente se transformaram em uma
parede de ferro, sem suporte e nem ângulo, e caíram sobre o pobre
Cobble.
Houve uma grande onda de vento, a grande explosão de
toneladas de ferro batendo contra o chão de pedra, e jorros de
sangue e carne espremidos pela pressão chicotearam nos rostos
dos três companheiros atordoados. Uma centena de pequenas
explosões, centenas de pequenas rajadas cintilantes ecoaram
abafadas sob a parede de ferro colapsada.
— Cobble — Cattibrie respirou impotente.
A luz mágica na câmara distante foi embora. Uma bola de
escuridão apareceu do lado de fora da porta da câmara, bloqueando
o final da passagem. Uma segunda bola de escuridão surgiu, logo à
frente do primeiro, e uma terceira depois disso, cobrindo a borda de
trás da parede de ferro caído.
— Investida! — Thibbledorf Pwent gritou para eles, voltando para
o corredor e passando por seus amigos hesitantes.
Uma bola de escuridão apareceu bem na frente do guerreiro
frenético, interrompendo-o. Uma besta de mão disparou atrás da
outra, invisíveis por detrás da escuridão, lançando pequenos dardos
para além dela.
— Recuar! — gritou Bruenor. Cattibrie soltou outra flecha; Pwent,
atingido uma dezena de vezes, começou a cair na pedra. Wulfgar
agarrou-o pela ponta do capacete e partiu atrás do anão de barba
ruiva.
— Drizzt — Cattibrie gemeu baixinho. Ela caiu de joelhos,
disparando outra flecha e outra em seguida, esperando que seu
amigo não saísse correndo da sala para o caminho do perigo.
Um virote, repleto de veneno, bateu contra seu arco e quicou
inofensivamente.
Ela não podia ficar. Disparou mais uma vez, depois se virou e
correu atrás de seu pai e dos outros, longe do amigo que tinha vindo
resgatar.
 

 
Drizzt caiu uns três metros, bateu contra o lado inclinado da
rampa e escorregou ao longo de um caminho sinuoso e
rapidamente descendente. Ele segurou firmemente suas cimitarras;
seu maior medo era que uma deles se afastasse dele e acabasse
cortando-o ao meio enquanto caía.
Ele fez um giro completo, conseguiu dar cambalhotas para
colocar os pés à sua frente, mas, inadvertidamente, voltou a girar na
próxima queda vertical, o final quase derrubando-o e o deixando
inconsciente.
Assim que acreditou estar recuperando o controle, prestes a se
virar mais uma vez, a rampa se abriu diagonalmente em uma
passagem inferior. Drizzt disparou, embora mantivesse a presença
de espírito para jogar suas cimitarras em seus respectivos lados,
longe de seu corpo cambaleante.
Ele atingiu o chão com força, rolou e bateu a parte inferior das
costas em uma pedra saliente.
Drizzt Do’Urden ficou parado, muito quieto.
Ele não considerou a dor — mudando rapidamente para
dormência — nas pernas; não inspecionou os muitos arranhões e
hematomas que a queda lhe dera. Nem sequer pensou em Entreri, e
naquele momento agonizante, uma ideia anulou até mesmo os
temores do leal elfo negro pela segurança de seus amigos.
Ele havia quebrado seu voto.
Quando o jovem Drizzt deixara Menzoberranzan, depois de
matar Masoj Hun’ett, um elfo negro como ele, jurou que nunca mais
mataria um drow. Aquele juramento tinha resistido, mesmo quando a
família dele veio persegui-lo nos ermos do Subterrâneo, mesmo
quando lutara contra a irmã mais velha. A morte de Zaknafein
estava fresca em sua mente e seu desejo de matar a perversa Briza
era maior do que qualquer desejo que já sentira. Enlouquecido pela
dor e por dez anos sobrevivendo nas cavernas impiedosas, Drizzt
ainda conseguira manter seu voto.
Mas não dessa vez. Não havia dúvida de que havia matado o
guarda no topo da rampa; suas cimitarras haviam cortado linhas
finas, um perfeito X através da garganta do elfo negro.
Fora uma reação, lembrou-se Drizzt, uma medida necessária se
quisesse se livrar do grupo de Vierna. Não havia iniciado a violência,
não havia pedido por isso de forma alguma. Não podia ser culpado
por tomar qualquer ação necessária para escapar da corte injusta
de Vierna, para ajudar seus amigos, avançando contra poderosos
adversários.
Drizzt não podia ser culpado racionalmente, mas enquanto
estava deitado ali, as sensações voltando gradualmente às suas
pernas machucadas, a consciência de Drizzt não podia escapar à
simples verdade.
Ele havia quebrado seu voto.
 

 
Bruenor conduziu-os cegamente pelo labirinto de corredores
tortuosos, Wulfgar logo atrás, carregando Pwent, que roncava (e
ganhando uma boa quantidades de cortes pela armadura afiada do
furioso de batalha). Cattibrie se esgueirou para o lado dele, parando
sempre que os perseguidores pareciam se aproximar para lançar
uma flecha ou duas.
Logo os corredores estavam silenciosos, exceto o clamor do
próprio grupo. Silenciosos demais, pela estimativa dos
companheiros assustados. Eles sabiam o quão furtivamente Drizzt
poderia se mover, sabiam que a discrição era o forte dos elfos
negros.
Mas para onde correr? Eles mal conseguiam descobrir onde
estavam naquela região pouco conhecida, teriam que parar e ter
tempo para se orientar antes que pudessem adivinhar como voltar a
um território familiar.
Finalmente, Bruenor encontrou uma pequena passagem lateral
que se ramificava de três maneiras, cada braço se ramificando de
novo pouco à frente da primeira ramificação. Não seguindo nenhum
curso predeterminado, o anão de barba vermelha os conduziu para
a esquerda e depois para a direita, e logo eles entraram em uma
pequena câmara, trabalhada pelos goblins e com uma grande laje
de pedra dentro da entrada baixa. Assim que todos entraram,
Wulfgar encostou a laje no portal e recostou-se nela.
— Drow! — Cattibrie sussurrou em descrença. — Como eles
chegaram ao Salão de Mitral?
— Por quê; não como — corrigiu Bruenor em voz baixa. — Por
que os parentes do elfo estão em meus túneis?
— E o quê? — Bruenor continuou severamente. Ele olhou para
sua filha, sua amada Cattibrie, e para Wulfgar, o orgulhoso rapaz
que ele ajudou a moldar em um homem tão bom, com uma
expressão sinceramente grave nas bochechas eriçadas do anão. —
No que nos metemos dessa vez?
Cattibrie não tinha uma resposta. Juntos, os companheiros
tinham lutado contra muitos monstros, tinham superado obstáculos
incríveis, mas aqueles eram elfos negros, drow infames, mortais,
malignos e aparentemente com Drizzt nas suas garras, se é que ele
ainda estava vivo. Os poderosos amigos tinham ido rápido e com
força para resgatar Drizzt, haviam pego os elfos negros de surpresa.
Tinham sido simplesmente derrotados, forçados a recuar sem ter
mais do que um rápido vislumbre do seu amigo perdido.
Cattibrie olhou para Wulfgar em busca de apoio, e viu-o olhando
com a mesma expressão impotente que Bruenor lançara sobre ela.
A jovem olhou para o outro lado, sem tempo nem inclinação para
repreender o bárbaro protetor. Sabia que Wulfgar continuava
preocupado mais com ela do que consigo mesmo — não podia
culpá-lo por isso —, mas Cattibrie, a guerreira, também sabia que,
se Wulfgar estivesse cuidando dela, seus olhos não estariam
focados nos perigos à frente.
Nessa situação, ela era uma problema para o bárbaro, não por
falta de habilidades de luta ou talentos de sobrevivência, mas por
causa da fraqueza do próprio Wulfgar, sua incapacidade de ver
Cattibrie como uma aliada igual.
E com os elfos negros por ali, como eles precisavam de aliados!
 

 
Usando seus poderes inatos de levitação, o soldado drow
perseguidor se retirou da rampa, seu olhar imediatamente
bloqueando a forma caída sob o grosso manto do outro lado do
corredor.
Ele puxou um porrete pesado e correu para o outro lado,
gritando de alegria pelas recompensas que certamente receberia ao
recapturar Drizzt. O porrete desceu, soando inesperadamente
agudo quando bateu na pedra sólida sob o manto de Drizzt.
Tão silencioso quanto a morte, Drizzt desceu do seu poleiro
acima da saída da rampa, logo atrás do adversário.
Os olhos do drow maligno se arregalaram quando ele percebeu
o engano, lembrou-se então da pedra que ficava em frente à rampa.
O primeiro instinto de Drizzt era atacar com o cabo de sua
cimitarra; seu coração pediu que honrasse seu voto e não tirasse
mais vidas drow. Um golpe bem colocado poderia derrubar esse
inimigo e deixá-lo indefeso. Drizzt podia amarrá-lo e tirar suas
armas.
Se Drizzt estivesse sozinho nesses túneis, se fosse
simplesmente uma questão de seu desejo de escapar de Vierna e
Entreri, teria seguido o grito de seu coração misericordioso. Porém,
não podia ignorar seus amigos acima, sem dúvida lutando contra os
inimigos que havia deixado para trás. Não poderia permitir que este
soldado, recuperado, fizesse mal a Bruenor ou Wulfgar ou Cattibrie.
Fulgor veio primeiro, cortando a coluna vertebral e o coração do
drow condenado, saindo pela frente de seu peito, o brilho azul da
lâmina mostrando um tom avermelhado. Quando retirou a cimitarra,
Drizzt Do’Urden tinha mais sangue nas mãos.
Pensou novamente em seus amigos em perigo e trincou os
dentes, determinado, se não confiante, de que o sangue seria
lavado.
PARTE 4

Gato e Rato
 
QUE TURBULÊNCIA INTERNA SENTI quando pela primeira vez
quebrei meu mais solene voto, guiado por meus princípios: que
nunca mais tiraria a vida de um daqueles de meu povo. A dor, a
sensação de fracasso, a sensação de perda, foi aguda quando
percebi o que o trabalho vil de minhas cimitarras fez.
Mas a culpa desapareceu rapidamente — não porque me
desculpasse por qualquer falha, mas porque percebi que meu
verdadeiro fracasso estava em fazer o voto, não em quebrá-lo.
Quando saí de minha terra natal, proferi tais palavras por inocência,
pela ingenuidade da juventude, e realmente fui sincero quando as
disse, de verdade. Vim a saber, entretanto, que tal voto era irreal,
porque se eu seguisse um curso na vida como defensor daqueles
ideais que tanto apreciava, não poderia me desculpar das ações
ditadas por esse curso se os inimigos fossem elfos drow. 
Muito simplesmente, a adesão ao meu voto dependia de
situações completamente fora do meu controle. Se, depois de deixar
Menzoberranzan, nunca mais tivesse encontrado um elfo negro em
batalha, nunca teria quebrado meu voto. Mas isso, no final, não teria
me tornado mais honrado. Circunstâncias afortunadas não
equivalem a princípios elevados.
No entanto, quando a situação surgiu, quando os elfos negros
ameaçaram meus amigos mais queridos, precipitaram um estado de
guerra contra as pessoas que não tinham feito nada de errado,
como poderia, em boa consciência, manter minhas cimitarras
embainhadas? Qual era o valor do meu voto quando pesado contra
as vidas de Bruenor, Wulfgar e Cattibrie, ou quando pesado contra a
vida de qualquer inocente? Se, nas minhas viagens, me deparasse
com um ataque drow contra os elfos da superfície, ou contra uma
pequena vila, sei além de qualquer dúvida que eu teria entrado nos
combates, lutando contra os agressores com todas as minhas
forças.
Nesse caso, sem dúvida, teria sentido as dores agudas do
fracasso e logo as descartaria, como faço agora.
Não me arrependo, portanto, de quebrar meu voto — embora me
doa, como sempre, ter que matar. Nem me arrependo de fazer o
voto, pois a declaração de minha loucura juvenil não causou
nenhuma dor subsequente. Se tivesse tentado aderir às palavras
incondicionais daquela declaração, no entanto, se tivesse segurado
minhas espadas em busca de uma sensação de orgulho falso, e se
essa inação tivesse resultado em danos subsequentes a uma
pessoa inocente, então a dor em Drizzt Do’Urden teria sido mais
aguda, e nunca passaria.
Há mais um ponto que passei a entender sobre minha
declaração, mais uma verdade que, acredito, me leva mais longe na
estrada que escolhi na vida. Eu disse que nunca mais mataria um
elfo drow. Fiz a afirmação com pouco conhecimento das muitas
outras raças do vasto mundo da superfície e do Subterrâneo, com
pouco entendimento de que muitas dessas miríades de povos
existiam. Eu nunca mataria um drow, então eu disse, mas e quanto
aos svirfneblin, os gnomos das profundezas? Ou os halflings, elfos
ou anões? E quanto aos humanos?
Eu tive a oportunidade de matar homens, quando os parentes
bárbaros de Wulfgar invadiram Dez-Burgos, para defender os
inocentes na intenção de combater, talvez de matar, os humanos
agressores. No entanto, tal ato, por mais desagradável que tenha
sido, não afetou de maneira alguma o meu mais solene voto, apesar
do fato de que a reputação dos humanos supera em muito a dos
elfos negros.
Dizer, então, que eu nunca mais mataria um drow, puramente
porque somos da mesma herança física, parece-me agora errado,
simplesmente racista. Colocar a medida do valor de um ser vivo
acima da de outro simplesmente porque esse ser leva a mesma cor
de pele que eu é um menosprezo a meus princípios. Os falsos
valores incorporados naquele voto feito há tanto tempo não têm
lugar em meu mundo, no vasto mundo de inúmeras diferenças
físicas e culturais. São essas mesmas diferenças que tornam
minhas jornadas empolgantes, essas mesmas diferenças que
colocam novas cores e formas no conceito universal de beleza.
Agora faço um novo voto, ponderado na experiência e
proclamado de olhos abertos; não levantarei minhas cimitarras
senão em defesa: em defesa de meus princípios, de minha vida ou
de outros que não podem defender a si mesmos. Não lutarei para
promover as causas dos falsos profetas, para promover os tesouros
dos reis ou para vingar o meu próprio orgulho ferido.
E para os muitos mercenários ricos em ouro, religiosos e
seculares, que considerariam tal voto irreal, impraticável, até
ridículo, cruzo os braços sobre o peito e declaro com convicção: de
longe sou o mais rico!
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 15

O Jogo é o Objetivo
 
— SILÊNCIO! — Os dedos delicados de Vierna sinalizaram o
comando repetidamente na intrincada língua de sinais drow. 
Duas bestas de mão estalaram quando as cordas dos seus
arcos foram travadas em posição de prontidão. Os drow que as
manejavam se agacharam, olhando para a porta quebrada.
De trás deles, do outro lado da pequena câmara, ouviu-se um
ligeiro assobio quando uma flecha magicamente se dissolveu,
liberando sua vítima élfica negra, que caiu no chão na base da
parede. Dinin, o drider, afastou-se do drow caído, suas pernas
revestidas de pele dura batendo contra a pedra.
— Silêncio!
Jarlaxle se arrastou até a beira da porta e direcionou a orelha
para a escuridão impenetrável dos globos conjurados. Ele ouviu um
leve arrastar e sinalizou com uma adaga aos que empunhavam as
bestas para ficarem prontos.
Jarlaxle ficou de pé quando a figura, seu batedor, rastejou para
fora da escuridão e entrou na câmara.
— Eles foram embora — explicou o batedor quando Vierna
correu para se juntar ao líder mercenário. — Um pequeno grupo, e
menor ainda com um deles esmagado sob sua excelente parede.
Tanto Jarlaxle quanto o guarda fizeram uma reverência baixa em
respeito a Vierna, que sorria cruelmente apesar do súbito desastre.
— E quanto a Iftuu? — Jarlaxle perguntou, referindo-se ao
guarda que tinham deixado vigiando o corredor onde a confusão
havia começado.
— Morto — respondeu o batedor. — Rasgado e destroçado.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— O que você sabe sobre nossos inimigos? — ela exigiu saber.
O assassino olhou-a perigosamente, lembrando-se das
advertências de Drizzt contra alianças com seus parentes.
— Wulfgar, o humano grande, arremessou o martelo que
quebrou a porta — respondeu com toda a confiança. Entreri olhou
para as duas formas que resfriavam rapidamente espalhadas pelo
chão de pedra. — Você pode botar as mortes daqueles dois na
conta de Cattibrie, outra humana.
Vierna voltou-se para o batedor de Jarlaxle e traduziu o que
Entreri lhe contara na língua drow.
— Era um desses dois que estava abaixo da parede? — a
sacerdotisa perguntou ao batedor.
— Apenas um único anão — respondeu o drow.
Entreri reconheceu a palavra drow para o povo barbudo.
— Bruenor? — perguntou retoricamente, imaginando se eles
inadvertidamente assassinaram o rei do Salão de Mitral.
— Bruenor? — Vierna ecoou, sem entender.
— Chefe do Clã Martelo de Batalha — explicou Entreri. —
Pergunte a ele — ordenou a Vierna, indicando o batedor, e agarrou
o queixo bem barbeado com a mão, como se estivesse acariciando
uma barba. — Cabelo vermelho?
Vierna traduziu, depois tornou a olhar para ele, sacudindo a
cabeça.
— Não havia luz ali. O batedor não poderia dizer.
Entreri silenciosamente se xingou por ser tão tolo. Ele
simplesmente não conseguia se acostumar com essa visão do calor,
onde as formas se misturavam indistintamente e as cores eram
baseadas na quantidade de calor, não refletindo as matizes.
— Eles se foram e não são mais nossa preocupação — disse
Vierna a Entreri.
— Você os deixaria escapar depois de matar três em sua
comitiva? — Entreri começou a protestar, vendo onde essa linha de
raciocínio os levaria, e não tão certo de que gostava daquele
caminho.
— Quatro estão mortos — corrigiu Vierna, seu olhar conduzindo
o do assassino à vítima de Drizzt deitada ao lado da rampa agora
revelada.
— Ak’hafta foi atrás de seu irmão — Jarlaxle rapidamente
acrescentou.
— Então cinco estão mortos — respondeu Vierna sombriamente
—, mas meu irmão está abaixo de nós e deve passar por nós para
se juntar a seus amigos.
Ela começou a conversar com os outros drow em sua língua
nativa, e embora não tivesse chegado perto de dominar a língua,
Entreri percebeu que Vierna estava organizando a partida pela
rampa em busca de Drizzt.
— E quanto ao meu acordo? — ele interrompeu.
A resposta da Vierna foi direta ao ponto.
— Você teve sua luta. Nós permitimos sua liberdade, como
combinado.
Entreri agiu satisfeito com a resposta; ele era mundano o
suficiente para entender que mostrar sua indignação significaria
juntar-se às outras formas que esfriavam rapidamente no chão. Mas
o assassino não estava disposto a aceitar suas perdas tão
prontamente. Olhou em volta freneticamente, procurando alguma
distração, alguma maneira de alterar o acordo aparentemente feito.
Entreri planejara perfeitamente as coisas até esse ponto, exceto
que, na confusão, não conseguira entrar na rampa atrás de Drizzt.
Sozinho lá embaixo, ele e seu arquirrival teriam tido tempo para
resolver as coisas de uma vez por todas, mas agora a perspectiva
de conseguir encontrar Drizzt sozinho para uma luta parecia remota
e se afastava a cada segundo.
O assassino astuto havia se infiltrado em situações mais
precárias do que esta - exceto, prudentemente lembrou a si mesmo,
que dessa vez lidava com elfos negros, os mestres da intriga.
 

 
— Shhh. — Bruenor sibilou para Wulfgar e Cattibrie, embora
fosse Thibbledorf Pwent, dormindo profundamente e roncando como
só um anão pode roncar, que estava fazendo todo o barulho. —
Acho que ouvi alguma coisa!
Wulfgar inclinou a ponta do capacete do furioso de batalha
contra a parede, bateu com uma das mãos sob o queixo de Pwent,
fechando a boca do anão malcheiroso, e então apertou os dedos ao
redor do nariz largo dele. As bochechas do furioso se inflaram
estranhamente algumas vezes, e um estranho tipo de barulho
estridente saiu de algum lugar. Wulfgar e Cattibrie trocaram olhares;
Wulfgar inclinou-se para o lado, imaginando se o anão ultrajante
acabara de roncar por suas orelhas!
Bruenor se encolheu com a explosão inesperada, mas estava
muito decidido para se virar e repreender seus companheiros. Do
outro lado do corredor, ouviu-se outro ligeiro ruído barulhento, quase
imperceptível, e depois outro ainda mais próximo. Bruenor sabia que
logo seriam encontrados; como poderiam escapar quando Wulfgar e
Cattibrie precisavam da luz de tochas para navegar pelos túneis
tortuosos?
Outro som veio, do lado de fora da pequena câmara.
— Bem, saia logo, seu orelhudo beijador de orc! — o rei anão
frustrado e assustado rugiu, pulando pela pequena abertura em
volta da laje que Wulfgar havia usado para bloquear parcialmente a
passagem. O anão levantou seu grande machado bem acima de
sua cabeça.
Ele viu a forma negra, como esperado, e tentou atacar, mas a
forma estava ao lado dele muito rapidamente, saltando para a
pequena câmara mal fazendo um sussurro como ruído.
— O quê? — o anão assustado, com o machado ainda alto,
empacou, girando e quase caindo no chão.
— Guenhwyvar! — ele ouviu Cattibrie chamar além da laje.
Bruenor voltou para a câmara no momento em que a poderosa
pantera abria a boca e deixava cair a valiosa estatueta - junto com a
mão de pele de ébano do desafortunado elfo negro que a agarrara
quando Guenhwyvar havia fugido.
Cattibrie deu uma olhada azeda e chutou a mão sem corpo para
longe da estatueta.
— Boa menina! — admitiu Bruenor, e o anão robusto ficou
aliviado por ter encontrado uma nova e poderosa aliada.
Guenhwyvar rugiu em resposta, o poderoso grunhido
reverberando pelas paredes do túnel em todas as direções. Pwent
abriu os olhos cansados ao ouvir o som. As orbes escuras se
arregalaram de fato quando o furioso avistou a pantera de trezentos
quilos a apenas um metro de distância.
Com a adrenalina subindo a novas alturas, o furioso de batalha
cuspiu uma dúzia de palavras ao mesmo tempo, enquanto se mexia
e chutava para recuperar o equilíbrio (inadvertidamente se dando
uma joelhada na própria canela e tirando um pouco de sangue).
Quase conseguiu, até que Guenhwyvar aparentemente perceber
sua intenção e, distraidamente, bater uma pata, com garras
retraídas, em seu rosto.
O elmo de Pwent tocou uma nota clara quando ele se afastou da
parede, e então achou que outro cochilo pudesse lhe fazer bem.
Mas era um furioso de batalha, lembrou a si mesmo, e por sua
estimativa, uma batalha muito selvagem estava prestes a ser
travada. Tirou um grande frasco debaixo do manto e tomou um gole
forte, então sacudiu a cabeça para limpar as teias de aranha,
fazendo seus lábios grossos baterem ruidosamente. Parecendo
revigorado de alguma forma, o furioso de batalha firmou os pés para
uma investida.
Wulfgar agarrou-o pela ponta do capacete e o levantou do chão,
fazendo as pernas grossas de Pwent agitarem-se impotentes.
— O que você está fazendo? — o furioso grunhiu em protesto,
mas até mesmo Thibbledorf Pwent teve sua arrogância drenada,
junto com o sangue em seu rosto, quando Guenhwyvar olhou para
ele e rosnou, com as orelhas achatadas e os dentes perolados à
mostra.
— A pantera é uma amiga — explicou Wulfgar.
— O que... quem é... o maldito gato? — Pwent gaguejou.
— Uma boa gata — corrigiu Bruenor, terminando o debate. O rei
anão voltou a vigiar o salão, feliz por ter Guenhwyvar ao lado deles,
sabendo que precisariam de tudo o que Guenhwyvar pudesse dar, e
talvez um pouco mais.
 

 
Entreri notou um drow ferido encostado na parede, sendo
cuidado por outros dois, e os curativos que aplicavam rapidamente
ficaram quentes com o sangue derramado. Ele reconheceu o elfo
negro ferido como alguém que havia alcançado a estatueta logo
depois que Drizzt tinha chamado a gata, e a lembrança de
Guenhwyvar deu ao assassino uma nova manobra para tentar.
— Os amigos do Drizzt vão perseguir você, até mesmo pela
rampa — Entreri observou severamente, interrompendo Vierna mais
uma vez.
A sacerdotisa se virou para ele, obviamente preocupada com o
raciocínio, assim como o mercenário ao lado dela.
— Não os subestime — continuou Entreri. — Eu os conheço, e
eles são leais além de qualquer coisa no mundo dos elfos negros —
exceto, é claro, pela lealdade de uma sacerdotisa à Rainha Aranha
— acrescentou, em deferência a Vierna, porque não queria que
arrancassem sua pele e levassem como um troféu.
— Você planeja ir atrás do seu irmão, mas mesmo que você o
pegue de vez e siga com toda a velocidade para Menzoberranzan,
os amigos leais dele irão atrás de você.
— Eles eram apenas alguns — retrucou Vierna.
— Mas voltarão com muitos mais, especialmente se o anão sob
a parede era mesmo Bruenor Martelo de Batalha — rebateu Entreri.
Vierna olhou para Jarlaxle para confirmar as afirmações do
assassino, e o elfo negro apenas deu de ombros e balançou a
cabeça em ignorância impotente.
— Eles virão melhor equipados e mais bem armados —
prosseguiu Entreri, seu novo esquema formulado, sua intriga
ganhando ímpeto. — Com magos, talvez. Com muitos clérigos,
certamente. E com aquele arco mortal — olhou para o corpo perto
da parede — e o martelo de guerra do bárbaro.
— Os túneis são muitos — raciocinou Vierna, aparentemente
ignorando o argumento. — Eles não conseguiriam seguir nosso
curso. — ela se virou, como se seu próprio argumento a tivesse
satisfeito, para voltar a formular seus planos iniciais.
— Eles têm a pantera! — Entreri rosnou para ela. — A pantera
que é a melhor amiga do seu irmão. Guenhwyvar te perseguiria até
o próprio Abismo se você carregasse o corpo de Drizzt.
Novamente aflita, Vierna olhou para Jarlaxle.
— O que você acha? — ela exigiu saber.
Jarlaxle passou a mão pelo queixo pontudo.
— A pantera era bem conhecida entre os grupos de batedores
quando seu irmão morava na cidade — ele admitiu. — Nosso grupo
de ataque não é grande — e aparentemente temos cinco a menos
agora.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— Você, que parece conhecer essas pessoas tão bem — ela
perguntou com mais do que um pouco de sarcasmo —, o que
sugere que façamos?
— Vá atrás do bando em fuga — Entreri respondeu, apontando
para o corredor enegrecido além da porta destruída. — Pegue-os e
mate-os antes que possam voltar para o complexo anão e reunir
apoio. Eu vou encontrar seu irmão por você.
Vierna o olhou com desconfiança, um olhar que Entreri
certamente não gostou.
— Mas eu sou premiado com outra luta contra Drizzt — insistiu,
atraindo o plano com alguma medida de credibilidade.
— Quando nos reunirmos — acrescentou Vierna friamente.
— É claro — o assassino se precipitou em uma reverência
profunda e saltou para a rampa.
— E você não vai sozinho — decidiu Vierna. Ela deu uma olhada
para Jarlaxle, que fez sinal para dois de seus soldados
acompanharem o assassino.
— Eu trabalho sozinho — insistiu Entreri.
— Você morre sozinho — corrigiu Vierna. — Contra meu irmão
nos túneis, quero dizer — acrescentou em tom mais suave e
brincalhão, mas Entreri sabia que a promessa de Vierna não tinha
nada a ver com o irmão.
Ele viu pouco sentido em continuar a discutir com ela, então
apenas deu de ombros e fez sinal para um dos elfos negros liderar o
caminho.
Na verdade, ter um drow com os poderes de levitação sob ele
fez a viagem pela rampa perigosa muito mais confortável para o
assassino.
O elfo negro que liderava o caminho saiu primeiro para o
corredor inferior, Entreri aterrissou com agilidade atrás dele e o
segundo drow entrou lentamente atrás do assassino. O primeiro
drow balançou a cabeça em aparente confusão e chutou levemente
o corpo de bruços, mas Entreri, mais sábio aos muitos truques de
Drizzt, empurrou o elfo negro para o lado e bateu com a espada no
aparente cadáver. Cautelosamente, o assassino virou o drow morto,
confirmando que não era Drizzt em um disfarce inteligente.
Satisfeito, deslizou sua espada para longe.
— Nosso inimigo é esperto — explicou e um de seus
companheiros, compreendendo a linguagem da superfície, assentiu,
depois traduziu para o outro.
— Esse é Ak’hafta — explicou o elfo negro a Entreri. — Morto,
como previu Vierna — ele levou seu companheiro drow até o
assassino.
Entreri não ficou nada surpreso ao encontrar o soldado morto
logo abaixo da rampa. Ele, acima de qualquer outra pessoa no
grupo de Vierna, entendia quão mortal seu oponente poderia ser, e
quão eficiente. Entreri não duvidava que os dois que o
acompanhavam, lutadores habilidosos mas inexperientes com
relação aos modos de seu inimigo, teriam poucas chances de pegar
Drizzt. Pela estimativa de Entreri, se esses elfos negros
despreparados tivessem atravessado a rampa sozinhos, Drizzt
poderia muito bem tê-los derrotado.
Entreri sorriu com tal pensamento, depois sorriu ainda mais ao
perceber que os dois não entendiam seu aliado, muito menos seu
inimigo.
Sua espada apontou para o lado enquanto o drow rastreador
passava por ele, espetando precisamente os dois pulmões do elfo
azarado. O outro drow, mais rápido do que Entreri esperava, virou-
se de um lado para o outro, com a besta de mão em prontidão.
Um punhal adornado de joias veio primeiro, acertando a mão da
arma do drow com força suficiente para desviar o virote
inofensivamente. Destemido, o elfo negro rosnou e produziu um par
de espadas bem afiadas.
A facilidade com a qual esses elfos negros lutavam tão bem com
duas armas de igual comprimento nunca deixava de impressionar
Entreri. Ele tirou o cinto de couro fino de seus calções e girou duas
vezes em sua mão esquerda livre, acenando com a espada na
frente para manter seu oponente à distância.
— Você está do lado de Drizzt Do’Urden! — o drow acusou.
— Eu não estou do seu lado — corrigiu Entreri.
O drow atacou-o com força, as espadas cruzando-se, recuando,
depois cruzando de perto novamente, forçando Entreri a bater nelas
com sua própria espada, e logo recuou. O ataque foi habilidoso e
enganosamente rápido, mas Entreri reconheceu imediatamente a
diferença primária entre este drow e Drizzt, o nível sutil de
habilidade que elevava Drizzt — e Entreri, deve-se acrescentar —
acima desses outros guerreiros. O ataque duplo cruzado havia sido
lançado tão bem quanto qualquer outro que Entreri já tinha visto,
mas durante os poucos segundos que tinha tomado para executar a
manobra, as defesas do elfo negro não estavam alinhadas. Como
tantos outros lutadores habilidosos, esse drow era um guerreiro
unidirecional, perfeito no ataque, perfeito na defesa, mas não
perfeito em ambos ao mesmo tempo.
Foi uma coisa menor; a rapidez do drow compensava tão bem
que a maioria dos guerreiros jamais notaria a aparente fraqueza.
Mas Entreri não era como a maioria dos guerreiros.
Novamente o drow forçou o ataque. Uma espada disparou
diretamente para o rosto de Entreri, apenas para ser defletida no
último momento. A segunda espada chegou baixa, logo após, mas
Entreri inverteu o impulso de sua arma e rebateu a ponta,
empurrando-a para o chão.
Furiosamente, o drow se aproximou, com suas espadas voando,
mergulhando por qualquer abertura aparente, apenas para serem
interceptadas pela espada de Entreri ou fisgadas e puxadas pelo
cinto de couro.
E o tempo todo o assassino recuava voluntariamente, esperando
pela morte certa de seu adversário.
As espadas se cruzaram, se afastaram e cruzaram de novo
enquanto atacavam o torso de Entreri, com o elfo negro repetindo
seu ataque inicial.
A defesa havia mudado, o assassino se movendo com
velocidade repentina e aterrorizante.
O cinto de Entreri enrolou-se em torno da ponta da espada na
mão direita do drow, que foi cruzada sob a outra, e depois o
assassino recuou para a esquerda, apertando as espadas e
forçando as duas para o lado.
O elfo negro condenado começou a recuar imediatamente, e
ambas as espadas facilmente se soltaram do cinturão desajeitado,
mas o drow, com seu equilíbrio defensivo perdido na rotina ofensiva,
precisou de uma fração de segundo para recuperar sua postura.
A espada ágil de Entreri usou menos do que essa fração de
segundo. Mergulhou avidamente no flanco esquerdo exposto do
drow, com a ponta sendo torcida enquanto serpenteava até a carne
macia sob a caixa torácica.
O guerreiro ferido caiu para trás, com a barriga gravemente
ferida, e Entreri não prosseguiu, em vez disso caiu em sua postura
de batalha equilibrada.
— Você está morto — disse com naturalidade enquanto o drow
lutava para ficar de pé e manter suas espadas niveladas.
O drow não podia contestar a alegação, e não podia esperar,
através da agonia cegante e ardente, impedir o ataque iminente do
assassino. Ele largou as armas no chão e anunciou:
— Eu me rendo.
— Bem falado — Entreri parabenizou-o. Depois, o assassino
enfiou a espada no coração do tolo elfo negro.
Ele limpou a lâmina na piwafwi de sua vítima, recuperou sua
preciosa adaga, depois virou-se para ver o túnel vazio, varrendo
para os dois lados além do alcance de sua infravisão um tanto
limitada.
— Agora, caro Drizzt — disse em voz alta —, as coisas estão
como eu havia planejado.
Entreri sorriu, parabenizando-se por manipular tão perfeitamente
uma situação tão perigosa.
— Eu não me esqueci dos esgotos de Porto Calim, Drizzt
Do’Urden! — gritou, sua raiva fervendo de repente. — Nem perdoei!
Entreri acalmou-se imediatamente, lembrando-se de que sua
raiva havia sido sua fraqueza naquela ocasião em que lutara contra
Drizzt nas terras a Sul.
— Tome coragem, meu respeitável amigo — disse ele em voz
baixa —, por que agora podemos começar o nosso jogo, como
deveria ser.
 

