Ludwig von Mises
Acgao Humana
QUIRIR A
E WWW.MLUDWIG VON MISES
ACAO HUMANA
UM TRATADO DE ECONOMIA
Tradugao de
DONALD STEWART JR.
2* edigdo
RIO DE JANEIRO, 1995Titulo original em inglés
HUMAN ACTION:
A TREATISE ON ECONOMICS
Copyright @ 1949, by Ludwig von Mises
by arrangement with Contemporary Books, Inc.
All Rights Reserved.
Todos os direitos reservados para a lingua por-
tuguesa:
INSTITUTO LIBERAL
Rua Professor Alfredo Gomes, 28
22251-080 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Printed in Brazil / Impresso no Brasil
1* edicao, por Yale University Press, 1949
2° edicdo, por Yale University Press, 1963
3* edigao, revista, publicada por Henry Regnery
Company, em convénio com a Yale University
Press, 1966.
Obs.:Esta edigio foi traduzida a partir da 3#
edigao, ¢ conserva sua programacdo visual.
ISBN - 85-85054-42-5
(ISBN edigdo original 0-8092-9743-4)
Revisao de originais
Alexandre Guasti
Diagramacao
Patricia Cralliez de Salles
Digitagao
Ana Marcia Melo da Cunha
Rama Artes Grdficas e Editora Ltda
Revisao
Carmen Oliveira
Vera Nogueira
Ficha Catalogrdfica elaborada pela
Biblioteca Ludwig von Mises do Instituto
Liberal - RJ
Responsdvel: Otdvio Alexandre Jeremias
de Oliveira
Mises, Ludwig von, 1881-1973.
M678hP Acao humana: um tratado de economia / Ludwig
2. ed. von Mises; traducao de Donald Stewart Jr. — 2.ed.
~ Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995.
890 p.
Traducdo de: Human Action: a treatise on
economics
ISBN — 85-85054-42-5
1. Teorias econémicas. 2. Filosofia social. 3.
Sociologia. 4. Agao social. 5S. Utilitarismo. 6.
Escola Austriaca. I. Stewart Jr., Donald, trad.
II. Instituto Liberal, Rio de Janeiro. III. Titulo.
CDD. 330.157PREFACIO A TERCEIRA EDICAO
E com grande satisfagao que vejo este livro em sua terceira edigao,
com uma bela impresso e por uma editora tio bem-conceituada.
Cabem aqui duas observagdes terminolégicas.
Primeira: emprego o termo “liberal” com o sentido a ele atribuido
no século XIX e, ainda hoje, em pafses da Europa continental. Esse uso
é imperativo, porque simplesmente nao existe nenhum outro termo
disponivel para significar o grande movimento politico e intelectual que
substituiu os métodos pré-capitalisticos de produgio pela livre empresa
e economia de mercado; o absolutismo de reis ou oligarquias pelo
governo representativo constitucional, a escravatura, a serviddo e ou-
tras formas de cativeiro pela liberdade de todos os individuos.
Segunda: nas ultimas décadas, o significado do termo “psicologia”
tem ficado cada vez mais restrito 4 psicologia experimental, uma
disciplina que emprega os métodos de pesquisa das ciéncias naturais.
Por outro lado, tornou-se usual desprezar os estudos que anteriormente
haviam sido chamados de psicolégicos, considerando-os “psicologia
literdria” ou uma forma nao-cientifica de entendimento. Sempre que se
faz referéncia a “psicologia” em estudos econémicos, tem-se em mente
exatamente essa psicologia liter4ria, e, portanto, torna-se aconselhavel
introduzir um termo especial neste sentido. Sugeri em meu livro Theory
and History (New Haven, 1957, p. 264-274) o termo “temologia”, eo uso
em meu ensaio The Ultimate Foundation of Economic Science (Princeton,
1962), recentemente publicado. Entretanto, a minha sugestdo nao teve
a inteng4o de ser retroativa e de alterar o uso do termo “psicologia” em
livros j4 previamente publicados; portanto, continuo a empregar o termo
“psicologia” nesta nova edigdo da mesma forma como empreguei na
primeira.
Existem duas tradugées j4 publicadas da primeira edigdo de Agdo
Humana: uma tradugio italiana feita pelo Sr. Tullio Bagiotti, professor
da Universidade Boconni em Milao, sob o titulo L’Azione Umana,
Trattato di economia, publicada pela Unione Tipografico-Editrice
Torinese, em 1959; e uma tradugdo espanhola feita pelo Sr. Joaquin Reig
Albiol, sob 0 titulo de La Accién Humana (Tratado de Economia),
publicada em dois volumes pela Fundagao Ignacio Villalonga, em
Valenga (Espanha), em 1960.
Sinto-me em divida com muitos amigos pela ajuda e por conselhos
que recebi durante a preparag4o deste livro.
Antes de mais nada, gostaria de lembrar dois estudiosos j4 faleci-
dos, Paul Mantoux e William E. Rappad, que — por me terem dado a
oportunidade de ensinar no famoso Graduate Institute of International
Studies em Genebra, Suiga—proporcionaram-me 0 tempo 0 incentivo
para iniciar os trabalhos de um plano t4o a longo prazo.Gostaria de expressar meus agradecimentos ao Sr. Arthur Goddard,
Sr. Percy Greaves, Dr. Henry Hazlitt, Prof. Israel M. Kirzner, Sr.
Leonard E. Read, Sr. Joaquin Reig Albiol e Dr. George Reisman, pelas
valiosas e lteis sugestdes.
Mas, acima de tudo, quero agradecer a minha esposa pelo seu firme
estimulo e ajuda.
LUDWIG VON MISES
Nova Torque
Marco, 1966SUMARIO
Introdugiio
1. Economia € praxeologia oo... cceesenseiece esses ccnnenterseensenienteeeesice 1
2. O problema epistemoldégico de uma teoria geral
da agio humana
3. Teoria econédmica e a pratica da ago humana
4, Resumo
PRIMEIRA PARTE: ACAO HUMANA
Capitulo I. O agente homem
1. Agio propositada e reagao animal
2. Os pré-requisitos da a¢do humana
« Sobre a felicidade ...
« Sobre instintos e impulsos
3. Agdo humana como um dado irredutivel
4, Racionalidade ¢ irracionalidade; subjetivismo e
objetividade da investigagao praxeoldgica .
. Causalidade como um requisito da ago
6. O alter ego ee
«+ Sobre a utilidade dos instintos
+ O objetivo absolute.
+ O homem vegetativo
w
Capitulo II. Os problemas epistemoldgicos das ciéncias
da agio humana
. Praxcologia ¢ histéria
. O cardter formal e aprioristico da praxeologia... .
« A pretensa heterogeneidade légica do homem primitivo .
. O apriorismo e a realidade
. O principio do individualismo metodolégico
Ne
. O principio do singularismo metodolégico .
. As caracter{sticas individuais e varidveis da agdo humana. 48
O escopo e o método especifico da historia .
Concepgao e compreensio .............
» Histéria natural e hist6éria humana
9. Sobre tipos ideais 0.00...
10. O modo de proceder da economia ..
11. As limitagdes dos conceitos praxeoldgicos ..Capitulo IIL A economia e a revolta contra a razio
1, A revolta contra a razio
2. O exame légico do polilogismo
3. Oexame praxeoldgica do polilogismo
4. O polilogismo racista
5. Polilogismo ¢ compreensdo
6, Em defesa da razio
Capitulo IV, Uma primeira analise da categoria agao
1. Meios e fins
2. Aescala de valores
3. A escala de necessidades
4. A AGB COMO EOCE eee ceeecee sss sesecueesecsaessessecuceecescnnensenneanes
Capitulo V. O tempo
1. O tempo como um fator praxeolOgico ......cecessseesssesseeeseceseees
2. Passado, presente e futuro
3. A economia de tempo...
4. A relagao temporal entre agées .
Capitulo VI. A incerteza
1. Incerteza e agao......
. O significado da probabilidade
. Probabilidade de classe
. Probabilidade de caso ...
Avaliagdo numérica da probabilidade de caso.