 
Drizzt voltou para a área da rampa logo depois que Entreri partiu.
Ele soube imediatamente o que havia acontecido quando viu os dois
novos cadáveres e percebeu que nada disso ocorrera por acaso.
Drizzt havia enganado Entreri na câmara acima, recusara-se a jogar
como o assassino desejara. Mas Entreri aparentemente havia
antecipado a relutância de Drizzt e preparado — ou improvisado —
um plano alternativo.
Agora ele tinha Drizzt, apenas Drizzt, nos túneis inferiores, um
contra um. Agora, também, se chegasse ao ponto do combate,
Drizzt lutaria com todo o seu coração, sabendo que vencer
significaria pelo menos ter alguma chance de liberdade.
Drizzt assentiu com a cabeça, silenciosamente parabenizando
seu inimigo oportunista.
Mas as prioridades de Drizzt não eram semelhantes às de
Entreri. A principal preocupação do elfo negro era encontrar o
caminho para se juntar aos amigos e ajudá-los. Para Drizzt, Entreri
não era mais do que outro pedaço da ameaça maior.
Se encontrasse Entreri a caminho, Drizzt Do’Urden pretendia
acabar com o jogo.
CAPÍTULO 16

Traçando Limites
 
— EU NÃO ESTOU SATISFEITA — comentou Vierna ao lado de
Jarlaxle no túnel perto da parede de ferro conjurada em cima do
corpo esmagado do pobre Cobble. 
— E você achou que seria tão fácil? — respondeu o mercenário.
— Entramos nos túneis de um complexo anão fortificado com um
contingente de apenas cinquenta soldados. Cinquenta contra
milhares.
— Você vai recapturar seu irmão — acrescentou Jarlaxle, não
querendo que Vierna ficasse excessivamente ansiosa. — Minhas
tropas são bem treinadas. Já despachei quase três dúzias, todo o
complemento dos Baenre, para o único corredor que sai do Salão
de Mitral. Nenhum dos aliados de Drizzt entrará por esse caminho, e
seus amigos presos não escaparão.
— Quando os anões souberem que estamos por perto, enviarão
um exército — argumentou Vierna com seriedade.
— Se souberem — Jarlaxle corrigiu. — Os túneis do Salão de
Mitral são longos. Nossos adversários levarão algum tempo para
reunir uma força significativa — dias talvez. Estaremos a meio
caminho de Menzoberranzan, com Drizzt, antes que os anões
estejam organizados.
Vierna parou por um bom tempo, considerando seu próximo
curso de ação. Havia apenas dois caminhos a partir do nível inferior:
a rampa na sala próxima e túneis sinuosos a alguma distância a
norte. Ela olhou pela sala e se aproximou para observar a rampa,
imaginando se tinha feito algo errado ao mandar apenas três atrás
de Drizzt. Considerou ordenar que toda a sua toda a sua força —
uma dúzia de drow e o drider — saísse em perseguição.
— O humano vai pegá-lo — Jarlaxle disse, como se tivesse lido
sua mente. — Artemis Entreri conhece nosso inimigo melhor que
nós; ele lutou contra Drizzt através das vastas extensões do mundo
da superfície. Além disso, ele ainda usa o brinco, para que você
possa acompanhar o progresso dele. Aqui em cima temos os
amigos de Drizzt, com apenas um punhado dos meus batedores,
para lidar.
— E se Drizzt escapar de Entreri? — Vierna perguntou a ele.
— Há apenas duas maneiras de subir — Jarlaxle lembrou
novamente. Vierna assentiu, tomou sua decisão e caminhou até a
rampa. Ela pegou uma pequena varinha de uma dobra em suas
vestes ornamentais e fechou os olhos, iniciando um entoar suave.
Lenta e deliberadamente, Vierna traçou linhas precisas através da
abertura, com a ponta da varinha cuspindo filamentos pegajosos.
Perfeitamente, a sacerdotisa delineou uma teia de fios finos,
cobrindo a abertura. Vierna recuou para examinar seu trabalho. De
uma bolsa, ela produziu um pacote de pó fino e, começando um
segundo entoar, espalhou-o pela teia. Imediatamente os fios se
espessaram e assumiram um brilho negro e prateado. Então o brilho
desapareceu e o calor da energia do encantamento esfriou para a
temperatura ambiente, deixando os fios praticamente invisíveis.
— Agora há apenas um caminho — anunciou Vierna para
Jarlaxle. — Nenhuma arma pode cortar os fios.
— Para o norte, então — Jarlaxle concordou. — Eu enviei um
punhado de batedores à frente para proteger os túneis inferiores.
— Drizzt e seus amigos não podem se encontrar — instruiu
Vierna.
— Se Drizzt vir seus amigos novamente, eles já estarão mortos
— o mercenário arrogante respondeu com toda a confiança.
 

 
— Deve haver outro caminho para a sala — ofereceu Wulfgar. —
Se pudéssemos atacá-los de ambos os lados...
— Drizzt saiu do lugar — interrompeu Bruenor, tocando o
medalhão mágico e olhando para o chão, sentindo que seu amigo
estava em algum lugar abaixo deles.
— Quando matarmos todos os nossos inimigos, seu amigo nos
encontrará — ponderou Pwent.
Wulfgar, ainda segurando o furioso de batalha longe do chão
pelo espigão do capacete, deu-lhe uma pequena sacudida.
— Não tenho vontade de lutar contra os drow — respondeu
Bruenor, e lançou a Cattibrie e Wulfgar olhares preocupados de
soslaio — não assim. Temos que nos manter longe deles, se
pudermos, e atacá-los somente quando for necessário.
— Poderíamos voltar e pegar Dagna — ofereceu Wulfgar — e
limpar os túneis dos vestígios de quaisquer elfos negros.
Bruenor olhou para o labirinto de corredores que o levariam de
volta ao complexo dos anões, considerando o caminho. Ele e seus
amigos podiam perder talvez uma hora em seu caminho indireto
para o Salão de Mitral, e várias horas a mais para reunir uma força
considerável. Aquelas eram várias horas que Drizzt provavelmente
não teria sobrando.
— Nós vamos até Drizzt — Cattibrie decidiu com firmeza. —
Temos seu medalhão para nos apontar para o caminho certo, e
Guenhwyvar nos levará até ele. — Bruenor sabia que Pwent
concordaria prontamente com qualquer coisa que abrisse a
possibilidade de uma briga, e o pelo de Guenhwyvar estava
arrepiado, a pantera ansiosa, seus músculos lisos, tensos. O anão
olhou para Wulfgar e quase cuspiu no rapaz pela expressão
preocupada e condescendente espalmada em seu rosto enquanto
estudava Cattibrie.
Sem aviso, Guenhwyvar parou de repente, emitindo um grunhido
baixo e silencioso. Cattibrie imediatamente apagou a tocha de fogo
baixo e se agachou, usando os pontos vermelhos dos olhos dos
anões para se manter em posição.
O grupo se aproximou mais, Bruenor sussurrando para os outros
permanecerem na câmara lateral enquanto saía para ver o que a
gata havia sentido.
— Drow — explicou quando retornou um momento depois,
Guenhwyvar ao seu lado — apenas um punhado, movendo-se
rápido e para o norte.
— Um punhado de drow mortos — corrigiu Pwent. Os outros
podiam ouvir o furioso de batalha ansiosamente esfregando as
mãos, as articulações dos ombros de sua armadura raspando
ruidosamente demais.
— Sem lutas! — Bruenor sussurrou tão alto quanto ousou e
agarrou os braços de Pwent para parar o movimento. — Estou
começando a achar que este grupo pode ter uma ideia de onde
encontrar Drizzt, que estão procurando por ele, mas não temos
chance de acompanhá-los sem luz.
— E se acendermos a tocha, vamos acabar lutando em breve —
Cattibrie raciocinou.
— Então acenda a maldita tocha! — Pwent disse esperançoso.
— Cala a boca — respondeu Bruenor. — Nós vamos sair
devagar e com calma — e você manterá a tocha, ou melhor: duas
tochas, em prontidão para acender aos primeiros sinais de uma
briga — disse para Wulfgar. Então fez sinal para Guenhwyvar guiá-
los, pedindo à gata para manter o ritmo lento.
Pwent empurrou seu grande frasco na mão de Cattibrie assim
que saíram do túnel.
— Dê um gole nisso — instruiu —, e passe adiante.
Cattibrie cegamente moveu as mãos sobre o objeto, finalmente
discernindo ser um frasco. Ela cuidadosamente cheirou o líquido
fedorento e começou a devolvê-lo.
— Você vai pensar melhor quando um elfo drow mandar um
dardo envenenado em seu traseiro — explicou o furioso, dando um
tapinha na nádega de Cattibrie. — Com essa coisa fluindo por seu
sangue, nenhum veneno tem chance!
Lembrando-se de que Drizzt estava encrencado, a jovem tomou
um grande gole no frasco, depois tossiu e cambaleou para o lado.
Por um momento, viu oito olhos anões e quatro olhos de gato
olhando para ela, mas a visão dupla logo foi embora e passou o
frasco para Bruenor.
Bruenor lidou com isso facilmente, oferecendo um suspiro e um
profundo, embora silencioso, arroto quando terminou.
— Aquece os dedos dos pés — explicou a Wulfgar quando o
passou.
Depois que Wulfgar se recuperou, o grupo partiu, as patas
acolchoadas de Guenhwyvar marcando silenciosamente o caminho
e a armadura de Pwent gritando ruidosamente a cada passo
ansioso.
 

 
Quarenta anões prontos para a batalha seguiram as botas do
General Dagna através das minas inferiores do Salão de Mitral até a
sala de guarda final.
— Nós vamos seguir direto para o salão dos goblins — explicou
o general às suas tropas — e ramificar a partir daí. — Ele passou a
instruir os guardas da porta, estabelecendo uma série de sinais e
deixando instruções para quaisquer tropas subsequentes que
entrassem, explicitamente ordenando que nenhum anão em grupos
de menos de uma dúzia fosse autorizado a entrar nas novas
seções.
Então o severo Dagna pôs seus soldados em linha, se colocou
bravamente e orgulhosamente à frente deles, e atravessou a porta
aberta. Dagna realmente não acreditava que Bruenor estivesse em
perigo, imaginou que talvez um bolsão de resistência goblin ou
algum outro pequeno inconveniente precisasse ser resolvido. Mas o
general era um comandante conservador, preferindo um massacre a
um combate equilibrado, e não arriscaria a segurança de Bruenor.
Os passos pesados de botas duras, armaduras rangendo e até
mesmo um grito de guerra resmungado de vez em quando
anunciavam a aproximação da força, e cada terceiro anão segurava
uma tocha. Dagna não tinha motivos para acreditar que aquela força
formidável precisaria ser furtiva, e esperava que Bruenor e
quaisquer outros aliados que estivessem vagando por ali pudessem
encontrar a tropa barulhenta.
Dagna não sabia sobre os elfos negros.
O ritmo acelerado dos anões logo os aproximou da primeira
seção de interseção, à vista dos ossos empilhados do antigo abate
feito por Bruenor tantos anos atrás. Dagna chamou os
“observadores laterais” e começou a avançar, querendo continuar
em frente, direto para a câmara principal da batalha contra os
goblins. Antes mesmo de chegar à passagem lateral, Dagna
desacelerou suas tropas e pediu um pouco de silêncio.
O general deu uma olhada nervosa quando começou a
atravessar o cruzamento mais amplo. Seus instintos de guerreiro,
afinados ao longo de três séculos de luta, diziam-lhe que algo não
estava certo; as grossas camadas de cabelo na parte de trás de seu
pescoço formigavam estranhamente.
Então as luzes se apagaram.
A princípio, o general anão supôs que algo havia extinguido as
tochas, mas percebeu rapidamente, pelo clamor que surgia atrás de
si e pelo fato de que sua infravisão, quando conseguia refocalizar
seus olhos, era totalmente inútil, que alguma coisa mais sinistra
havia ocorrido.
— Trevas! — gritou um anão.
— Magos! — uivou outro.
Dagna ouviu seus companheiros se debaterem, ouviu algo
assoviar em seu ouvido, seguido pelo grunhido de um de seus
comandantes inferiores imediatamente atrás dele. Instintivamente, o
general começou a retroceder, e apenas alguns passos mais curtos
depois, ele emergiu do globo de escuridão conjurada para encontrar
suas tropas correndo ao redor. Um segundo globo das trevas havia
dividido a força dos anões quase exatamente na metade, e aqueles
que estavam na frente do feitiço chamavam os que estavam presos
dentro dele e os que estavam atrás, tentando reunir alguma
organização.
— Em cunha! — Dagna gritou acima do tumulto, exigindo a mais
básica das formações de batalhas dos anões. — É um feitiço de
escuridão, nada mais!
Ao lado do general, um anão segurava o peito, então retirou um
pequeno tipo de dardo que Dagna não reconheceu e caiu no chão,
roncando antes mesmo de bater na pedra.
Algo atingiu a canela de Dagna, mas ele ignorou e continuou
seus comandos, tentando orientar o grupo em uma unidade de
combate coesa e unificada. Ele enviou cinco anões correndo para o
flanco direito, ao redor do globo de escuridão e no início da
passagem de interseção.
— Me encontrem esse maldito mago! — ordenou Dagna a eles.
— E descubram contra o que nos Nove Infernos estamos lutando!
A frustração de Dagna só alimentou sua ira, e logo a força anã
restante estava em uma formação de cunha apertada, pronta para
perfurar o globo de escuridão inicial.
Os cinco anões flanqueadores entraram na passagem lateral.
Uma vez convencidos de que nenhum inimigo espreitava daquele
lado, rapidamente se aproximaram do globo de escuridão, dirigindo-
se à estreita abertura entre a esfera e a entrada mais distante ao
longo do corredor principal.
Duas formas escuras emergiram das sombras, ficando de joelho
diante dos anões e preparando pequenas bestas.
O anão à frente, atingido duas vezes, tropeçou, mas ainda
conseguiu liderar a investida. Ele e seus quatro companheiros
lançaram-se sobre seu inimigo em plena corrida, sem aviso prévio
até que fosse tarde demais para que outros inimigos, outros elfos
negros, estivessem levitando e caindo sobre eles.
— O que... — Um anão balbuciou quando um drow pousou ao
lado dele, esmagando o lado de seu crânio com uma maça
poderosamente encantada.
— Ei, você não é Drizzt! — outro anão conseguiu observar uma
fração de segundo antes que uma espada drow lhe cortasse a
garganta.
O líder do grupo quis gritar para recuarem, mas, quando abriu a
boca, o chão subiu e engoliu-o. Era uma boa cama para um anão
adormecido, mas, desse sono, o soldado vulnerável jamais
acordaria.
No espaço de cinco segundos, apenas dois anões
permaneceram.
— Drow! Drow! — eles gritaram.
Um caiu pesadamente, três flechas nas costas. Se esforçou para
voltar a ficar de joelhos, mas dois elfos negros caíram sobre ele,
cortando com suas espadas.
O anão restante, correndo de volta para se juntar a Dagna,
encontrou-se enfrentando apenas um adversário. O drow avançou
com sua espada delgada; o anão aceitou o golpe e devolveu-o com
um violento golpe de machado para o lado, arrancando o braço do
drow e rasgando sua bela cota de malha.
Passando o drow caído e pela escuridão, o anão aterrorizado
correu, saindo do outro lado do globo encantado, direto para as
fileiras da frente da cunha de Dagna.
— Drow! — o anão assustado gritou mais uma vez.
Um terceiro globo de escuridão surgiu, conectando os outros
dois. Uma saraivada de virotes de bestas de mão surgiu, e atrás
dela vieram os elfos negros, habilidosos em lutar sem o uso de seus
olhos.
Dagna percebeu que clérigos seriam necessários para combater
aquela magia dos elfos negros, mas quando tentou ordenar uma
retirada, a ordem saiu como um bocejo profundo.
Algo o atingiu com força no lado da cabeça e ele sentiu-se cair.
Em meio ao caos e à escuridão impenetrável, a cunha não podia
ser mantida, e os anões surpreendidos tinham pouca chance contra
um número quase igual de elfos negros preparados. Os anões
sabiamente romperam as fileiras, muitos mantendo a presença de
espírito para se abaixarem e agarrar um parente caído, e correram
de volta pelo caminho que tinham vindo.
A debandada estava acontecendo, mas os anões não eram
novatos na batalha, e não havia um único covarde dentre eles.
Assim que saíram das áreas escurecidas do túnel, vários
encarregaram-se de reorganizar o grupo. A perseguição era intensa,
mas, por estar sobrecarregada por quase dez anões cochilando,
Dagna entre eles, a força mais lenta não podia esperar correr mais
do que os drow mais rápidos.
Houve um chamado para os bloqueadores e não faltaram
voluntários. Quando foi resolvido um momento depois, os anões
correram, deixando seis bravos soldados de pé, brandindo escudos
para proteger o corredor e cobrir o recuo.
— Corram ou aqueles que caíram terão morrido em vão! —
gritou um dos novos comandantes.
— Corram pelo bem do nosso rei desaparecido! — gritou outro.
Aqueles nas fileiras de trás da tropa em fuga olharam muitas vezes
por cima dos ombros atarracados para ver os companheiros de
bloqueio — até que um globo de escuridão envolveu a linha
defensiva.
— Corram! — veio um grito comum, daqueles em fuga e dos
bravos bloqueadores.
Os anões fugitivos ouviram o retinir da batalha enquanto os elfos
negros batiam em seus camaradas teimosos que bloqueavam o
caminho. Ouviram o barulho do aço contra o aço, ouviram os
grunhidos de impactos sólidos e golpes lançados.
Eles ouviram o grito de um drow ferido e sorriram soturnamente.
Eles não olharam para trás, mas inclinaram a cabeça para a frente e
correram, cada um jurando silenciosamente brindar os
companheiros perdidos. Os bloqueadores não quebrariam as fileiras
e se juntariam a eles em sua fuga; eles manteriam a linha,
segurariam o inimigo até que seus corpos sem vida caíssem na
pedra. Tudo feito por lealdade a seus parentes em fuga, um ato de
supremo sacrifício valente, anão por anão.
Em frente corriam os anões, e se algum tropeçava na pedra,
outros quatro paravam para ajudá-lo a subir novamente. Se o fardo
de um parente adormecido se tornava pesado demais, outro
assumia de bom grado a carga.
Um anão mais jovem correu à frente da hoste principal e
começou a bater com o martelo contra as paredes de pedra no sinal
indicado para os guardas da porta. Quando chegou ao fim do túnel,
a grande barreira já estava aberta e se alargou quando a
debandada se tornou aparente.
A força dos anões se amontoou na sala de guarda, alguns
permanecendo logo do lado de dentro da porta para receber
qualquer possível retardatário. Eles mantiveram a porta aberta até o
último minuto, até que um globo de escuridão bloqueou a
extremidade do túnel e uma besta de mão cruzou-a e derrubou
outro soldado.
O túnel estava fechado e lacrado, e a contagem mostrava que
vinte e sete dos quarenta e um originais tinham escapado, com mais
de um terço deles dormindo profundamente.
— Pegue o maldito exército inteiro!— um dos anões sugeriu.
— E os clérigos — acrescentou outro, levantando a cabeça fraca
de Dagna para dar força a sua sugestão. — Precisamos de clérigos
para deter os venenos e manter as malditas luzes acesas!
Os engenhosos anões logo determinaram uma hierarquia e uma
ordem de negócios. Metade da força ficou com os adormecidos e os
guardas; a outra metade correu para os cantos do Salão de Mitral,
gritando o chamado às armas.
CAPÍTULO 17

Fardo Amigável
 
ELE SE SENTIU MUITO VULNERÁVEL com suas cimitarras
embainhadas, e muitas vezes parou para dizer a si mesmo que
estava sendo incrivelmente imprudente. Porém, o custo potencial —
a vida de seus amigos — manteve Drizzt no caminho e ele
cautelosamente, silenciosamente, colocou mão sobre mão,
avançando lentamente pela rampa sinuosa e traiçoeira. Anos atrás,
quando também era uma criatura do Subterrâneo, Drizzt tinha sido
capaz de levitar e poderia ter conseguido subir a rampa muito mais
facilmente. Mas tal habilidade, aparentemente de alguma forma
ligada às estranhas emanações mágicas das regiões mais
profundas, deixara Drizzt logo após pisar na superfície de Toril. 
Drizzt não tinha percebido o quão longe havia caído e
silenciosamente agradeceu à sua deusa, Mielikki, por haver
sobrevivido à queda! Colocou uns trinta metros atrás de si, alguns
dos quais foram fáceis ao longo de trechos inclinados, outras partes
quase verticais. Tão ágil quanto qualquer ladino, o drow subiu
obstinadamente.
O que acontecera com Guenhwyvar? Drizzt pensava
preocupado. Teria a pantera vindo ao seu chamado apressado?
Teria um dos drow, o oportunista Jarlaxle, talvez, simplesmente
pegado a estatueta caída para reivindicar a pantera como sua?
Escalando mão sobre mão, Drizzt se aproximou da abertura da
rampa. O cobertor não havia sido substituído e a câmara acima
estava estranhamente quieta. Drizzt sabia que o silêncio significava
pouco quando seus parentes elfos negros estavam envolvidos. Ele
havia liderado grupos de batedores que haviam percorrido oitenta
quilômetros de túneis irregulares sem um ruído sequer.
Naturalmente amedrontado, Drizzt imaginou uma dúzia de elfos
negros cercando a pequena rampa, com as armas
desembainhadas, esperando o retorno tolo do prisioneiro.
Mas Drizzt tinha que subir. Para o bem de seus amigos em
perigo, Drizzt teve que bloquear o medo de que Vierna e os outros
ainda estivessem na sala.
O drow sentiu o perigo quando sua mão subiu, alcançando a
borda. Ele não viu nada, não teve nenhum aviso prático e plausível,
exceto os gritos silenciosos de seus instintos de guerreiro.
Drizzt tentou descartá-los, mas sua mão inevitavelmente se
movia mais devagar. Quantas vezes seu instinto — que poderia
chamar de sorte — o salvara?
Dedos sensíveis deslizaram cautelosamente pela pedra; Drizzt
resistiu ao desejo ansioso de levantar a mão, agarrar a borda e se
erguer, forçando a revelação de qualquer perigo que o aguardasse.
Ele parou, sentiu algo, quase imperceptível, contra a ponta de seu
dedo do meio.
Ele não conseguiu recolher a mão!
Assim que o momento inicial de medo passou, Drizzt percebeu a
verdade da armadilha da teia de aranha e manteve-se firme. Ele
havia testemunhado os muitos usos de teias mágicas em
Menzoberranzan; a primeira casa da cidade era cercada por uma
cerca desses fios inquebráveis. E agora, embora apenas um único
dedo tivesse mal tocado os fios mágicos, Drizzt fora pego.
Ele permaneceu perfeitamente parado, perfeitamente quieto,
concentrando seus movimentos musculares de modo que seu peso
chegasse mais completamente contra a parede quase vertical.
Gradualmente, manobrou a mão livre para o manto, primeiro indo
em direção a uma cimitarra, depois sabiamente mudando de ideia e,
em vez disso, procurando um dos pequenos virotes que tirara do
elfo negro morto no corredor abaixo.
Drizzt congelou ao som das vozes drow acima, na sala. Ele não
conseguia distinguir metade das palavras, mas percebeu que
estavam falando sobre ele e sobre seus amigos! Cattibrie, Wulfgar e
quem quer que estivesse com eles aparentemente haviam
escapado.
E a pantera estava livre; Drizzt ouviu várias observações, avisos
temerosos sobre “o gato demônio”.
Mais decidido do que nunca, Drizzt afastou a mão livre para
Fulgor, pensando que deveria tentar atravessar a barreira mágica,
levantar-se da rampa e correr para ajudar seus amigos. O momento
de desespero foi fugaz, porém, durando apenas o tempo que levou
Drizzt a perceber que se Vierna tivesse selado essa rampa com a
maior parte de sua força ainda acima dela, então deveria haver
outro caminho, não muito longe, que interligasse os níveis.
As vozes drow recuaram, e Drizzt levou outro momento para
solidificar seu precário poleiro. Ele então puxou o virote de sua
capa, esfregando-o contra a pedra e, em seguida, contra a sua
roupa, em um esforço para tirar todo o insidioso veneno para dormir
de sua ponta. Cuidadosamente, ele estendeu a mão para o dedo
preso, mordeu o lábio para não gritar, e espetou o virote sob a pele
e fez um rasgo.
Drizzt só podia esperar que tivesse removido todo o veneno, que
ele não caísse no sono e despencasse, provavelmente até a morte,
pela rampa. Encontrando um aperto sólido com a mão livre,
preparando-se para a sacudida e a dor, Drizzt puxou o braço com
força, rasgando o topo da pele presa do dedo.
Quase desmaiou pela dor, quase perdeu o equilíbrio, mas de
alguma forma se segurou e levou o dedo à boca para sugar e cuspir
o sangue possivelmente envenenado.
Drizzt estava de volta ao corredor mais baixo cinco minutos
depois, com as cimitarras na mão, os olhos se movendo de um lado
para outro em busca de seu arqui-inimigo e tentando descobrir por
qual caminho deveria ir. Ele sabia que o Salão de Mitral ficava em
algum lugar a leste, mas percebeu que seus captores o levavam
principalmente para o norte. Se houvesse de fato um segundo
caminho, provavelmente estava além da rampa, mais ao norte.
Ele recolocou Fulgor em sua bainha — não querendo que seu
brilho revelador o denunciasse —, mas manteve a outra cimitarra à
sua frente enquanto seguia seu caminho furtivo pelo corredor. Havia
poucas passagens laterais, e Drizzt ficou feliz por isso, percebendo
que qualquer escolha de direção que pudesse fazer naquele ponto,
sem pontos de referência viáveis para guiá-lo, seria mera
adivinhação.
Então ele chegou a um cruzamento e teve um vislumbre de uma
figura fugaz e sombria que corria ao longo de um túnel
aparentemente paralelo ao seu flanco direito.
Drizzt sabia instintivamente que era Entreri, e parecia óbvio que
Entreri saberia o caminho para fora daquele nível.
À direita, Drizzt era, em passos agachados e medidos, agora o
perseguidor, não mais o perseguido.
Ele parou quando chegou ao túnel paralelo, respirou fundo e
olhou ao redor. A figura sombria, movendo-se rapidamente, estava
muito à frente, voltando inesperadamente à direita mais uma vez.
Drizzt considerou tal mudança de curso com mais do que uma
pequena suspeita. Não deveria Entreri ter se mantido à esquerda,
se mantido perto do curso que achava que Drizzt estava tomando?
Drizzt suspeitou então que o assassino sabia que estava sendo
seguido e estava levando Drizzt a um lugar que Entreri considerava
favorável. Drizzt não podia se dar ao luxo de se deixar levar por
suas suspeitas, no entanto, não enquanto o destino de seus amigos
estava na balança. Foi rapidamente para a direita, apenas para
descobrir que não ganhara nenhum terreno, que o curso de Entreri
os levara a um labirinto de corredores entrecruzados.
Com o assassino não mais à vista, Drizzt se concentrou no chão.
Para seu alívio, estava suficientemente perto para que o calor
residual dos passos de Entreri ainda fosse visível, ainda que bem
pouco, por sua infravisão superior. Percebeu que estava vulnerável,
de cabeça baixa, com pouca ideia de quantos segundos à sua frente
o assassino poderia estar, ou quantos segundos atrás, Drizzt sabia,
pois tinha certeza de que Entreri o levara àquela região para que
pudesse voltar e pegar Drizzt pelas costas.
Seu ritmo mal se equiparava ao de Entreri, pois os túneis
estreitos davam lugar a câmaras naturais mais amplas. Os passos
permaneciam obscuros e esfriavam rápido, mas Drizzt conseguiu de
alguma forma os seguir.
Um pequeno grito à frente deu-lhe uma pausa. Não era Entreri,
Drizzt sabia, mas acreditava que ainda não estava perto o suficiente
para se unir aos seus amigos.
Quem tinha sido, então?
Drizzt usou as orelhas em vez dos olhos e separou os
minúsculos ecos para seguir um gemido quase inaudível. Estava
feliz pelo seu treinamento de guerreiro drow, por anos estudando
padrões de eco em túneis sinuosos.
O choramingo ficou mais alto; Drizzt sabia que a sua fonte
estava ao virar da curva, no que lhe pareceu, do seu ângulo, ser
uma câmara lateral pequena e oval.
Com uma cimitarra sacada, outra mão no cabo de Fulgor, o drow
deu a volta na esquina.
Regis!
Amassado e com roupas rasgadas, o halfling rechonchudo
estava esparramado contra a parede oposta, as mãos firmemente
amarradas, uma mordaça fina colocada com força sobre sua boca e
suas bochechas cobertas de sangue. O primeiro instinto de Drizzt
fez com que corresse para o amigo ferido, mas parou, temendo os
vários truques de Entreri.
Regis notou-o, e olhou desesperadamente para ele.
Drizzt já vira aquela expressão antes, reconhecia sua
sinceridade além de qualquer coisa que um Entreri disfarçado, com
ou sem máscara, pudesse duplicar. Ele estava ao lado do halfling
em um instante, cortando as amarras, libertando a mordaça
apertada.
— Entreri... — O halfling começou a falar sem fôlego.
— Eu sei — Drizzt disse calmamente.
— Não — retrucou Regis, exigindo a atenção do drow. —
Entreri... acabou de...
— Ele passou por aqui não mais do que um minuto à minha
frente — terminou Drizzt, não querendo que Regis se esforçasse
mais do que o necessário para sua respiração ofegante.
Regis assentiu com a cabeça, seus olhos redondos se movendo
como se esperasse que o assassino voltasse a atacar e matasse os
dois.
Drizzt estava mais preocupado com um exame das muitas
feridas do halfling. Individualmente, cada uma delas parecia
superficial, mas juntas se somavam em uma condição severa. Drizzt
deixou que Regis demorasse alguns instantes para fazer o sangue
circular por suas mãos e pés desamarrados, depois tentou fazer o
halfling se levantar.
Regis sacudiu a cabeça imediatamente; uma grande onda de
vertigem o derrubou e ele teria batido no chão de pedra com força
se Drizzt não estivesse ali para pegá-lo.
— Deixe-me — disse Regis, mostrando uma medida inesperada
de altruísmo.
Indomável, o drow sorriu confortavelmente e içou Regis para o
lado dele.
— Juntos — ele explicou casualmente. — Eu não te deixaria
mais do que você me deixaria.
A trilha do assassino era, a essa altura, fria demais para ser
seguida, de modo que Drizzt teve que continuar cegamente,
esperando encontrar alguma pista sobre a localização da passagem
para o nível mais alto. Ele sacou Fulgor então, em vez de sua outra
lâmina, e usou a luz para ajudá-lo a evitar qualquer pequeno entalhe
no chão, para que pudesse manter a caminhada de Regis mais
confortável. Todas as medidas de furtividade haviam sido perdidas
de qualquer maneira, com o gemido que se agarrava a seu lado, e
os pés de Regis mais frequentemente raspando do que pisando
enquanto Drizzt o puxava.
— Eu achei que ele fosse... me... matar, — Regis comentou
assim que conseguiu manter o suficiente de sua respiração fraca
para proferir uma frase completa.
— Entreri mata apenas quando percebe alguma vantagem nisso
— respondeu Drizzt.
— Por que ele... me trouxe junto? — Regis se perguntou
honestamente. — E por que... ele deixou você me encontrar?
Drizzt olhou para seu amiguinho com curiosidade.
— Ele te levou até mim — Regis argumentou. — Ele... — O
halfling caiu pesadamente, mas o braço forte de Drizzt continuou a
segurá-lo na posição vertical.
Drizzt entendia exatamente porque Entreri o conduzira a Regis.
O assassino sabia que Drizzt não deixaria Regis para trás. Pela
medida de Entreri, essa era exatamente a diferença entre ele e o
drow. Entreri percebeu que essa mesma compaixão era a fraqueza
do ranger. A verdade é que, salvando o amigo, a furtividade tinha
sido perdida, e agora Drizzt teria que jogar o jogo de gato e rato
pelas regras de Entreri, dando tanta atenção ao seu amigo-fardo
quanto ao jogo. Mesmo que a sorte mostrasse a Drizzt o caminho
para o próximo nível, ele teria dificuldade em chegar a seus amigos
antes que Entreri o alcançasse.
Ainda mais importante do que a carga física, Drizzt percebeu,
Entreri lhe devolvera Regis para garantir uma luta honesta. Drizzt
lutaria sua inevitável batalha com todo o coração, sem intenção de
fugir, com Regis deitado indefeso em algum lugar próximo.
Regis entrou e saiu da consciência durante a meia hora
seguinte, Drizzt não se queixando e carregando-o, de vez em
quando trocando de braços para equilibrar a carga. A habilidade do
ranger drow nos túneis era considerável, e ele se sentia confiante de
que estava avançando na compreensão do labirinto.
Eles entraram em uma passagem longa e reta, um pouco mais
alta e mais larga do que as muitas que tinham atravessado. Drizzt
colocou Regis facilmente contra uma parede e estudou os padrões
na rocha. Notou uma inclinação quase imperceptível no chão,
erguendo-se para o sul, mas o fato de eles, viajando para o norte,
estarem indo um pouco para baixo, não perturbou o drow.
— Este é o corredor principal da região — decidiu por fim. Regis
olhou para ele intrigado.
— Uma dia já correu água por aqui — explicou Drizzt —
provavelmente cortando a montanha para sair em alguma cachoeira
distante ao norte.
— Nós estamos indo para baixo? — Regis perguntou.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Mas se houver uma passagem de volta para os níveis mais
baixos do Salão de Mitral, ela provavelmente ficará ao longo dessa
rota.
— Muito bem — veio uma resposta de algum lugar à distância.
Uma forma esbelta saiu de uma passagem lateral, apenas algumas
dezenas de metros à frente de Drizzt e Regis.
A mão de Drizzt foi instintivamente para dentro do seu manto,
mas colocando mais confiança em suas cimitarras, a retirou
imediatamente quando o assassino se aproximou.
— Eu dei a você a esperança que você tanto desejava? —
Entreri provocou. Ele disse algo em voz baixa — um comando para
sua arma provavelmente, pois sua espada esbelta começou a
brilhar ferozmente em um tom verde-azulado, revelando a forma
graciosa do assassino em um esboço sombrio enquanto caminhava
em direção ao inimigo que o aguardava.
— Uma esperança da qual você irá arrepender — respondeu
Drizzt uniformemente. A brancura dos dentes de Entreri brilhava na
luz turquesa enquanto ele respondeu com um largo sorriso:
— Veremos.
CAPÍTULO 18

Perigo em Comum
 
— ESSE BARULHO TODO TRARÁ o Subterrâneo inteiro pra
cima de nós.
Cattibrie sussurrou para Bruenor, referindo-se à ruidosa
armadura do furioso de batalha. Pwent, percebendo o mesmo, foi
bem à frente dos outros, gradualmente ultrapassando-os, pois
Cattibrie e Wulfgar, humanos e não abençoados com olhos que
podiam ver no espectro infravermelho, tinham que quase rastejar,
com uma mão em Bruenor em todos os momentos. Somente
Guenhwyvar, às vezes liderando, mais frequentemente se movendo
como uma emissária silenciosa entre Bruenor e o furioso de batalha,
mantinha qualquer semelhança de comunicação entre os líderes da
pequena tropa.
Outro guincho à frente trouxe uma careta para o rosto de
Bruenor. Ele ouviu o suspiro resignado de Cattibrie e concordou com
ele. Ainda mais do que sua filha, o experiente Bruenor entendia a
futilidade de tudo isso. Pensou em fazer Pwent remover a armadura
barulhenta, mas descartou a noção imediatamente, percebendo
que, mesmo que todos os quatro caminhassem nus, o som de seus
passos soavam tão claramente quanto um tambor de marcha aos
sensíveis ouvidos dos seus inimigos elfos negros.
— Acenda a tocha — instruiu Wulfgar.
— Certamente não podemos — argumentou Cattibrie.
— Eles estão ao nosso redor — respondeu Bruenor. — Eu posso
sentir os cães e eles também nos verão tão bem sem a luz quanto
com ela. Nós não temos chance de passar sem outra luta — estou
percebendo isso agora — então podemos lutar em termos mais
adequados para o nosso lado.
Cattibrie virou a cabeça, embora não conseguisse ver nada na
escuridão total. Ela sentiu a verdade das observações de Bruenor,
porém, ao perceber que formas escuras e silenciosas se moviam ao
redor deles, fechando-se sobre o grupo. Um momento depois, teve
que piscar e apertar os olhos quando a tocha de Wulfgar subiu em
uma chama.
Sombras bruxuleantes substituíram a negritude absoluta;
Cattibrie ficou surpresa com o quão rústico o túnel era, muito mais
natural e áspero do que os que eles haviam deixado. Solo se
misturava com a pedra ao longo do teto e paredes, dando à jovem
menos confiança na estabilidade do lugar. Ela ficou muito
consciente das centenas de toneladas de terra e rocha acima de
sua cabeça, ciente de que uma ligeira mudança na pedra poderia
esmagá-la instantaneamente e a seus companheiros.
— O que você está fazendo? — Bruenor perguntou, vendo sua
óbvia ansiedade. Ele se virou para Wulfgar e viu o bárbaro ficando
aos poucos similarmente nervoso. — Túneis não trabalhados — o
anão comentou, vindo a entender. — Vocês não estão acostumados
com as profundezas selvagens. — O anão colocou a mão no braço
da filha amada e sentiu gotas de suor frio.
— Você vai se acostumar com isso — o anão gentilmente
prometeu. — Lembre-se que Drizzt está sozinho aqui e precisando
da nossa ajuda. Mantenham-se atentos a esse fato e vocês logo vão
esquecer da pedra acima de sua cabeça.
Cattibrie assentiu resolutamente, respirou fundo e, determinada,
limpou o suor de sua testa. Bruenor avançou então, dizendo que
estava indo para a frente da tocha, para ver se conseguia localizar o
furioso de batalha à frente.
— Drizzt precisa de nós — disse Wulfgar a Cattibrie assim que o
anão se foi.
Cattibrie virou-se para ele, surpresa com seu tom. Pela primeira
vez em muito tempo, Wulfgar falara com ela sem qualquer indício de
condescendência protetora ou raiva crescente.
Wulfgar se aproximou, colocou o braço gentilmente contra as
costas dela para movê-la. Ela acompanhou seu passo lento, o
tempo todo estudando seu rosto bonito, tentando classificar através
do óbvio tormento em suas fortes características faciais.
— Quando isso acabar, temos muito a discutir — disse ele em
voz baixa.
Cattibrie parou, olhando-o com desconfiança, e isso pareceu ferir
ainda mais o bárbaro.
— Tenho muitas desculpas a dar — Wulfgar tentou explicar — a
Drizzt, a Bruenor, mas principalmente a você. Deixar Regis —
Artemis Entreri — me enganar!
A animação crescente de Wulfgar desapareceu quando ele
aproveitou o momento para olhar atentamente para Cattibrie, para
ver a severa determinação em seus olhos azuis.
— O que aconteceu nas últimas semanas foi reforçado pelo
assassino e seu pingente mágico — concordou a jovem —, mas
temo que os problemas estivessem lá antes que Entreri chegasse.
Primeiro, você tem que admitir isso para si mesmo.
Wulfgar desviou o olhar, considerou as palavras, depois assentiu
em acordo:
— Nós vamos conversar — prometeu.
— Depois que terminarmos com os drow — disse Cattibrie.
Novamente, o bárbaro assentiu.
— E mantenha seu lugar em mente — Cattibrie disse a ele. —
Você tem um papel a desempenhar no grupo, e não é um papel de
cuidar de minha própria segurança. Mantenha seu lugar.
— E você mantém o seu — concordou Wulfgar, e seu sorriso
subsequente provocou uma onda de calor em Cattibrie, uma
lembrança pungente daquelas qualidades especiais de menino,
inocentes e sem julgamento, que a atraíram tanto em Wulfgar em
primeiro lugar.
O bárbaro assentiu novamente e, ainda sorrindo, começou a se
afastar, com Cattibrie a seu lado — mas não mais atrás dele.
 