Apostas, jogos de azar e jogos recreativos
. Apredigdo praxcolé gica....eesesee
NNN PWHN
Capitulo VII. Agaio no mundo
1. A lei da utilidade marginal 0... eccseseeesteseanessesneeiees
2. A lei dos rendimentos
3. Otrabalho humanc como um meio
100
103« Trabalho imediatamente gratificante e trabalho
mediatamente gratificante
» O génio criador.
4. Produgio
136
SEGUNDA PARTE: ACAONA SOCIEDADE
Capitulo VIII. A sociedade humana
1. Cooperagdo humana
2. Uma critica da visio holistica ¢ e S metafisica da sociedade 145
+ A praxeologia ¢ o liberalismo
» Liberalismo e religiao ..
3. A divisdo do trabalho ....
4. A lei de associagao de Ricardo
« Erros comuns sobre a lei de associagéio
5. Os efeitos da divisio do trabalho.......... 64
6. O individuo na sociedade
« A fabula da comunhdo mistica
7. A grande sociedade ......
8. O instinto de agressdo e destruigio ..
« Equivocos correntes da moderna ciéncia natural,
especialmente do darwinismo «0.0... ete 174
Capitulo [X. O papel das idéias
1, Arazio humana
2. Visa&o de mundo e ideologia
« A luta contra o erro.
3. Opoder ...
» O tradicionalismo como uma a ideologia..
4, O meliorismo ¢ a idéia de progresso
Capitulo X. O intercimbio na sociedade
1. Troca autistica e troca interpessoal...
2. Vinculos contratuais e vinculos hegeménicos
3. A ago @ 0 CALCU cece ee tesecneeneeneerneeereaneerneneenerenTERCEIRA PARTE: CALCULO ECONOMICO
Capitulo XL. Valoracao sem calculo
1. A gradagdo dos mei08 oo... eceescecesessssuesecseessssenensesvecessnvessntecees -200
2. A fiegao da troca na teoria elementar do valor e dos pregos .... 200
+ A teoria do valor e 0 socialismo ....
3. O problema do caélculo econémico
4. O calculo econdmico e o mercado.
Capitulo XII. O ambito do calculo econdmico
1. O significado das expresses monetérias
2. Os limites do c4lculo econémico ......... -
3. A variabilidade dos pregos
4. A estabilizagfo ...........
5. A base da idéia de estabilizagao
Capitulo XITI. O cdtculo econémico como um instrumento da agio
1. O calculo monetério como um método de pensar
2, O calculo econémico e a ciéncia da agdo humana
QUARTA PARTE: CATALAXIA OU
ECONOMIA DE MERCADO
Capitulo XIV. Ambitoe metodologia da catalaxia
1. A delimitagao dos problemas catalacticos.
» A negacdo da economia .............
2. O método das construgGes imaginarias.
3. A auténtica economia de mercado .
» A maximizagio dos lucros .
. A economia autistica.........
. O estado de repouso ¢ a economia uniformemente circular.244
. A economia estaciondria
. A integragdo das fungées catalacticas .
- A fungao empresarial na economia estacionéria ................ 255
UAWSCapitulo XV. O mercado
]
2
3
4
5
6
7.
8.
9
10.
1h.
12.
13.
14,
. As caracteristicas da economia de mercado
. Capital e bens de capital
. Capitalismo .. .
. A soberania do consumidor
» Oemprego metaforico da terminologia politica.
. Competigao..... 274
. Liberdade ...._.... - 280
A desigualdade de riqueza e de renda
. Lucro e perda empresarial
. Lucros e perdas empresariais numa economia
em desenvolvimento
«A condenag4o moral do lucro.
« Algumas observagées sobre o mito do subconsumo
e sobre o argumento do poder de compra ...
Promotores, gerentes, técnicos e burocratas
O processo de selegio..
O individuo e o mercado
A propaganda comercial .
A Volkswirtschaft.....
Capitulo XVI. Os precgos
1
2
3
1
14
. O processo de formagio dos pregos
. Contabilidade de custo
. Monopélio de demanda
. Efeitos de pregos monopelisticos sobre o consumo ..
10.
. A discriminagao de pregos por parte do comprado:
12.
13,
. Pregos e produgdo
15.
Valoragao e avaliagao
. Os pregos dos bens de ordens SUperiOres 00... cece 335
« Uma limitagio a formagio dos pregos dos fatores de produgao . 340
Catalaxia légica versus cataléxia matemAatic:
Pregos monopolisticos ....
« O tratamento matematico da teoria de pregos
monopolisticos ...
Reputagio comercial
A discriminagdo de pregos por parte do vendedor
Aconexidade dos pregos
Pregos e renda ...
A quimera de pregos sem mercado .Capitulo XVII. A troca indireta
. Meios de troca e moeda....
. Observagées sobre alguns erros freqientes
. Demanda por moeda ¢ oferta de moeda .....
» A importancia epistemolégica da teoria da origem
da moeda de Carl Menger..
4, A determinagao do poder aquisitivo da moeda
5. O problema de Hume e Mill e a forga motriz da moeda....... 418
6. Mudangas no poder aquisitivo de origem monetaria
e de origem material...
« Inflagdo e deflagdo; inflacionismo e deflacionism:
7. O calculo monetério ¢ as mudangas no poder aquisitivo
8. A antecipagao de provaveis mudangas no poder aquisitivo .427
9. O valor especifico da moeda
10. As implicagdes da relagdo monetéri.
11. Os substitutos da moeda....
12. A limitag&o da emissdo de meios fiduciérios .
« Observagées sobre as discussdes relativas
atividade bancéria livre
13. Tamanho e composigao dos encaixes
14. O balango de pagamentos
15. As taxas de cémbio interlocais
16. A taxa de juros e a relagdo monetiria .
17, Os meios de troca secundario:
18. A visio inflacionista da hist
19. Opadrao-ouro .....
» Cooperagdo monetéria internacional .
wn
Capitulo XVIIL A aciio na passagem do tempo
1. A valoragao dos diferentes periodos de tempo ...
2. A preferéncia temporal como um requisito essencial
da agao ...
« Observagées em torno da evolugao da teoria
da preferéncia temporal
3. Os bens de capital ....
4. Periodo de produgao, periodo de espera e perioda
de provisio ..
eA prolongag&o do periodo de provisao além
da expectativa de vida do ator .. 505
« Algumas aplicagées da teoria da preferéncia temporal oe 30S.5. A conversibilidade dos bens de capital
6. A influéncia do passado sobre a aco ..
7. Acumulagdo, manuten¢do e consumo de capital .
8. A mobilidade do investidor
9. Moeda e capital; poupanga e investimento
Capitulo XIX. Ataxadejuros
530
1, Ofenémeno do juro
2. Juro originario .....
3. O nivel da taxa de juros
4. O juro originério numa economia mutavel.
5. 0 calculo do juro
532
538
539
S41
Capitulo XX. O juro, a expansio de crédito e o ciclo econémico
1. Os problemas
2. O componente empresarial na taxa bruta de juro
do mercado
3. O prémio compensatério como um componente
da taxa bruta de juros de mercad
4. O mercado de crédito...
5. Os efeitos das mudangas na relagdo monetéria
sobre 0 juro originario
6. Os efeitos da inflacao e da expansfo de crédito sobre
a taxa bruta de juros do mercado
«A alegada auséncia de depressdes numa organizagdo
totalitdria ..,
7. Os efeitos da deflagdo e da contrag&o do crédito sobre
a taxa bruta de juro do mercado ....
A diferenga entre expansao do crédito e inflagao simples.
8. A teoria monetaria, ou do crédito circulante,
relativa ao ciclo econémico.............. sececeeceeeeeeee STS
9. Efeitos da recorréncia do ciclo econémico 0 sobre
a economia de mercado
- O papel dos fatores de produgao disponiveis
nos primeiros estagios do boom......
« Os erros das explicagdes nio-monetaérias
do ciclo econémico
553
1 SSS
570
574
379
- 583
«985Capitulo XXI. Trabalho e salarios
- Trabalho introvertido e trabalho extrovertido
. O trabalho como fonte de alegria ¢ de tédio
- Osalario
. Desemprego catalactico.
. Saldrio bruto e sal4rio liquid
Saldrios e subsisténcia ......
+ Uma comparagio entre a explicagdo histori
dos saldrios e o teorema da regressiio
7, Efeitos da desutilidade do trabalho sobre
a disponibilidade de mao-de-obra .
« Consideragao quanto a interpretagao popular
da “Revolugdo Industrial”
8. Os efeitos das vicissitudes do mercado sobre os salério:
9. O mercado de trabalho...
+ O trabalho dos animais e dos escravos
AuRuUNH
Capitulo XXII. Os fatores de produgio originais de
natureza nao humana
1. Observagées gerais relativas 4 teoria da rend:
2. O fator tempo na utilizagao da terra
3. A terra submarginal
4. A terra como local para se estar
5. O prego da terra...
» O mito da terra
Capitulo XXIIL. A realidade do mercado
1. A teoria e a realidade
O papel do poder .
O papel histérico da guerra e da conquista
O homem como um dado da realidade
. O periodo de ajustamento
A limitagio do dircito de propri:
relativos aos custos ¢ aos beneficios externos
« As externalidades da criagdo intelectual ..
« Privilégios ¢ quase-privilégios
awaenCapitulo XXIV. Harmonia e conflito de interesses
1. A origem dos lucros e perdas no mercado ..
2. A limitagdo da progenitura ......c....
3. A harmonia dos interesses “corretamente entendidos”
4. A propriedade privada ....
5. Os conflitos do nosso tempo
QUINTA PARTE: A COOPERACAO SOCIAL
SEM OMERCADO
CapituloXXV. Aconstrugao imaginaria de uma
sociedade socialista
1. A origem histérica da idéia socialista..
2. A doutrina socialista
3. O carater praxeoldgico do socialismo
Capitulo XXVI. A impossibilidade do cdlculo econémico
no sistema socialista
1. O problema oo. ncscseeeeeeeeneceees
2. Erros passados na concepoaéo do problema
3. Sugestdes recentes para o célculo econémice socialista
4, Tentativa ¢ erro.
5. O quase-mercado
6. As equagdes diferenciais dae economia matematica
SEXTA PARTE: A INTERVENCAO NO MERCADO
Capitulo XXVILI. O governoeo mercado
1. A idéia de um terceiro sistema wo... esessssssseeececsccesereersenees 721
2. O intervencionismo
3. A delimitagio das fungdes governamentais
4. A probidade como padrio supremo das acées individuai
5. O significado de laissez-faire
6. A interferéncia direta do governo no consumo
@COMUP GAO oe cesses essetecseessseeesneseseeseneesseeesneesCapitulo XXVIIE. O intervencionismo via tributagao
1. O imposto NEUtIO vee sees eseeeee
2. O imposto total
3. Objetivos fiscais e ndo fiscais da tributagio ,
4. Os trés tipos de intervencionismo fiscal
Capitulo XXIX. A restricdo da producao
1. A natureza da restrigfo
2. O prego da restrigao ....
3. A restrig&o como um privilégio
4. Arestrigéo como sistema econémico
Capitulo XXX. A interferéncia na estrutura de pregos
1. O governo e a autonomia do mercado
2. Arcag4o do mercado 4 interferéncia do governo
» ObservacGes sobre as causas do declinio
da civilizagdo antiga
3. O salério minimo
« Aspectos catalacticos do sindicalismo trabalhista
Capitulo XXXI. Manipulagio da moedae do crédito
1. O governo e a moeda
2, O aspecto intervencionista da moeda de curso lega
3. A evolugdo dos métodos de manipulagao dos meios
de pagamento
4. Os objetivos da desvatorizagao da moeda
5. A expansio do crédito.........
« A quimera das politicas anticiclicas .
6. O controle de cambio e os acordos bilaterais.
Capitulo XXXIL. Confisco e redistribuigéo
1. A filosofia do confisco
2. Areforma agraria .
3. Taxacdo confiscatéria
« Taxagao confiscatéria e risco empresarialCapitule XXXII. Sindicalismo e corporativismo
1. O sindicalismo
2. As falacias do sindicalismo.
3. Influxos sindicalistas nas politicas
econémicas populares
4. O socialismo de guildas ¢ 0 corporativismo ..
Capitulo XXXIV. A economia de guerra
1. A guerra total
2. A guerra e a economia de mercado 830
3. Guerra e autarquia
4. A inutilidade da guerra
836
Capitulo XXXV. Estado provedor versus mercado
1. A acusagfo contra a economia de mercado ..
2. A pobreza
3. A desigualdade
4. A inseguranga...
5. A justiga social...
Capitulo XXXVI. A crise do intervencionismo
1. Os frutos do intervencionismo...
2. Aexaustao do fundo de reserva ..
3. O fim do intervencionismo
SETIMA PARTE: A IMPORTANCIA
DA CIENCIA ECONOMICA
Capitulo XXXVIL. O carater peculiar da ciéncia econémica
1. A singularidade da economia
2, Aeconomia e a opinido publica
3. A ilusdo dos antigos liberais .Capitulo XXXVIIL A importancia do estudo da economia
1, O estudo da economia
2. A economia como profissio
3. A previsdo econémica como profiss,
4. A economia e as universidades
5. Educago geral e economia ...
6. A economia € 0 cidadao...
7, A economia ¢ a liberdade ..
Capitulo XXXIX. A economia e os problemas
essenciais daexisténcia humana
1. A ciéncia e a vida
2. A economia c os julgamentos de valor ”
3. O conhecimento econémico e a ag&o humana... cece. .890ACAO HUMANA
UM TRATADO DE ECONOMIA
INTRODUCAO
1. Economia e praxeologia
A economia é a mais nova das ciéncias. E verdade que, nos ultimos
duzentos anos, surgiram muitas ciéncias novas, além das disciplinas
que cram familiares aos antigos gregos. Essas ciéncias novas, entretanto,
eram apenas partes do conhecimento j4 existentes no sistema tradicional
de ensino e que se tornaram aut6nomas. O campo de estudo foi melhor
subdividido e tratado com novos métodos; foram, assim, descobertos
novos campos de conhecimento que até ent@o nao tinham sido percebidos,
¢ as pessoas comecaram a ver as coisas por Angulos novos, diferentes
daqueles de seus precursores, O campo mesmo nfo se expandiu. Masa
economia abriu para as ciéncias humanas um dominio até entio
inacessivel, no qual ndo se havia jamais pensado. A descoberta de uma
regularidade na seqténcia e interdependéncia dos fendmenos de mercado
foi além dos limites do sistema tradicional de saber, pois passou a
incluir um conhecimento que nao podia ser considerado como légica,
matematica, psicologia, fisica, nem como biologia.
Durante muito tempo os filésofos ansiaram por identificar os fins
que Deus oua Natureza estariam procurando atingir no curso da histéria
humana. Tentaram descobrir a lei que governa o destino ea evolugdo do
género humano. Mas mesmo aqueles cuja investigagao nfo sofria
influéncia de tendéncias teolégicas tiveram seus esforgos inteiramente
frustrados, porque estavam comprometidos com um método defeituoso.
Lidavam com a humanidade como um todo ou através de conceitos
holisticos tais como nagio, raga ou igreja. Estabeleciam de forma
bastante arbitraria os fins que fatalmente determinariam o compor-
tamento de tais conjuntos. Mas nao conseguiam responder satisfa-
toriamente 4 indagagfo relativa a que fatores compeliriam os individuos
ase comportarem de maneira tal que fizesse com que o suposto objetivo,
pretendido pela inexordvel evolugao do conjunto, fosse atingido.
Recorreram a artificios insensatos: interferéncia milagrosa da
Divindade, seja pela revelagao, seja pela delegacdo a profetas ou
lideres consagrados enviados por Deus; harmonia preestabelecida,
predestinagfo; ou, ainda, influéncia de uma fabulosa e mistica “alma
mundial” ou “alma nacional”. Houve quem falasse de uma “astticia da2 ACAQHUMANA
natureza”, que teria implantado no homem impulsos que o guiam
involuntariamente pelos caminhos determinados pela Natureza.