 
— Eu te dei tudo isso — estimou Entreri, movendo-se devagar
em direção ao rival, a espada brilhante e a adaga adornada de joias
estendida como se estivesse guiando um passeio por algum tesouro
enorme. — Por causa dos meus esforços, você tem esperança mais
uma vez, você pode andar nestes túneis escuros com alguma
crença de que você verá novamente a luz do dia.
Drizzt, com a mandíbula firme, cimitarras na mão, não
respondeu.
— Você não é grato?
— Por favor, mate-o — Drizzt ouviu Regis sussurrar,
possivelmente o mais lamentável apelo que o ranger já ouvira. Ele
olhou para o lado para ver o halfling tremendo de medo
desenfreado, mordendo os lábios e torcendo as mãos ainda
inchadas uma sobre a outra. Drizzt imaginou os horrores que Regis
deve ter experimentado nas mãos de Entreri.
Ele olhou de volta para o assassino que se aproximava; Fulgor
brilhou com raiva.
— Agora você está pronto para lutar — disse Entreri, curvando
os lábios em seu habitual sorriso maligno. — E pronto para morrer?
Drizzt jogou o manto para trás sobre os ombros e avançou
corajosamente à frente, pois não queria nem um pouco lutar contra
Entreri perto de Regis. Entreri poderia simplesmente afundar aquela
adaga mortal no halfling, sem uma razão melhor do que atormentá-
lo, para aumentar a fúria de Drizzt.
A mão do punhal do assassino pulsava como se quisesse
arremessar, e Drizzt instintivamente caiu agachado, suas lâminas se
levantando defensivamente. Entreri não soltou a lâmina, porém, e
seu sorriso largo mostrou que ele nunca o pretendera.
Mais dois passos levaram Drizzt ao alcance da espada. Suas
cimitarras começaram sua dança fluida.
— Nervoso? — o assassino provocou, apontando sua espada
contra a lâmina de Fulgor. — Claro que está. Esse é o problema
com seu coração terno, Drizzt Do’Urden, a fraqueza de sua paixão.
Drizzt investiu com uma cruz astuta, depois deslizou em um
ângulo baixo para o cinto de Entreri, forçando o assassino a
encolher sua barriga e pular para trás, ao mesmo tempo que agitava
a adaga para deter o avanço da cimitarra.
— Você tem muito a perder — continuou Entreri, indiferente ao
ataque próximo. — Você sabe que se morrer, o halfling morrerá.
Muitas distrações, meu amigo, muitas coisas tirando seu foco da
batalha. — O assassino atacou enquanto falava a última palavra,
com a espada estocando ferozmente, batendo de cimitarra em
cimitarra, tentando abrir uma brecha nas defesas de Drizzt para
poder perfurar com a adaga.
Mas não havia brechas nas defesas de Drizzt. Cada manobra,
por mais habilidosa que fosse, levava Entreri de volta ao lugar onde
havia começado e, aos poucos, Drizzt mudou suas espadas da
defesa para o ataque, afastando o assassino, forçando outra pausa.
— Excelente! — Entreri parabenizou. — Agora você luta com
seu coração. Este é o momento que espero desde nossa batalha
em Porto Calim.
Drizzt deu de ombros.
— Por favor, não me deixe desapontá-lo — disse, e avançou
violentamente, girando com as cimitarras anguladas como a borda
de um parafuso, como havia feito na câmara acima. Novamente,
Entreri não tinha defesa prática contra o movimento — exceto se
manter fora do alcance curto das cimitarras.
Drizzt saiu do giro ligeiramente à esquerda do assassino, na
direção da mão da adaga de Entreri. O drow se adiantou e rolou,
logo em seguida ao ataque de Entreri, depois voltou a ficar de pé e
inverteu o impulso imediatamente, correndo ao redor do lado de trás
de Entreri, forçando o assassino a girar nos calcanhares, a espada
chicoteando em um esforço frenético para manter os empurrões da
cimitarra sob controle.
Entreri não estava mais sorrindo. Ele conseguiu de alguma forma
evitar ser atingido, mas Drizzt pressionou o ataque, mantendo-o na
defensiva.
Eles ouviram o clique suave de uma besta de mão vindo de
algum lugar no corredor. Em uníssono, os inimigos mortais saltaram
para trás e caíram em rolamentos, e o virote saltou inofensivamente
entre eles.
Cinco formas escuras avançaram firmemente, espadas
desembainhadas.
— Seus amigos — Drizzt observou inexpressivamente. —
Parece que a nossa luta vai esperar mais uma vez.
Os olhos de Entreri se estreitaram em ódio aberto enquanto
observava os elfos negros que se aproximavam.
Drizzt entendeu a fonte da frustração do assassino. Vierna daria
a Entreri outra batalha, especialmente com outros inimigos
poderosos nos túneis, em busca de Drizzt? E, mesmo que o fizesse,
Entreri tinha de perceber que, como na luta anterior, não persuadiria
Drizzt a tal nível de batalha, não com as esperanças de liberdade de
Drizzt extintas.
Ainda assim, as próximas palavras do assassino pegaram o
drow ranger de surpresa.
— Você se lembra do nosso tempo contra os duergar?
Entreri veio novamente na direção de Drizzt enquanto os
soldados elfos negros continuavam seu avanço. Drizzt desviou com
facilidade os ataques rápidos, mas não bem direcionados.
— Ombro esquerdo — sussurrou Entreri. Sua espada surgiu por
trás de suas palavras, correndo para o ombro de Drizzt. Fulgor
cruzou à direita para bloquear, mas errou, e a espada do assassino
cortou, abrindo buracos limpos no manto do drow.
Regis gritou; Drizzt deixou cair uma cimitarra e cambaleou para o
lado, revelando abertamente sua agonia. A espada de Entreri veio
em sua direção, a ponta à frente, a menos de quinze centímetros de
sua garganta, e Fulgor estava longe demais para um bloqueio.
— Renda-se! — o assassino gritou. — Largue sua arma!
Fulgor caiu no chão, e Drizzt continuava com sua inclinação
exagerada, parecendo que poderia cair a qualquer momento. De
trás, Regis gemeu alto e tentou se afastar, mas seus membros
cansados e machucados não o apoiariam, nem sequer lhe dariam
forças para rastejar.
Os elfos negros entraram timidamente na área iluminada por
tochas, conversando entre si e assentindo apreciativamente para o
belo trabalho do assassino.
— Vamos levá-lo de volta a Vierna — disse um deles na língua
comum.
Entreri começou a acenar com a cabeça, depois virou-se
subitamente, conduzindo a espada através do peito daquele que
tinha falado.
Drizzt, abaixado e nada ferido, pegou suas lâminas e deu uma
volta, uma cimitarra seguindo a outra em um golpe limpo na barriga
do drow mais próximo. O elfo negro ferido tentou se afastar, mas
Drizzt foi mais rápido, invertendo o aperto da lâmina que a seguia e
empurrando-a para a frente com um golpe para cima, com a ponta
cortando as costelas do elfo negro e perfurando sua cavidade
torácica.
Entreri estava lutando contra um terceiro drow a esta altura, as
espadas gêmeas do elfo negro trabalhando freneticamente para
manter as lâminas do assassino à distância. O assassino queria
acabar a batalha rapidamente, e suas rotinas eram puramente
ofensivas, planejadas para conseguir uma morte rápida. Mas esse
drow, um soldado de longa data de Bregan D’aerthe, não era um
novato em batalha e semitorceu e girou círculos completos, caiu em
um movimento para trás e levou suas espadas mão sobre mão em
uma parede ofuscante de defesa.
Entreri grunhiu consternado, mas manteve a pressão, esperando
que seu adversário cometesse qualquer erro minúsculo.
Drizzt encontrou-se lutando contra dois, e um deles sorriu
maliciosamente ao levantar uma pequena besta na mão livre.
Porém, Drizzt provou ser o mais rápido, inclinando a cimitarra bem
na frente da arma, de modo que, quando o drow atirou, o virote
saltou da lâmina e voou inofensivamente para o alto.
O drow jogou a besta de mão em Drizzt, forçando o ranger a
recuar por tempo suficiente para que pudesse puxar um punhal para
acompanhar a espada esbelta que portava.
O outro drow aproveitou a aparente vantagem quando Drizzt se
afastou, com sua espada larga e espada curta atacando
violentamente.
O metal tocou o metal uma dúzia de vezes, duas dúzias,
enquanto Drizzt impossivelmente derrotava cada ataque. Então o
segundo drow se juntou ao corpo a corpo e Drizzt, tão habilidoso
quanto ele, viu-se pressionado. Fulgor cintilava ao bloquear a
espada curta, disparando mais para a frente e abaixo para derrubar
a ponta da espada larga, e depois voltou para o outro lado, mal
desviando o punhal que corria.
Assim foram vários momentos longos e frenéticos, com os dois
soldados de Bregan D’aerthe trabalhando em harmonia, cada um
medindo seus ataques à luz do ataque do outro, levantando defesas
apropriadas sempre que seu companheiro parecia vulnerável.
Drizzt não tinha certeza se poderia ganhar contra os dois, e
sabia que, mesmo se o fizesse, essa batalha levaria muito tempo
para se virar em sua direção. Ele olhou por cima do ombro, para ver
Entreri começando a recuar de suas rotinas de ataque, caindo em
um ritmo mais mundano contra seu oponente habilidoso.
O assassino notou Drizzt e também a situação em que ele
estava. Deu um leve aceno de cabeça e Drizzt percebeu uma
mudança sutil no modo como Entreri segurava sua adaga adornada
de joias.
Drizzt avançou repentinamente, empurrando de volta o drow que
empunhava a espada e o punhal, depois girou para o outro drow, as
cimitarras se abaixando e subindo, forçando a espada larga do drow
para o alto.
O ranger drow soltou o movimento imediatamente, tirou sua
cimitarra da lâmina da espada larga e deu dois passos para trás.
O inimigo drow, sem entender, manteve a espada larga alta por
outro instante — um instante a mais — antes de iniciar seu avanço
no contra-ataque.
As joias da adaga de Entreri faiscaram um brilho multicolorido
quando a arma cortou o ar, batendo nas costelas vulneráveis do
drow, abaixo do braço levantado da espada. Ele grunhiu e pulou
para o lado, bateu contra a parede, mas manteve o equilíbrio e
ambas as suas espadas defensivamente na frente.
Seu camarada veio para frente imediatamente, entendendo o
que Drizzt faria. A espada longa disparou baixa, alta, e depois subiu
em um giro para um corte alto.
Drizzt bloqueou, bloqueou outra vez, depois abaixou-se sob o
terceiro ataque previsível e desviou para o lado, com as duas
lâminas atacando em disparos abruptos e curtos que abriram as
defesas do drow cansado e ferido. Uma cimitarra espetou a carne
drow ao lado da adaga; a outra se seguiu imediatamente,
afundando-se mais, terminando o trabalho.
Instintivamente, Drizzt jogou a lâmina retraída para fora
horizontalmente e para o alto, o metal cantando com uma nota
perfeita, interrompendo o golpe aéreo da segunda espada
descendente do drow.
O elfo negro que lutava contra Entreri entrou na ofensiva assim
que o assassino abandonou sua adaga. As espadas gêmeas
dispararam para lâmina restante de Entreri, alto e baixo, para um
lado e depois para o outro. Quando preparou a postura do
assassino ao seu gosto, acreditando já ter o fim em suas mãos, o
drow veio com um duplo golpe reto, ambas as espadas paralelas e
esfaqueando o assassino.
A espada de Entreri atingiu uma, depois a outra,
impossivelmente rápido, derrubando ambos os ataques. Acertou a
espada à sua direita uma segunda vez com um retorno de sua mão,
quase arrancando a lâmina da mão do drow, então uma terceira vez,
sua espada elevando a do inimigo.
A segunda cimitarra de Drizzt se soltou do peito do drow morto,
mas Drizzt não levou a lâmina para seu atual oponente. Em vez
disso, inclinou a ponta sob o travessão da adaga presa e, quando
viu Entreri preparado para recebê-la, puxou a lâmina, enviando o
punhal voando pelo caminho.
Entreri segurou-o com a mão livre e redirecionou ao impulso,
enfiando-a nas costelas expostas do oponente sob as espadas
altas. O assassino saltou para trás; o drow moribundo olhou
incrédulo para ele.
Que visão deplorável, pensou Entreri, observando seu inimigo
tentar levantar espadas com braços que já não tinham mais força.
Ele deu de ombros enquanto o drow tombou no chão e morreu.
Um contra um, o drow restante logo percebeu que não era páreo
para Drizzt Do’Urden. Ele manteve os movimentos defensivos,
inclinando-se para o lado de Drizzt, depois viu uma oportunidade
desesperada. Com a espada trabalhando furiosamente para manter
as cimitarras à distância, sacudiu o punhal na mão como se fosse
arremessá-lo.
Drizzt entrou imediatamente em manobras defensivas, uma
cimitarra correndo para bloquear qualquer caminho de arremesso
enquanto a outra continuava com a pressão.
Mas o guerreiro inimigo olhou para o lado, para o halfling,
esparramado indefeso no chão, não muito longe.
— Renda-se ou mato o halfling! — o maligno elfo negro gritou na
língua drow.
Os olhos lavanda de Drizzt flamejaram maliciosamente.
Uma cimitarra atingiu o pulso do drow, tirando o punhal de suas
mãos; A outra lâmina de Drizzt golpeou a espada uma vez, depois
disparou para baixo, cortando o joelho do inimigo. Fulgor surgiu em
um clarão azul, afastando a espada que descia, e logo em seguida
veio a cimitarra livre e baixa, pegando o drow na coxa.
O elfo negro condenado fez uma careta e vacilou, tentando se
afastar, tentando dizer alguma coisa, alguma palavra de rendição,
que parasse seu atacante. Mas sua ameaça contra Regis colocara
Drizzt além do ponto de raciocínio.
O avanço de Drizzt foi lento e mortal. Com as cimitarras baixas
ao seu lado, ele ainda conseguiu levantar uma ou outra para defletir
qualquer tentativa de ataque muito antes de chegar perto de seu
corpo.
Tudo o que o oponente de Drizzt podia ver eram os olhos ferozes
do famoso ranger, e nada que este drow já tinha visto, nem os
chicotes com cabeças de serpente de sacerdotisas impiedosas nem
a fúria de uma Matriarca Mãe, prometera a morte tão
completamente.
Ele abaixou a cabeça, gritou em voz alta, e cedendo ao seu
terror, lançou-se para frente desesperadamente.
Cimitarras o atingiram alternadamente no peito. Fulgor cortou
seu bíceps de forma limpa, deixando o braço de sua espada
impotente e a outra lâmina de Drizzt subiu rapidamente sob o
queixo, erguendo seu rosto, para que ele pudesse, no momento de
sua morte, olhar mais uma vez para aqueles olhos lavanda.
Drizzt, com o peito arfando com a adrenalina, os olhos ardendo
das chamas internas, empurrou o cadáver para longe e olhou para o
lado, ansioso para terminar seus negócios com Entreri.
Mas o assassino não estava em lugar algum.
CAPÍTULO 19

Caminhos Distintos
 
THIBBLEDORF PWENT ESTAVA DE PÉ NO FINAL do túnel
estreito, examinando a caverna ampla logo a diante, usando sua
infravisão, registrando as gradações de mudança de calor, para que
pudesse entender melhor a área perigosa à frente. Ele distinguiu os
muitos dentes do teto, estalactites longas e estreitas, e viu duas
linhas distintamente mais frias, indicando saliências nas paredes
altas — uma diretamente à frente, a outra ao longo da parede à sua
direita. Buracos escuros se alinhavam nas paredes a altura do chão
em vários lugares; Pwent sabia que aquele que estava
imediatamente à sua esquerda, os dois diretamente em frente, e o
outro diagonalmente à frente e à direita, sob a borda, provavelmente
eram longos túneis, e imaginou que vários outros seriam câmaras
laterais menores ou alcovas.
Guenhwyvar estava ao lado do furioso de batalha, as orelhas da
gata achatadas, o grunhido baixo quase imperceptível. A pantera
também pressentira o perigo, percebeu Pwent. Ele fez um sinal para
Guenhwyvar segui-lo (de repente, não estava tão incomodado por
ter uma companheira tão incomum) e deslizou de volta pelo corredor
até a luz da tocha que se aproximava para impedir os outros na
sala.
— Há pelo menos mais três ou quatro maneiras de entrar ou sair
— disse o furioso de batalha gravemente a seus companheiros — e
muitos terrenos abertos em todo o lugar. — O anão passou a dar
uma descrição detalhada da câmara, prestando atenção especial
aos muitos pontos óbvios para se esconder.
Bruenor, compartilhando dos medos sombrios de Pwent,
assentiu e olhou para os outros. Ele também sentia que seus
inimigos estavam próximos, estavam todos ao seu redor e se
aproximando. O rei anão olhou para trás, para o caminho pelo qual
tinham vindo, e era óbvio para os outros que estava tentando
descobrir algum outro trajeto ao redor daquela região.
— Nós podemos usar o fato de esperarmos um ataque surpresa
contra eles — ofereceu Cattibrie, sabendo da futilidade das
esperanças de Bruenor. Os companheiros tinham muito pouco
tempo precioso para desperdiçar, e poucos dos túneis laterais por
onde passavam ofereciam uma promessa mínima de levá-los para
as regiões mais baixas, ou para túneis mais amplos onde poderiam
encontrar Drizzt.
Um brilho de gosto pela batalha entrou nos olhos escuros de
Bruenor, mas ele franziu a testa um momento depois, quando
Guenhwyvar se jogou pesadamente sobre os pés de Cattibrie.
— A gata está por aqui há tempo demais — raciocinou a jovem.
— Ela vai precisar descansar em breve.
As expressões de Wulfgar e dos anões mostraram que não
receberam bem a notícia.
— Mais um motivo para ir em frente — Cattibrie disse
determinadamente. — Guen ainda aguenta lutar mais um pouco,
não tenha dúvidas!
Bruenor considerou as palavras, então assentiu seriamente com
a cabeça e bateu com o seu machado cheio de ranhuras na palma
da mão aberta.
— Tenho que chegar perto deste inimigo — ele lembrou seus
amigos.
Pwent sacou sua poção amarga.
— Toma outro gole — ofereceu a Cattibrie e Wulfgar. — Tem que
garantir que isso aí tá fresco na sua barriga.
Cattibrie fez uma careta, mas pegou o frasco e entregou-o a
Wulfgar, que também franziu o cenho e tomou um gole breve.
Bruenor e Pwent se agacharam no chão e Pwent rapidamente
arranhou um mapa tosco da câmara. Não tinham tempo para planos
detalhados, mas Bruenor ordenou áreas de responsabilidade,
atribuindo a cada pessoa a tarefa mais adequada ao seu estilo de
batalha. O anão não poderia dar instruções específicas para
Guenhwyvar, é claro, e não se preocupou em incluir Pwent em
grande parte da discussão, sabendo que uma vez que a luta
começasse, o furioso de batalha sairia em seu modo selvagem e
indisciplinado. Cattibrie e Wulfgar também perceberam o papel que
Pwent assumiria, e ninguém reclamou, entendendo que, contra
oponentes habilidosos e precisos, como os drow, um pequeno caos
poderia ser bom.
Eles mantiveram a tocha acesa, até acenderam uma segunda, e
começaram a seguir cautelosamente em frente, prontos para lutar
em seus próprios termos.
Quando a luz da tocha invadiu a sala, uma forma negra e
inquieta atravessou, indo para a escuridão em plena corrida.
Guenhwyvar partiu para a direita, cortou para a esquerda em
direção ao centro da câmara, depois disparou de novo para a
parede dos fundos.
De algum lugar à frente, ouviu-se o som de bestas de mão,
seguidos pelo ruído de virotes que batiam na pedra, sempre um
passo atrás da pantera que se esquivava e saltava.
Guenhwyvar desviou novamente no último momento, saltou e
virou de lado, as patas correndo ao longo da parede vertical por
vários passos antes que tivesse que voltar para o chão. O alvo da
gata, a borda alta na parede da direita, estava à vista, e
Guenhwyvar saiu correndo, acelerando de forma imprudente.
Na base, a todo vapor, e aparentemente voando em direção a
uma colisão de cabeça, os músculos da pantera se moveram
sutilmente. A mudança de direção de Guenhwyvar foi quase
perpendicular, a pantera correu, parecendo voar, subindo a
extensão de seis metros até a borda.
Os três elfos negros no topo da borda não poderiam esperar a
incrível manobra. Dois dispararam as bestas na direção
Guenhwyvar e voltaram para um túnel; o terceiro, tendo a
infelicidade de estar diretamente no caminho da pantera saltitante,
só pôde erguer os braços quando a pantera caiu sobre ele.
Tochas voaram na câmara, iluminando a área de batalha,
seguidas pela investida liderada por Bruenor, flanqueada à sua
direita por Wulfgar e à sua esquerda por Thibbledorf Pwent. Cattibrie
silenciosamente estava atrás deles, escorregando para o lado ao
longo do mesmo curso geral que Guenhwyvar havia tomado, com o
arco preparado e em mãos.
Mais uma vez, as bestas de mão dos elfos negros invisíveis
dispararam, e todos os companheiros em investida foram atingidos.
Wulfgar sentiu o veneno correndo em sua perna, mas sentiu o
formigamento queimar enquanto a potente poção de Pwent
neutralizava seus efeitos sonolentos. Um feitiço de escuridão caiu
sobre uma das tochas, derrotando sua luz, mas Wulfgar estava
pronto, acendendo uma terceira e jogando-a para o lado.
Pwent notou um inimigo drow no túnel à esquerda, e lá foi ele,
previsivelmente, rugindo a cada passo.
Bruenor e Wulfgar diminuíram a velocidade, mas mantiveram o
curso direto através da sala, para as maiores entradas de túnel do
outro lado do caminho. O bárbaro avistou o luzir de olhos drow ao
longo da borda restante, mais adiante e acima dos túneis. Ele parou,
girou e soltou o martelo de guerra com um grito para seu deus.
Presa de Égide voou baixo, se chocando contra a borda da
passagem, esmagando a pedra. Um elfo negro saltou para outro
ponto na longa borda; o outro caiu, com a perna destruída, e mal
conseguiu agarrar uma pedra a meio caminho e parar sua queda
pela parede que desabava.
Wulfgar não seguiu o lance. Ele foi atingido novamente por um
virote e, ao invés disso, correu para o lado, para o túnel restante, ao
longo da parede da direita, onde se agachava um par de elfos
negros.
Ansioso para entrar em combate corpo a corpo, Bruenor mudou
seu curso para seguir atrás do bárbaro. O anão olhou para trás
antes mesmo de completar a curva, no entanto, quando um monstro
de oito patas, o drider, saiu do túnel diretamente à frente, com
outras formas escuras se mexendo por trás dele.
Com um grito de prazer, nunca considerando as probabilidades,
agora que ele e seus amigos estavam comprometidos com a
batalha, o anão impulsivo desviou novamente para seu curso inicial,
determinado a encontrar os inimigos, quantos fossem, de cabeça
erguida.
 

 
Precisou de toda a disciplina que Cattibrie conseguiu reunir para
dar seu primeiro disparo sob controle. Ela realmente não tinha um
bom ângulo para aqueles que Pwent tinha perseguido ou para a
borda onde Guenhwyvar havia ido, e não achava que valesse a
pena acertar o drow ferido pendurado indefesamente abaixo da
borda destruída — não ainda. Bruenor tinha pedido a ela que se
certificasse de que seu primeiro disparo, o único que conseguiria dar
antes de ser notada, contasse.
A jovem ansiosa assistiu à separação entre Bruenor e Wulfgar e
encontrou sua oportunidade. Um drow, agachado atrás de um
entalhe diagonal de pouco mais de um metro na parede do fundo,
quase a meio caminho entre seus companheiros, inclinou-se para a
frente, com a besta na mão. O elfo negro disparou, depois recuou
em surpresa quando uma flecha de prata passou através dele, pela
pedra e deixou uma queimadura latente em seu rastro.
O segundo disparo de Cattibrie estava no ar um instante depois.
Ela não podia mais ver o drow, totalmente coberto pela pedra, mas
não acreditava que sua cobertura fosse tão grossa assim.
A flecha atingiu a laje saliente a meio metro de sua borda, a meio
metro de onde se juntava à parede. Houve um estalo agudo quando
a rocha se partiu, seguida por um grunhido quando a flecha explodiu
profundamente no crânio do drow agonizante.
 

 
O elfo negro deitado na borda alta subiu e chutou, manteve o
broquel acima dele e conseguiu, de alguma forma, sacar sua adaga
com a outra mão. Apenas sua bela armadura de malha continha de
alguma forma as garras de Guenhwyvar, mantendo seus ferimentos
sérios, mas não mortais.
Ele afundou a adaga no flanco da pantera, mas a arma parecia
pequena contra tal inimigo, parecia apenas enfurecer ainda mais a
gata. O braço do broquel foi jogado para o lado, de costas sobre a
cabeça, com força suficiente para deslocar seu ombro. Ele tentou
puxá-lo de volta para tornar a bloquear, mas descobriu que não
responderia ao chamado frenético de sua mente. Ele se esforçou
para colocar a outra mão no caminho da grande pata, uma defesa
fútil.
As garras de Guenhwyvar prenderam-se na linha do couro
cabeludo logo acima da testa. O drow mergulhou a adaga de novo,
rezando por uma morte rápida.
As garras da pantera cortaram seu rosto.
Bestas estalaram novamente do túnel na parte de trás da borda
estreita. Não ferida de verdade, a pantera saiu de sua vítima e
seguiu em frente em perseguição.
Os dois elfos negros invocaram globos de escuridão entre eles e
a gata, viraram-se e fugiram.
Se tivessem olhado para trás, poderiam ter voltado à luta, pois a
perseguição de Guenhwyvar não era obstinada. Com os golpes de
adaga e as feridas de virote, o insidioso veneno do sono e a simples
duração da visita da pantera ao plano, a energia de Guenhwyvar
não existia mais. A gata não queria ir, queria ficar e lutar ao lado dos
companheiros, para ficar e encontrar seu mestre desaparecido.
A magia da estatueta não apoiaria seus desejos, no entanto.
Após alguns passos para dentro da área escura, Guenhwyvar
parou, mal mantendo um equilíbrio hesitante. A carne da pantera
dissolveu-se em fumaça cinzenta. O túnel planar se abriu e a atraiu.
 

 
Ele foi atingido novamente quando saiu da câmara, mas o virote
minúsculo não fez mais do que trazer um sorriso para a face
contorcida do mais selvagem dos furiosos de batalha. Um globo de
escuridão bloqueou sua corrida, mas ele rugiu e se arremessou,
sorrindo mesmo quando colidiu com força com a parede do outro
lado.
O espantado elfo negro, observando o progresso feroz de Pwent,
deu meia-volta, disparando pelo túnel, depois virou uma curva
fechada. Pwent veio logo atrás, com sua armadura gritando e baba
correndo de seus lábios gordos em linhas abaixo de sua espessa
barba negra.
— Idiota! — ele gritou, abaixando a cabeça enquanto virava a
curva bem atrás do drow em fuga, esperando a emboscada.
A ponta do elmo de Pwent interceptou o corte da espada,
empalando seu inimigo através do antebraço. O furioso de batalha
não diminuiu a velocidade, mas se atirou no ar e se jogou no chão,
acertando o seu oponente com seu corpo bem no peito e
conduzindo o drow ao chão, bem abaixo dele.
As luvas com pontas cavaram a virilha e o rosto do elfo negro; a
armadura cheia de espigões de Pwent enrugou a bela cota de
malha quando ele entrou em uma série de violentas convulsões. A
cada um dos movimentos do furioso de batalha, ondas de agonia
ardente subiam pelo braço empalado do drow.
 

 
Bruenor notou a forma esbelta de um drow, usando um chapéu
escandaloso de abas largas e plumas, movendo-se pela entrada do
túnel. Então veio o tremular de objetos cortando a luz da tocha por
trás do drider monstruoso, e Bruenor jogou o escudo para o alto
defensivamente. Uma adaga bateu contra o metal, depois outra e
uma terceira atrás dela. O quarto lance veio baixo, raspando a
canela do anão; a quinta mergulhou sobre o escudo inclinado
quando Bruenor inevitavelmente se inclinou para frente, cortando
uma linha através do couro cabeludo do anão sob a borda de seu
capacete de um chifre.
Mas ferimentos leves não retardariam Bruenor, nem a visão do
drider inchado, com seus machados balançando, suas oito pernas
batendo e arranhando. O anão veio com força, levou um golpe no
escudo e voltou com um estrondo contra o segundo machado
descendente do drider. Muito menor que seu oponente, Bruenor
trabalhava baixo, seu machado batendo no duro exoesqueleto das
pernas blindadas do drider. O tempo todo, o anão continuava sendo
um borrão de movimento frenético, seu escudo acima dele, um
escudo melhor do que qualquer outro já forjado, desviando golpe
após golpe das armas de fio cruel encantadas pelos drow.
O machado de Bruenor mergulhou na cunha entre as duas
pernas, acertando o interior carnudo do drider. O sorriso do anão foi
de curta duração, pois as respostas do drider bateram com força no
escudo, torcendo-o no braço de Bruenor; a criatura colocou uma
perna em seu caminho e chutou com força a barriga do anão,
jogando Bruenor para trás antes que seu machado pudesse fazer
algum dano real.
Ele se levantou, sem fôlego e com o braço dolorido. Mais uma
vez veio uma série de arremessos de adaga vinda do corredor atrás
do drider, forçando Bruenor a desequilibrar-se. Ele mal conseguiu
levantar seu escudo para deter aquelas quatro. Ele olhou para a
primeira adaga, sobressaindo-se da frente de sua armadura em
camadas, um fio de sangue escorrendo por detrás de sua ponta e
soube que escapara da morte por um fio de cabelo.
Ele sabia também que a distração lhe custaria caro, pois não
estava mais preparado para o combate corpo a corpo e o drider
estava sobre ele.
 

 
O martelo voador de Wulfgar liderou o caminho até o corredor,
seu lance mais do que empatando com os dardos de besta que
atingiam o bárbaro que rugia. Ele mirou para o alto, para os dentes
de estalactite pendurados acima da entrada, e seu martelo poderoso
fez seu trabalho perfeitamente, quebrando várias das pedras
penduradas.
Um elfo negro recuou — Wulfgar não sabia dizer se a pedra que
caíra o havia esmagado ou não — e o outro mergulhou para a
frente, sacando espada e adaga e subindo na câmara para enfrentar
a investida do bárbaro desarmado.
Wulfgar derrapou até parar perto das lâminas, saltou para o lado
e chutou para fora, socando, fazendo qualquer coisa para manter o
oponente perigoso e rápido sob controle pelos poucos segundos
que o bárbaro precisava.
O drow, não entendendo a magia de Presa de Égide, levou o
tempo que precisava, parecia não ter pressa em acertar o humano
obviamente poderoso. Ele veio com uma combinação medida,
espada, adaga e adaga novamente, o último empurrão
dolorosamente cortando o quadril do bárbaro.
O drow sorriu maliciosamente.
Presa de Égide apareceu nas mãos de Wulfgar.
Com uma das mãos, segurando baixo na empunhadura do
martelo de guerra, Wulfgar lançou a arma em um movimento circular
na frente dele. O drow tomou uma medida cuidadosa da velocidade
da arma — Wulfgar cuidadosamente avaliou o exame do drow.
Ele disparou a adaga, atrás do martelo que fluía. A outra mão de
Wulfgar bateu contra o cabo logo abaixo da cabeça da arma e
abruptamente inverteu a direção, bloqueando o ataque do drow.
O drow foi rápido, levando a espada em um ângulo descendente
para o ombro de Wulfgar, mesmo quando sua mão da adaga foi
totalmente afastada, deixando sua guarda aberta.O enorme
antebraço de Wulfgar se flexionou com a tensão quando ele parou o
impulso do martelo pesado, levantando-o de volta na frente dele. Ele
pegou Presa de Égide na metade do cabo com a mão livre e
apontou diagonalmente para cima, a cabeça sólida do martelo de
guerra interceptando a espada e afastando-a inofensivamente.
O fim do bloqueio deixou o drow com um braço afastado pra
baixo, o outro afastado para cima, e deixou Wulfgar de pé diante de
seu oponente em perfeito equilíbrio, ambas as mãos agarrando
Presa de Égide. Antes que o elfo negro pudesse recuperar suas
largas lâminas, antes que pudesse mover os pés para se afastar,
Wulfgar o atingiu, com o martelo esmagando abaixo de seu ombro e
dirigindo-se para o quadril oposto. O drow recuou do golpe, então,
como se o peso total do golpe incrível não tivesse sido
imediatamente registrado, entrou em um salto para trás involuntário
que o fez se chocar de costas contra a parede.
Com uma das pernas bambeando e um pulmão inutilizado, o
drow trouxe sua espada horizontalmente diante de seu rosto, em
uma defesa ineficaz. Com as mãos baixas no cabo, Wulfgar levou o
martelo para trás e bateu-o com toda a sua força, através da lâmina
e no rosto do drow. Com um estalo doentio, o crânio do drow
explodiu, esmagado entre a pedra firme da parede e o metal
inflexível do poderoso martelo.
 

 
Um raio de prata ofuscante interrompeu os ataques do drider e
salvou Bruenor Martelo de Batalha. Porém, a flecha não atingiu o
drider. Ela foi para o alto, acertando o drow ferido (que tinha
acabado de subir de volta para a borda destruída) na parede de
pedra. A distração, o momento de se recuperar das adagas, era
tudo o que Bruenor precisava. Ele voltou com tudo novamente, seu
machado acertando a perna mais próxima do drider, seu escudo
erguendo-se para bloquear os golpes de machado agora
desequilibrados. O anão pressionou a fera, usando o seu corpo para
lhe oferecer alguma proteção contra os inimigos no corredor, e
atirou-a para trás antes que pudesse usar suas muitas pernas
contra a investida.
Outra das flechas de Cattibrie passou voando por ele, brilhando
ao ricochetear ao longo da pedra do corredor.
Bruenor sorriu largamente, agradecido de que os deuses lhe
entregassem uma aliada e filha tão competente quanto Cattibrie.
 

 
As duas primeiras flechas enfureceram Vierna; a terceira,
descendo o corredor, quase a fez perder a cabeça. Jarlaxle correu
de volta de sua posição perto da entrada da câmara para se juntar a
ela.
— Formidável — admitiu o mercenário. — Tenho soldados
mortos na câmara.
Vierna correu para a frente, concentrando-se no anão que lutava
contra seu irmão deformado.
— Onde está Drizzt Do’Urden? — ela exigiu saber, usando
magia para aumentar sua voz para que Bruenor a ouvisse através
do drider.
— Você me atacou e quer conversar? — o anão uivou,
terminando a frase com um golpe de machado. Uma das pernas de
Dinin se soltou e o anão disparou, empurrando o drider
desequilibrado para trás por mais alguns passos.
Vierna mal teve a chance de começar o feitiço pretendido antes
de Jarlaxle agarrá-la e puxá-la para baixo. Sua raiva instintiva em
direção ao mercenário foi perdida na explosão de outra flecha, desta
vez fazendo um buraco na parede de pedra onde a sacerdotisa
estava.
Vierna lembrou-se da advertência de Entreri sobre esse grupo,
tinha as provas diante dela enquanto a batalha continuava a azedar.
Tremeu de raiva, grunhiu indecifravelmente enquanto considerava o
que a derrota poderia lhe custar. Seus pensamentos se voltaram
para dentro, seguiram o caminho de sua fé para sua divindade
sombria e gritaram para Lolth.
— Vierna! — Jarlaxle chamou de algum lugar remoto.
Lolth não podia permitir que ela falhasse, teria que ajudá-la
nesse obstáculo inesperado, para que pudesse entregar o sacrifício.
— Vierna! — a sacerdotisa sentiu as mãos do mercenário sobre
ela, sentiu as mãos de um segundo drow ajudando Jarlaxle a
colocá-la de volta em seus pés.
— Wishya! — veio seu grito não intencional, então ela só sentiu
calma, sabendo que Lolth tinha respondido a seu chamado.
Jarlaxle e o outro drow bateram contra as paredes do túnel pela
força da explosão mágica de Vierna. Cada um olhou para ela com
receio.
As feições do mercenário relaxaram quando Vierna pediu que
ele a seguisse mais longe no corredor, fora do perigo.
— Lolth nos ajudará a terminar o que começamos aqui —
explicou a sacerdotisa.
 

 
Cattibrie colocou outra flecha no corredor por via das dúvidas,
depois olhou em volta, procurando um alvo mais aparente. Ela
estudou a batalha entre Bruenor e o monstruoso drider, mas sabia
que quaisquer disparos que desse no monstro inchado seriam muito
arriscados, dado o combate furioso e tumultuado.
Wulfgar parecia que tinha sua situação sob controle. Um drow
jazia morto a seus pés enquanto espiava os escombros do corredor
desmoronado em busca do inimigo que não havia entrado. Pwent
não estava em lugar algum.
Cattibrie olhou para a borda destruída acima de Bruenor e do
drider para o drow que não caíra, depois para a outra borda, onde
Guenhwyvar havia desaparecido. Em uma pequena alcova abaixo
daquela área, a jovem viu uma imagem curiosa: um aglomerado de
névoas semelhante ao que anunciava a aproximação da pantera. A
nuvem mudou de cor, ficou laranja, quase como uma bola de
chamas rodopiante.
Cattibrie sentiu uma aura maligna, aglomerada e dominadora, e
deixou seu arco em posição. Seus pelos da nuca formigavam; algo
estava a observando.
Cattibrie soltou o Buscador de Corações e girou, tirando sua
espada curta de sua bainha, mal a tempo de afastar a espada de
um drow em levitação que silenciosamente desceu do teto.
Wulfgar também notou a névoa, e sabia que isso exigia sua
atenção, que deveria estar pronto para atacá-la assim que sua
natureza fosse revelada. Ele não podia, porém, ignorar o grito
repentino de Cattibrie, e quando olhou para ela, encontrou-a sob
ataque severo, quase sentada no chão, sua espada curta com
esforço mantendo seu atacante à distância.
Nas sombras a alguma distância atrás da jovem e de seu
agressor, outra forma escura começou a descer.
 

 
O sangue quente de seu inimigo dilacerado se misturava com a
baba na barba de Thibbledorf Pwent. O drow parou de se debater,
mas Pwent, divertindo-se com a matança, não o fez.
Um virote de besta atravessou sua orelha. Sua cabeça subiu
enquanto rugia, a ponta do capacete levantando o braço empalado
do drow morto de forma bizarra. Ali estava outro inimigo, avançando
com firmeza.
O furioso de batalha levantou-se com um pulo, sacudindo a
cabeça de um lado para o outro, chicoteando o drow preso para a
frente e para trás até que a pele de ébano se partiu, liberando a
ponta do elmo.
O elfo negro que estava se aproximando parou, tentando
encontrar algum sentido na cena horripilante. Ele estava se
movendo de novo — voltando por onde viera — quando o indomável
Pwent assumiu a investida sob urros.
O drow ficou realmente assustado com o ritmo frenético do anão
rechonchudo, espantado por não conseguir se distanciar facilmente
desse inimigo. Ele não teria corrido muito longe de qualquer
maneira, porém, preferindo atrair esse inimigo perigoso para longe
da batalha principal.
Passaram por uma série de corredores sinuosos, o elfo negro
avançou dez passos à frente. Seus passos graciosos mal pareciam
se alterar quando saltou, pousando e girando, com espada em
prontidão e um sorriso largo.
Pwent sequer desacelerou. Ele apenas abaixou a cabeça para
colocar o capacete em linha. Com os olhos voltados para a pedra, o
furioso de batalha percebeu a armadilha, tarde demais, quando
atravessou a borda de um poço que o drow pulara sutilmente.
E pra baixo foi o furioso de batalha, batendo e saltando, as
muitas pontas de sua armadura de batalha lançando faíscas
enquanto deslizava ao longo da pedra. Ele quebrou uma costela
contra o topo arredondado de um monte de estalagmites a alguma
distância, quicou e caiu de costas em uma câmara baixa.
Então ficou ali por algum tempo, admirando a astúcia de seu
inimigo e admirando a curiosa maneira como o teto, toneladas de
rocha sólida, continuava a girar.
 

 
Não sendo uma novata com a espada, Cattibrie brandia sua
lâmina maravilhosamente, usando todas as defesas que Drizzt
Do’Urden lhe havia mostrado para recuperar alguma medida de
igualdade. Estava confiante de que a vantagem inicial do drow tinha
enfraquecido, confiante de que logo poderia colocar seus pés sob
ela e levantar para lutar em pé contra esse oponente.
Então, de repente, ela não tinha ninguém contra quem lutar.
Presa de Égide girou perto dela, seu rastro de vento sacudindo
seu cabelo, e acertou o elfo negro surpreso com força total,
atirando-o para longe.
Cattibrie se virou, sua apreciação inicial perdida assim que
reconheceu o protecionismo de Wulfgar. A névoa perto do bárbaro
estava se formando então, assumindo a forma corpórea e
substancial de um habitante de algum plano inferior vil, um inimigo
muito mais perigoso do que o elfo negro que Cattibrie estivera
combatendo.
Wulfgar tinha vindo ajudá-la ignorando seu próprio perigo,
colocando a segurança dela acima da própria.
Para Cattibrie, confiante de que poderia ter cuidado de sua
própria situação, tal ato parecia mais estúpido do que altruísta.
Cattibrie pegou seu arco, ela tinha que pegar seu arco. Antes
mesmo que tivesse posto as mãos nele, o monstro, uma yochlol,
terminou de chegar no plano. Amorfa, assemelhava-se a um pedaço
de cera meio derretida, com oito apêndices semelhantes a
tentáculos e uma boca central aberta, alinhada por dentes longos e
afiados.
Cattibrie sentiu o perigo atrás dela antes que pudesse avisar
Wulfgar. Ela girou, arco na mão, e olhou para o inimigo, para a
espada de um drow descendo rapidamente em direção à sua
cabeça.
Cattibrie atirou primeiro. A flecha lançou o drow a vários
centímetros do chão e atravessou o elfo negro para explodir em
uma chuva de faíscas contra o teto. O drow ainda estava de pé
quando voltou para o chão, ainda segurando a espada, sua
expressão revelando que não tinha certeza do que acabara de
acontecer.
Cattibrie agarrou seu arco como um porrete e pulou para
encontrá-lo, atacando-o ferozmente até que sua mente registrou o
fato de que ele estava morto.
Ela olhou para trás uma vez, para ver Wulfgar agarrado por um
dos tentáculos da yochlol, depois outro. Toda a incrível força do
bárbaro não poderia impedi-lo de chegar à bocarra que o esperava.
 

 
Bruenor não pôde ver nada além do preto do torso do drider
enquanto continuava a atacar, continuando a empurrar Dinin para
trás. Ele não conseguia ouvir nada, exceto o som de lâminas
voadoras, o bater de metal contra metal ou o som da carapaça se
quebrando quando seu machado acertava em cheio.
Sabia instintivamente que Cattibrie e Wulfgar, seus filhos,
estavam em apuros.
O machado de Bruenor finalmente alcançou a criatura que
recuava com força total enquanto o drider batia contra a parede.
Outra perna de aranha caiu; Bruenor plantou os pés e puxou com
todas as suas forças, lançando-se vários metros para trás.
Dinin, estranhamente contorcido, com duas pernas perdidas, não
continuou de imediato, contente pelo alívio, mas o feroz Bruenor
voltou, a selvageria do anão subjugando o drider ferido. O escudo
de Bruenor bloqueou o primeiro machado; seu capacete bloqueou o
golpe seguinte, um golpe que o teria tombado.
Chicoteou em linha reta o seu machado, acima do exoesqueleto
duro para cortar uma linha irregular através da barriga inchada do
drider. Entranhas quentes se espalharam. Fluidos escorriam pelas
pernas do drider e pelos braços pulsantes de Bruenor.
Bruenor entrou em frenesi, seu machado batendo repetidamente,
incessantemente, na curva entre as duas pernas da frente do drider.
O exoesqueleto deu lugar à carne; a carne se abriu para derramar
mais sangue.
O machado de Bruenor golpeou com força mais uma vez, mas
ele levou um golpe no ombro do braço que usava para empunhar
sua arma. O ângulo desajeitado do drider roubou a maior parte da
força do golpe, e o machado não atravessou a bela malha de mitral
de Bruenor, mas uma onda de agonia quente atacou o anão.
Sua mente gritava que Cattibrie e Wulfgar precisavam dele!
Fazendo uma careta contra a dor, Bruenor batia o machado para
trás, com a parte plana batendo contra o cotovelo do drider. A
criatura uivou e Bruenor trouxe a arma de novo, inclinando-se para o
outro lado, pegando o drider na axila e cortando o braço da criatura.
Cattibrie e Wulfgar precisavam dele!
O alcance mais longo do drider levou seu segundo machado ao
redor do escudo de bloqueio do anão, sua borda inferior puxando
uma linha de sangue pelas costas do braço de Bruenor. O rei do
Salão de Mitral puxou o escudo para perto e bloqueou o monstro
contra a parede usando seu ombro. Ele se recuperou, dirigiu seu
machado com força para o lado exposto do monstro, depois o
prendeu contra a parede usando o ombro novamente.
Novamente o anão se afastou, atacou com seu machado, e as
pernas grossas de Bruenor se contraíram novamente, fazendo-o
avançar para frente. Desta vez, Bruenor ouviu o outro machado cair
no chão e, quando se recuperou, se manteve afastado, cortando
descontroladamente com seu machado, levando o drider até a
pedra, cortando a carne e quebrando as costelas.
Bruenor se virou, viu Cattibrie mantendo controle sob sua
situação e deu um passo em direção a Wulfgar.
Wishya!
Ondas de energia atingiram o anão, levantando seus pés do
chão e lançando-o a três metros pelo ar, para bater contra a parede.
Ele se recuperou em uma corrida redirecionada, e gritou uma
única nota de fúria enquanto se aproximava da entrada do túnel
distante e dos olhos de vários drows observando-o de dentro.
— Wishya! — Veio mais uma vez o grito e Bruenor de repente
estava se movendo para trás.
— Quantos desse você tem? — rugiu o anão rude, dando de
ombros para esta nova pancada contra a parede.
Os olhos, todos os pares, se afastaram.
Um globo de escuridão caiu sobre o anão e, na verdade, ele
estava feliz por sua cobertura, pois aquele último golpe o machucara
mais do que gostaria de admitir.
 

 
Um quarto soldado juntou-se a Vierna, Jarlaxle e ao seu guarda-
costas enquanto iam mais para dentro dos túneis.
— Anão ao lado — o recém-chegado explicou. — Insano,
selvagem e em fúria. Eu o coloquei em um buraco, mas duvido que
isso vá pará-lo!
Vierna começou a responder, mas Jarlaxle a interrompeu,
apontando para uma passagem lateral, para outro drow sinalizando
para eles freneticamente no silencioso código de gestos.
— Gato demoníaco! — o drow distante sinalizou. Uma segunda
forma correu por ele, seguido por uma terceira alguns segundos
depois. Jarlaxle compreendeu os movimentos de suas tropas, soube
que esses três eram os sobreviventes de duas batalhas separadas e
compreendeu que tanto a rampa quanto a passagem lateral abaixo
dela haviam sido perdidas.
— Temos que ir — sinalizou para Vierna. Vamos encontrar uma
região mais vantajosa onde poderemos continuar esta luta.
— Lolth respondeu ao meu chamado! — Vierna rosnou para ele.
— Uma aia chegou!
— Mais um motivo para ir embora — Jarlaxle respondeu em voz
alta. — Mostre sua fé na Rainha Aranha e deixe-nos continuar com
a caçada ao seu irmão.
Vierna considerou as palavras por um momento, então, para o
alívio do mercenário, acenou concordando. Jarlaxle conduziu-a a
um ritmo excelente, se perguntando se seria verdade que apenas
sete daqueles de sua hábil força da Bregan D’aerthe, incluindo ele e
Vierna, permaneciam.
 

 
Os braços de Wulfgar golpearam descontroladamente os
tentáculos ondulantes; As mãos dele se estreitaram nos apêndices
que o envolviam, tentando se libertar do aperto de ferro. Mais
tentáculos lhe golpeavam, tirando sua atenção.
Ele fora empurrado para fora, puxado de soslaio para dentro da
grande boca, e entendeu que esses “tapas” eram meras distrações.
Dentes afiados cavaram suas costas e costelas, rasgaram músculos
e rasparam contra os ossos.
Ele socou e agarrou um punhado de pele pegajosa da yochlol,
torcendo e arrancando um pedaço. A criatura não reagiu, continuou
a morder os ossos, os dentes de navalha se cravando de um lado
para o outro no tronco preso.
Presa de Égide voltou para a mão de Wulfgar, mas ele estava
torcido desajeitadamente demais para desferir quaisquer golpes
contra seu inimigo. Girou de qualquer maneira, acertando com força,
mas a pele carnuda e emborrachada da criatura maligna parecia
absorver os golpes, afundando-se profundamente sob o peso de
Presa de Égide.
Wulfgar se virou novamente, contorcido apesar da dor
lancinante. Ele viu Cattibrie livre, o segundo drow morto a seus pés
e o rosto preso em uma expressão de horror evidente enquanto
olhava para o branco das costelas expostas de Wulfgar.
Ainda assim, a imagem de seu amor, livre de danos, trouxe uma
careta de satisfação ao rosto do bárbaro.
Um raio de prata brilhou logo abaixo, surpreendendo Wulfgar,
explodindo na yochlol, e o bárbaro pensou que sua salvação estava
à mão, pensava que sua amada Cattibrie, a mulher que ele ousara
subestimar, derrubaria sua atacante.
Um tentáculo envolveu os tornozelos de Cattibrie e a derrubou.
Sua cabeça bateu na pedra com força, seu precioso arco caiu de
seu alcance, e ela ofereceu pouca resistência quando a yochlol
começou a puxá-la para dentro.
— Não! —Wulfgar rugiu, e bateu de novo e de novo, inutilmente,
na fera emborrachada. Ele clamou por Bruenor; com o canto do
olho, viu o anão sair de um globo escuro, distante e aturdido.
A mandíbula da yochlol mastigava impiedosamente; um homem
menor teria tombado muita antes sob a força daquela mordida.
Wulfgar não podia permitir-se morrer, porém, não com Cattibrie e
Bruenor em perigo.
Ele começou uma canção dedicada a Tempus, seu deus da
batalha. Cantou com os pulmões cheios de sangue, com uma voz
vinda de um coração que havia bombeado vigorosamente por mais
de vinte anos.
Cantou e esqueceu as ondas de dor incapacitante; cantou e a
música voltou aos seus ouvidos, ecoando pelas paredes da caverna
como um coro dos lacaios de um deus aprovador.
Ele cantou, e apertou sua pegada em Presa de Égide.
Wulfgar atacou, não a besta, mas o teto baixo da alcova. O
martelo cortou a terra, enganchado em pedra.
Pedras e terra caíam ao redor do bárbaro e seu atacante. De
novo e de novo, o tempo todo cantando, Wulfgar bateu no teto.
A yochlol, que não era uma besta estúpida, mordeu ferozmente,
forçando sua grande boca, mas Wulfgar havia passado além da
admissão da dor. Presa de Égide batia acima; um pedaço de pedra
seguiu sua inevitável descida.
Assim que recuperou seus sentidos, Cattibrie viu o que o bárbaro
estava fazendo. A yochlol não estava mais interessada nela, não
estava mais puxando-a para dentro, e ela conseguiu abrir caminho
de volta ao arco.
— Não, meu rapaz! — ela ouviu Bruenor gritar do outro lado do
caminho. Cattibrie colocou uma flecha e virou-se.
Presa de Égide bateu contra o teto.
A flecha de Cattibrie chiou na yochlol um instante antes do teto
ceder. Pedregulhos enormes caíram; qualquer espaço entre eles
rapidamente se encheu com pilhas de rocha e solo, lançando
nuvens de poeira no ar. A câmara tremeu violentamente; o colapso
ressoou por todos os túneis.
Nem Cattibrie nem Bruenor ficaram de pé. Ambos se
amontoaram no chão, os braços defensivos sobre a cabeça
enquanto a queda do teto da caverna terminava. Nenhum dos dois
podia ver em meio à escuridão e ao pó; nenhum dos dois pôde ver
que tanto o monstro quanto Wulfgar haviam desaparecido sob
toneladas de pedra.
PARTE 5

Fim de Jogo
 
QUANDO EU MORRER...
Eu perdi amigos, perdi meu pai, meu mentor, para o maior dos
mistérios chamado morte. Eu tenho sentido o luto desde o dia em
que deixei minha terra natal, desde o dia em que a cruel Malícia
informou-me de que Zaknafein tinha sido dado à Rainha Aranha. É
uma emoção estranha, o luto; muda seu foco. Eu sofro por
Zaknafein, por Montólio, por Wulfgar? Ou sofro por mim mesmo,
pela perda que devo suportar para sempre?
É talvez a questão mais básica da existência mortal, e ainda
assim é uma para a qual pode não haver resposta...
A menos que a resposta seja de fé.
Ainda fico triste quando penso nas lutas de treino com meu pai,
quando me lembro dos passeios ao lado de Montólio pelas
montanhas e quando essas lembranças de Wulfgar, as mais
intensas de todas, passam pela minha mente como um resumo dos
últimos anos da minha vida. Lembro-me de um dia no Sepulcro de
Kelvin, olhando para a tundra do Vale do Vento Gélido, quando o
jovem Wulfgar e eu vimos as fogueiras do acampamento de seu
povo nômade. Esse foi o momento em que Wulfgar e eu realmente
nos tornamos amigos, o momento em que chegamos a aprender
que, para todas as outras incertezas em nossas vidas, teríamos um
ao outro. 
Lembro-me do dragão branco, Morte Gélida, e do gigante
Carranca, e como, sem o heroico Wulfgar ao meu lado, eu teria
perecido em qualquer uma dessas lutas. Lembro-me também de
compartilhar as vitórias com meu amigo, nosso laço de confiança e
amor se estreitando — próximo, mas nunca desconfortável.
Eu não estava lá quando ele caiu, não pude dar-lhe o apoio que
ele certamente teria me dado.
Eu não pude dizer “Adeus!”
Quando eu morrer, estarei sozinho? Se não fosse pelas armas
dos monstros ou pelas garras da doença, certamente viverei mais
do que Cattibrie e Regis, até Bruenor. Neste momento acredito
firmemente que, não importa quem mais esteja ao meu lado, se
esses três não estiverem, eu morrerei sozinho.
Tais pensamentos não são tão sombrios. Eu disse adeus a
Wulfgar mil vezes. Eu disse toda vez em que o deixei saber como
ele era querido por mim, toda vez que minhas palavras ou ações
afirmavam nosso amor. O adeus é dito pelos vivos, em vida, todos
os dias. Diz-se com amor e amizade, com a afirmação de que as
memórias são duradouras se a carne não é.
Wulfgar encontrou outro lugar, outra vida... Tenho que acreditar
nisso, senão, qual é o objetivo da existência?
Minha dor é por mim, pela perda que sei que sentirei até o fim
dos meus dias, não importa quantos séculos se passem. Mas dentro
dessa perda há uma serenidade, uma calma divina. Melhor ter
conhecido Wulfgar e compartilhado aqueles mesmos eventos que
agora alimentam minha dor, do que nunca ter caminhado ao seu
lado, lutado ao seu lado, olhado o mundo através de seus olhos
azuis cristalinos.
Quando eu morrer... Que haja amigos que sofram por mim, que
levem nossas alegrias e dores compartilhadas, que carreguem
minha memória.
Esta é a imortalidade do espírito, o legado sempre persistente, o
combustível da dor.
Mas também o combustível da fé.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 20

Repentinamente
 
A POEIRA CONTINUOU A BAIXAR NA AMPLA CÂMARA,
embotando a luz bruxuleante; uma das tochas foi apagada por um
pedaço de pedra que caiu, o brilho apagado em um piscar de olhos.
Apagado como a luz nos olhos de Wulfgar.
Quando o barulho finalmente parou, quando os pedaços maiores
do teto desmoronaram, Cattibrie virou-se e conseguiu se sentar, de
frente para a alcova cheia de entulho. Ela limpou a sujeira de seus
olhos, piscou através da escuridão por vários longos momentos
antes que a triste verdade da cena se registrasse completamente.
O único tentáculo visível do monstro, ainda envolto no tornozelo
da jovem, tinha sido cortado de forma limpa, com a parte de trás,
perto dos escombros, contorcendo-se reflexivamente.
Além dele, só havia rocha empilhada. A enormidade da situação
sobrecarregou Cattibrie. Ela balançou para o lado, quase
desmaiando, encontrando sua força apenas quando uma explosão
de raiva e negação brotou dentro dela. A jovem soltou os pés do
tentáculo e avançou de quatro. Tentou se levantar, mas sua cabeça
latejava, mantendo-a baixa. Mais uma vez veio a onda de náusea, o
convite para voltar à inconsciência.
Wulfgar!
Cattibrie arrastou-se para o lado, deu um tapa no tentáculo que
se contorcia e começou a cavar a pilha de pedras com as mãos
nuas, ralando a pele e quebrando uma unha dolorosamente. Quão
similar esse colapso parecia àquele que levara Drizzt ao primeiro
cruzamento com os companheiros no Salão de Mitral... Mas aquela
tinha sido uma armadilha projetada por um anão, uma queda
preparada e que enviou Drizzt em segurança para um corredor
inferior.
Esta não era uma armadilha manipulada, lembrou-se Cattibrie;
não havia calha para uma câmara inferior. Um rosnado suave, um
gemido, escapou de seus lábios e ela se agarrou, desesperada para
tirar Wulfgar da pilha esmagadora, rezando para que as rochas
desmoronassem em um ângulo que permitisse ao bárbaro
sobreviver.
Então Bruenor estava ao lado dela, largando o machado e o
escudo no chão e indo para a pilha com abandono. O anão
poderoso conseguiu afastar várias pedras grandes, mas quando a
borda externa do desmoronamento foi limpa, ele parou e ficou
olhando fixamente para a pilha.
Cattibrie continuou cavando, não notou a carranca de seu pai.
Depois de mais de dois séculos de mineração, Bruenor percebia a
verdade. O colapso havia sido completo. O rapaz se fora.
Cattibrie continuou a cavar e a fungar, quando sua mente
começou a lhe contar o que seu coração continuava a negar.
Bruenor colocou a mão no braço dela para impedi-la de
continuar o trabalho sem sentido, e quando Cattibrie olhou para ele,
sua expressão partiu o coração do anão. Seu rosto estava coberto
de sujeira. Sangue estava grudado em uma das bochechas e seu
cabelo estava emaranhado na cabeça. Bruenor, em seguida, viu
apenas os olhos de Cattibrie, orbes brilhantes do mais profundo
azul, reluzindo com a umidade.
Bruenor balançou a cabeça lentamente.
Cattibrie sentou-se, com as mãos ensanguentadas no colo, os
olhos sem piscar. Quantas vezes ela e seus amigos chegaram tão
perto desse ponto? Se perguntou. Quantas vezes escaparam das
garras gananciosas da Morte no último instante?
As probabilidades os alcançaram, alcançaram Wulfgar, aqui e
agora, de repente, sem aviso prévio.
Lá se fora o poderoso guerreiro, líder de sua tribo, o homem com
quem Cattibrie pretendia se casar. Ela, Bruenor, mesmo o mortífero
Drizzt Do’Urden, não podiam fazer nada para ajudá-lo, nada para
mudar o que havia acontecido.
— Ele me salvou — a jovem sussurrou.
Bruenor pareceu não a ouvir. O anão limpava continuamente a
poeira em seus olhos, a poeira que se acumulava nas grandes
lágrimas que se juntavam e depois escorriam, riscando suas
bochechas sujas. Wulfgar fora como um filho para Bruenor. O anão
durão levara o jovem Wulfgar, apenas um garoto naquela época,
para sua casa depois de uma batalha, ostensivamente como
escravo, mas, na verdade, para ensinar ao rapaz um caminho
melhor. Bruenor havia moldado Wulfgar em um homem que podia
ser confiável, um homem de caráter honesto. O dia mais feliz da
vida do anão, ainda mais feliz do que o dia em que Bruenor havia
recuperado o Salão de Mitral, foi o dia em que Wulfgar e Cattibrie
anunciaram que se casariam.
Bruenor chutou uma pedra pesada, e a força de seu golpe a
afastou.
Lá estava Presa de Égide.
Os joelhos do corajoso anão ficaram fracos ao ver a cabeça do
maravilhoso martelo de guerra, gravada com os símbolos de
Dumathoin, o deus anão, o guardião dos segredos sob a montanha.
Bruenor forçou respirações profundas em seus pulmões e tentou se
firmar por um longo tempo antes que pudesse conseguir forças para
estender a mão e soltar o martelo dos escombros.
Fora a maior criação de Bruenor, o epítome de suas
consideráveis habilidades de ferreiro. Ele colocou todo o seu amor e
habilidade em forjar o martelo; ele o fizera para Wulfgar.
A atitude semiestoica de Cattibrie desmoronou como o teto ao
ver a arma. Soluços silenciosos fizeram seus ombros se sacudirem,
e ela tremeu, parecendo frágil na luz fraca e empoeirada.
Bruenor encontrou sua própria força ao assistir a exibição dela.
Ele lembrou a si mesmo de que era o oitavo rei do Salão de Mitral,
que era o responsável por seus súditos — e por sua filha. Ele enfiou
o precioso martelo de guerra na alça de sua mochila de viagem e
enfiou um braço sob o ombro de Cattibrie, erguendo-a.
— Não podemos fazer nada pelo garoto — sussurrou Bruenor.
Cattibrie se afastou dele e voltou para a pilha, rosnando enquanto
jogava várias pedras menores de lado. Ela podia ver a futilidade de
tudo, podia ver as toneladas de sujeira e pedras, muitas delas
grandes demais para serem movidas, enchendo a alcova. Mas
Cattibrie cavou de qualquer jeito, simplesmente incapaz de desistir
do bárbaro. Nenhum outra ação aparente oferecia qualquer
esperança.
As mãos de Bruenor se fecharam gentilmente em torno de seus
braços.
Com um grunhido, a jovem o afastou e retomou o trabalho.
— Não! — rugiu Bruenor, e a agarrou novamente, com força,
levantando-a do chão e puxando-a para trás da pilha. O anão
colocou-a com força no chão, com os ombros largos entre ela e a
pilha, e qualquer que fosse o caminho que Cattibrie tentasse fazer
para contorná-lo, Bruenor se arrastava para bloqueá-la.
— Você não pode fazer nada! — gritou uma dúzia de vezes.
— Eu tenho que tentar! — ela finalmente implorou, quando ficou
óbvio que Bruenor não iria deixá-la voltar para a escavação.
Bruenor balançou a cabeça — apenas as lágrimas em seus
olhos escuros, sua óbvia angústia, impediram que Cattibrie lhe
socasse o rosto. Ela se acalmou então, parou de tentar passar pelo
anão teimoso.
— Acabou — disse Bruenor. — O garoto... meu garoto, escolheu
o seu caminho. Ele se entregou por nós, por você e por mim. Não
faça a desonra de deixar que as dores estúpidas a mantenham aqui,
em perigo.
O corpo de Cattibrie parecia cair ante a verdade inegável do
raciocínio de Bruenor. Ela não se moveu de volta para a pilha, para
o túmulo de Wulfgar, quando Bruenor recuperou seu escudo e
machado. O anão voltou para ela e colocou um braço em suas
costas.
— Diga adeus — ofereceu, e esperou em silêncio por um
momento antes de levar Cattibrie para longe, primeiro para seu
arco, depois para a câmara, na direção da mesma entrada pela qual
haviam chegado.
Cattibrie parou ao lado dele e olhou para ele e para o túnel com
curiosidade, como se questionasse o curso.
— Pwent e a gata terão que encontrar o caminho deles —
Bruenor respondeu a seu olhar vazio, entendendo mal sua
confusão.
Cattibrie não estava preocupada com Guenhwyvar. Ela sabia
que nada poderia causar sérios danos à pantera, enquanto ela
ainda possuísse a estatueta mágica, e também não estava nem um
pouco preocupada com o furioso desaparecido.
— E quanto a Drizzt? — ela perguntou simplesmente.
— Acho que o elfo está vivo — respondeu Bruenor com
confiança. — Um daqueles drow me perguntou sobre ele, perguntou
onde ele estava. Ele está vivo, e se afastou deles, e, pelo que eu
acho, Drizzt tem uma chance melhor de se livrar desses túneis do
que nós dois. Pode ser que a gata esteja com ele agora mesmo.
— E pode ser que ele precise de nós — argumentou Cattibrie,
libertando-se do toque gentil de Bruenor. Ela passou o arco por cima
do ombro e cruzou os braços sobre o peito, com o rosto preso em
uma expressão sombria e determinada.
— Nós estamos indo para casa, menina — ordenou Bruenor
seriamente. — Não sabemos onde Drizzt poderia estar. Estou
apenas supondo, e esperando, que ele esteja realmente vivo!
— Você está disposto a arriscar? — Cattibrie perguntou. — Você
está disposto a correr o risco de ele estar precisando de nós?
Perdemos um amigo, talvez dois se o assassino acabou com Regis.
Não aceito desistir de Drizzt, nem por qualquer risco. — ela
estremeceu quando outra memória passou por sua mente, uma
lembrança de estar perdida em Tarterus, outro plano de existência,
quando Drizzt Do’Urden corajosamente enfrentou horrores
indescritíveis para trazê-la para casa.
— Você se lembra de Tarterus? — disse a Bruenor, e o
pensamento fez o anão, que se sentia impotente, piscar e se
afastar.
— Não vou desistir — disse Cattibrie novamente — nem por
qualquer risco — a jovem olhou para a entrada do túnel do outro
lado, por onde os elfos negros fugitivos aparentemente haviam
escapado. — Nem por qualquer maldito elfo negro e seus amigos
surgidos do inferno!
Bruenor ficou quieto por um bom tempo, pensando em Wulfgar,
digerindo as palavras determinadas de sua filha. Drizzt poderia estar
por perto, poderia estar ferido, poderia ter sido pego novamente. Se
Bruenor estivesse perdido lá embaixo, e Drizzt ali em cima, o anão
não tinha dúvida sobre qual curso Drizzt escolheria.
Ele olhou de novo para Cattibrie e para a pilha atrás dela. O
anão acabara de perder Wulfgar. Como poderia se arriscar a perder
Cattibrie também?
Bruenor olhou mais de perto para Cattibrie e viu a determinação
em seus olhos.
— Essa é minha garota — o anão disse baixinho.
Eles pegaram a tocha restante e foram pela saída no lado oposto
da câmara, entraram mais fundo nos túneis em busca do amigo
desaparecido.
 