Outros filésofos foram mais realistas. Nao tentaram adivinhar os
designios de Deus ou da Natureza. Encaravam as coisas humanas sob o
Angulo do poder. Tinham a inteng4o de estabelecer regras de acdo
politica, como se fossem uma técnica de governo e de condugio dos
negécios publicos. As mentes mais especulativas formulavam planos
ambiciosos para reformar ¢ reconstruir a sociedade. Os mais modestos
se contentavam em coletar e sistematizar os dados de experiéncia
historica. Todos estavam convencidos de que no curso de eventos sociais
n&o existiam regularidades e invariancias de fenémenos, como ja havia
sido descoberto no funcionamento do raciocinio humano e no
encadeamento de fenémenos naturais. Nao tentavam descobrir as leis da
cooperagao social, porque pensavam que o homem podia organizar a
sociedade como quisesse. Se as condigées sociais no preenchessem os
desejos dos reformadores, se suas utopias se mostrassem irrealizaveis,
a culpa era atribuida a deficiéncia moral do homem. Problemas sociais
eram considerados problemas éticos. O que era necessario para construir
a sociedade ideal, pensavam eles, eram bons principios e cidadaos
virtuosos. Com homens honrados, qualquer utopia podia ser realizada.
A descoberta da inevitdvel interdependéncia dos fendmenos do
mercado destronou essa opiniao. Desnorteadas, as pessoas tiveram de
encarar uma nova visdo da sociedade. Aprenderam, estupefatas, que
existe um outro aspecto, diferente do bom e do mau, do justo e do injusto,
segundo o qual a ago humana podia ser considerada. Na ocorréncia de
fenémenos sociais prevalecem regularidades 4s quais o homem tem de
ajustar suas agGes, se deseja ser bem-sucedido. E initil abordar fatos
sociais com a postura de um censor que 0s aprova ou desaprova segundo
padrSes bastante arbitrérios e julgamentos de valor subjetivos.
Devemos estudar as leis da agdo humana ce da cooperagio social como
um fisico estuda as leis da natureza. Agdo humana e cooperagao
social vistas como objeto de uma ciéncia que estuda relacdes
existentes e néo mais como uma disciplina normativa de coisas que
deveriam ser — esta foi arevolug4o com conseqiiéncias enormes para
o conhecimento ¢ para a filosofia, bem como para a agdo em sociedade.
Por mais de cem anos, entretanto, os efeitos dessa mudangaradical
nos métodos de raciocinio foram bastante restritos porque se acreditava
que s6 uma pequena parte do campo total da agdo humana seria afetada,
qual seja, os fendmenos de mercado. Os economistas cldssicos, nas
suas investigagSes, esbarraram num obstaculo que n4o conseguiram
superar: o aparente paradoxo de valor. Sua teoria do valor cra defeituosa
¢ os forgou a restringirem 0 escopo de suaciéncia. Atéo final do século
XIX a economia politica permaneceu uma ciéncia dos aspectosINTRODUCAO 3
“econdémicos” da agdo humana, uma teoria da riqueza e do egoismo.
Lidava com a agdo humana apenas na medida em que esta fosse
impelida pelo que era— muito insatisfatoriamente — considerada como
motivagao pelo lucro, e acrescentava que existiam outras agdes
humanas cujo estudo era tarefa de outras disciplinas. A transforma¢do
do pensamento que os economistas classicos haviam iniciado sé foi
levada as suas tltimas conseqténcias pela moderna economia
subjetivista, que transformou a teoria dos pregos do mercado numa
teoria geral da escolha humana.
Durante muito tempo os homens nao foram capazes de perceber que
a transi¢do da teoria classica de valor para a teoria subjetiva de valor
era muito mais do que a substituigdo de uma teoria de mercado menos
satisfatéria por outra mais satisfatoria. A teoria geral da escotha e
preferéncia vai muito além dos limites que cingiam o campo dos
problemas econdémicos estudados pelos economistas, de Cantillon, Hume
e Adam Smith até John Stuart Mill. E muito mais do que simplesmente
uma teoria do “aspecto econédmico” do esforgo humano e da luta para
melhoria de seu bem-estar material. E a ciéncia de todo tipo de agao
humana. Toda decisaéo humana representa uma escolha. Ao fazer sua
escolha, o homem escolhe nfo apenas entre diversos bens materiais e
servigos. Todos os valores humanos s4o oferecidos para op¢do. Todos os
fins e todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, 0
sublime e€ 0 basico, o nobre ¢ o ignébil s4o ordenados numa seq@éncia
esubmetidos a uma decis4o que escolhe um e rejeita outro. Nada daquilo
que os homens desejam obter ou querem evitar fica fora dessa ordenag4o
numa escala unica de gradagao e de preferéncia. A moderna teoria de
valor estende o horizonte cientifico e amplia 0 campo dos estudos
econémicos. Da economia politica da escola classica emerge a teoria
geral da agio humana, a praxeologia.' Os problemas econémicos ou
1. O termo praxeologia* foi empregado pela primeira vez em 1890, por
Espinas. Ver seu artigo “Les origines de la technologie’, Revue philosophique,
p. 114 - LIS, ano XV, vol. 30, e seu livro publicado em Paris, em 1897, com
o mesmo titulo.
* Praxeologta: do grego praxis ~ acdo, habito. pratica ~ ¢ logia - doutrina,
leoria, ciéneia. Fa ciéneia ou a teoria geral da ago humana. Mises define agéo
como “uma manifestagdo da vontade humana”; acdo como sendo um
“comportamento propositado”. A praxeologia, a partir do conceito aprioristico
da categoria ado, analisa as implicagdes plenas de todas as agdes. A praxcologia
busca conhecimento que seja valido sempre que as condigdes correspondam
exalamente aquelas consideradas na hipétese tedrica. Sua afirmacao e sua
proposigéo nao decorrem da experiéncia: antecedem qualquer compreensao dos
fatos hist6ricos. (xtratdo de Mises Made Easier. Perey L. Greaves Jr.. Nova
lorgue., Free Market Books, 1974. (N.T.)4 ACAO HUMANA
catalacticos” esto embutidos numa ciéncia mais geral da qual nao
podem mais ser separados. O exame dos problemas econémicos tem
necessariamente de comegar por atos de escolha: a economia torna-se
uma parte — embora até agora a parte elaborada — de uma ciéncia mais
universal: a praxeologia.
2. O problema epistemolégico de uma teoria
geral da agdo humana
Na nova ciéncia, tudo parecia problematico. Ela era uma intrusa no
sistema tradicional de conhecimento; as pessoas estavam perplexas e nao
sabiam como classifica-la nem como designar o seu lugar. Por outro lado,
estavam convencidas de que a inclusdo da economia no sistema de
conhecimento nfo necessitava de uma rearrumacdo ou expansio do
programa existente. Consideravam completo o seu sistema de conhe-
cimento. Se a economia nao cabia nele, a falha sé podia estar no tra-
tamento insatisfatério aplicado pelos economistas aos seus problemas.
Rejeitar os debates sobre a esséncia, 0 escopo € o carater ldgico da
economia, como se fossem apenas uma tergiversacdo escoldstica de
professores pedantes, é prova de desconhecimento total do significado
desses debates; ¢ um equivoco bastante comum supor que, enquanto
pessoas pedantes desperdigavam seu tempo em conversas intiteis acerca
de qual seria o melhor método de investigacdo, a economia em si mesma,
indiferente a essas disputas fiteis, seguia tranqdilamente o seu caminho.
No Methodenstreit,’ entre os economistas austriacos e a Escola
Historicista Alema — que se auto-intitulava “guarda-costas intelectual
2. O termo cataldxia* ou a ciéncia das trocas foi usado primeiramente por
Whately. Ver seu livro Introductory Lectures on Political Economy, Londres,
1831, p. 6.
* Cataldxta — a teoria da economia de mercado, isto é, das relagdes de troca e
dos precgos. Analisa todas as agdes baseadas no calculo monetdrio e rastreia a
formulacgao de precos até a sua origem, ou seja, até o momento em que o homem
fez sua escolha. Explica os precos de mercado como s4o e ndo como deviam ser.
As leis da cataldxia nao sao julgameatos de valor; séo exatas, objetivas e de
validade universal. (Extraido de Mises Made Easier. Percy Greaves Jr., op. cit.
(N.T.)