 
Aquele que não tivesse sido criado na escuridão perpétua do
Subterrâneo não teria notado a mudança sutil na profundidade da
escuridão, a brisa leve e fresca do ar. Para Drizzt, as mudanças
eram tão óbvias quanto um tapa no rosto, e ele acelerou o passo,
levantando Regis com força ao seu lado.
— O que foi? — perguntou o halfling assustado, olhando como
se esperasse que Artemis Entreri saltasse das sombras e o
devorasse.
Eles seguiram por uma passagem lateral larga, mas baixa,
inclinada para cima. Drizzt hesitou, seu senso de direção gritando
para ele que acabara de passar pelo túnel correto. O drow ignorou
esses apelos silenciosos e continuou, esperando que a abertura
para o mundo externo fosse acessível o bastante para que ele e
Regis pudessem respirar um pouco de ar fresco.
E era. Eles dobraram uma curva no túnel e sentiram o vento frio
em seus rostos, viram uma abertura mais clara à frente e viram além
de suas imponentes montanhas... e estrelas!
O profundo suspiro de alívio do halfling ecoou perfeitamente os
sentimentos de Drizzt enquanto segurava Regis. Quando saíram do
túnel, ambos foram quase engolidos pelo esplendor do cenário
montanhoso que se estendia diante deles, pela beleza do mundo da
superfície sob as estrelas, tão afastado das noites sem estrelas do
Subterrâneo. O vento, passando por eles, parecia uma entidade vital
e viva.
Ambos estavam em uma borda estreita, a dois terços do
caminho até o fundo de um penhasco íngreme de trezentos metros.
Um caminho estreito serpenteava para a direita, depois para baixo,
à esquerda, mas apenas ligeiramente inclinado, o que oferecia
pouca esperança de que fosse longo o suficiente para levá-los para
cima ou para baixo do penhasco.
Drizzt analisou a parede alta. Ele sabia que poderia facilmente
lidar com as poucas dezenas de metros até o fundo, provavelmente
poderia chegar ao topo sem muita dificuldade, mas não achava que
seria capaz de levar Regis com ele e não gostava da perspectiva de
estar em um local desconhecido, sem saber quanto tempo levaria
para voltar ao Salão de Mitral.
Seus amigos, não tão distantes, estavam em apuros.
— O Vale do Guardião está lá em cima — observou Regis
esperançoso, apontando para o noroeste —, provavelmente a não
mais do que alguns quilômetros.
Drizzt assentiu, mas respondeu:
— Temos que voltar.
Embora Regis não parecesse satisfeito com essa perspectiva,
não argumentou, entendendo que não conseguiria sair dessa borda
em sua condição atual.
— Muito bem — veio a voz de Entreri ao redor da curva. A
silhueta escura do assassino apareceu à vista, as joias de sua
adaga embainhada cintilando como seus olhos que enxergavam o
calor. — Eu sabia que você chegaria a este lugar — explicou a
Drizzt. — Sabia que você sentiria o ar limpo e viria na direção dele.
— Você parabeniza a mim ou a si mesmo? — o ranger
perguntou.
— A ambos — Entreri respondeu com uma risada sincera. O
branco de seus dentes desapareceu, substituído por uma carranca
fria, enquanto continuava a se aproximar. — O túnel que você
passou a cinquenta metros lá atrás o levará ao nível mais alto, onde
você provavelmente encontrará seus amigos... Seus amigos mortos,
sem dúvida.
Drizzt não mordeu a isca, não deixou que sua raiva o enviasse
em uma investida.
— Mas você não pode chegar lá, pode? — Entreri provocou. —
Você sozinho poderia ficar à minha frente, poderia evitar a luta que
eu exijo. Mas ai de seu companheiro ferido. Pense nisso, Drizzt
Do’Urden. Deixe o halfling e você pode correr livre!
Drizzt não justificou o pensamento absurdo com uma resposta.
— Eu o deixaria — comentou Entreri, lançando seu olhar gelado
sobre Regis enquanto falava. O halfling choramingou de forma
curiosa e caiu sob o forte braço de Drizzt.
Drizzt tentou não imaginar os horrores que Regis sofrera nas
mãos desprezíveis de Entreri.
— Você não vai deixá-lo — continuou Entreri. — Há muito tempo
estabelecemos essa diferença entre nós, a diferença que você
chama de força, mas que eu sei ser fraqueza.
Ele estava a apenas uma dúzia de passos de distância; sua
espada esguia sibilou livre de sua bainha, iluminando-o em seu
brilho azul-esverdeado.
— Então, rumo aos nossos negócios — continuou — E assim,
rumo a nosso destino. Você gostou do campo de batalha que eu
preparei? A única maneira de sair desta borda é o túnel atrás de
você, e assim eu, como você, não posso fugir, devo jogar nosso
jogo até o final. — ele olhou para o penhasco enquanto falava. —
Uma queda mortal para o perdedor — explicou, sorrindo. — Uma
luta sem descanso.
Drizzt não podia negar as sensações que se apoderaram dele, o
calor em seu peito e atrás de seus olhos. Não podia negar que, em
algum canto reprimido de seu coração e alma, queria esse desafio,
queria provar que Entreri estava errado, queria provar que a
existência do assassino era inútil. Ainda assim, a luta nunca teria
acontecido se Drizzt Do’Urden tivesse tido uma escolha razoável.
Os desejos de seu ego, ele entendia e aceitava plenamente, não
eram uma razão válida para o combate mortal. Agora, com Regis
indefeso atrás dele e seus amigos em algum lugar acima,
enfrentando inimigos elfos negros, o desafio tinha que ser
enfrentado.
Ele sentiu o metal duro de sua cimitarra se agitar em suas mãos,
deixando seus olhos voltarem para o espectro normal de luz,
enquanto Fulgor queimava seu azul furioso.
Entreri parou, espada de um lado, punhal do outro e fez sinal
para Drizzt se aproximar.
Pela terceira vez em menos de um dia, Fulgor bateu com força
contra a lâmina delgada do assassino; a terceira vez, e pelo que
Drizzt e Entreri sabiam, pela última vez.
Ambos começaram tranquilamente, cada um medindo seus
passos na arena nada ortodoxa. A saliência tinha talvez três metros
de largura neste ponto, mas se estreitava consideravelmente logo
atrás de Drizzt e logo atrás de Entreri.
Um golpe feito na direção das costas da mão com a espada
conduziu a rotina de Entreri, seguido por uma estocada da adaga.
Dois bloqueios sólidos soaram, e Drizzt disparou uma cimitarra
para a abertura entre as lâminas de Entreri, uma abertura que foi
fechada por uma espada em retirada em um piscar de olhos, com o
ataque de Drizzt sendo inofensivamente apartado.
Eles circularam, Drizzt dentro e perto da parede, o assassino se
movendo com tranquilidade perto da queda. Entreri cortou baixo,
inesperadamente liderando com o punhal desta vez.
Drizzt saltou para se afastar do corte encurtado, e veio com uma
combinação de dois golpes na direção da cabeça do assassino, que
se abaixou. A espada de Entreri disparou para a esquerda e para a
direita, horizontalmente acima de sua cabeça para bloquear os
golpes que se seguiram ele deslocou ligeiramente o ângulo para
avançar, para manter o drow afastado enquanto o assassino voltava
ao mesmo nível.
— Não será uma morte rápida — prometeu Entreri com um
sorriso maligno. Como se para refutar sua própria afirmação, saltou
à frente furiosamente, com a espada liderando o caminho.
As mãos de Drizzt dispararam em um borrão, suas cimitarras
batendo repetidamente na arma habilmente inclinada. O elfo negro
se movia para o lado, impedindo que suas costas se achatassem
contra a parede.
Drizzt concordou plenamente com a estimativa do assassino —
essa não seria uma morte rápida, independentemente de quem
vencesse. Eles lutariam por muitos minutos, uma hora, talvez. E
com que fim? Drizzt se perguntou. Que ganho poderia esperar?
Vierna e seus companheiros apareceriam e levariam o desafio a
uma conclusão prematura?
Quão vulneráveis Drizzt e Regis estariam então, sem ter para
onde correr e com uma queda de várias dezenas de metros a
poucos centímetros de distância!
Novamente o assassino pressionou o ataque, e novamente
Drizzt colocou suas cimitarras através das defesas adequadas,
perfeitamente equilibradas. Entreri não chegou nem perto de atingi-
lo.
Entreri girou então, imitando os movimentos de Drizzt em seus
dois encontros anteriores, usando suas duas lâminas como a ponta
de um parafuso para forçar Drizzt a voltar a uma posição mais
estreita na borda.
Drizzt ficou surpreso pelo assassino ter aprendido a ousada e
difícil manobra de forma tão perfeita depois de apenas duas
observações, mas era um movimento que Drizzt criara, e sabia
como combater.
Ele também entrou em uma rotação giratória, com cimitarras
fluindo para cima e para baixo. Lâminas se conectavam
repetidamente a cada turno, algumas vezes acendendo faíscas na
noite escura, com o metal gritando, verde e azul se misturando em
um borrão indistinto. Drizzt passou direto por Entreri — o assassino
invertera o giro de repente, mas Drizzt viu a mudança e parou,
ambas as lâminas bloqueando o corte invertido de espada e adaga.
Drizzt recomeçou mais uma vez, contra-atacando Entreri, e
desta vez, quando Entreri voltou a girar a rotação para o outro lado,
o drow antecipou-o tão completamente que chegou a inverter a
direção primeiro.
Para Regis, olhando impotente, sem ousar intervir, e para
qualquer uma das criaturas noturnas da região que poderiam estar
observando, não havia palavras para descrever a dança incrível, o
entrelaçamento de cores quando Fulgor e a lâmina brilhante do
assassino passavam, o brilho violeta dos olhos de Drizzt, o calor
vermelho dos de Entreri. O raspar de lâminas tornou-se uma
sinfonia, uma miríade de notas tocando a dança, evocando uma
estranha sensação de harmonia entre esses amargos inimigos.
Eles pararam em uníssono, a poucos metros de distância,
ambos entendendo que não haveria fim para aquela dança giratória,
não com alguma vantagem para qualquer um dos jogadores. Eles
pararam como suportes de livros com peso idêntico.
Entreri riu em voz alta ao perceber, riu para que pudesse
saborear o momento, essa peça de muitos atos que talvez visse o
amanhecer e talvez nunca fosse resolvida.
Drizzt não encontrou humor, e seu entusiasmo particular no
começo do desafio sumira, deixando-o com o peso da
responsabilidade — por Regis e por seus amigos de volta aos
túneis.
O assassino veio com tudo, baixo, com sua espada disparando,
subindo a cada ataque enquanto Entreri gradualmente endireitava
sua postura, tomando uma medida completa das defesas de Drizzt
de uma variedade de ângulos espertos.
Entreri colocou-o num ritmo de aparar, depois quebrou a melodia
com um corte cruel de sua adaga. O assassino uivou de alegria,
pensando por um momento que sua lâmina havia passado pelas
defesas e atingido o drow.
O punho de Fulgor tinha interceptado o golpe de forma limpa, a
apenas um centímetro da lateral de Drizzt. O assassino fez uma
careta e teimosamente tentou avançar quando entendeu o que
havia acontecido.
A expressão de Drizzt ainda estava mais fria; a adaga não se
moveu. Uma torção do pulso do drow fez as duas lâminas se
afastarem.
Entreri foi sábio o suficiente para empurrar e quebrar o aperto,
para voltar e esperar que a próxima oportunidade se apresentasse.
— Quase te peguei — provocou, escondendo bem o cenho
franzido quando Drizzt não respondeu, nem com palavras, nem com
os movimentos do corpo, nem com o conjunto inflexível de suas
feições de pele de ébano.
Uma cimitarra sou ruidosamente através da brisa enquanto
Entreri erguia sua espada para bloqueá-la.
O som súbito atacou Drizzt, lembrando-o de que Vierna poderia
não estar longe. Ele imaginou seus amigos em apuros, capturados
ou mortos, e sentiu uma pontada especial de remorso por Wulfgar
que não podia explicar. Travou os olhares com Entreri, lembrou-se
de que aquele homem fora o causador de tudo, que esse inimigo o
enganara nos túneis, o separara de seus amigos.
E agora Drizzt não podia protegê-los.
Uma cimitarra se moveu; outra veio cortando pelo outro lado.
Drizzt repetiu a rotina depois uma terceira vez, cada movimento,
cada som de metal contra metal, trazendo seus pensamentos mais
de acordo com tal tarefa, elevando seus preparativos emocionais,
aumentando seus sentidos de guerreiro.
Cada ataque era perfeitamente direcionado, e cada bloqueio
interceptava perfeitamente as lâminas atacantes, mas nem Drizzt
nem Entreri, trancados em seus olhos fixos em combate mental,
observavam suas mãos através dos movimentos físicos. Nenhum
deles piscou, nem quando a brisa do corte alto de Drizzt moveu o
cabelo no topo da cabeça do assassino, nem quando a espada de
Entreri se aproximou dos olhos de Drizzt.
Drizzt sentiu seu ímpeto aumentando, sentiu o dar e receber da
batalha se tornando mais rápido, ataque e defesa. Entreri, tão
consumido quanto o ranger, o acompanhava.
Os movimentos de seus corpos começaram a se juntar ao borrão
de mãos e armas. Entreri mergulhou um ombro, com a espada
esticada para a frente; Drizzt girou um círculo completo, aparando
atrás das costas, enquanto saía de alcance.
Imagens de Bruenor e Cattibrie capturados por Vierna
atormentavam o ranger; imaginava Wulfgar, ferido ou morrendo,
com uma espada drow em sua garganta. Imaginou o bárbaro no
topo de uma pira funerária, uma imagem que, por algum motivo que
Drizzt não conseguia entender, não seria facilmente descartada.
Drizzt aceitou as imagens, deu ao ataque mental toda a sua
atenção, deixou que os temores por seus amigos alimentassem sua
paixão. Essa tinha sido a diferença entre ele e o assassino, dizia a si
mesmo, àquela parte de si mesmo que defendia que mantivesse
sua mente clara e seus movimentos precisos e bem considerados.
Era assim que Entreri jogava o jogo, sempre no controle, nunca
sentindo nada além do inimigo diante dele.
Um ligeiro grunhido escapou dos lábios de Drizzt; seus olhos
lavanda ferviam à luz das estrelas. Em sua mente, Cattibrie gritava
de dor.
Ele avançou em Entreri em uma corrida selvagem.
O assassino riu, espada e punhal atacando furiosamente para
manter as duas cimitarras à distância.
— Ceda à raiva — ele repreendeu. — Abandone sua disciplina!
Entreri não entendia; esse era precisamente o objetivo. Fulgor
atacou, para ser previsivelmente bloqueada pela espada de Entreri.
Não seria assim tão fácil para o assassino dessa vez. Drizzt se
retraiu e atacou de novo, e de novo, repetidamente, batendo a
lâmina contra a arma já pronta do assassino. Sua outra lâmina
entrou furiosamente do outro lado; a adaga de Entreri a afastou.
A enxurrada de Drizzt, a pura loucura, aparentemente, manteve
o assassino com o pé atrás. Uma dúzia de golpes, duas dúzias,
soaram como um longo grito de aço estridente.
A expressão de Entreri traiu o riso. Ele não esperava essa louca
rotina ofensiva, não esperava que Drizzt fosse tão ousado. Se
pudesse soltar uma de suas lâminas por apenas um instante, o drow
ficaria vulnerável.
Mas Entreri não conseguia soltar nem a espada nem a adaga. O
fogo impulsionava Drizzt, mantinha seu ritmo incrivelmente rápido e
sua concentração perfeita. Para os Nove Infernos com sua própria
vida, decidiu, pois seus amigos precisavam que ele prevalecesse.
Repetidamente a rotina ofensiva continuou; Regis cobriu os
ouvidos ante o tinir horrendo e o grito das lâminas, mas o halfling
não pôde, apesar de todo o seu terror, desviar o olhar dos mestres
da luta. Quantas vezes Regis esperava que um ou ambos fosse
arremessado sobre o penhasco! Quantas vezes acreditou que uma
espada ou cimitarra havia atingido o alvo! Mas de alguma forma eles
continuavam lutando, cada ataque errando, cada defesa em linha no
último instante possível.
Fulgor atingiu a espada; o ataque seguinte de Drizzt do outro
lado não foi defendido, mas acertou apenas o ar quando Entreri
mexeu o pé e recuou um passo.
O braço da adaga do assassino disparou para frente. Entreri
lançou um grito primitivo de vitória, crendo que Drizzt havia
escorregado.
Fulgor veio de um ponto mais alto do que Entreri esperava, mais
rápido do que o assassino acreditava ser possível, cortando seu
antebraço um instante antes de colocar a adaga na barriga exposta
de Drizzt. De volta voou a cimitarra, afastando a espada para longe.
Entreri saltou à frente para se aproximar, percebendo sua
vulnerabilidade.
Seu avanço súbito salvou sua vida, mas enquanto Drizzt não
podia inclinar a ponta da lâmina livre para um golpe mortal, ele
podia — e assim o fez — socar com o cabo, acertando com força o
rosto de Entreri, enviando o homem cambaleando para trás.
Para frente foi o elfo negro, as lâminas brilhando
implacavelmente, empurrando Entreri a centímetros do penhasco. O
assassino tentou ir para a direita, mas uma cimitarra derrubou a
espada de bloqueio enquanto a manobra do outro mantinha Drizzt
diretamente à sua frente. O assassino partiu para a esquerda, mas
com o braço da adaga ferido e demorando a reagir, sabia que não
poderia ir além do alcance do drow a tempo. Entreri se manteve
firme, aparando os golpes furiosamente, tentando encontrar uma
rotina contundente que expulsasse esse inimigo possuído.
A respiração de Drizzt chegou em breves sopros enquanto
encontrava um padrão em seu ritmo frenético. Seus olhos
brilhavam, implacáveis, enquanto se lembrava de vez em quando
que seus amigos estavam morrendo — e que ele não poderia
protegê-los!
Ele caiu profundamente demais na raiva, mal registrando o
movimento quando a adaga voou na direção dele. No último
instante, se abaixou de lado, a pele acima de sua bochecha sofreu
um corte de sete centímetros de comprimento. Mais importante, o
ritmo avançado de Drizzt foi quebrado. Seus braços doíam pelo
esforço; seu ímpeto se desfez.
Em seguida veio o assassino rosnando, a espada cutucando,
mesmo fazendo um leve golpe, enquanto levava Drizzt para trás e
ao redor. No momento em que o ranger recuperou um pouco o
equilíbrio, os dedos dos pés, não os de Entreri, estavam de frente
para a parede da montanha, os calcanhares sentindo o vazio fluído
dos ventos da montanha.
— Eu sou o melhor! — Entreri proclamou, e seu ataque
subsequente quase provou sua afirmação. Espada cortando e
disparando, ele dirigiu o calcanhar de Drizzt sobre a borda.
Drizzt caiu sobre um joelho para manter seu peso para frente.
Ele sentiu o vento agudamente, ouviu Regis gritar seu nome.
Entreri poderia ter pulado para trás e recuperado sua adaga,
mas sentiu a morte, pressentiu que nunca mais teria uma
oportunidade melhor de terminar o jogo. Sua espada bateu com
fúria; Drizzt parecia se dobrar sob o peso, parecia escorregar ainda
mais na borda do penhasco.
Drizzt chegou ao seu eu interior, à magia inata de sua herança...
e produziu a escuridão.
Drizzt mergulhou para o lado em um rolamento, subiu vários
metros ao longo da borda, além do globo escuro que havia criado
perto de Regis.
Incrivelmente, Entreri ainda estava na frente dele, pressionando-
o perversamente.
— Eu conheço seus truques, drow — declarou o habilidoso
assassino.
Uma parte de Drizzt Do’Urden queria ceder, simplesmente
recostar-se e deixar que as montanhas o levassem, mas foi um
momento fugaz de fraqueza, do qual Drizzt recuou, um que
alimentou seu espírito indomável e emprestou força à seus braços
cansados.
Mas também, o faminto Entreri estava abastecido.
Drizzt escorregou de repente e teve que agarrar a saliência,
soltando sua lâmina. Fulgor caiu sobre o penhasco, saltando ao
longo das pedras.
A espada de Entreri bateu, bloqueada apenas pela cimitarra que
restava. O assassino uivou e pulou para trás, voltando
imediatamente com um impulso.
Drizzt não conseguiria impedir, Entreri soube, com os olhos
arregalados quando o momento da vitória finalmente se apresentou.
O ângulo do drow torcido estava todo errado; Drizzt não poderia
pegar sua lâmina restante e se alinhar a tempo.
Ele não conseguiria parar.
Drizzt não tentou pará-lo. Ele havia calmamente recolhido uma
perna sob si para um rolamento, e foi para o lado e à frente quando
a espada mergulhou, errando por pouco. Drizzt girou seu corpo, um
pé chutando a frente do tornozelo de Entreri, o outro enganchando e
batendo no assassino atrás do joelho.
Só então Entreri percebeu que o deslizamento do drow e a
cimitarra perdida haviam sido um ardil. Só então Artemis Entreri
percebeu que sua própria fome pela matança o derrotara.
Sendo lançado para a frente pelo impulso ansioso, disparou em
direção à borda. Todos os seus músculos do corpo estalaram;
conduziu sua espada esguia pelo pé de Drizzt e, de alguma forma,
conseguiu agarrar a bota empalada do drow com a mão livre.
O ímpeto era grande demais para Drizzt, ainda de lado na laje
lisa, ser capaz de segurar os dois. O drow foi puxado para a frente
enquanto subia, logo acima de Entreri, derrapando na pedra, a
agonia em seu pé desaparecendo à medida que mais dores,
contusões e cortes se tornavam evidentes.
Drizzt segurou com força sua segunda cimitarra, enfiou o cabo
em uma fenda e encontrou um apoio com a outra mão.
Ele estremeceu até parar, e Entreri se esticou abaixo dele, sobre
uma seção invertida que oferecia ao assassino nenhuma chance de
se segurar. Drizzt pensou que todas as suas entranhas seriam
arrancadas pelo pé empalado. Ele olhou para baixo e viu uma das
mãos de Entreri balançando loucamente; a outra se agarrava
desesperadamente ao punho da espada, uma tábua de salvação
macabra e instável.
Drizzt gemeu e fez uma careta, quase desmaiando de dor,
quando a lâmina escorregou vários centímetros.
— Não! — ele ouviu Entreri negar, e o assassino ficou muito
quieto, aparentemente entendendo a precariedade de sua posição.
Drizzt olhou para ele, suspenso no ar, ainda a mais de duzentos
metros do chão.
— Este não é o jeito de se reivindicar a vitória! — Entreri
chamou-o em uma explosão desesperada. — Isso derrota o
propósito do desafio e desonra você.
Drizzt lembrou-se de Cattibrie, percebeu mais uma vez a
estranha sensação de que Wulfgar estava perdido para ele.
— Você não ganhou! — Entreri gritou.
Drizzt deixou o fogo em seus olhos cor lavanda falar por ele. Ele
apertou as mãos, firmou sua mandíbula e girou o pé, sentindo cada
centímetro deliciosamente agonizante enquanto a longa espada
deslizava.
Entreri mexeu-se e chutou, quase agarrou Drizzt com a mão
livre, enquanto a lâmina se soltava.
O assassino caiu na escuridão da noite, seu grito engolido pelo
lamento do vento da montanha.
CAPÍTULO 21

Ventos do
Vale da Montanha
 
DRIZZT SE DOBROU LENTAMENTE E CONSEGUIU levar uma
mão até sua bota rasgada, onde de alguma forma estancou o
sangue escorrendo. A ferida estava limpa, pelo menos, e depois de
algumas tentativas, Drizzt descobriu que ainda conseguia usar o pé,
que ainda conseguia suportar seu peso, embora dolorosamente.
— Regis? — ele chamou à face do penhasco. A forma escura da
cabeça do halfling espiava por cima da borda.
—Drizzt? — Regis chamou de volta hesitante. — Eu... Eu
achei...
— Eu estou bem — assegurou-lhe o drow. — Entreri se foi. —
Drizzt não conseguia distinguir os traços querúbicos de Regis
àquela distância, mas podia imaginar a alegria que a notícia trouxe a
seu atormentado amigo. Entreri perseguira Regis por muitos anos, o
capturara duas vezes e nenhum das duas tinha sido uma
experiência agradável para o halfling. Regis temia Artemis Entreri
mais do que qualquer outra coisa no mundo, e agora, ao que
parece, ele podia deixar tal medo de lado.
 — Estou vendo Fulgor! — o halfling gritou empolgado, a silhueta
de seu braço sobre a borda apontando em um local abaixo. — Está
brilhando no fundo, à sua direita.
Drizzt olhou para o lado, mas não conseguiu ver o fundo do
penhasco, pois a pedra se projetava diretamente abaixo dele. Ele
avançou para o lado e, como Regis havia afirmado, a cimitarra
mágica estava lá, seu brilho azul contra a pedra escura do fundo do
vale. Drizzt considerou cautelosamente tal revelação por alguns
instantes. Por que a cimitarra, fora de seu alcance, se inflamaria
assim? Sempre considerou o fogo da lâmina um reflexo de si
mesmo, uma reação magicamente empática ao fogo dentro dele.
Estremeceu com a noção de que talvez Artemis Entreri tivesse
recuperado a lâmina. Drizzt imaginou o assassino sorrindo,
segurando Fulgor como uma isca irônica.
Drizzt descartou a noção sombria imediatamente. Ele tinha visto
Entreri cair, na frente de uma encosta invertida, sem nada para se
agarrar, a parede se afastando dele enquanto caía. O melhor que o
assassino poderia ter era uma derrapagem depois de uma queda
livre de uns dez metros. Mesmo que não estivesse morto,
certamente não estaria em pé no chão do vale.
O que, então, Drizzt deveria fazer? O drow pensou em voltar
imediatamente a Regis e procurar, descobrir o destino de seus
amigos. Poderia voltar para o vale com bastante facilidade a partir
do Vale do Guardião quando o problema tivesse passado, e com
alguma sorte, nenhum goblin ou troll da montanha teria pegado a
lâmina.
Quando considerou a possibilidade de lutar contra as tropas de
Vierna mais uma vez, Drizzt percebeu que se sentiria melhor com
Fulgor na mão. Olhou para baixo mais uma vez, e a cimitarra o
chamou — ele sentiu o chamado em sua mente e não podia ter
certeza se havia imaginado ou se Fulgor possuía algumas
habilidades que ainda não entendia. Algo mais o chamava, Drizzt
também precisava admitir para si mesmo, se não para qualquer
outra pessoa. Sua curiosidade pelo destino de Entreri não seria
facilmente saciada. Drizzt descansaria melhor se encontrasse a
forma quebrada do assassino na base da parede da montanha.
— Estou indo buscar Fulgor — o drow gritou para Regis. — Eu
não vou demorar muito. Grite se houver qualquer problema.
Ele ouviu um leve gemido vindo de cima, mas Regis apenas
gritou:
— Depressa! — e não discutiu a decisão.
Drizzt embainhou a outra cimitarra e percorreu com cuidado a
região invertida, agarrando-a com firmeza e tentando, da melhor
maneira possível, manter a pressão longe do pé ferido. Depois de
mais ou menos quinze metros, chegou a uma região inclinada, mas
não íngreme, de pedra solta. Não havia onde se segurar ali, mas
Drizzt não precisava de nada. Ele ficou deitado contra a parede e
deslizou lentamente para baixo.
Então o elfo negro viu o perigo pelo canto do olho, de asas de
morcego e do tamanho de um homem, cortando ângulos agudos em
seu voo ao longo dos ventos do vale da montanha. Drizzt se
preparou quando viu a criatura, e principalmente quando notou o
brilho azul-esverdeado de uma espada familiar.
Entreri!
O assassino gargalhou com alegria zombeteira quando passou
por cima, marcando um leve golpe no ombro do drow. O manto de
Entreri se transformara, brotara asas de morcego!
Agora Drizzt entendia a verdadeira razão pela qual o desonesto
assassino escolhera lutar na borda do penhasco.
O assassino fez uma segunda passada, mais perto, batendo no
drow com o lado de sua espada e chutando com a bota nas costas
do Drizzt.
Drizzt rolou com os golpes, depois começou a escorregar
perigosamente, o cascalho solto passando por baixo dele. Ele sacou
sua cimitarra e, de alguma forma, aparou o próximo ataque.
— Você tem um manto como o meu? — Entreri provocou,
fazendo uma curva fechada a uma certa distância e parecendo
pairar no ar. — Pobre drowzinho, sem rede para pegá-lo — outra
gargalhada soou, e o assassino atacou, ainda mantendo uma
distância respeitável, sabendo que possuía todas as vantagens e
não podia deixar seu entusiasmo o trair.
A espada, carregando o ímpeto do voo veloz do assassino,
bateu com força contra a cimitarra de Drizzt e, enquanto o ranger
conseguiu manter a lâmina delgada longe de seu corpo, o assassino
claramente ganhara a vantagem.
Drizzt estava deslizando mais uma vez. Ele se virou para encarar
a pedra, agarrou-a, colocou um braço sob ele e enganchou os
dedos, usando seu peso para cavar profundamente o suficiente no
cascalho solto para diminuir a velocidade da descida. Drizzt parecia
indefeso naquele momento terrível, preocupado em segurar seu
precário poleiro, enquanto bloqueava ataques do assassino.
Mais alguns ataques daqueles o mandariam para a morte.
— Você não sabe nem a metade de meus muitos truques! — o
assassino gritou em vitória, voltando para sua presa.
Drizzt se virou para encarar Entreri quando o assassino
mergulhou, a mão livre do drow se aproximando, segurando algo
que Entreri não esperava.
— Assim como você não sabe os meus! — Drizzt retrucou. Ele
avaliou as rotações evasivas do assassino e disparou a besta de
mão, a arma que havia tirado do drow que tinha derrubado na base
da rampa.
Entreri bateu com a mão na lateral do pescoço, arrancando o
virote apenas um instante depois de tê-lo picado.
— Não! — protestou, sentindo o veneno queimar. — Maldito!
Maldito seja, Drizzt Do’Urden!
Ele voou para a parede, sabendo que voar inconsciente seria
pouco sábio, mas o veneno insidioso, já percorrendo uma grande
artéria, obscurecia sua visão.
Ele bateu na parede a seis metros à direita de Drizzt, a luz de
sua espada morrendo imediatamente ao cair de seu alcance.
Drizzt ouviu o gemido, ouviu outra maldição, interrompida por um
profundo bocejo.
As asas de morcego do manto ainda batiam, segurando o
assassino no ar. Mas ele não conseguia concentrar sua mente
cansada para guiar seu caminho, e voou e disparou contra os
ventos da montanha, batendo na parede novamente, e depois uma
terceira vez.
Drizzt ouviu o estalo de ossos; o braço esquerdo de Entreri caiu
flácido sob a forma horizontal. Suas pernas também caíram, sua
força roubada pelo veneno.
— Maldito seja — disse novamente, meio grogue, entrando e
saindo da consciência. O manto pegou uma corrente de ar,
aparentemente, pois Entreri voou pelo vale e foi engolido pela
escuridão, silenciosamente, como a morte.
A descida de Drizzt a partir daquele ponto não foi difícil para o
ágil drow. A caminhada se tornou um alívio, alguns momentos em
que podia permitir que suas defesas escapassem e pudesse refletir
sobre a enormidade do que acabara de acontecer. A rivalidade dele
com Entreri não durou tantos meses, especialmente pelo cálculo de
um elfo drow, mas fora mais brutal do que qualquer coisa que Drizzt
já tivesse conhecido. O assassino fora sua antítese, a imagem
sombria do espelho da alma de Drizzt, os maiores medos que Drizzt
já tivera de seu próprio futuro.
E agora acabou. Drizzt havia quebrado o espelho. Ele realmente
teria provado alguma coisa, se perguntou. Talvez não, mas, pelo
menos, Drizzt livrara o mundo de um homem perigoso e perverso.
Ele encontrou Fulgor facilmente, a cimitarra brilhando quando a
pegou, então sua luz interior desapareceu para mostrar as reflexões
da luz das estrelas em sua lâmina prateada. Drizzt aprovou a
imagem e reverentemente deslizou a cimitarra de volta para sua
bainha. Ainda pensou em procurar a espada perdida de Entreri,
depois lembrou-se de que não tinha tempo de sobra, que Regis e,
provavelmente, seus outros amigos, precisavam dele.
Estava de volta ao lado do halfling em poucos minutos,
levantando Regis ao seu lado e voltando para a entrada do túnel.
— Entreri? — o halfling perguntou timidamente, como se não
conseguisse acreditar que o assassino houvesse finalmente
desaparecido.
— Perdido nos ventos da montanha — Drizzt respondeu com
confiança, mas sem nenhum sinal de superioridade em sua voz
uniforme. — Perdido nos ventos.
 

 
Drizzt não podia saber o quão precisa sua resposta enigmática
havia sido. Drogado e rapidamente desaparecendo da consciência,
Artemis Entreri serpenteava ao longo das correntes ascendentes do
amplo vale. Sua mente não conseguia se concentrar, não podia
emitir comandos mentais para o manto animado e, sem a sua
orientação, as asas mágicas continuavam batendo.
Ele sentiu a corrente de ar aumentar com sua velocidade. Ele
avançou, mal ciente de que estava voando.
Entreri balançou a cabeça violentamente, tentando se livrar do
aperto irritante do veneno do sono. Ele sabia, em algum lugar no
fundo de sua mente, que precisava acordar de vez, tinha que
recuperar o controle e diminuir a velocidade.
Mas o ar apressado era bom quando passava por suas
bochechas; o som do vento em seus ouvidos deu-lhe uma sensação
de liberdade, de libertar-se dos laços mortais.
Seus olhos se abriram e viram apenas um vazio negro, sem
estrelas. Ele não podia perceber que era o fim do vale, uma parede
da montanha.
A carícia do ar o jogou nos sonhos. Ele bateu na parede de
frente. Explosões de dor irromperam em sua cabeça e corpo; o ar
jorrou de seus pulmões em uma grande explosão.
Entreri não estava ciente de que o impacto rasgara seu manto
mágico, quebrara seu encantamento alado, não estava ciente de
que o vento em seus ouvidos era agora o som da queda, ou que ele
estava a sessenta metros do chão.
CAPÍTULO 22

Investida da
Brigada Pesada
 
DOZE ANÕES DE ARMADURA LIDERAVAM A PROCISSÃO,
seus escudos entrelaçados formando uma parede de metal contra
armas inimigas. Os escudos eram articulados, permitindo que os
anões nas extremidades ficassem de lado sempre que o corredor se
apertasse.
O General Dagna e sua força de elite montada vinham nas
seguintes fileiras, cavalgando, sem marchar, cada guerreiro armado
com uma pesada besta preparada com dardos especiais, folheados
em um metal prateado esbranquiçado. Vários portadores de tochas,
cada um carregando duas delas para facilitar o acesso aos
cavaleiros, vagavam entre as vinte montarias porcinas com presas
das tropas de Dagna. O restante do exército dos anões veio logo
atrás, ostentando expressões sérias, diferentes daquelas que
tinham quando desceram para combater os goblins.
Os anões não riam da presença dos elfos negros e, segundo
todos os cálculos, o rei deles estava em sérios apuros.
Eles chegaram à passagem lateral, clara novamente, já que os
feitiços de escuridão haviam expirado há muito tempo. Os ossos do
ettin estavam de frente para eles, do outro lado, de algum modo
intocados por todo o tumulto do encontro anterior.
— Clérigos — sussurrou Dagna, um chamado silencioso que foi
repetido pelas linhas anãs. Em algum lugar nas filas mais próximas
das elites de Dagna, meia dúzia de sacerdotes anões, usando suas
vestes de avental de ferreiro e segurando símbolos sagrados de
mitral com um martelo de guerra com punhos erguidos, avistou seus
alvos, dois para o lado, dois na frente e dois acima.
— Bem — disse Dagna aos anões portadores de escudo na
linha de frente — dê a eles algo em que valha a pena atirar.
A parede de bloqueio dos escudos se quebrou, doze anões se
estendendo ao longo da larga interseção.
Nada aconteceu.
— Droga — Dagna resmungou depois de alguns momentos sem
problemas, percebendo que os elfos negros haviam se mudado para
outro ponto de emboscada. Em um minuto, a formação de batalha
foi reunida e a força seguiu em um ritmo maior, com apenas um
pequeno grupo indo pela passagem lateral para garantir que seus
inimigos não surgissem em suas costas.
Sussurros de resmungos percorriam o comprimento das fileiras,
deixando os ansiosos anões frustrados pela demora.
Algum tempo depois, o rugido de um dos cães de guerra,
mantido em coleirado no meio do exército, veio como o único aviso.
Bestas disparavam da frente, a maioria dos virotes chocando-se
inofensivamente aos escudos interligados, mas alguns, vindos de
ângulos mais altos, subiam para atacar os anões na segunda e
terceira fileiras. Um portador de tocha caiu, suas tochas flamejantes
causando pequenos estragos nas montarias dos dois cavaleiros
mais próximos. Mas os anões e suas montarias eram bem treinados
e a situação não se alongou mais que isso.
Os clérigos entoaram seus cânticos, recitando as próprias
sílabas mágicas; Dagna e seus cavaleiros colocaram as pontas de
suas bestas contra as tochas flamejantes; a fileira da frente contou
em uníssono até dez, depois caiu direto de costas, protegendo
defensivamente acima deles.
Lá veio a cavalaria, javalis de guerra blindados grunhindo, virotes
com ponta de magnésio queimando em uma intensa luz branca. A
investida da cavalaria levou os anões para além da área de luz das
tochas rapidamente, mas os feitiços clericais surgiram no corredor à
frente deles, luzes mágicas roubando a escuridão.
Dagna e todos os outros integrantes de seu bando ansioso
gritaram de alegria, vendo os elfos negros atônitos desta vez,
aparentemente surpreendidos pela súbita ferocidade e velocidade
do ataque dos anões. Os drow estavam confiantes de que poderiam
correr mais do que os anões de pernas curtas, e realmente podiam,
mas não podiam correr mais do que as robustas montarias dos
anões.
Dagna viu um elfo negro se virar e estender a mão, como se
fosse jogar algo, e instintivamente, o sábio general entendeu que a
criatura estava usando sua habilidade de escuridão, tentando conter
as luzes mágicas que ardiam.
Quando o virote de magnésio iluminou o interior da barriga do
drow, seu foco mudou previsivelmente
— Arenito! — gritou o cavaleiro ao lado de Dagna, um
xingamento anão, se alguma vez houve algum. O general viu seu
companheiro recuar, inclinando a arma para cima. Ele recuou,
obviamente atingido por algum virote, mas conseguiu disparar sua
própria besta antes de cair de sua sela, saltando ao longo da pedra.
O virote em chamas errou, mas de qualquer maneira condenou o
drow flutuando entre as vigas, servindo como um rastreador para os
muitos soldados anões logo atrás.
— Teto! — gritou um anão e duas dúzias de besteiros caíram de
joelhos, os olhos para cima. Eles perceberam um movimento entre
as poucas estalactites e dispararam, praticamente em uníssono.
Mais anões apressaram-se enquanto recarregavam, cães de
guerra latindo gritos ansiosos. O bando de Dagna atacou em
perseguição, pouco se importando com o fato de terem passado
além da área iluminada. Os túneis eram relativamente planos, e os
drow em fuga não estavam muito à frente.
Um clérigo parou para ajudar os besteiros ajoelhados.
Mostraram-lhe a direção geral de sua presa e ele colocou um feitiço
de luz lá em cima.
O drow morto, com o torso rasgado por cerca de vinte virotes
pesados, pendia imóvel no ar. Como se influenciado pela luz
reveladora, seu feitiço de levitação se dissipou e ele caiu os seis
metros até o chão.
Os anões nem o estavam observando. A luz no teto revelara dois
dos companheiros ocultos do drow. Esses novos elfos negros
corriam para combater o feitiço com seus poderes inatos de
escuridão, mas isso não adiantou muito, uma vez que os habilidosos
besteiros os haviam encontrado e não precisavam mais vê-los.
Gemidos e um grito de agonia acompanharam uma exploração
frenética de sons de cliques enquanto a hoste de virotes saltava e
ricocheteava das muitas estalactites. Os dois drow caíram, um se
contorcendo ao cair no chão, não completamente morto.
Os ferozes anões caíram sobre ele, golpeando-o com as pontas
de suas armas pesadas.
 

 
O único túnel tornou-se vários enquanto os cavaleiros, em
perseguição, entravam em uma região de passagens laterais
sinuosas. Dagna escolheu seu alvo com facilidade, apesar do
crescente labirinto e da escuridão. Na verdade, a penumbra ajudou
Dagna, pois o drow que estava perseguindo havia sido atingido no
ombro, o magnésio branco servindo de farol para o anão que
marchava.
Ele ganhou proximidade a cada passo, viu o drow se virar para
encará-lo, o ombro do elfo negro brilhando em vermelho quando
visto de frente. Dagna deixou cair a sua besta e sacou uma maça
pesada, inclinando o javali como se fosse passar perto do flanco
ferido do drow.
O drow, mordendo a isca, virou-se de lado, colocando sua
própria arma em linha.
No último momento, Dagna abaixou a cabeça e desviou o javali,
e os olhos do drow se arregalaram quando percebeu o novo rumo
do anão selvagem. Ele tentou pular de lado, mas foi atingido
solenemente, as presas o pegaram logo acima do joelho, o
capacete de ferro de Dagna batendo em sua barriga. Ele foi
arremessado no ar por talvez quinze metros e teria ido mais longe
se a parede do túnel não o tivesse parado abruptamente.
Amassado em uma pilha quebrada na base da parede, o drow
quase inconsciente viu Dagna puxar sua montaria até ele e a maça
do anão subir.
A explosão em sua cabeça se iluminou tão brilhantemente
quanto o magnésio em seu ombro. Então, só havia escuridão.
 

 
Os sabujos levaram um grande contingente do exército dos
anões para a esquerda da câmara principal, para uma região de
cavernas mais naturais. Soldados retumbavam diretamente, com
clérigos entre suas fileiras, enquanto outros anões, armados não
com armas, mas com ferramentas, iam trabalhar atrás deles e entre
as passagens para os lados.
Eles chegaram ao cruzamento de quatro vias, os sabujos se
debatendo em suas coleiras tanto à esquerda quanto à direita. Os
anões sorrateiros forçaram os cães para a frente, porém, e
previsivelmente, mais de uma dúzia de elfos negros entraram no
corredor central atrás deles, disparando suas bestas desagradáveis.
O exército virou-se, os clérigos invocaram seus feitiços para
iluminar a área, e os drow, em desvantagem de quatro para um,
sabiamente se viraram e fugiram. Não tinham motivo para temer que
o caminho de volta estivesse bloqueado, não com tantos túneis
diante deles. Eles tinham uma boa ideia dos números dos anões e
estavam certos de que menos da metade de suas opções seriam
bloqueadas.
No primeiro caminho que escolheram, porém, viram que erraram
em suas suposições ao correr contra uma porta de ferro recém-
construída, trancada do outro lado. Os elfos negros podiam ver as
bordas do portal — os anões não tinham tido tempo de encaixá-lo
perfeitamente no túnel de formato estranho —, mas não havia como
escapar.
O próximo túnel parecia mais promissor, e, pela esperança dos
drow em fuga, precisava ser, porque a força dos anões, com os
cães latindo descontroladamente, estava em seus calcanhares.
Virando uma esquina, os elfos negros encontraram uma segunda
porta, ouviram os martelos dos anões trabalhando atrás dela, dando
os últimos retoques.
Os desesperados elfos negros lançaram feitiços de escuridão do
outro lado da porta, retardando o trabalho. Eles encontraram as
rachaduras mais largas ao longo da obstrução e dispararam suas
bestas cegamente para os trabalhadores, aumentando a confusão.
Um drow colocou a mão e localizou a barra de bloqueio.
Tarde demais. Os cães dobraram a esquina e a força dos anões
caiu sobre eles.
A escuridão desceu sobre a área de batalha. Um clérigo anão,
com seus poderes quase esgotados, a dissipou, mas depois outro
drow enegreceu a área mais uma vez. Os bravos anões lutaram às
cegas, combatendo a habilidade drow com pura fúria.
Um anão sentiu a queimadura quente quando a espada de um
inimigo invisível escorregou entre suas costelas, cortando seu
pulmão. O anão sabia que a ferida seria mortal, sentiu o sangue
enchendo seus pulmões e sufocando sua respiração. Ele poderia ter
recuado, poderia sair da área escura perto o suficiente de um clérigo
com feitiços curativos para tratar sua ferida. Naquele instante crítico,
porém, o anão sabia que seu oponente estava vulnerável, sabia que
se recuasse, um dos seus camaradas poderia sentir a espada cruel
do elfo negro. Ele lançou-se à frente, a espada do drow empalando-
o ainda mais, e bateu com seu martelo de guerra, acertando uma
vez, depois novamente, seu inimigo.
Ele caiu sobre o drow morto e morreu com um sorriso sombrio
de satisfação em seu rosto barbudo.
Dois anões, investindo fortemente lado a lado, sentiram o alvo
pretendido mergulhar entre eles, mas se atrasaram demais para
evitar uma colisão na porta de ferro. Desorientados, mas sentindo o
movimento ao lado, cada um deles lançou balanços poderosos com
seus martelos, cada um acertando um ao outro.
Lá embaixo eles se amontoaram e sentiram o farfalhar do ar
quando o elfo negro voltou sobre eles, dessa vez no final de uma
lança anã, para serem batidos com força contra a porta. O drow caiu
ferido sobre os dois anões, e eles tiveram inteligência e força
suficiente para agarrar o presente. Chutaram, morderam, socaram
com a empunhadura de suas armas ou com suas manoplas. Em
meros segundos, destroçaram o infeliz elfo negro.
Mais de vinte anões morreram pelas armas drow naquele
corredor estreito, mas também quinze elfos negros, metade da força
que havia bloqueado o caminho para as novas seções.
 

 
Um punhado de drow se manteve à frente de seus
perseguidores que cavalgavam suínos por tempo suficiente para
entrar nas câmaras dos fundos, na mesma sala onde Drizzt e Entreri
haviam lutado para a diversão de Vierna e seus asseclas. A porta
derrubada e vários companheiros mortos disseram aos soldados
que o grupo de Vierna fora atingido com força, mas, mesmo assim,
acreditavam em sua salvação quando o primeiro deles saltou para a
rampa — saltou e ficou preso nas teias que bloqueavam o caminho.
O drow preso agitou-se impotente, ambos os braços totalmente
presos. Seus companheiros, sem nenhum pensamento de ajudar
seu amigo condenado, olharam para a outra porta da câmara em
busca de sua salvação.
Javalis de guerra grunhiram; uma dúzia de cavaleiros anões
gritou de alegria enquanto chutavam suas montarias atrás da porta.
O General Dagna entrou na câmara apenas cinco minutos
depois para ver cinco elfos negros, dois anões e três porcos mortos
no chão.
Satisfeito que nenhum outro inimigo estava por perto, o general
ordenou uma inspeção da área insólita. O pesar feriu seus corações
quando eles encontraram a forma esmagada de Cobble sob a
parede de ferro, mas foi misturado com alguma medida de
esperança, pois Bruenor e os outros obviamente atingiram o inimigo
com força naquele lugar, e aparentemente, com a exceção do pobre
Cobble, haviam sobrevivido.
— Onde está você, Bruenor? — o general perguntou pelos
corredores vazios. — Onde está você?
 

 
Pura determinação, pura negação da derrota, era a única força
deles enquanto Cattibrie e Bruenor, cansados e feridos, apoiando-se
um no outro, abriam caminho através dos túneis sinuosos, mais
profundamente nos corredores naturais. Bruenor segurou a tocha
em sua mão livre. Cattibrie manteve o arco em prontidão. Nenhum
deles acreditava que teriam uma chance se encontrassem
novamente os elfos negros, mas em seus corações, nenhum deles
acreditava que poderiam possivelmente perder.
— Onde está essa maldita gata? — Bruenor perguntou. — E o
furioso?
Cattibrie balançou a cabeça, sem respostas definitivas. Quem
sabia onde Pwent poderia ter ido? Ele tinha corrido para fora da
câmara com sua típica raiva cega e poderia ter corrido todo o
caminho de volta para o Desfiladeiro de Garum àquela altura.
Guenhwyvar era uma história diferente, no entanto. Cattibrie deixou
cair a mão na bolsa, dedos sensíveis traçando o intrincado trabalho
da estatueta. Sentiu que a pantera já não estava mais por perto e
confiou no sentimento, pois, se Guenhwyvar não tivesse deixado o
plano material, a pantera teria entrado em contato com eles a essa
altura.
Cattibrie parou e Bruenor, depois de alguns passos, virou-se
curiosamente e fez o mesmo. A jovem, ajoelhada, segurava a
estatueta com as duas mãos, estudando-a atentamente, com o arco
no chão ao lado dela.
— Ela se foi? — Bruenor perguntou.
Cattibrie deu de ombros e colocou a estátua no chão, depois
chamou suavemente a Guenhwyvar. Por um longo momento, nada
aconteceu, mas, assim que Cattibrie estava prestes a recuperar o
item, a familiar névoa cinzenta começou a se reunir e tomar forma.
Guenhwyvar parecia abatida. Os músculos da pantera caíam,
flácidos pela exaustão, e a pele com pelo negro de um ombro
pendia para fora, rasgada, revelando nervos e tendões por baixo.
— Oh, volte! — Cattirie gritou, horrorizada com a visão. Ela
pegou a estatueta e se moveu para dispensar a pantera.
Guenhwyvar se movia mais rápido do que Cattibrie ou o anão
teria acreditado que seria possível, dado o estado desolador da
gata. Uma pata golpeou Cattibrie, jogando a estatueta no chão. A
pantera achatou suas orelhas e soltou um grunhido furioso.
— Deixe a gata ficar — disse Bruenor.
Cattibrie lançou ao anão um olhar incrédulo.
— Não está pior do que o resto de nós — explicou Bruenor. Ele
se aproximou e deixou cair uma mão gentil na cabeça da pantera,
aliviando a tensão. As orelhas de Guenhwyvar voltaram para cima e
ela parou de rosnar. — E também não menos determinada.
Bruenor olhou de novo para Cattibrie e depois para o corredor.
— Nós três, então — o anão disse. — Feridos e prontos para
cair, mas não antes de levar aqueles drow fedidos junto!
 

 
Drizzt podia sentir que estava se aproximando e puxou a
segunda lâmina, Fulgor, concentrando-se para evitar que a luz azul
da cimitarra se acendesse. Para sua alegria, a cimitarra respondeu
perfeitamente. Drizzt mal tinha consciência do halfling que ainda
segurava ao seu lado. Seus sentidos aguçados foram treinados em
todas as direções para alguma pista de que o inimigo estaria por
perto. Ele entrou por uma porta baixa em uma câmara nada notável,
apenas uma seção mais larga do corredor, com duas outras saídas,
uma para o lado e para o nível, a outra para frente, subindo mais
uma vez.
Drizzt de repente empurrou Regis para o chão e caiu contra a
parede, armas e olhos treinados para o lado. Não era nenhum drow
que entrava pela entrada lateral, mas um anão, possivelmente a
criatura de aparência mais estranha que os companheiros já tinham
visto.
Pwent estava a apenas três passos do elfo negro, e seu rugido
saudável mostrou que se sentia confiante de que ganhara a
vantagem da surpresa. Ele baixou a cabeça, colocou o elmo
pontudo na linha da barriga do Drizzt e ouviu o pequeno que estava
deitado de lado gritar de susto.
Drizzt esticou as mãos acima da cabeça, sentindo sulcos na
parede com dedos fortes e sensíveis. Ainda segurava as duas
lâminas e não havia muito para agarrar, mas o ágil drow não
precisava de muita coisa. Enquanto o confiante furioso de batalha
entrava cegamente, Drizzt levantou as pernas para cima, para fora e
sobre o espigão.
Pwent bateu na parede de frente, seu espigão cavando um
buraco de quase dez centímetros de profundidade na pedra. As
pernas de Drizzt desceram, uma de cada lado da cabeça do furioso
de batalha, e também abaixo vieram as cimitarras do drow, punhos
batendo com força contra a parte de trás do pescoço exposto de
Pwent.
A ponta do anão, dobrada de um lado para o outro, gritou e
raspou quando ele caiu na pedra, gemendo alto.
Drizzt saltou para longe, permitiu que a cimitarra ansiosa se
incendiasse, banhando a área com um brilho azul.
 — Anão — comentou Regis surpreso.
Pwent gemeu e rolou; Drizzt viu um amuleto, esculpido com o
padrão de caneca de espuma do clã Martelo de Batalha, em uma
corrente no pescoço.
Pwent balançou a cabeça e saltou de repente de pé.
— Você ganhou com aquele golpe! — rugiu e começou a ir na
direção de Drizzt.
— Nós não somos inimigos — o drow ranger tentou explicar.
Regis gritou de novo quando Pwent chegou perto, lançando uma
combinação de dois socos com as pontas das luvas.
Drizzt facilmente evitou os socos curtos e tomou nota das muitas
bordas afiadas na armadura de seu oponente.
Pwent atacou novamente, dando um passo para trás antes do
golpe para dar um certo alcance. Era um truque, Drizzt sabia, sem
chance de acertar. O veterano drow já entendia as táticas de batalha
de Pwent, e sabia que o soco falso fora projetado apenas para
colocar esse anão assustador próximo dele, para que pudesse se
atirar contra Drizzt. Uma cimitarra surgiu para interceptar o soco.
Drizzt surpreendeu o anão girando sua segunda lâmina acima de
sua cabeça e entrando mais perto (exatamente o caminho oposto ao
qual Pwent esperava que fizesse), então lançando sua arma
empunhada alto para fora em um curso amplo, arqueado e
suavemente descendente quando deu um passo para o lado,
trazendo a lâmina para atingir a parte de trás do joelho do anão.
Pwent momentaneamente esqueceu seu salto iminente e
instintivamente dobrou a perna vulnerável para longe do ataque.
Drizzt pressionou, colocando pressão suficiente no joelho do anão
para mantê-lo em movimento. Pwent se jogou no ar e aterrissou
com força no chão, deitado de costas.
— Parem! — Regis gritou para o teimoso e caído anão, que
estava novamente tentando se levantar. — Pare! Não somos seus
inimigos!
— Ele diz a verdade — acrescentou Drizzt.
Pwent, sobre um joelho, fez uma pausa e olhou com curiosidade
de Regis para Drizzt.
— Viemos aqui para pegar o halfling — disse a Drizzt,
obviamente confuso. — Para pegá-lo e esfolá-lo vivo, e agora você
está me dizendo para confiar nele?
— Outro halfling — observou Drizzt, batendo as lâminas nas
bainhas.
Um sorriso inadvertido apareceu no rosto do anão enquanto ele
considerava a vantagem que seu inimigo aparentemente acabara de
lhe dar.
— Nós não somos seus inimigos — disse Drizzt
inexpressivamente, os olhos lavanda brilhando perigosamente —,
mas não tenho tempo para jogar seus jogos idiotas.
Pwent se inclinou para a frente, contraindo os músculos, ansioso
para pular à frente e estraçalhar o drow.
Novamente os olhos do drow brilharam e Pwent relaxou,
entendendo que aquele oponente acabara de ler seus
pensamentos.
— Vá em frente se quiser — avisou Drizzt —, mas saiba que na
próxima vez que você cair, nunca mais levantará.
Thibbledorf Pwent, raramente abalado, considerou a promessa
sinistra e a postura despreocupada do adversário, e lembrou-se do
que Cattibrie lhe contara sobre esse drow; se é que esse era o
lendário Drizzt Do’Urden.
— Acho que somos amigos — admitiu o anão estressado, e se
levantou lentamente.
CAPÍTULO 23

Uma Memória
Materializada
 
COM PWENT RETROCEDENDO E LIDERANDO o caminho,
Drizzt tinha certeza de que logo descobriria o destino de seus
amigos e enfrentaria sua irmã maligna mais uma vez. O furioso de
batalha não tinha muito o que dizer sobre Bruenor e os outros,
apenas que quando havia se separado deles, estavam sendo
duramente atacados.
A notícia fez Drizzt prosseguir mais depressa. Imagens de
Cattibrie sendo torturada por Vierna esvoaçavam nos limites de sua
consciência. Imaginou o teimoso Bruenor cuspindo no rosto de
Vierna, e a sacerdotisa arrancando o rosto do anão em resposta.
Poucas câmaras pontuavam esta região. Túneis longos e
estreitos dominavam, alguns naturais, outros trabalhados em
lugares onde os goblins decidiram que apoio era necessário. Os três
entraram em um túnel de tijolos longos e retos, inclinando-se
ligeiramente para cima e com várias passagens laterais saindo dele.
Drizzt não viu as formas dos elfos negros à sua frente, mais adiante
no corredor longo e escuro, mas quando Fulgor brilhou de repente,
não duvidou do aviso da espada.
O fato foi confirmado um momento depois, quando um virote de
besta saiu da escuridão e acertou Regis no braço. O halfling gemeu;
Drizzt o puxou de volta e o deixou em segurança atrás da esquina
de uma passagem lateral pela qual haviam acabado de passar. No
momento em que o drow voltou para o corredor principal, Pwent
estava em plena investida, cantando loucamente, sendo acertado
por um dardo após o outro, mas passando por eles sem se
preocupar.
Drizzt correu atrás dele, viu Pwent passando direto pelo buraco
escuro de outro corredor lateral e soube instintivamente que o anão
provavelmente entrara em uma armadilha.
Drizzt perdeu o rastro do furioso de batalha um momento depois,
quando um virote passou pelo anão para atingir o ranger. Ele olhou
para baixo, o viu pendurado dolorosamente em seu antebraço e
sentiu o formigamento quente enquanto o elixir de Pwent lutava
contra o veneno. Drizzt cogitou cair onde estava, convidando seus
inimigos a pensar que o veneno o havia derrubado de novo, uma
captura fácil.
Mas não podia abandonar Pwent, e estava simplesmente irritado
demais para esperar por mais tempo. Chegara a hora de acabar
com a ameaça.
Ele deslizou para o buraco escuro do túnel lateral, manteve
Fulgor um pouco mais atrás para que não o entregasse
completamente. Um rugido de indignação explodiu à frente, seguido
por um fluxo constante de xingamentos anões, que disseram a
Drizzt que as possíveis vítimas de Pwent haviam escapado.
Drizzt ouviu um leve movimento para o lado, e sabia que o
guerreiro havia despertado a curiosidade de quem quer que
estivesse ali. Respirou fundo, contou mentalmente até três e saltou
para o outro lado da curva, com Fulgor brilhando violentamente. O
drow mais próximo recuou, disparando uma segunda besta contra
Drizzt, que cortou sua pele através de uma dobra de ombro em sua
bela armadura. Ele só podia esperar que a poção de Pwent fosse
forte o suficiente para aguentar um segundo golpe e teve algum
consolo no fato de que Pwent parecia ter sido atingido
repetidamente durante sua investida no corredor.
Drizzt empurrou o besteiro para trás com pressa, o drow maligno
se atrapalhando para sacar sua arma corpo a corpo. Ele teria
derrotado o drow rapidamente, exceto que um segundo drow se
juntou a ele, armado com espada e punhal. Drizzt havia entrado em
uma pequena câmara, levemente circular, uma segunda saída para
a direita, que provavelmente se juntaria ao corredor principal em
algum lugar mais adiante. Porém, Drizzt mal registrou as
características físicas da sala, dificilmente notou as oscilações
iniciais da batalha, bloqueando os ataques medidos de seus
oponentes. Seus olhos permaneceram além deles, no fundo da sala,
onde estavam Vierna e o mercenário Jarlaxle.
— Você me causou grandes dores, meu irmão perdido — rosnou
Vierna para ele —, mas a recompensa valerá a pena, agora que
você voltou para mim.
Ouvindo cada palavra dela, o distraído Drizzt quase deixou uma
espada passar por suas defesas. Ele deu um tapa no último
momento e veio em um floreio, cimitarras girando em um padrão
descendente e entrecruzado.
Os soldados elfos negros trabalhavam bem próximos e se
defenderam do ataque, rebatendo um após o outro e forçando Drizzt
a recuar.
— Eu adoro ver você lutar — continuou Vierna, agora sorrindo
presunçosamente —, mas não posso correr o risco de você ser
morto — não ainda. — começou então uma série de cantos, e Drizzt
sabia que seu feitiço iminente seria direcionado a ele,
provavelmente à sua mente. Ele rangeu os dentes e acelerou o
curso de sua batalha, conjurando imagens de uma Cattibrie
torturada, erguendo uma parede de pura raiva.
Vierna liberou seu feitiço com um grito glorioso, e ondas de
energia rolaram sobre Drizzt, atacou-o e disse-lhe, mente e corpo,
para parar no lugar, simplesmente ficar quieto e ser capturado.
Dentro do drow ranger havia uma parte dele, um alter ego
primitivo e selvagem que não tinha visto desde seus dias no
Subterrâneo selvagem. Ele era o caçador novamente, livre de
emoções, livre de vulnerabilidade mental. Ele afastou o feitiço; suas
cimitarras batiam com força contra as lâminas de seus inimigos,
atacando duramente seus dois oponentes.
Os olhos de Vierna se arregalaram de surpresa. Jarlaxle, a seu
lado, deu uma risada inegável.
— Seus poderes dados por Lolth não me afetarão — afirmou
Drizzt em resposta. — Eu renego a Rainha Aranha!
— Você será dado à Rainha Aranha! — gritou Vierna de volta, e
pareceu ganhar a vantagem mais uma vez quando outro soldado
drow entrou na câmara do túnel à direita de Drizzt. — Mate-o! — a
sacerdotisa ordenou. — Que o sacrifício seja aqui e agora. Não
tolerarei mais blasfêmias desse pária!
Drizzt lutava magnificentemente, mantendo ambos os inimigos
mais recuados do que avançados. Se o terceiro soldado se juntasse
a eles, no entanto...
Isso nunca chegou a acontecer. Veio um rugido selvagem do
túnel à direita e Thibbledorf Pwent, com a cabeça inclinada em uma
de suas investidas tipicamente frenéticas, atravessou. Ele bateu no
soldado drow surpreso ao lado, com a ponta curvada de seu
capacete cortando o quadril delgado do infeliz elfo, rasgando seu
abdômen.
As pernas poderosas de Pwent continuaram a atravessar até
que ele finalmente se enrolou nos pés do drow empalado, e ambos
os combatentes caíram no chão bem diante de uma Vierna aturdida.
O drow se debateu em desespero desamparado quando Pwent o
socou impiedosamente.
Drizzt sabia que tinha que chegar rapidamente até a dupla,
entendendo o perigo que Pwent enfrentava com Vierna e o
mercenário podendo atingi-lo diretamente. Ele trouxe Fulgor em
uma cruz descendente, desviando ambas as espadas de seus
oponentes para o lado, e entrou logo atrás da lâmina, vindo com sua
segunda cimitarra em seu oponente mais próximo, aquele que o
acertara com a seta da besta e que não levava uma segunda arma.
O braço do outro drow se lançou para a frente, fazendo o punhal
atingir a cimitarra a um segundo de prevenir sua morte. Ainda
assim, Drizzt tinha acertado um doloroso golpe em um oponente,
cortando a bochecha do drow.
Surgiu o chicote de cabeças de cobra de Vierna, enquanto o
rosto da sacerdotisa se congelava em uma imagem de pura raiva
quando bateu nas costas do furioso de batalha. Cabeças de
serpentes vivas disparavam sobre a armadura do combatente,
encontrando lacunas através das quais podiam morder sua pele
espessa.
Pwent soltou a ponta do elmo, enfiou um espeto da manopla no
rosto do elfo moribundo e depois voltou sua atenção para seu mais
novo atacante e sua arma perversa.
Slap!
Uma cabeça de cobra pegou-o no ombro. Duas outras
beliscaram seu pescoço. Pwent jogou o braço para cima quando se
virou, mas foi mordido duas vezes na mão, o membro
imediatamente adormecido. Ele sentiu seu potente elixir revidando,
mas ainda assim hesitou, quase desmaiando.
Slap!
Vierna o atingiu novamente, todas as cinco cabeças de cobra
encontrando um alvo na mão e no rosto do anão. Pwent olhou-a por
mais um momento, formou seus lábios como se fosse falar um
palavrão, depois caiu na pedra e se debateu como um peixe fora
d’água, seu corpo inteiro quase entorpecido, seus nervos e
músculos incapazes de funcionar de qualquer maneira coordenada.
Vierna olhou na direção de Drizzt, com os olhos ardendo em ódio
aberto.
— Agora todos os seus amigos miseráveis estão mortos, meu
irmão perdido! — ela rosnou, algo que sinceramente acreditava ser
verdade. Ela avançou um passo, com o chicote de cabeças de
cobra erguido, mas parou ante a raiva pura e desregrada que de
repente contorceu as feições de seu irmão.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
As palavras queimaram no sangue do Drizzt, transformaram seu
coração em pedra.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
Cattibrie, Wulfgar e Bruenor, tudo o que Drizzt Do’Urden
considerava especial, perderam-se para ele, levados por uma
herança da qual não conseguira escapar.
Ele mal podia ver os movimentos de seu oponente, embora
soubesse que suas cimitarras estavam interceptando todos os
ataques com perfeição, movendo-se em um borrão preciso que não
oferecia aberturas a seus inimigos.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
Ele era o caçador novamente, sobrevivendo aos desertos do
Subterrâneo. Ele estava além do caçador, o guerreiro encarnado,
lutando apenas por perfeito instinto.
Uma espada foi empurrada da direita. A cimitarra de Drizzt bateu
nela de cima para baixo, dirigindo a ponta para o chão. Mais
depressa que o ágil drow maligno poderia reagir, Drizzt girou a
lâmina completamente sobre a espada e ergueu-se, jogando o drow
para trás um passo.
Do outro lado, brilhou a cimitarra, cortando os músculos do
tríceps do espadachim. O drow aflito gritou, mas de alguma forma
segurou sua arma, embora não lhe fosse útil quando a cimitarra
voltou, gritando enquanto cortava a fina armadura de malha,
retirando uma linha de sangue no peito do drow.
Drizzt virou a lâmina em sua mão em um piscar de olhos, e a
cimitarra voltou para o outro lado, vinda do alto. Ele virou de novo e
mandou de volta pela quarta vez, e a única razão pela qual errou o
golpe foi porque a cabeça que tinha sido o alvo já tinha sido
arrancada.
Todo o tempo, a cimitarra na outra mão de Drizzt havia defendido
os ataques do outro oponente.
Vierna engasgou, assim como o soldado restante que enfrentava
Drizzt, e Drizzt teria caído sobre ele com a mesma facilidade. Ele viu
o braço de Jarlaxle se mexendo, entretanto, além da abertura
deixada pelo oponente caído.
A próxima dança de Drizzt foi por puro e furioso desespero. Sua
primeira cimitarra soou com um impacto metálico. Fulgor bateu uma
segunda adaga de lado.
Acabou em apenas um segundo, cinco adagas defletidas por um
elfo negro que nem as tinha visto conscientemente.
Jarlaxle recuou, depois começou a circular, rindo o tempo todo,
maravilhado e emocionado com a exibição impressionante e com a
batalha contínua.
Os problemas de Drizzt não terminaram, porém, porque Vierna,
implorando a Lolth para estar com ela, saltou à frente para dar apoio
ao soldado, e seu chicote com cabeças de cobra apresentou mais
problemas do que a única espada do soldado drow morto.
 