3. Methodenstreit — disputa, argumento ou controvérsia sobre métodos;
especificamente a controvérsia sobre o método e o cardter epistemotégico da
economia na década de 80 do século XIX, entre os seguidores da Escola Austriaca
de Economia, liderados por Carl Menger (1840-1921) e os proponentes da Escola
Historicista Alema, liderados por Gustav von Schmoller (1838-1917). A Escola
Historicista Alema sustentava que a histéria € a nica fonte de conhecimento
sobre a agao humana e sobre assuntos econdmicos, e que sé no estudo dos dados
e estatisticas histéricos a economia poderia formular suas leis e teorias. (N.T.)INTRODUCAO 5
da Casa de Hohenzollern” — bem como nas discussées entre a escola de
John Bates Clark e 0 institucionalismo americano,* havia muito mais em
jogo do que a simples questao sobre qual seria o melhor procedimento.
A verdadeira questéo consistia em definir os fundamentos
epistemoldgicos da ciéncia da ago humana e sua legitimagdo légica.
Partindo de um sistema epistemoldgico para o qual o pensamento
praxeoldgico era desconhecido e de uma ldgica que reconhecia como
cientifica — além da logica e da matematica — apenas a historia e as
ciéncias naturais empiricas, muitos autores tentaram negar a importancia
ea utilidade da teoria econdémica. O historicismo pretendia substitui-
la por histéria econémica; o positivismo recomendava substituf-la por
uma ilusoria ciéncia social que deveria adotar a estrutura légica e a
configura¢ao da mec4nica newtoniana. Ambas as escolas concordavam
numa rejei¢4o radical de todas as conquistas do pensamento econémico.
Era impossivel aos economistas permanecerem calados em face de
todos esses ataques.
O radicalismo dessa condenagio generalizada da economia foi logo
superado por um niilismo ainda mais universal. Desde tempos imemoriais,
os homens, ao pensar, falar e agir, consideraram a uniformidade e
imutabilidade da mente humana como um fato inquestionavel. Toda
investigacdo cientifica estava baseada nessa hipdtese. Nas discussdes
sobre o carater epistemoldgico da economia, pela primeira vez na
historia do homem, este postulado também foi negado. O marxismo
afirma que a forma de pensar de uma pessoa é determinada pela classe
a que pertence. Toda classe social tem sua logica propria. O produto do
pensamento nfo pode ser nada além de um “disfarce ideoldgico” dos
interesses egoistas da classe de quem elabora o pensamento. A tarefa
de uma “sociologia do conhecimento” é desmascarar filosofias e
teorias cientificas e expor o seu vazio “ideolégico”. A economia é um
expediente “burgués”; os economistas so sicofantas do capital.
Somente a sociedade sem classes da utopia socialista substituira as
mentiras “ideolégicas” pela verdade.
Este polilogismo, posteriormente, assumiu varias outras formas. O
historicismo afirma que a estrutura légica da agio e do pensamento
humano esta sujeita a mudangas no curso da evoluco historica. O
4. Institucionalismo americano — uma versao americana da Escola Historicista.
Considera que as atividades bumanas sao determinadas por pressdes sociais
irresistiveis, denominadas Instituigdes. Propde a intervengao politica como o
melhor meio de mudar os hdbitos do homem e de aprimorar o género humano.
Atribui o infortunio da humanidade ao capitalismo do tipo laissez-faire ¢
procura mudar as institui¢des pela adocdo de solucées coletivistas ¢
intervencionistas. (N.T.)6 ACAO HUMANA
polilogismo social atribui a cada raga uma ldgica propria. Finalmente,
temos 0 irracionalismo sustentando que a razfo em si nado é capaz de
elucidar as forgas irracionais que determinam o comportamento humano.
Tais doutrinas vio muito além dos limites da economia. Elas
questionam nfo apenas a economia e a praxeologia, mas qualquer
conhecimento humano e o raciocinio em geral. Referem-se 4 matematica
e 4 fisica, tanto quanto 4 economia. Parece, portanto, que a tarefa de
refuta-las ndo cabe a nenhum setor especifico do conhecimento, mas a
epistemologia e 4 filosofia. Essa é, aparentemente, a justificativa para
a atitude daqueles economistas que tranquilamente continuam seus
estudos sem se importar com problemas epistemoldégicos nem com as
objegées levantadas pelo polilogismo e pelo irracionalismo. Ao fisico,
pouco importa se alguém estigmatiza suas teorias como burguesas,
ocidentais ou judias; da mesma maneira, o economista deveria ignorar
a calinia e a difamagao. Deveria deixar os caes latirem e n4o prestar
atengdo aos seus latidos. E conveniente que se lembre do ditado de
Spinoza: Sane sicut lux se ipsamet tenebras manifestat sic veritas
norma sui et falsi est.
Entretanto, no que concerne 4 economia, a situagéo nado é bem a
mesma que em relagdo 4 matematica e as ciéncias naturais. O polilogismo
€ o irracionalismo atacam a praxeologia e a economia. Embora suas
afirmagées sejam feitas de maneira geral, referindo-se a todos os ramos
do conhecimento, na realidade visam 4s ciéncias relativas 4 acao
humana. Afirmam ser uma ilusdo acreditar que a pesquisa cientifica
pode produzir resultados validos para gente de todas as épocas, ragas e
classes sociais, e se comprazem em depreciar certas teorias fisicas e
biolédgicas como burguesas ou ocidentais. Mas, se a solugdo de questées
praticas necessita da aplicagdéo dessas doutrinas estigmatizadas,
esquecem sua desaprovagido. A tecnologia da Unido Soviética utiliza
sem escrupulos todos os resultados da fisica, quimica e biologia
burguesas. Os fisicos e engenheiros nazistas nio desprezaram a utilizag4o
de teorias, descobertas e invengées das ragas e nacdes “inferiores”. O
comportamento dos povos de todas as ragas, religides, nagdes, grupos
lingiiisticos ou classes sociais demonstra claramente que eles nao
endossam as doutrinas do polilogismo e do irracionalismo no que
concerne 4 matematica, a ldgica e as ciéncias naturais.
Mas, no que diz respeito a praxeologia e 4 economia, as coisas se
passam de maneira inteiramente diferente. O principal motivo do
desenvolvimento das doutrinas do polilogismo, historicismo e
5. Em portugués, “Sem diivida que assim como a luz se manifesta a st mesma
¢ as trevas, da mesma forma a verdade €. ao mesmo tempo, a norma de sie do
false”. (NLT)INTRODUCAO 7
irracionalismo foi proporcionar uma justificativa para desconsiderar os
ensinamentos da economia na determinagio de politicas econdémicas.
Os socialistas, racistas, nacionalistas e estatistas fracassaram nas suas
tentativas de refutar as teorias dos economistas e demonstrar 0 acerto
de suas doutrinas espurias. Foi precisamente essa frustragéo que os
impeliu a negar os principios logicos e epistemoldgicos sobre os quais
se baseia o raciocinio humano, tanto nas atividades cotidianas como na
pesquisa cientifica.
Néo é admissivel desembaragar-se dessas obje¢des meramente com
bases nos motivos politicos que as inspiraram. A nenhum cientista é
permitido presumir de antemao que a desaprovagao de suas teorias deve
ser infundada porque seus criticos estao imbuidos de paixio ou
preconceito partidario. Ele deve responder a cada censura sem considerar
seus motivos subjacentes ou sua origem. Nao menos admissivel é
silenciar face 4 freqtiente opinido de que os teoremas de economia so
validos apenas em condigées hipoteticas que nfo se verificam na vida
real e que, portanto, s4o intteis para a compreenso da realidade. E
estranho que algumas escolas aprovem esta opiniao e, ao mesmo tempo,
calmamente, desenhem suas curvas e formulem suas equagoes. Nao se
importam com o significado do seu raciocinio e nem como este sé
relaciona com o mundo real da vida e da ago.
Essa atitude é, sem duvida, indefensdvel. O primeiro dever de
qualquer investigagdo cientifica ¢ descrever exaustivamente e definir
todas as condigdes e suposigées, com base nas quais pretende validar
suas afirmagées. E um erro considerar a fisica como um modelo e um
padr4o para a pesquisa econdmica. Mas as pessoas comprometidas com
esta falécia deviam ter aprendido pelo menos uma coisa: nenhum fisico
jamais acreditou que o esclarecimento de algumas condigées e suposi¢ées
de um teorema da fisica esteja fora do campo de interesse da pesquisa
da fisica. A quest4o central que a economia tem obrigagao de responder
é sobre a relacdo entre suas afirmagées ¢ a realidade da acio humana,
cuja compreensio é 0 objeto dos estudos da economia.