 
Regis se encolheu na forma mais apertada que conseguiu
quando viu as formas escuras deslizando silenciosamente pela
abertura da passagem lateral. O halfling relaxou quando o grupo
passou, foi corajoso o suficiente para se aproximar da entrada e
usar sua infravisão para tentar discernir se eram mais elfos negros
malignos.
Aqueles olhos vermelhos brilhantes o entregaram; um sexto
soldado estava se movendo atrás do primeiro grupo.
Regis recuou com um grito. Agarrou uma pedra em sua pequena
mão gorducha e segurou-a diante dele. Uma arma realmente
lamentável para o gosto de um elfo drow!
O elfo negro analisou cuidadosamente o halfling e o túnel no
qual estava Regis, entrando cautelosamente. Um sorriso se alargou
quando ele percebeu o aparente desamparo de Regis.
 — Já está ferido? — ele perguntou na língua comum.
Levou um momento para Regis compreender através do sotaque
pesado e impassível. Ele levantou a pedra ameaçadoramente
enquanto o drow se aproximava, ajoelhando-se ao nível de Regis e
segurando uma longa e cruel espada em uma mão, uma adaga na
outra.
O drow riu alto.
— Você vai me derrubar com sua pedrinha? — ele provocou, e
moveu os braços para fora, apresentando a Regis uma abertura fácil
para o peito. — Me acerte, então, pequeno halfling. Me divirta antes
que meu punhal talhe uma linha fina em sua garganta.
Regis, tremendo, moveu a pedra num movimento brusco, como
se quisesse aceitar a oferta do drow. Foi a outra mão do halfling que
avançou, porém, a mão que segurava a adaga que Artemis Entreri
soltara.
As joias na lâmina mortal queimavam apreciativamente, como se
a arma tivesse uma vida e fome próprias, quando passou pela bela
armadura de cota de malha e entrou profundamente na pele macia
do elfo negro pego de surpresa.
Regis piscou espantado com a facilidade com que a adaga havia
penetrado. Parecia que seu oponente usava um pergaminho fino em
vez de uma cota de malha de metal. A mão do halfling quase foi
atirada do cabo da arma quando uma onda de poder percorreu o
punhal, em seu braço. O drow tentou revidar, e Regis não teria
defesa se atacasse com qualquer uma de suas armas.
Mas o drow não o fez. Por algum motivo, não conseguiu. Seus
olhos permaneceram arregalados em choque, seu corpo sacudia-se
espasmodicamente, e pareceu a Regis como se sua própria força
vital estivesse sendo roubada. Com a boca aberta, Regis olhou para
a mais profunda expressão de horror que já vira.
Mais energia vital subiu pelo braço do halfling, que ouviu as
armas do drow caírem no chão. Regis só podia pensar em antigos
contos que seu pai dissera a respeito de assustadoras criaturas da
noite. Se sentiu como imaginava que um vampiro deveria sentir
quando se alimentava do sangue de suas vítimas, sentindo um calor
perverso passar sobre ele.
Suas feridas estavam se fechando!
A vítima drow caiu sem vida na pedra. Regis ficou olhando
fixamente para a adaga mágica. Ele estremeceu muitas vezes,
lembrando-se vividamente de cada ocasião em que quase sentira a
picada maligna daquela arma cruel.
 

 
Os dois drow se moveram silenciosamente, mas rapidamente,
pelos túneis sinuosos que os levariam a Vierna e Jarlaxle. Estavam
confiantes de que haviam escapado do anão ultrajante, não sabiam
que Pwent havia se desviado e chegado primeiro a Vierna.
Nem sabiam que outro anão entrara nos túneis, um anão de
barba vermelha cujos olhos ainda úmidos de lágrimas prometiam a
morte a qualquer inimigo que encontrasse.
Os elfos negros viraram uma curva para o túnel que os levaria
para a sala lateral, paralela ao túnel principal. Eles viram a forma
curta e larga do anão se balançando, apenas alguns passos à frente
deles, e avançaram sem medo, descontroladamente.
Os três oponentes entrelaçaram-se numa mistura confusa, o
escudo de Bruenor avançando com abandono, chicoteando seu
machado sobre ele cegamente.
— Você matou meu garoto! — o anão gritou e, embora nenhum
de seus oponentes pudesse entender a língua comum, puderam
discernir a raiva de Bruenor com clareza suficiente. Um dos drow
recuperou o equilíbrio e enfiou a espada sobre o escudo brasonado,
acertando um golpe no ombro do anão que deveria ter roubado a
força daquele braço.
Se Bruenor sabia que havia sido atingido, não demonstrou.
— Meu garoto! — ele rosnou, batendo de lado a espada do outro
drow com um golpe poderoso de seu machado pesado. O drow
substituiu aquela espada por sua segunda espada, pressionando
novamente o anão. Mas Bruenor aceitou o golpe, nem sequer
recuou, seus pensamentos puramente voltados para a morte.
Seu machado cortou em um golpe baixo. O drow saltou a lâmina,
mas Bruenor parou o balanço e virou-o na direção contrária. Tentou
pular uma segunda vez assim que aterrissou, mas o movimento de
Bruenor fora rápido demais; o anão puxou o machado ao redor do
tornozelo do drow e arqueou com toda a força, arrancando os pés
do elfo negro.
O outro drow se aproximou do anão, tentando proteger seu
companheiro caído. Sua espada cortou, cegando o anão em um dos
olhos e deixando uma cicatriz no rosto de Bruenor. Mais uma vez
Bruenor ignorou a agonia lancinante, avançou à frente a pouca
distância.
— Meu garoto! — gritou de novo, e cortou com todas as suas
forças, fazendo a lâmina de seu machado quebrar a espinha do
drow.
Bruenor ergueu o escudo bem a tempo de deter um golpe de
espada do drow de pé. Desequilibrado e arrastando-se para trás, o
anão puxou várias vezes, finalmente soltando a arma.
 

 
Cabeças de serpente pareciam se mover independentemente
umas das outras, atacando Drizzt de diferentes ângulos, disparando
e se enrolando para disparar novamente. Estimulado pela visão de
Vierna lutando ao lado dele, o drow pressionou Drizzt também, com
a espada e o punhal atacando furiosamente, para que pudesse
garantir a morte para a sacerdotisa, para a glória da perversa
Rainha Aranha.
Drizzt manteve a compostura durante o ataque, usou suas
cimitarras e seus pés em harmonia para bloquear ou desviar, e
manter seus oponentes, particularmente Vierna, longe dele.
Ele sabia que estava em apuros, especialmente quando notou
Jarlaxle, o mercenário, circulando para trás, encontrando uma
abertura entre Vierna e o soldado. Drizzt esperava outra série de
adagas voadoras, não sabendo honestamente como escaparia
delas dessa vez, com o chicote de Vierna exigindo sua atenção.
Seus medos redobraram quando viu o mercenário apontar para
ele, não com um punhal, mas com uma varinha.
— Uma pena, Drizzt Do’Urden — disse o mercenário. — Eu
daria muitas vidas para possuir um guerreiro com suas habilidades.
— e começou a entoar algo na língua drow. Drizzt tentou ir para o
lado, mas Vierna e o outro drow o atrapalhavam, mantendo-o em
linha.
Houve um clarão, um relâmpago, começando logo à frente de
Vierna e do soldado drow, que se abaixaram. Mas também veio,
assim que o mercenário proferiu as palavras corretas, uma forma
negra voadora, vinda de trás de Drizzt, que cortou o ombro do
soldado drow ao passar por ele e atravessar a abertura entre Vierna
e seu aliado.
Guenhwyvar tomou a explosão com força total, absorveu a
energia do raio antes mesmo de começar. A pantera disparou
através de sua força mágica, batendo no mercenário surpreso e
prendendo-o contra a pedra.
O súbito lampejo, a súbita aparição da pantera, não distraiu o
veterano Drizzt. Nem Vierna, tão cheia de ódio, tão obcecada com
essa matança, desviou sua atenção da batalha furiosa. O outro
drow, porém, apertou os olhos com o brilho repentino e virou a
cabeça por um instante para olhar por cima do ombro.
Naquele instante, quando o drow se voltou para a batalha,
encontrou a ponta mortal de Fulgor já passando por sua armadura e
alcançando seu coração.
O brilho durou não mais do que uma fração de segundo, e não
havia trazido muita luz para o corredor principal além da entrada da
câmara lateral, mas naquela fração de segundo, Cattibrie, agachada
mais ao fundo do corredor para observar o progresso de
Guenwyvar, viu as formas esbeltas do bando de elfos negros que se
aproximava.
Ela colocou uma flecha no ar e usou sua luz prateada para
discernir as posições exatas dos elfos negros. Seu rosto travou em
uma careta impiedosa e a jovem maltratada levantou-se atrás do
rastro prateado da flecha para começar a perseguir seus inimigos,
disparando outra flecha enquanto avançava.
A vingança por Wulfgar dominava todos os seus pensamentos.
Ela não conhecia o medo, nem sequer recuou quando ouviu a
resposta esperada das bestas de mão. Dois virotes a feriram.
Disparou outra flecha, esta pegando um elfo negro no ombro e
jogando-o no chão. Antes que sua luz se dissipasse, Cattibrie
disparou uma terceira, esta guinchando como uma banshee
enquanto se afastava das paredes de pedra do túnel trabalhado.
Ainda assim a jovem continuou andando. Ela sabia que os elfos
negros podiam vê-la a cada passo, enquanto só vislumbrava a
silhueta dos elfos quando disparava suas flechas.
O instinto lhe disse para disparar uma flecha no alto, e ela sorriu
sombriamente quando acertou um drow em levitação, pegando-o
diretamente no rosto enquanto ele se levantava, arrancando a
cabeça dele. A força do golpe girou o corpo e o fez ficar imóvel no
ar.
Cattibrie não viu sua próxima flecha disparar, e só então
percebeu que os elfos negros haviam colocado um globo de
escuridão sobre ela. Que idiotas! pensou, por que eles agora não
podiam vê-la assim como ela não podia vê-los.
Ainda assim saiu do globo, disparando novamente, matando
outro de seus inimigos.
Um virote de besta atingiu o lado de seu rosto, raspando
dolorosamente contra seu maxilar.
Cattibrie seguiu em frente, a mandíbula firme, os dentes
cerrados com força. Viu os olhos avermelhados dos dois drow
restantes se aproximando rapidamente, soube que eles tinham
desembainhado espadas e investido. Ela colocou o arco para cima,
usando seus olhos como faróis.
Um globo de escuridão caiu sobre ela.
O terror brotou dentro da jovem, mas ela lutou teimosamente,
sua expressão não mudando. Sabia que tinha apenas momentos
antes de uma espada drow mergulhar em sua direção. Sua mente
recordou as últimas posições em que tinha visto seus inimigos,
mostrou-lhe os ângulos para seu disparo.
Ela disparou outra flecha, ouviu o menor farfalhar à frente e à
esquerda, virou-se e disparou. Então atirou uma terceira e quarta
vez, sem orientação além de seu instinto, na esperança de que pelo
menos pudesse ferir os elfos negros e retardar seu progresso. Ela
caiu no chão e disparou para o lado, depois estremeceu quando a
flecha disparou na escuridão, aparentemente sem acertar nada.
Com os instintos ainda a guiando, Cattibrie rolou de costas e
disparou acima dela, ouviu um baque surdo, depois um estalo
agudo quando o projétil passou por um drow flutuante e entrou no
teto. Pedaços de entulho caíram de cima, e Cattibrie se cobriu.
Ela permaneceu em uma posição defensiva por um longo tempo,
esperando que o teto caísse sobre ela, esperando que um elfo
negro se apressasse e a cortasse.
 

 
Ele chegou com sua espada perto do anão com muito mais
frequência do que o machado volumoso do anão chegou perto de
atingi-lo, mas o solitário drow enfrentando Bruenor sabia que não
poderia vencer, não conseguiria parar este inimigo enfurecido. Ele
invocou sua magia inata e enfileirou Bruenor com chamas azuis,
incandescentes e inofensivas — fogo das fadas, eram chamadas —
distintamente delineando a forma do anão e presenteando o drow
com um alvo mais fácil.
Bruenor nem sequer recuou.
O drow veio com um impulso direto e cruel que obrigou o anão a
recuar, então virou-se e se sacudiu, pensando em colocar alguns
metros entre ele e seu inimigo, depois girou e largou um globo de
escuridão sobre o anão.
Bruenor não tentou acompanhar os passos largos do drow. Ele
pegou o machado, segurou-o com as duas mãos e puxou-o de volta
sobre sua cabeça.
— Meu garoto! — o anão gritou com toda a sua raiva, e com
todas as suas forças, arremessou o machado. Foi um movimento
ousado, um movimento oferecido pelo desespero de um pai que
perdeu seu filho. O machado de Bruenor não voltaria para ele como
Presa de Égide retornava para Wulfgar. Se o machado não atingisse
o alvo...
Ele atingiu o drow quando estava virando a curva de volta para o
túnel lateral, mergulhando em seu quadril e nas costas e
arremessando-o pelo caminho para colidir com o canto oposto. Ele
tentou se recuperar, contorcendo-se no chão por alguns instantes,
procurando por sua espada perdida e ar para respirar.
Quando a mão dele se aproximou do cabo de sua arma caída,
uma bota de anão bateu no chão, esmagando seus dedos.
Bruenor considerou o ângulo do machado colado e o jorro de
sangue derramando-se sobre a lâmina da arma:
— Você está morto — disse friamente para o elfo negro, e
arrancou a arma, produzindo um estalo doentio.
O drow ouviu as palavras distantes, mas sua mente havia se
desligado naquele momento, seus pensamentos se afastando com
tanta certeza quanto o sangue de sua vida.
 

 
Vierna não cedeu quando seu companheiro caiu morto, não
mostrou sinais de que se importava com a súbita virada da batalha.
O estômago de Drizzt revirou-se ante a visão de sua irmã, suas
feições trancadas no ódio que a Rainha Aranha tantas vezes
fomentava, uma fúria além da razão, além da consciência e do bom
senso.
Porém, Drizzt não deixou que sua ambivalência afetasse sua
habilidade, não depois que Vierna proclamou seus amigos mortos.
Ele acertou as cabeças das cobras com frequência, mas não com
força suficiente para danificar seriamente qualquer uma.
Uma cravou as presas em seu braço. Drizzt sentiu o
formigamento entorpecente e sacudiu a outra lâmina para cortar a
coisa.
O movimento deixou seu flanco oposto aberto, e uma segunda
cabeça o acertou no ombro. Uma terceira veio para o lado de seu
rosto.
Seu golpe de costas de mão arrancou a cabeça da víbora mais
próxima e afastou a outra cobra atacante.
O chicote de Vierna tinha apenas três cabeças restantes, mas os
golpes abalaram Drizzt. Ele balançou para trás alguns passos,
encontrou algum apoio na parede sólida ao longo do lado da
entrada. O ranger olhou para o ombro, horrorizado ao ver a cabeça
decepada da serpente ainda agarrada nele, suas presas
profundamente enterradas em sua carne.
Só então Drizzt notou os familiares lampejos prateados de
Taulmaril, o arco de Cattibrie. Guenhwyvar estava viva e por perto;
Cattibrie estava no corredor, lutando; e, de algum lugar no outro
corredor, ao lado direito da pequena câmara, Drizzt ouviu o
inconfundível rugido da litania de fúria de Bruenor Martelo de
Batalha.
— Meu garoto!
— Você disse que eles estavam mortos — Drizzt disse para
Vierna. Ele se firmou contra a parede.
— Eles não importam! — Vierna gritou de volta, obviamente tão
impressionada quanto Drizzt pela revelação. — Você é tudo que
importa, você e as glórias que sua morte me trará! — ela lançou-se
para a frente na direção de seu irmão ferido, três cabeças de cobra
liderando o caminho.
Drizzt encontrara sua força novamente, na presença de seus
amigos, sabendo que eles também estavam envolvidos nessa luta e
precisariam que ele vencesse.
Em vez de atacar ou deslizar, Drizzt deixou as cabeças de cobra
virem para ele. Ele foi mordido novamente, duas vezes, mas Fulgor
dividiu a cabeça de uma víbora no meio, deixando seu pescoço
rasgado se contorcendo inutilmente.
Drizzt chutou a parede, fazendo Vierna recuar surpresa. Ele
atacava com as lâminas com rapidez e força, mirando sempre nas
cobras do chicote de Vierna, embora, mais de uma vez, sentisse
que poderia ter passado pelas defesas de sua irmã e atingido um
golpe em seu corpo.
Outra cabeça de cobra caiu no chão.
Vierna tornou a atacar com o chicote dizimado, mas uma
cimitarra cortou profundamente seu antebraço antes que pudesse
atacar com a cabeça de serpente restante. A arma voou para o
chão. A serpente se contorcendo se tornou uma correia sem vida
assim que o chicote deixou a mão de Vierna.
Vierna sibilou — ela parecia um animal — para Drizzt, suas
mãos vazias agarrando o ar repetidamente.
Drizzt não avançou imediatamente, não precisou, pois a ponta
mortal de Fulgor estava a poucos centímetros do peito vulnerável de
sua irmã.
A mão de Vierna se contraiu em direção ao cinto, onde
aguardavam maças gêmeas, esculpidas em intrincadas runas de
teias de aranha. Drizzt podia adivinhar o poder daquelas armas, e
lembrava muito bem de seus dias em Mezoberranzan da habilidade
de Vierna em usá-las.
— Não — ele ordenou, indicando as armas.
— Nós dois fomos treinados por Zaknafein — lembrou-lhe
Vierna, e a menção de seu pai feriu Drizzt. — Você tem medo de
descobrir quem melhor aprendeu as muitas lições?
— Nós dois éramos filhos de Zaknafein — retrucou Drizzt,
tirando a mão de Vierna do cinto com a lâmina furiosa de Fulgor. —
Não continue isso e desonre-o. Há uma maneira melhor, minha
irmã, uma luz que você ainda pode conhecer.
A gargalhada de Vierna zombou dele. Ele realmente acreditava
que poderia reformá-la, uma sacerdotisa de Lolth?
— Não! — Drizzt comandou com mais força quando a mão de
Vierna se aproximou novamente da maça mais próxima.
Ela alcançou a maça. Fulgor cintilou através de seu peito,
através de seu coração, sua ponta sangrenta saindo pelas costas.
Drizzt estava bem a sua frente, segurando os braços dela com
força, apoiando-a quando suas pernas falharam.
Eles se encararam, sem piscar, enquanto Vierna caía lentamente
no chão. Sua raiva, sua obsessão, fora substituída por um olhar de
serenidade, uma expressão rara no rosto de um drow.
— Sinto muito — foi tudo o que Drizzt conseguiu murmurar.
Vierna sacudiu a cabeça, recusando qualquer pedido de
desculpas. Para Drizzt, parecia que a parte enterrada da elfa, a
parte que era filha de Zaknafein Do’Urden, aprovava esse final.
Os olhos de Vierna então se fecharam para sempre.
CAPÍTULO 24

Revelações
 
— MUITO BEM. — as palavras vieram até Drizzt
inesperadamente, fez com que percebesse que, ainda que Vierna
estivesse morta, a batalha ainda não havia sido vencida. Ele pulou
para o lado, cimitarras surgindo defensivamente diante dele. 
Ele abaixou as armas quando analisou Jarlaxle, o mercenário
sentado encostado na parede mais distante da câmara, uma perna
saindo para o lado em um ângulo estranho.
— A pantera — explicou o mercenário, falando a língua comum
tão fluida como se tivesse passado a vida na superfície. — Achei
que seria morto. A pantera me derrubou. — Jarlaxle deu de ombros.
— Talvez meu relâmpago tenha ferido a fera. — A menção do
relâmpago lembrou Drizzt da varinha, e que esse drow ainda era
muito perigoso.
Ele desceu agachado, circulando defensivamente.
Jarlaxle estremeceu de dor e segurou a mão vazia na frente dele
para acalmar o ranger alerta.
— A varinha está guardada — ele assegurou a Drizzt. — Eu não
teria desejo de usá-la se tivesse você indefeso... Como você
acredita que eu estou.
— Você queria me matar — Drizzt respondeu friamente.
Novamente o mercenário deu de ombros e um sorriso se alargou
em seu rosto.
— Vierna teria me matado se vencesse e eu não a tivesse
ajudado — ele explicou calmamente. — E, por mais habilidoso que
você seja, achei que ela venceria.
Parecia bastante lógico, e Drizzt sabia muito bem que o
pragmatismo era um traço comum entre os elfos negros.
— Lolth ainda te recompensaria pela minha morte —
argumentou Drizzt.
— Eu não sou escravo da Rainha Aranha — Jarlaxle respondeu.
— Sou um oportunista.
— Você fez uma ameaça?
O mercenário riu alto, então estremeceu novamente com a
pulsação em sua perna quebrada.
Bruenor correu para a câmara pela passagem lateral. Ele olhou
para Drizzt, depois se concentrou em Jarlaxle, sua raiva ainda não
esgotada.
— Pare! — Drizzt comandou-o quando o anão partiu para o
mercenário aparentemente indefeso.
Bruenor parou e lançou um olhar frio para Drizzt, um olhar mais
agourento pelo rosto rasgado do anão, com o olho direito mal
cortado e uma linha de sangue correndo do alto da testa até a parte
de baixo da bochecha esquerda.
— Não estamos precisando de prisioneiros — resmungou
Bruenor.
Drizzt considerou o veneno na voz de Bruenor e considerou o
fato de não ter visto Wulfgar em nenhum lugar dessa luta.
— Onde estão os outros?
— Estou bem aqui — respondeu Cattibrie, entrando na câmara
do túnel principal, atrás de Drizzt.
Drizzt virou-se para vê-la, seu rosto sujo e expressão
incrivelmente sombria revelando muito.
— Wulf-- — ele começou a perguntar, mas Cattibrie balançou a
cabeça solenemente, como se não pudesse suportar ouvir o nome
pronunciado em voz alta. Ela caminhou perto de Drizzt e ele
estremeceu, vendo o pequeno virote ainda preso à lateral de sua
mandíbula.
Drizzt gentilmente acariciou o rosto de Cattibrie, depois pegou o
dardo obsceno e o soltou. Ele levou a mão imediatamente ao ombro
da jovem, prestando-lhe apoio enquanto ondas de náusea e dor
tomavam conta dela.
— Eu rezo para não ter ferido a pantera — Jarlaxle interrompeu
— uma fera magnífica, de fato!
Drizzt se virou, seus olhos lavanda faiscando.
— Ele está provocando você — comentou Bruenor, seus dedos
movendo-se avidamente sobre o cabo de seu machado
ensanguentado — implorando por misericórdia sem implorar de
verdade.
Drizzt não tinha tanta certeza. Ele conhecia os horrores de
Menzoberranzan, sabia o quão longe um drow iria para sobreviver.
Seu próprio pai, Zaknafein, o drow que Drizzt mais amara, tinha sido
um assassino, servira como o assassino de Matriarca Malícia por
um simples desejo de sobreviver. Será que esse mercenário era de
um pragmatismo semelhante?
Drizzt queria acreditar nisso. Com Vierna morta a seus pés, sua
família, seus laços com sua herança, não existiam mais, e queria
acreditar que não estava sozinho no mundo.
— Mate o cão ou o arrastamos de volta — resmungou Bruenor,
com a paciência esgotada.
— Qual seria a sua escolha, Drizzt Do’Urden? — Jarlaxle
perguntou calmamente.
Drizzt analisou Jarlaxle mais uma vez. Ele não era muito
parecido com o Zaknafein, decidiu, porque se lembrava da raiva do
pai quando surgiram os rumores de que Drizzt havia matado elfos
da superfície. Havia de fato uma diferença inegável entre Zaknafein
e Jarlaxle. Zaknafein matou apenas aqueles que acreditava merecer
a morte, somente aqueles que serviam Lolth ou outros lacaios do
mal. Ele não teria ficado ao lado de Vierna nessa caçada.
A fúria súbita que se formou em Drizzt quase o levou a correr até
o mercenário. Porém, ele conteve o impulso, lembrando-se
novamente do peso de Menzoberranzan, o fardo do mal penetrante
que curvava as costas daqueles poucos elfos negros que não eram
de natureza tão maligna. Zaknafein admitira a Drizzt que quase se
perdera nos caminhos de Lolth muitas vezes, e em sua própria
jornada pelo Subterrâneo Drizzt Do’Urden muitas vezes temia se
tornar aquilo que teria, aquilo que tinha, se tornado.
Como poderia julgar esse elfo negro? As cimitarras voltaram
para as bainhas.
— Ele matou meu garoto! — Bruenor rugiu, aparentemente
entendendo as intenções de Drizzt.
Drizzt sacudiu a cabeça resolutamente.
— Misericórdia é uma coisa curiosa, Drizzt Do’Urden — Jarlaxle
comentou. — Força ou fraqueza?
— Força — Drizzt respondeu rapidamente.
— Pode salvar sua alma — respondeu Jarlaxle — ou condenar
seu corpo. — Ele apontou o chapéu de abas largas para Drizzt,
depois se moveu de repente, seu braço saindo de sua capa. Algo
pequeno bateu o chão na frente de Jarlaxle, explodindo, enchendo
aquela área da câmara com fumaça opaca.
— Maldito! — Cattibrie rosnou, e disparou uma flecha que cortou
a névoa e bateu na pedra da parede mais distante. Bruenor entrou
correndo, o machado batendo descontroladamente, mas não havia
nada para acertar. O mercenário se fora.
Quando Bruenor saiu da fumaça, tanto Drizzt quanto Cattibrie
estavam de pé sobre a forma inclinada de Thibbledorf Pwent.
— Morto? — perguntou o rei anão.
Drizzt se inclinou para o furioso de batalha, lembrou-se de que
Pwent fora atingido violentamente pelo chicote de cabeças de
cobras de Vierna.
— Não — ele respondeu. — Os chicotes não são projetados
para matar, apenas para paralisar.
Seus ouvidos aguçados captaram as palavras quando Bruenor
murmurou baixinho:
— Que pena.
Levaram alguns instantes para reviver o furioso de batalha.
Pwent levantou-se — e imediatamente caiu de novo. Ele conseguiu
se levantar de novo, acabrunhado até que Drizzt cometeu o erro de
agradecer a valiosa ajuda.
No corredor principal, encontraram os cinco drows mortos, um
ainda pendurado perto do teto na área onde o globo das trevas
havia estado. A explicação de Cattibrie de onde esse pequeno
grupo tinha vindo enviou um arrepio através de Drizzt.
— Regis — ele sussurrou, e correu pelo corredor, para a
passagem lateral onde havia deixado o halfling.
Lá estava Regis, aterrorizado, meio enterrado sob um drow
morto, segurando firmemente a adaga adornada de joias na mão.
— Vamos, meu amigo — o aliviado Drizzt disse a ele. — É hora
de irmos para casa.
 

 
Os cinco companheiros exaustos se apoiaram um no outro
enquanto percorriam devagar e silenciosamente os túneis. Drizzt
olhou em volta para o grupo maltrapilho, para Bruenor com um olho
fechado e Pwent ainda com problemas para coordenar os músculos.
O próprio pé de Drizzt latejava dolorosamente. A percepção da
ferida ficou mais clara à medida que a descarga de adrenalina da
batalha diminuía lentamente. Não eram os problemas físicos que
mais alarmavam o ranger drow, porém. O impacto da perda de
Wulfgar parecia ter sido totalmente absorvido por todos aqueles que
haviam sido seus companheiros.
Cattibrie seria capaz de invocar sua raiva mais uma vez, de
ignorar o espancamento emocional que sofrera e lutar com todo o
seu coração? Será que Bruenor, tão perversamente ferido que
Drizzt não tinha certeza de que voltaria ao Salão de Mitral vivo, seria
capaz de se guiar através de mais uma batalha?
Drizzt podia não ter certeza, e seu suspiro de alívio foi sincero
quando o General Dagna, à frente da cavalaria dos anões e de suas
montarias roncadoras, contornou a curva do túnel à frente.
Bruenor se permitiu desmoronar com a visão, e os anões fora
rápidos em acudir o rei machucado e Regis, amarrá-los a javalis de
guerra e conduzi-los para fora do complexo indomável. Pwent
também aceitou as rédeas de um porco, mas Drizzt e Cattibrie não
tomaram um caminho direto de volta ao Salão de Mitral.
Acompanhado por três cavaleiros anões deslocados, inclusive o
General Dagna, a jovem levou Drizzt à fatídica caverna de Wulfgar.
Não poderia haver dúvida, Drizzt percebeu assim que olhou para
a alcova desmoronada. Sem dúvida, sem alívio. Seu amigo se fora
para sempre.
Cattibrie relatou os detalhes da batalha, teve que parar por um
longo tempo antes de reunir a voz para contar o final corajoso de
Wulfgar.
Ela então olhou para a pilha de escombros, silenciosamente
disse:
— Adeus — e saiu da câmara com os três anões.
Drizzt ficou sozinho por muitos minutos, olhando impotente. Ele
mal podia acreditar que o poderoso Wulfgar estivesse lá embaixo. O
momento parecia irreal para ele, contra sua sensibilidade.
Mas era real.
E Drizzt estava impotente.
Ondas de culpa atingiram o drow, a percepção que havia
causado a caçada de sua irmã e, portanto, causara a morte de
Wulfgar. Ele sumariamente descartou os pensamentos, recusando-
se a tê-los novamente.
Agora era a hora de despedir-se de seu companheiro, seu
querido amigo. Queria estar com Wulfgar, ao lado do jovem bárbaro
e consolá--lo, guiá-lo, compartilhar mais uma piscadela maliciosa e
corajosamente enfrentar juntos quaisquer mistérios que a morte lhes
apresentasse.
— Adeus, meu amigo — sussurrou Drizzt, tentando futilmente
impedir que sua voz se quebrasse. — Esta jornada você vai fazer
sozinho.
 

 
O retorno ao Salão de Mitral não foi um momento de
comemoração para os amigos cansados e exaustos. Eles não
podiam reivindicar a vitória sobre o que acontecera nos túneis
inferiores. Cada um dos quatro, Drizzt, Bruenor, Cattibrie e Regis,
mantinha uma perspectiva diferente sobre a perda de Wulfgar, pois
o relacionamento do bárbaro tinha sido muito diferente para cada
um deles — como um filho de Bruenor, um noivo para Cattibrie, um
camarada para Drizzt, um protetor para Regis.
As feridas físicas de Bruenor eram as mais sérias. O rei anão
perdera um olho e carregaria uma cicatriz azul-avermelhada da
testa até a linha do maxilar pelo resto de seus dias. As dores físicas,
no entanto, eram o menor dos problemas de Bruenor.
Muitas vezes nos dias seguintes, o robusto anão de repente se
lembrava de algum arranjo a ser feito com o clérigo que presidiria o
casamento, apenas para lembrar que Cobble não estaria lá para
ajudá-lo a resolver as coisas, lembrar que não haveria casamento
naquela primavera no Salão de Mitral.
Drizzt via o intenso pesar gravado no rosto do anão. Pela
primeira vez nos anos em que conhecia Bruenor, o ranger pensou
que o anão parecia velho e cansado. Drizzt mal podia suportar olhar
para ele, mas seu coração se partiu ainda mais quando passava por
Cattibrie.
Ela era jovem e cheia de vida e se sentindo imortal. Agora a
percepção de Cattibrie do mundo havia sido destruída.
Os amigos mantiveram-se em silêncio à medida que as longas
horas intermináveis se arrastavam. Drizzt, Bruenor e Cattibrie se
viam raramente, e nenhum deles via Regis.
Nenhum deles sabia que o halfling havia saído do Salão de
Mitral, na saída oeste, para o Vale do Guardião.
 