Portanto, compete 4 economia examinar minuciosamente a
afirmativa segundo a qual seus ensinamentos s4o validos apenas para 0
sistema capitalista, durante 0 curto e jd esvaecido periodo liberal da
civilizagio ocidental. E dever da economia, e de nenhum outro campo
do saber, examinar todas as objegdes levantadas de diversos Angulos
contra a utilidade das afirmativas da teoria econédmica para a elucidagao
dos problemas da agado humana. O sistema de pensamento econémico
deve ser construido de tal maneira que se mantenha a prova de qualquer
critica por parte do irracionalismo, do historicismo, do panfisicalismo,
do behaviorismo e de todas as modalidades de polilogismo. E uma
situacdo intoleravel a de que os economistas ignorem os argumentos que8 ACAOHUMANA
diariamente so promovidos para demonstrar a futilidade e o absurdo dos
esforcos da economia.
No se pode mais continuar lidando com os problemas econémicos
da maneira tradicional. E necessério construir a teoria catalactica sobre
a sdlida fundagdo de uma teoria geral da ago humana, a praxeologia.
Este procedimento nao apenas a proteger4 contra inimeras criticas
falaciosas, mas possibilitaré o esclarecimento de muitos problemas que
até agora nfo foram adequadamente percebidos e, menos ainda,
satisfatoriamente resolvidos. Especialmente no que se refere ao problema
fundamental do calculo econdémico.
3. Teoria econémica e a pratica da agdo humana
Ecomuma muita gente censurar a economia por ser retrograda. Ora,
é obvio que a nossa teoria econémica nao € perfeita. Nao existe perfeigAo
no conhecimento humano, nem em qualquer outra conquista humana. A
onisciéncia é negada ao homem. A teoria mais elaborada que parece
satisfazer completamente a nossa sede de conhecimento pode um dia ser
emendada ou superada por uma nova teoria. A ciéncia ndo nos da certeza
final e absoluta. Apenas nos da convicgao dentro dos limites de nossa
capacidade mental e do prevalescente estado do conhecimento cientifico.
Um sistema cientifico nfo é sendo um estagio na permanente busca de
conhecimento. E necessariamente afetado pela insuficiéncia inerente
a todo esforgo humano. Mas reconhecer estes fatos nao implica que o
estagio atual da economia seja retrégrado. Significa apenas que a
economia € algo vivo — e viver implica tanto imperfei¢4o como mudanga.
A acusa¢ao do alegado atraso é levantada contra a economia a partir
de dois pontos de vista diferentes.
Existem, de um lado, alguns naturalistas e fisicos que censuram a
economia por nao ser uma ciéncia natural e ndo aplicar os métodos e
procedimentos de laboratério. Um dos propésitos deste tratado é demolir
a falacia dessas idéias. Nestas observagées introdutorias, sera suficiente
dizer algumas palavras sobre seus antecedentes psicolégicos. E comum,
a quem tem mentalidade estreita, depreciar diferencas encontradas nas
outras pessoas. O camelo, na fabula, desaprova todos os outros animais
por nao terem uma bossa, ¢ os ruritanios criticam os laputAnios por nao
serem ruritanios. O pesquisador que trabalha em laboratério considera
este trabalho como a unica fonte valida para investigaco, e equacdes
diferenciais como a tinica forma adequada de expressar os resultados do
pensamento cientifico. E simplesmente incapaz de perceber os problemas
epistemoldgicos da agdo humana. Para ele, a economia nao pode ser
nada além de uma espécie de mec4nica.
Ha outros que asseguram que algo deve estar errado com as ciénciasINTRODUCAO 9
sociais, porque as condig6es sociais sdo insatisfatérias. As ciéncias
sociais conseguiram resultados espantosos nos ultimos duzentos ou
trezentos anos e a aplicagdo pratica desses resultados foi o que deu
origem a uma melhoria, sem precedentes, no padrdo de vida em geral.
Mas, dizem esses criticos, as ciéncias sociais falharam completamente
no que diz respeito a tornar mais satisfatérias as condi¢Ses sociais. Nao
eliminaram a misériae a fome, crises econémicas e desemprego, guerra
e tirania. Sdo estéreis e nio contribuiram para a promocao da liberdade
e do bem-estar geral.
Esses rabugentos nado chegam a perceber que o tremendo progresso
da tecnologia de produgao e o conseqtiente aumento de riqueza e bem-
estar sé foram possiveis gragas 4 adoc&o daquelas politicas liberais que
representavam a aplicagdo pratica dos ensinamentos da economia.
Foram as idéias dos economistas classicos que removeram os controles
que velhas leis, costumes e preconceitos impunham sobre o progresso
tecnoldgico, libertando 0 génio dos reformadores da camisa-de-forga
das guildas, da tutela do governo e das pressdes sociais de varios tipos.
Foram essas idéias que reduziram o prestigio de conquistadores e¢
expropriadores e demonstraram o beneficio social decorrente da
atividade empresarial. Nenhuma das grandes invengdes modernas teria
tido utilidade pratica se a mentalidade da era pré-capitalista nao
tivesse sido completamente demolida pelos economistas. O que é
comumente chamado de “revolugdo industrial” foi o resultado da
revolucdo ideoldégica efetuada pelas doutrinas dos economistas. Foram
eles que explodiram velhos dogmas: que é desleal e injusto superar um
competidor produzindo melhor e mais barato; que é iniquo desviar-se
dos métodos tradicionais de produg4o; que as maquinas sio um mal
porque trazem desemprego; que é tarefa do governo evitar que
empresarios fiquem ricos e proteger o menos eficiente na competicéo
com o mais eficiente; que reduzir a liberdade dos empresérios pela
compulsdo ou coergdo governamental em favor de outros grupos sociais
éum meio adequado para promover o bem-estar nacional. A economia
politica inglesa e a fisiocracia francesa indicaram o caminho do
capitalismo moderno. Foram elas que tornaram possivel o progresso
decorrente da aplicagdo das ciéncias naturais, proporcionando as massas
beneficios nunca sequer imaginados.
O que ha de errado com a nossa época é precisamente a difundida
ignorancia do papel desempenhado por essas politicas de liberdade
econémica na evolugdo tecnolégica dos ultimos duzentos anos. As
pessoas tornaram-se prisioneiras da falacia segundo a qual o progresso
nos métodos de produg4o foi contempor4neo 4 politica de laissez-faire
apenas por acidente. [ludidos pelos mitos marxistas, consideram o
estagio atual de desenvolvimento como o resultado da acdo de misteriosas10 ACAO HUMANA
“forgas produtivas” que nfo dependem em nada de fatores ideoldégicos.
A economia classica, estdo convencidos, ndo foi um fator no desenvol-
vimento do capitalismo, mas, ao contrario, foi seu produto, sua
“superestrutura ideologica”, foi uma doutrina destinada a defender os
interesses espurios dos exploradores capitalistas. Consequentemente, a
abolig&o do capitalismo e a substituigdo da economia de mercado e da
livre iniciativa pelo socialismo totalitdrio nio prejudicaria o ulterior
progresso da tecnologia. Ao contrdrio, promoveria o desenvolvimento
tecnoldgico pela remogio dos obstaculos que os interesses egoistas dos
capitalistas colocaram no seu caminho.
O trago caracteristico dessa era de guerras destrutivas e de
desintegragao social é a revolta contra a economia. Thomas Carlyle
denominava a economia de “ciéncia triste” e Karl Marx estigmatizou
os economistas como sicofantas da burguesia. Charlatdes — exaltando
suas pocdes magicas e seus atalhos para o paraiso terrestre— se satisfazem
em desdenhar a economia, qualificando-a como “ortodoxa” ou
“reaciondria”. Demagogos se orgulham do que chamam de suas vitérias
sobre a economia. O homem “pratico” alardeia sua ignorancia em
economia e seu desprezo pelos ensinamentos de economistas “teéricos”.