 
Regis avançou para um esporão rochoso, quinze metros acima
do chão irregular do extremo sul de um vale comprido e estreito. Ele
encontrou uma figura flácida, pendurada pelos farrapos de um
manto rasgado. O halfling estava na parte acima da coisa, perto da
pedra exposta enquanto os ventos o golpeavam. Para sua surpresa,
o homem abaixo dele se mexeu ligeiramente.
— Vivo? — o halfling sussurrou com aprovação. Entreri, com o
corpo obviamente quebrado e rasgado, estava pendurado por mais
de um dia. — Ainda está vivo? — sempre cauteloso, especialmente
quando se tratava de Artemis Entreri, Regis tirou a adaga com joias
e colocou sua lâmina de afiada sob a costura restante do manto
para que um movimento de seu pulso fizesse o assassino perigoso
se soltar.
Entreri conseguiu inclinar a cabeça para o lado e gemer
fracamente, embora não conseguisse encontrar forças para formar
palavras.
— Você tem algo meu — Regis disse.
O assassino se virou um pouco mais, esforçando-se para vê-lo,
e Regis estremeceu e recuou um pouco ante a visão grotesca do
rosto destroçado do homem. Sua bochecha esmigalhada, a pele
arrancada do lado do rosto, o assassino obviamente não podia ver
além do olho que havia virado na direção de Regis.
E Regis tinha certeza de que o homem, com os ossos
quebrados, a agonia atacando-o de cada ferida berrante, nem sabia
que não podia ver.
— O pingente de rubi — disse Regis, com mais força,
observando a pedra preciosa hipnótica que pendia na corrente
usada por Entreri.
Entreri aparentemente compreendeu, pois sua mão avançou em
direção ao item, mas caiu frouxa, fraca demais para continuar.
Regis sacudiu a cabeça e pegou a bengala. Mantendo a adaga
firme contra o manto, ele alcançou abaixo e cutucou Entreri.
O assassino não respondeu.
Regis o cutucou de novo, com muito mais força, depois várias
vezes antes de se convencer de que o assassino estava de fato
indefeso. Com o sorriso largo, Regis enganchou a ponta da bengala
sob a corrente em volta do pescoço do assassino e inclinou-a
gentilmente para o lado de fora, levantando o pingente.
— Qual é a sensação? — Regis perguntou enquanto pegava seu
rubi. Ele cutucou o bastão, acertando Entreri na parte de trás da
cabeça.
— Qual é a sensação de estar indefeso, prisioneiro dos
caprichos de outra pessoa? Quantos outros você colocou na
posição que você desfruta agora? — Regis o cutucou de novo. —
Uma centena?
Regis se moveu para atacar de novo, mas depois percebeu algo
de valor pendurado em uma corda do cinto do assassino. Recuperar
este item seria muito mais difícil do que pegar o pingente, mas
Regis era um ladrão, afinal, e se orgulhava (secretamente, é claro)
de ser bom nisso. Ele enrolou a corda de seda na pedra e desceu,
colocando o pé nas costas de Entreri para se equilibrar.
A máscara era dele.
Por via das dúvidas, o halfling ladrão enfiou as mãos nos bolsos
do assassino, encontrando uma pequena bolsa e uma pedra
preciosa bastante valiosa.
Entreri gemeu e tentou se virar. Assustado com o movimento,
Regis estava de volta ao esporão de pedra em um piscar de olhos, a
adaga novamente firmemente contra a costura esfarrapada da capa.
— Eu poderia mostrar misericórdia — observou o halfling,
olhando para cima, para os abutres que circulavam no alto, os
carniceiros que mostraram o caminho até Entreri. — Eu poderia
trazer Bruenor e Drizzt para levar você. Talvez você tenha
informações que possam ser valiosas.
As lembranças de Regis sobre as torturas de Entreri voltaram
quando ele percebeu sua própria mão, com dois dedos a menos,
que o assassino havia cortado — com a própria adaga que Regis
segurava agora. Que beleza irônica, pensou Regis.
— Não — por fim decidiu. — Eu não me sinto particularmente
misericordioso hoje — ele olhou para cima novamente. — Deveria
deixar você pendurado aqui para os abutres devorarem — disse.
Entreri não reagiu de modo algum.
Regis sacudiu a cabeça. Ele poderia ser frio, mas não a esse
nível, não ao nível de Artemis Entreri.
— As asas encantadas salvaram você quando Drizzt deixou
você cair — disse — mas elas não existem mais! — Regis sacudiu o
pulso, cortando a costura restante da capa e deixou o peso do
assassino fazer o resto.
O assassino ainda estava pendurado quando Regis se afastou
do esporão, mas o manto começou a rasgar.
Artemis Entreri ficara sem truques.
CAPÍTULO 25

Provocação de Anão
 
MATRIARCA BAENRE SENTOU-SE CONFORTAVELMENTE na
cadeira almofadada, com seus dedos murchos batendo
impacientemente nos braços duros de pedra do assento. Uma
cadeira semelhante, a única outra mobília naquela sala particular de
reuniões, descansava em sua frente, e nela estava o mais
extraordinário mercenário.
Jarlaxle tinha acabado de voltar do Salão de Mitral com um
relatório que Matriarca Baenre aguardava.
— Drizzt Do’Urden continua livre — ela murmurou baixinho.
Estranhamente, parecia a Jarlaxle como se tal fato não
desagradasse a Matriarca Mãe conivente. O que Baenre estava
aprontando desta vez, o mercenário se perguntou.
— Eu culpo Vierna — Jarlaxle disse calmamente. — Ela
subestimou as artimanhas de seu irmão mais novo — deu uma
risada maliciosa. — E pagou com a vida por seu erro.
— Eu culpo você — Matriarca Baenre rapidamente mencionou.
— Como você vai pagar?
Jarlaxle não sorriu, mas simplesmente retornou a ameaça com
um olhar sólido. Ele conhecia Baenre bem o suficiente para
entender que, como um animal, ela podia farejar o medo, e tal
cheiro muitas vezes guiava suas próximas ações.
Matriarca Baenre devolveu o olhar severo, os dedos
tamborilando.
— Os anões se organizaram contra nós mais depressa do que
acreditávamos que aconteceria — prosseguiu o mercenário depois
de alguns momentos incômodos de silêncio. — Suas defesas eram
fortes, assim como sua determinação e, aparentemente, sua
lealdade a Drizzt Do’Urden. Meu plano — ele enfatizou a referência
pessoal — funcionou perfeitamente. Nós levamos Drizzt Do’Urden
sem muita dificuldade. Mas Vierna, contra meus desejos, permitiu
ao espião humano o seu combate antes que ela estivesse longe o
suficiente do Salão de Mitral. Ela não entendia a lealdade dos
amigos de Drizzt Do’Urden.
— Você foi enviado para resgatar Drizzt Do’Urden — disse a
Matriarca Baenre baixo demais. — Drizzt não está aqui. Logo, você
falhou.
Jarlaxle ficou em silêncio mais uma vez. Não havia sentido em
argumentar a lógica de Matriarca Baenre, pois ela não precisava de
aprovação e não buscava nenhuma, em qualquer de suas ações.
Aquela era Menzoberranzan e, na cidade drow, a Matriarca Baenre
não tinha iguais.
Ainda assim, Jarlaxle não temia que a matriarca decrépita o
matasse. Ela continuou com o ataque verbal, a voz subindo em um
grito no momento em que terminou com a bronca, mas por trás de
tudo, Jarlaxle teve a nítida impressão de que ela estava se
divertindo. O jogo continuava, afinal; Drizzt Do’Urden permanecia
livre e esperando para ser pego, e Jarlaxle sabia que a Matriarca
Baenre não veria a perda de umas duas dúzias de soldados —
machos, na verdade — e Vierna Do’Urden como um preço alto.
Matriarca Baenre então começou a discutir as muitas maneiras
que poderia torturar Jarlaxle até a morte — ela preferia o roubo de
pele, um método drow de esfolar da vítima, um centímetro de cada
vez, usando vários ácidos e facas dentadas especialmente
projetadas para isso.
Jarlaxle fez tudo o que pode para segurar o riso com tal ideia.
Matriarca Baenre parou de repente, e o mercenário temeu que
ela tivesse percebido que ele não estava levando-a a sério. Isso,
Jarlaxle sabia, poderia ser um erro fatal. Baenre não se importava
com Vierna nem com os machos mortos; ela aparentemente estava
satisfeita por Drizzt ainda estar à solta. Mas ferir seu orgulho era
certamente morrer de forma lenta e agonizante.
A pausa de Baenre continuou interminável; ela até desviou o
olhar. Quando voltou para Jarlaxle, ele soltou um suspiro sincero de
alívio, pois ela estava à vontade, sorrindo amplamente como se algo
tivesse acabado de lhe ocorrer.
— Não estou satisfeita — disse, uma mentira óbvia — mas vou
perdoar sua falha desta vez. Você trouxe informações valiosas.
Jarlaxle sabia a quem ela estava se referindo.
— Deixe-me — disse ela, acenando com a mão com aparente
desinteresse.
Jarlaxle preferiria ficar mais tempo, para ter uma ideia do que a
lindamente conivente Matriarca Mãe poderia estar tramando. Ele,
porém, era esperto demais para contradizer Baenre quando ela
estava com um humor tão curioso. Jarlaxle havia sobrevivido como
um renegado por séculos porque sabia quando deveria partir.
Ele levantou-se da cadeira e aliviou seu peso sobre uma perna
quebrada, então estremeceu e quase caiu no colo de Baenre.
Balançando a cabeça, Jarlaxle pegou a bengala.
— Triel não curou complentamente — disse o mercenário,
desculpando-se. — Ela tratou meu ferimento, como você instruiu,
mas não senti que toda a sua energia estava no feitiço.
— Você merece, tenho certeza — foi tudo que a fria Matriarca
Baenre iria oferecer, e acenou para Jarlaxle sair mais uma vez.
Baenre provavelmente instruiu sua filha a deixá-lo com dor, e
provavelmente estava tendo grande prazer em vê-lo mancar pela
sala.
Assim que a porta se fechou atrás do mercenário em partida,
Matriarca Baenre deu uma risada sincera. Baenre tinha sancionado
a tentativa de capturar Drizzt Do’Urden, mas isso não significava
que esperava que tivesse sucesso. Na verdade, a decrépita
Matriarca Mãe esperava que tudo saísse exatamente como saiu.
— Você não é um tolo, Jarlaxle. É por isso que deixo você viver
— disse à sala vazia. — Você deve perceber agora que a situação
atual não é sobre Drizzt Do’Urden. Ele é um inconveniente, um
mosquito e quase não é digno dos meus pensamentos.
— Mas ele é uma desculpa conveniente — continuou a
Matriarca, mexendo num dente largo de anão, preso a um anel e
pendurado numa corrente no pescoço. Baenre estendeu a mão e
soltou o fecho do colar, depois segurou o item na palma da mão e
entoou baixinho, usando a antiga língua anã.
 
Para todos os anões em todos os reinos
Escudos pesados, e elmos brilhantes que verei
Martelos acertando, ouça-os ressoando
Saia, meu prêmio, meu atormentado rei!
 
Um redemoinho de fumaça azulada apareceu na ponta do dente
anão. A névoa ganhou tamanho e velocidade enquanto os segundos
passavam. Logo, um pequeno tornado se levantou da mão da
matrona Baenre. Inclinou-se para longe pela ordem mental,
intensificando-se em velocidade e luz, crescendo à medida que se
estendia para fora. Depois de alguns momentos, se libertou do
dente e rodopiou no meio da sala, onde brilhava uma luz azul
intensa.
Gradualmente, formou-se uma imagem no meio daquele
redemoinho: um velho anão de barba grisalha parado muito quieto
no vórtice, as mãos levantadas cerradas com força.
O vento, a luz azul, desapareceu, deixando o espectro do antigo
anão. Não era uma imagem sólida, apenas translúcida, mas os
detalhes distintivos do fantasma — a barba grisalha tingida de
vermelho e os olhos cinza aço — mostravam-se claramente.
— Gandalug Martelo de Batalha — disse a matriarca Baenre
imediatamente, utilizando o poder vinculativo do verdadeiro nome do
anão para manter o espírito inteiramente sob seu comando. Diante
dela estava o primeiro rei do Salão de Mitral, o patriarca do Clã
Martelo de Batalha.
O anão antigo olhou para o sua velha inimiga, com os olhos
retesados pelo ódio.
— Já faz muito tempo — provocou Baenre.
— Eu passaria por uma eternidade de tormento enquanto tivesse
a garantia de que você não estaria lá, bruxa drow! — o fantasma
respondeu com sua voz grave. — Eu...
Uma onda de mão de Matriarca Baenre silenciou o espírito irado.
— Eu não o chamei para ouvir suas queixas — respondeu. — Eu
pensei em oferecer-lhe algumas informações que você pode achar
interessantes.
O espírito virou de lado e inclinou a cabeça barbuda para olhar
por cima do ombro, prontamente evitando olhar para Baenre.
Gandalug tentava parecer indiferente, distante, mas, como a maioria
dos anões, o velho rei não era tão bom em esconder seus
verdadeiros sentimentos.
— Ora, querido Gandalug — provocou Baenre. — Como a
espera deve ser chata para você! Séculos se passaram enquanto
você esteve em sua prisão. Certamente se importa em saber como
seus descendentes estão. — Gandalug fez uma pose pensativa
sobre o outro ombro, tornando a olhar para Matriarca Baenre. Como
odiava aquela drow decrépita! Porém, mencionar seus
descendentes o alarmou, não podia negar. A herança era o mais
importante para qualquer anão respeitável, mesmo acima de pedras
preciosas e joias, e Gandalug, como o patriarca de seu clã,
considerava cada anão que se aliava ao Clã Martelo de Batalha
como um de seus próprios filhos.
Ele não conseguia esconder sua preocupação.
— Você esperava que eu me esquecesse do Salão de Mitral? —
Baenre perguntou provocativamente. — Fazem apenas dois mil
anos, velho rei.
— Dois mil anos — Gandalug cuspiu de volta enojado. — Por
que você não apenas morre, bruxa velha?
— Logo — Baenre respondeu e acenou ante a verdade de sua
própria declaração —, mas não antes de completar o que comecei
dois mil anos atrás.
— Você se lembra daquele dia fatídico, velho rei? — ela
continuou, e Gandalug estremeceu, entendendo que ela pretendia
fazê-lo novamente, abrir velhas feridas e deixar o anão em total
desespero.
 
Quando os corredores eram novos, quando os veios eram fartos,
Paredes reluzentes, com prata escorregadia,
Quando o rei era jovem, a aventura era fresca
e seus parentes cantavam como um só,
Quando Gandalug governava do trono de mitral,
o Clã Martelo de Batalha havia começado.
 
Compelido pela magia do entoar contínuo de Matriarca Baenre,
Gandalug Martelo de Batalha percebeu seus pensamentos correndo
soltos pelos corredores do passado distante, de volta à época da
fundação do Salão de Mitral, de volta a quando ele olhava para a
frente com esperança para seus filhos, e seus filhos depois deles.
De volta ao tempo logo antes de conhecer Yvonnel Baenre.
 

 
Gandalug ficou observando o entalhe enquanto os anões
ocupados do Clã Martelo de Batalha cavavam as paredes inclinadas
da grande caverna, entalhando os degraus que se tornariam a
Cidade Baixa do Salão de Mitral. Essa foi a visão de Bruenor, o
terceiro filho de Gandalug, o maior herói do clã, que liderou a
procissão que trouxe os milhares de anões àquele lugar.
— Você fez bem em entregar a Bruenor — comentou o anão
sujo ao lado do rei idoso, referindo-se à decisão de Gandalug de
conceder seu trono a Bruenor, e não aos seus irmãos mais velhos.
Ao contrário de muitas das raças, os anões não atribuíam
automaticamente sua herança ou títulos ao primogênito, adotando a
abordagem mais pragmática de escolher o que achavam mais
adequado.
Gandalug assentiu e ficou contente. Ele estava velho, já tinha
passado dos quatro séculos e estava cansado. A busca de sua vida
tinha sido estabelecer seu próprio clã, o clã Martelo de Batalha, e
passara a maior parte de dois séculos buscando a localização
apropriada para um reino. Pouco depois do clã Martelo de Batalha
ter dominado e estabelecido o Salão de Mitral, Gandalug começou a
ver a verdade e começou a perceber que seu tempo e seu dever
estavam acabando. Suas ambições foram satisfeitas e, portanto,
contentadas; Gandalug descobriu que não poderia reunir a energia
para se adequar aos planos que seus filhos e os anões mais jovens
prepararam diante dele, planos para a grande Cidade Baixa, para
uma ponte que atravessasse o enorme abismo do complexo no
extremo leste, para uma cidade acima do solo, ao sul das
montanhas, para servir como um elo de troca com os reinos
circunvizinhos.
Tudo soava maravilhoso para Gandalug, é claro, mas ele não
tinha o desejo de passar por isso.
O velho de barba grisalha, o cabelo e os bigodes ainda exibindo
indícios de seu antigo vermelho flamejante, virou um olhar
apreciativo para seu querido companheiro. Através desses dois
séculos, Gandalug não poderia ter pedido um melhor companheiro
de viagem do que Crommower Pwent, e agora, com mais uma
jornada diante dele, o rei que havia descido do trono estava feliz
com a companhia.
Ao contrário do real Gandalug, Crommower estava sujo. Ele
usava uma barba, ainda preta, e mantinha a cabeça raspada, de
modo que seu imenso elmo pontudo ficasse bem apertado. “Não
posso correr por aí com meu elmo frouxo, né?” Crommower gostava
de dizer. E, com toda a verdade, Crommower Pwent adorava se
esbarrar em coisas. Ele era um furioso de batalha, um anão com
uma visão singular do mundo. Se alguém ameaçasse seu rei ou
insultasse seus deuses, ele o mataria, simples assim. Ele abaixava
a cabeça e espetava o inimigo, golpeava o inimigo com as pontas
das manoplas, com os cravos dos cotovelos, com os espigões dos
joelhos. Ele arrancaria com uma mordida a orelha do inimigo, a
língua do inimigo, e até a cabeça do inimigo, se pudesse. Ele
arranhava e rasgava e chutava e cuspia, mas acima de tudo, ele
vencia.
Gandalug, cuja vida tinha sido dura no mundo indomável,
valorizava Crommower acima de todos os outros em seu clã,
mesmo acima de seus preciosos e leais filhos. Essa visão não era
compartilhada entre o clã. Alguns dos anões, robustos como eram,
mal podiam tolerar o odor de Crommower, e o barulho da armadura
coberta de pontas afiadas do furioso era tão desagradável quanto o
som de unhas arranhando um pedaço de ardósia.
Dois séculos viajando ao lado de alguém, lutando ao lado de
alguém, muitas vezes em situações desesperadas, tendem a fazer
com que tais fatos sejam pequenos.
— Venha, meu amigo — disse o velho Gandalug. Ele já havia se
despedido de seus filhos, de Bruenor, o novo rei do Salão de Mitral
e de todo o seu clã. Agora era a hora de viajar novamente, com
Crommower ao seu lado, como havia sido por tantos anos. — Eu
vou expandir os limites do Salão de Mitral — proclamou Gandalug
—, para buscar mais riquezas para meu clã — e assim os anões
comemoraram, mas mais de um olho tinha ficado choroso naquele
dia, pois todos os anões entendiam que Gandalug não voltaria para
casa.
— Acha que vamos conseguir uma boa luta ou duas nessa
jornada? — Crommower perguntou ansiosamente enquanto
caminhava ao lado de seu amado rei, sua armadura gritando
ruidosamente a cada passo do caminho.
O velho de barba grisalha apenas riu.
Os dois passaram muitos dias vasculhando os túneis
diretamente abaixo e a oeste do complexo do Salão de Mitral.
Porém, encontraram pouco no caminho do precioso mitral prateado,
certamente sem traços de quaisquer veios que se comparassem os
enormes depósitos de volta ao complexo propriamente dito.
Destemidos, os dois viajantes então desceram em cavernas que
pareciam estranhas até mesmo para suas sensibilidades anãs, em
corredores onde a pressão de milhares de toneladas de rocha
empurravam cristais na frente deles em redemoinhos, em túneis de
cores bonitas, onde o líquen estranho brilhava em cores estranhas.
Até o Subterrâneo.
Muito tempo depois de os óleos de sua lâmpada terem se
esgotado, muito depois de suas tochas terem queimado,
Crommower Pwent conseguiu sua luta.
Tudo começou quando a miríade de padrões de cores revelados
pela infravisão dos anões sensíveis ao calor se tornou cinza e
depois desapareceu completamente em uma nuvem de escuridão.
— Meu rei! — Crommower gritou descontroladamente. — Eu
perdi a visão!
— Eu também! — Gandalug assegurou ao malcheiroso furioso
de batalha e, previsivelmente, ouviu o rugido e o arrastar de pés
ansiosos enquanto Crommower acelerou, procurando um inimigo
para espetar.
Gandalug correu em meio ao barulho da corrida do furioso. Ele
tinha visto magia suficiente para entender que algum bruxo ou
clérigo havia deixado cair um globo de escuridão sobre eles, e que,
o velho de barba grisalha sabia, provavelmente era apenas o
começo de um ataque mais direto.
Os grunhidos e colisões de Crommower permitiram que
Gandalug saísse da área escura com relativamente poucas
contusões. Ele deu uma rápida olhada em seu adversário antes que
outro globo caísse sobre ele.
— Drow, Crommower! — Gandalug gritou com terror em sua voz,
pois, mesmo naquela época, a reputação dos implacáveis elfos
negros causava arrepios ao longo das espinhas dos habitantes mais
resistentes da superfície.
— Eu vi — veio a resposta surpreendentemente tranquila de
Crommower. — Devemos matar cerca de cinquenta dessas coisas
magricelas, deitá-las com as mãos sobre as cabeças, e usá-las
como cortinas de janelas, assim que endurecerem.
A visão dos drow e o uso de magia disseram a Gandalug que ele
e o furioso de batalha estavam em dificuldades, mas riu de qualquer
maneira, ganhando confiança e força da maneira confiante de seu
amigo.
Eles saíram saltando do segundo globo, e um terceiro passou
por eles, este acompanhado pelo sutil som de clique das bestas de
mão disparando.
— Vocês vão parar de fazer isso? — Crommower reclamou com
os misteriosos inimigos. — Como eu vou... Ai! Por que vocês são
tão esquivos? ...espetar vocês se não consigo ver vocês?
Quando saíram do outro lado do globo, em um túnel mais amplo,
cheio de estalagmites altas e estalactites suspensas, Gandalug viu
Crommower puxando um pequeno dardo do lado de seu pescoço.
Os dois pararam; nenhum globo escurecido caiu sobre eles e
nenhum drow estava à vista, embora ambos os guerreiros
experientes entendessem os muitos esconderijos que os montes de
estalagmites poderiam oferecer aos seus inimigos.
— Estava envenenado? — Gandalug perguntou com grande
preocupação, conhecendo a reputação sinistra dos dardos drows.
Crommower olhou curiosamente para o pequeno virote, depois
levou a ponta aos lábios e chupou com força, franzindo as
sobrancelhas grossas de modo contemplativo e estalando os lábios
enquanto estudava o gosto.
— Sim — anunciou e jogou o dardo por cima do ombro.
— Nossos inimigos não estão longe — disse Gandalug, olhando
ao redor.
— Bah, provavelmente fugiram — riu Crommower. — Que
péssimo, também. Meu elmo tá ficando enferrujado. Poderia usar
um pouco de sangue de elfo magricela para engordurar. Ow! — o
guerreiro frenético grunhiu de repente e agarrou um novo dardo,
este saindo de seu ombro. Seguindo sua linha em ângulo, Gandalug
entendeu a armadilha; os elfos drow não estavam se escondendo
entre as estalagmites, mas acima, levitando entre as estalactites!
— Separar! — o furioso de batalha gritou. Ele agarrou Gandalug
e o afastou. Normalmente, os anões teriam ficado juntos, lutando de
costas um contra o outro, mas Gandalug entendeu e concordou com
o raciocínio de Crommower. Mais de um anão amistoso fora atingido
por uma garra de manopla ou um cravo de joelho quando o
selvagem Crommower entrava em seu frenesi de luta.
Vários dos elfos negros desceram rapidamente, armas foram
sacadas, e Crommower Pwent, com a típica intensidade de um
furioso de batalha, enlouqueceu. Ele pulou ao redor, acertando elfos
e estalagmites, espetando um drow na barriga com o espigão de
seu elmo, depois amaldiçoando sua sorte enquanto o drow
agonizante ficava preso. Encurvado como estava, Crommower levou
vários golpes cortantes pelas costas, mas só rugiu de raiva,
flexionou os músculos consideráveis e endireitou-se, levando o
desafortunado e empalado drow para um passeio.
Com a insanidade de Crommower ocupando a maior parte da
força inimiga, Gandalug se saiu bem inicialmente. Ele enfrentou
duas drow. O velho anão ficou bastante impressionado com a
beleza dessas criaturas malignas, as feições angulosas, mas não
afiadas, o cabelo mais brilhante do que a barba de uma dama anã
bem vestida e os olhos muito intensos. Essa observação não
retardou o desejo de Gandalug de arrancar a pele dos rostos drow,
no entanto, e ele agitava seu machado de batalha de um lado para o
outro, golpeando de lado os escudos e bloqueando as armas,
forçando as drow a recuarem.
Mas então Gandalug fez uma careta de dor uma vez, outra vez e
depois uma terceira vez, enquanto alguns projéteis invisíveis
queimavam suas costas. Energia mágica deslizou através de sua
bela armadura de placas e mordeu sua pele. Um momento depois, o
velho de barba grisalha ouviu Crommower rosnar de raiva e cuspir:
— Maldito mago! — sabia então que seu amigo tinha sido
igualmente atacado.
Crommower avistou o lançador de magia sob os balanços das
pernas do drow agora morto empalado em seu capacete.
— Eu odeio magos — ele resmungou, e começou a abrir
caminho em direção ao drow distante.
O mago disse algo em uma linguagem que Crommower não
conseguia entender, mas deveria ter percebido quando os seis elfos
negros contra os quais ele estava lutando subitamente se
separaram, abrindo uma linha direta entre Crommower e o mago.
Porém, Crommower não estava em nenhum estado racional,
consumido como estava pela raiva da batalha, pela sede de sangue.
Pensando em dar um soco direto no mago, avançou adiante, o drow
morto caindo sobre seu elmo. O furioso de batalha não percebeu o
entoar do mago, nem da haste de metal que o drow apontou para
ele.
Então Crommower estava voando, cegado por um lampejo
repentino e atirado para trás pela energia de um relâmpago. Ele
bateu em uma estalagmite com força e deslizou até o chão.
— Eu odeio magos — o anão murmurou uma segunda vez, e
soltou o drow morto de sua cabeça, saltou para cima e atacou
novamente, furioso e fumegando.
Ele baixou a cabeça, colocou o capacete em linha e empurrou
para frente furiosamente, saltando sobre montes, sua armadura
raspando, e gritando. Os outros elfos negros com os quais estava
lutando vieram ao seu lado, golpeando com belas espadas, batendo
com maças encantadas enquanto o furioso de batalha arava com
sua manopla, e o sangue corria livremente de vários ferimentos.
O grito contínuo de Crommower soou sem interrupção; se sentiu
os ferimentos, não demonstrou. A raiva, focada diretamente no
mago drow, o consumiu.
O mago percebeu então que seus guerreiros não seriam
capazes de deter a criatura insana. Ele invocou sua magia inata,
esperando que tais coisas anãs escandalosas não pudessem voar,
e começou a levitar do chão.
Gandalug ouviu a comoção atrás de si e estremeceu toda vez
que ouvia um som que indicava que Crommower tinha sido atingido.
Mas o velho de barba cinzenta pouco poderia fazer para ajudar seu
amigo. Essas drow eram surpreendentemente boas lutadoras,
atacando em perfeita harmonia e aparando todos os seus ataques,
conseguindo até alguns acertos, uma golpeando com uma espada
afiada, a outra usando uma maça ferozmente brilhante. Gandalug
sangrava em vários lugares, embora nenhum dos ferimentos fosse
sério.
Quando os três se acomodaram em um ritmo de dança, a que
empunhava a maça recuou da luta e começou um encantamento.
— Ah não, não vai não! — Gandalug sussurrou, e dirigiu-se com
força para a que empunhava a espada, forçando-a num entrave. A
drow esguia não era páreo fisicamente para a força bruta do anão, e
Gandalug a puxou para fazê-la chocar-se com a companheira e
interromper o feitiço.
Lá foi o velho de barba grisalha, o primeiro rei do Salão de
Mithral, batendo nas duas com seu escudo, atingindo-as com a
imagem da caneca de cerveja do clã que fundara.
De volta ao corredor, Crommower virou-se para o lado,
virtualmente subiu correndo uma estalagmite e saltou para o alto, o
espigão de seu capacete acertando o joelho do mago em ascensão,
estilhaçando a rótula e cortando a parte de trás da perna.
O mago gritou em agonia. Sua levitação era forte o suficiente
para manter a ambos no ar, e no borrão de dor, o drow terrivelmente
ferido não conseguia pensar em desfazer o feitiço. Eles ficaram
estranhamente pendurados no ar, o mago agarrando sua perna,
suas mãos fracas de dor, e Crommower se debatendo de um lado
para o outro, destruindo a perna e socando com os espetos das
manoplas. Ele sorriu ao afundá-las profundamente nas coxas do
drow.
Uma chuva de sangue quente desceu sobre o furioso de batalha,
alimentando seu frenesi.
Mas o outro drow estava sob Crommower, que não estava tão
acima do chão. Ele tentou colocar as pernas debaixo dele enquanto
as espadas golpeavam seus pés. Então empurrou e entendeu que
essa seria sua batalha final, quando um drow surgiu com uma longa
lança e enfiou-a com força no rim do furioso de batalha.
A portadora da maça recuou novamente, fazendo uma curva, e
Gandalug se aproximou rapidamente da drow com a espada. O
anão moveu-se como se quisesse empurrar novamente com o
escudo, apertando-a com força e a empurrando como fizera antes.
O astucioso anão velho parou e caiu baixo, seu machado afiado se
aproximando e varrendo os pés da drow por baixo dela. Gandalug
caiu sobre ela em um instante, aceitando um corte desagradável da
espada e dando em troca um golpe de partir a cabeça.
Ele olhou para cima a tempo de ver um martelo mágico aparecer
no ar diante dele e golpeá-lo no rosto. Gandalug mexeu a língua
grossa curiosamente, depois cuspiu um dente, olhando incrédulo
para a jovem... E essa drow era de fato jovem.
— Você só pode estar brincando — comentou o velho de barba
grisalha. Ele mal notou que a drow já havia lançado um segundo
feitiço, pegando o dente com uma mão magicamente conjurada.
O martelo mágico continuou seu ataque, acertando um segundo
golpe no lado da cabeça de Gandalug enquanto se endireitava
sobre o drow.
— Você está morta — ele prometeu à jovem, sorrindo
maliciosamente. Sua alegria fora roubada, no entanto, quando um
grito retumbante dividiu o ar. Gandalug tinha visto muitas batalhas
ferozes; conhecia um grito de morte quando ouvia um, e soube que
este tinha vindo de um anão.
Ele passou um instante se recompondo, lembrando-se de que
ele e o velho Crommower sabiam que essa era sua última jornada.
Quando voltou a se concentrar, viu que a jovem recuara ao redor da
curva e a ouviu entoando baixinho. Gandalug sabia que outros elfos
negros logo estariam às suas costas, mas determinou então que
encontrariam suas duas companheiras mortas. O anão teimoso
seguiu em frente, sem se importar com qualquer magia que a jovem
drow pudesse ter esperando por ele.
Ele a viu, vulnerável no meio da passagem, olhos fechados,
mãos ao lado, quando dobrou a esquina. Então o velho de barba
grisalha investiu — para ser interceptado por um súbito turbilhão,
um vórtice que o rodeava, que o deteve e o manteve no lugar.
— O que você está fazendo? — Gandalug rugiu. Ele lutou
freneticamente contra a magia astuciosa, mas não conseguiu se
libertar de seu aperto teimoso, não conseguiu sequer arrastar os
pés na direção da drow.
Então Gandalug sentiu uma sensação horrível no peito. Ele não
podia mais sentir o golpe do ciclone, mas seus ventos continuavam,
como se de algum modo tivessem encontrado uma maneira de
atravessar sua pele. Gandalug sentiu um puxão em sua alma, sentiu
como se suas entranhas estivessem sendo arrancadas.
— O que você...? — começou a perguntar novamente, mas suas
palavras desapareceram em um balbuciar desconexo quando
perdeu o controle de seus lábios, perdeu o controle de todo o seu
corpo. Ele flutuou impotente em direção à drow, em direção à mão
estendida e a um item curioso — o que era, ele se perguntou. O que
ela estava segurando?
O seu dente.
Então havia apenas vazio branco. De uma grande distância,
Gandalug ouviu a tagarelice dos elfos negros e teve uma última
visão enquanto olhava para trás. Um corpo — o seu próprio corpo!
— deitado no chão, cercado por vários elfos negros.
Seu corpo...
 

 
O fantasma anão balançou fracamente quando saiu do sonho, o
pesadelo, que a cruel Yvonnel Baenre, aquela jovem cruel, mais
uma vez o forçara. Baenre sabia que aquelas lembranças eram a
tortura mais horrível que poderia aplicar ao anão teimoso, e ela a
aplicava frequentemente.
Agora Gandalug olhava para ela com ódio total. Lá estavam eles,
quase dois mil anos depois, dois mil anos de uma prisão branca
vazia e terríveis lembranças das quais o pobre Gandalug não podia
escapar.
— Quando você saiu do Salão de Mitral, você deu o trono para o
seu filho — afirmou Baenre. Ela conhecia a história, forçara-a a sair
de seu atormentado prisioneiro muitos séculos antes. — O novo rei
do Salão de Mitral é chamado Bruenor -— esse era o nome do seu
filho, não é?
O espírito se manteve firme, manteve o olhar firme e
determinado. A Matriarca Baenre riu dele.
— Contidos em sua memória estão os caminhos e as defesas do
Salão de Mitral — disse —, não tão diferentes agora quanto o eram
na sua época, se entendo bem como são os anões. É irônico, não é,
que você, grande Gandalug, o fundador do Salão de Mitral, o
patrono do Clã Martelo de Batalha, ajude na destruição do salão e
do seu clã?
O rei anão uivou de raiva e cresceu em tamanho, mãos
gigantescas estendendo a mão para a garganta magra e murcha de
Baenre. A Matriarca Mãe riu dele novamente. Ela estendeu o dente
e o redemoinho veio ao seu comando, agarrando Gandalug e o
banindo de volta para sua prisão branca.
— E assim Drizzt Do’Urden escapou — ronronou a Matriarca
Baenre e ficou feliz. — Ele é uma desculpa afortunada e nada mais!
O sorriso maligno de Baenre se alargou quando ela se sentou
confortavelmente em sua cadeira, pensando em como Drizzt
Do’Urden lhe permitiria cimentar a aliança de que precisaria,
pensando em como a coincidência e o destino haviam lhe dado os
meios e o método para a conquista que tinha desejado por quase
dois mil anos.
Epílogo
 
 
DRIZZT DO’URDEN SENTOU-SE EM SEUS APOSENTOS
particulares, considerando tudo que havia acontecido. Memórias de
Wulfgar dominavam seus pensamentos, mas não eram imagens
sombrias, não eram imagens da alcova onde Wulfgar havia sido
enterrado. Drizzt lembrou-se das muitas aventuras, sempre
emocionantes, muitas vezes imprudentes, que havia compartilhado
ao lado do homem imponente. Confiando em sua fé, Drizzt colocou
Wulfgar no mesmo canto do coração onde guardara as memórias de
Zaknafein, seu pai. Não podia negar sua tristeza pela perda de
Wulfgar, não queria negar, mas as muitas boas lembranças do
jovem bárbaro de costas retas poderiam conter essa tristeza, trazer
um sorriso doce e saudoso ao rosto calmo de Drizzt Do’Urden.
Ele sabia que Cattibrie também chegaria a uma aceitação
semelhante. Ela era jovem e forte e cheia de um desejo por
aventura, por mais perigosa que fosse, tão grande quanto o de
Drizzt e de Wulfgar. Cattibrie aprenderia a sorrir com as lágrimas.
O único receio de Drizzt era por Bruenor. O rei anão não era tão
jovem, nem tão preparado para olhar para o que ainda estava por vir
nos anos restantes. Mas Bruenor sofrera muitas tragédias em sua
longa e dura vida e, de um modo geral, era comum os anões
estoicos aceitarem a morte como uma passagem natural. Drizzt
tinha que confiar que Bruenor seria forte o suficiente para continuar.
Não foi até que Drizzt se concentrou em Regis que considerou
as muitas outras coisas que ocorreram. Entreri, o homem maligno
que havia feita coisas terríveis para muitos, tinha partido. Quantos
nos quatro cantos de Faerun se regozijariam com tal notícia?
E a Casa Do’Urden, a ligação de Drizzt com o mundo sombrio de
seus parentes, não existia mais. Teria Drizzt finalmente escapado de
Menzoberranzan? Poderia ele, e Bruenor e Cattibrie e todos os
outros do Salão de Mitral, descansar mais facilmente agora que a
ameaça drow havia sido eliminada?
Drizzt desejou ter certeza. Segundo todos os relatos da batalha
em que Wulfgar fora morto, uma yochlol, uma aia de Lolth,
aparecera. Se o ataque para capturá-lo fora inspirado simplesmente
pelo desespero de Vierna, então o que trouxera um ser tão
poderoso para o meio deles?
O pensamento não se encaixava muito bem para Drizzt e,
sentado ali em seu aposento, teve de se perguntar se a ameaça dos
drow realmente acabara, se ele finalmente poderia ter paz com
aquela cidade que deixara para trás.
 

 
— Os emissários de Pedra do Veredito estão aqui — disse
Cattibrie a Bruenor, entrando nas câmaras privadas do anão sem
nem mesmo a cortesia de uma batida.
— Eu não ligo — o rei anão respondeu-lhe rispidamente.
Cattibrie aproximou-se dele, agarrou-o pelo ombro largo e
obrigou-o a virar-se e a olhar nos olhos. O que se passou entre eles
foi em silêncio, um momento compartilhado de tristeza e
compreensão de que, se não continuassem com suas vidas, não
avançariam, então a morte de Wulfgar seria ainda mais inútil.
Que perda é a morte se a vida não é para ser vivida?
Bruenor agarrou a filha ao redor de sua cintura esbelta e puxou-a
para perto, esmagando-a no abraço mais apertado que o anão
jamais dera. Cattibrie o apertou de volta, as lágrimas rolando de
seus profundos olhos azuis. Assim também, um sorriso se alargou
no rosto da jovem mulher cheia de vida, e embora os ombros de
Bruenor se sacudissem com soluços descarados, ela teve certeza
de que ele logo ficaria em paz.
Por tudo o que tinha passado, Bruenor ainda era o oitavo rei do
Salão de Mitral, e por todas as aventuras, alegrias e tristezas que
Cattibrie conhecera, ela acabara de passar seu vigésimo ano.
E ainda havia muito por fazer.
 
 
 
DRIZZT DO’URDEN VAI VOLTAR
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