As politicas econémicas das ultimas décadas tém sido o resultado de
uma mentalidade que escarnece de qualquer teoria econédmica bem
fundamentada e glorifica as doutrinas espurias de seus detratores. O que
€é conhecido como economia “ortodoxa” nao é ensinado nas universidades
da maior parte dos paises, sendo virtualmente desconhecida dos lideres
politicos e escritores. A culpa da situagdo econémica insatisfatéria
certamente n4o pode ser imputada a ciéncia que os governantes e massas
ignoram e desprezam.
E preciso que se enfatize que o destino da civilizagdo moderna
desenvolvida pelos povos de raga branca nos ttlimos duzentos anos esta
inseparavelmente ligado ao destino da ciéncia econdmica. Esta
civilizagio péde surgir porque esses povos adotaram idéias que
resultavam da aplicagdo dos ensinamentos da economia aos problemas
de politica econédmica. Necessariamente sucumbird se as nagdes
continuarem a seguir o rumo que tomaram, enfeiticadas pelas doutrinas
que rejeitam o pensamento econémico.
E verdade que a economia é uma ciéncia tedrica e, como tal, se
abstém de qualquer julgamento de valor. Nao lhe cabe dizer que fins as
pessoas deveriam almejar. E uma ciéncia dos meios a serem aplicados
para atingir os fins escolhidos e ndo, certamente, uma ciéncia para
escolha dos fins. Decis6es finais, a avaliag4o e a escolha dos fins, nao
pertencem ao escopo de nenhuma ciéncia. A ciéncia nunca diz a alguém
como deveria agir; meramente mostra como alguém deve agir se quiser
alcangar determinados fins.INTRODUCAO ll
Para muita gente pode parecer que isso é muito pouco, e que uma
ciéncia limitada 4 investigagdo do é, e incapaz de expressar um
julgamento de valor sobre os mais elevados ¢ definitivos fins nao tem
qualquer importancia para a vida e a acdo humana. Isto também é um
erro. Entretanto, o desmascaramento desse erro n4o é tarefa destas notas
introdutorias. E um dos objetivos deste tratado.
4. Resumo
Estas observacées preliminares se faziam necessérias a fim de
explicar por que este tratado coloca os problemas econémicos no vasto
campo de uma teoria geral da agio humana. No estagio atual, tanto do
pensamento econdmico como das discussdes politicas acerca dos pro-
blemas fundamentais da organizac4o social, nado é mais possivel isolar
0 estudo dos problemas catalacticos. Estes problemas s4o apenas um
segmento de uma ciéncia geral da agdo humana, e s6 assim podem ser
tratados.PRIMEIRA PARTE
ACAO HUMANA
1.0 AGENTE HOMEM!
1. Acdo propositada e reacio animal
A gio humana é comportamento propositado. Também podemos dizer:
ac¢ao é a vontade posta em funcionamento, transformada em for¢a
motriz; é procurar alcangar fins e objetivos; é a significativa resposta
do ego aos estimulose as condi¢Ses do seu meio ambiente; é 0 ajustamento
consciente ao estado do universo que lhe determina a vida. Estas
parafrases podem esclarecer a defini¢io dada e prevenir possiveis
equivocos. Mas a propria definigéo é adequada e nao necessita de
complemento ou comentario.
Comportamento consciente ou propositado contrasta acentuada-
mente com comportamento inconsciente, isto é, os reflexos ¢ as respostas
involuntarias das células e nervos do corpo aos estimulos. As pessoas
tém uma tendéncia para acreditar que as fronteiras entre comportamento
consciente e a reagao involuntaria das forgas que operam no corpo
humano so mais ou menos indefinidas. Isto é correto apenas na medida
em que, as vezes, nao é facil estabelecer se um determinado compor-
tamento deve ser considerado voluntario ou involuntario. Entretanto, a
disting4o entre consciéncia e inconsciéncia é bastante nitida e pode ser
bem determinada.
O comportamento inconsciente dos érgaos e células do organismo,
para o nosso ego, é um dado como qualquer outro do mundo exterior. O
homem, ao agir, tem que levar tudo em conta: tanto o que se passa no seu
proprio corpo quanto outros dados externos, como por exemplo as
condigdes meteorologicas ou as atitudes de seus vizinhos. Existe, é
claro, uma certa margem dentro da qual o comportamento propositado
pode neutralizar o funcionamento do organismo. E factivel, dentro de
certos limites, manter o corpo sob controle. As vezes o homem pode
conseguir, pela sua forga de vontade, superar a doenga, compensar
1. A cxpressdo acting man é freqiiente em toda esta obra de Ludwig von Mises.
Por seu poder de sintese — que facilita a sintaxe sem trair a semadntica —
preferimos traduzi-la literalmente por “agente homem™, em vez de utilizar as
formas “homem em acao™ ou “homem que age”, como o fizeram as traducdes
francesa e espanhola, (N.T.)O AGENTE HOMEM 13
insuficiéncias inatas ou adquiridas de sua constitui¢4o fisica, ou suprimir
reflexos. Até onde isto seja possivel, estende-se 0 campo de acdo
propositada. Se um homem se abstém de controlar reagdes involuntarias
de suas células e centros nervosos, embora pudesse fazé-lo, seu
comportamento, do nosso ponto de vista, é propositado.
O campo da nossa ciéncia é a agéo humana e no os eventos psico-
logicos que resultam numa agao. E isto, precisamente, que distingue a
teoria geral da agéo humana, praxeologia, da psicologia. O objeto da
psicologia s&o os fatores internos que resultam ou podem resultar numa
determinada acgio. O tema da praxeologia é a agio como tal. E isto
também que estabelece a relago entre a praxeologia e o conceito
psicoanalitico do subconsciente. A psicandlise também € psicologia, e
nao investiga a agdo, mas as forgas e fatores que impelem o homem a
agir de uma determinada maneira. O subconsciente psicanalitico é uma
categoria psicoldgica e nao praxeolégica. Quer uma ago provenha de
uma clara deliberagdo, quer provenha de memérias esquecidas e desejos
reprimidos que, das profundezas onde se encontram, dirigem a vontade,
sua natureza no se altera. Estdo agindo tanto o assassino, cujo impulso
subconsciente (o id) conduz ao crime, quanto o neurético, cujo Com-
portamento aberrante parece sem sentido para o observador superficial;
ambos, como todo mundo, procuram atingir certos objetivos. E mérito
da psicandlise ter demonstrado que mesmo o comportamento de
neurdéticos e psicopatas tem um sentido, que eles também agem com 0
objetivo de alcangar fins, embora nds, que nos achamos normais e s4os,
consideremos sem sentido o raciocinio que lhes determina a escolha de
fins, e inadequados os meios que escolhem para atingir esses fins.
O termo “inconsciente”, como usado pela praxeologia, e os termos
“subconsciente” e “inconsciente”, como aplicados pela psicanélise,
pertencem a dois diferentes sistemas de pensamento e pesquisa. A
praxeologia, néo menos que outros campos do conhecimento, deve muito
a psicanalise. Portanto, é ainda mais necessério perceber bem a linha
que separa a praxeologia da psicologia.
Agdo nfo é simplesmente uma manifestagio de preferéncia. O
homem também manifesta preferéncia em situagdes nas quais eventos
€ coisas sdo inevitdaveis ou se acredita que o sejam. Assim sendo, o
homem pode preferir bom tempo a chuva e pode desejar que o sol disperse
as nuvens. Aquele que apenas almeja ou deseja nfo interfere ativamente
no curso dos acontecimentos nem na formag4o de seu destino. Por outro
lado, o agente homem escolhe, determina e tenta alcangar um fim. Entre
duas coisas, nio podendo ter ambas, seleciona uma e desiste da outra.
Agio, portanto, sempre implica tanto obter como renunciar.
Expressar desejos e esperangas ou anunciar uma ago planejada14 ACAO HUMANA
podem ser formas de agdo, na medida em que tenham o proposito de
atingir um determinado objetivo. Mas ndo devem ser confundidas com
as acdes a que se referem, nao so idénticas as agdes que anunciam,
recomendam ou rejeitam. Ag4o é algoreal. O que conta € o comportamento
total do homem e no sua conversa sobre agées planejadas, mas nao
realizadas. Por outro lado, é preciso distinguir claramente agdo e
trabalho. Agao significa o emprego de meios para atingir fins.
Geralmente, um dos meios empregados € o trabalho do agente homem.
Mas nem sempre é assim. Em circunstancias especiais, apenas uma
palavra é necessaria: quem emite ordens ou proibigdes pode estar agindo
sem que esteja realizando trabalho. Falar ou nfo falar, sorrir ou ficar
sério podem ser ages. Consumir e divertir-se sdo agSes tanto quanto
abster-se do consumo e do divertimento que nos s4o acessiveis.
A praxeologia, portanto, nao distingue o homem “ativo” e enérgico
do homem “passivo” ¢ indolente. O homem vigoroso que diligentemente
se empenha em melhorar suas condigdes age tanto quanto o homem
letérgico que indolentemente aceita as coisas como lhe acontecem.
Porque nao fazer nada e ser indolente também s4o agdes-e também
determinam o curso dos eventos. Onde quer que haja condi¢des para
interferéncia humana, o homem age, pouco importando se o faz por meio
de aco ou omissdo. Aquele que aceita o que poderia mudar age tanto
quanto aquele que interfere no sentido de obter um resultado diferente.
Um homem que se abstém de influenciar o funcionamento de fatores
psicoldgicos e instintivos também age. Ago é nfo somente fazer, mas,
ndo menos, omitir aquilo que possivelmente poderia ser feito.
Podemos dizer que ag4o € a manifestagao da vontade humana. Mas
isto ndo acrescentaria nada ao nosso conhecimento. Porque o termo
vontade significa nada mais do que a faculdade do homem de escolher
entre diferentes situagées; preferir uma, rejeitar outra, e comportar-se
em conson4ncia com a decisao tomada, procurando alcangar a situagdo
escolhida e renunciando a outra.
2. Os pré-requisitos da agio humana
Chamamos contentamento ou satisfagdo aquele estado de um ser
humano que nao resulta, nem pode resultar, em alguma agdo. O agente
homem esta ansioso para substituir uma situag4o menos satisfatéria por
outra mais satisfatéria, Sua mente imagina situagdes que the sfo mais
propicias, e sua acdo procura realizar esta situa¢4o dese} ada. O incentivo
que impele o homem 4 agio € sempre algum desconforto.~ > Um homem
2. Cf. Locke. An Essay Concerning Human Understanding, Oxford, Fraser,
1894, vol. 1, p. 334-333: Leibniz, Nouveaux essais sur Ventendement humain.
Flammarion. p.119.O AGENTE HOMEM 15
perfeitamente satisfeito com a sua situagio nao teria incentivo para
mudar as coisas. Nao teria nem aspiracdes nem desejos; seria per-
feitamente feliz. NSo agiria; viveria simplesmente livre de preocupagoes.
Mas, para fazer um homem agir, nfo bastam o desconforto e a
imagem de uma situagdo melhor. Uma terceira condigao ¢ necessaria:
a expectativa de que um comportamento propositado tenha o poder de
afastar ou pelo menos aliviar o seu desconforto. Na auséncia desta
condigiio, nenhuma ag4o ¢ vidvel. O homem tem de se conformar com
o inevitavel. Tem de se submeter a sua sina.
Estas sio as condigdes gerais da agdéo humana. O homem ¢ um ser
que vive submetido a essas condigSes. E ndo apenas homo sapiens, mas
também homo agens, Seres humanos que, por nascimento ou por defeitos
adquiridos, sio irremediavelmente incapazes de qualquer acgio (no
estrito senso do termo e nao apenas no senso legal), praticamente nfo
sao humanos. Embora as leis e a biologia os considerem homens, falta-
lhes a caracteristica essencial do homem. A crianga recém-nascida
também no é um ser agente. Ainda nao percorreu o caminho desde a
concepgio até o pleno desenvolvimento de suas capacidades. Mas, ao
final desta evolugd4o, torna-se um ser agente.
Sobre a felicidade
Coloquialmente dizemos que alguém é “feliz” quando consegue
atingir seus fins. Uma descrigdo mais adequada deste estado seria dizer
que est4 mais feliz do que estava antes. Entretanto, néo hé nenhuma
objegao valida ao costume de definir a agdéo humana como a busca da
felicidade.
Mas devemos evitar equivocos geralmente accitos por todos. O
objetivo final da agéo humana ¢, sempre, a satisfagdo do desejo do
agente homem. Nao ha outra medida de maior ou menor satisfagado, a nio
ser ojulgamento individual de valor, diferente de uma pessoa para outra,
€ para a mesma pessoa em diferentes momentos. O que faz alguéem
sentir-se desconfortaével, ou menos desconfortavel, é estabelecido a
partir de critérios decorrentes de sua propria vontade e julgamento, de
sua avaliacdo pessoal e subjetiva. Ninguém tem condigées de determinar
o que faria alguém mais feliz.
Estabelecer este fato de forma alguma o identifica com as antiteses
de egoismo e altruismo, de materialismo e idealismo, de ateismo e
religido. Ha pessoas cujo unico propdsito é desenvolver as
potencialidades de seu proprio ego. Ha outras para as quais ter consciéncia
dos problemas de seus semelhantes Ihes causa tanto desconforto ou até
mesmo mais desconforto do que suas préprias caréncias. Ha pessoas que16 ACAO HUMANA
desejam apenas a satisfag#o de seus apetites para a relagdo sexual,
comida, bebida, boas casas e outros bens materiais. Mas existem aquelas
que se interessam mais por satisfagdes comumente chamadas de “ideais”
ou “elevadas”. Existem pessoas ansiosas por ajustar suas agdes as
exigéncias da cooperacdo social; existem, por outro lado, pessoas
refratérias, que desprezam as regras da vida social. Ha pessoas para
quem o objetivo final da peregrinacdo terrestre é a preparagdo para uma
vida beata. Ha outras que nao acreditam nos ensinamentos de nenhuma
religido e nio permitem que suas agdes sejam influenciadas por eles.
A praxeologia é indiferente aos objetivos finais da ago. Suas
conclusées sao validas para todos os tipos de agdo, independentemente
dos objetivos pretendidos. E uma ciéncia de meios e ndo de fins.
Emprega o termo felicidade no sentido meramente formal. Na
terminologia praxeoldgica, a proposig4o “o Unico objetivo do homem é
alcangar a felicidade” é tautol6gica. Nao implica nenhuma afirmagao
sobre a situagdo da qual o homem espera obter felicidade.
O conceito segundo o qual o incentivo da atividade humana é sempre
algum desconforto e que seu objetivo é sempre afastar tal desconforto
tanto quanto possivel, ou seja, fazer o agente homem sentir-se mais
feliz, é a esséncia dos ensinamentos do eudemonismo e do hedonismo.
A ataraxia epicurista € aquele estado de perfeita felicidade e
contentamento que toda atividade humana pretende alcangar, sem
nunca atingi-lo plenamente. Face 4 importancia desta percep¢do, tem
pouco valor o fato de que muitos representantes dessa filosofia tenham
falhado em reconhecer o caréter meramente formal das nogédes de “dor”
e “prazer” e lhes tenham dado um significado carnal e material. As
doutrinas teolégicas e misticas, bem como as de outras escolas de uma
ética heteronémica, nao abalaram a esséncia do epicurismo porque nao
puderam levantar outras objegdes além de sua negligéncia em relagdo
aos prazeres “nobres” e “elevados”. E verdade que os escritos de
muitos dos primeiros defensores do eudemonismo, do hedonismo e do
utilitarismo sdo, em muitos aspectos, passiveis de mal-entendido. Mas
a linguagem de fildsofos modernos e, mais ainda, aquela dos economistas
modernos € tio precisa e direta que nado deixa margem a equivocos.
Sobre instintos e impulsos
O método utilizado pela sociologia dos instintos nfo favorece a
compreensio dos problemas fundamentais da agdo humana. Essa escola
classifica os varios objetivos concretos da ag¢do humana e atribui a cada
classe um instinto especifico como seu propulsor. O homem é considerado
um ser guiado por varios instintos e propensées inatos. Supde-se que estaOAGENTE HOMEM 17
explicagdo arrasa de uma vez por todas com os ensinamentos odiosos da
economia e da ética utilitéria, Entretanto, Feuerbach ja observara
corretamente que todo instinto é um instinto para a felicidade.” O
metodo usado pela psicologia do instinto e pela sociologia do instinto
consiste numa classificagdo arbitraria dos objetivos imediatos da agdo
euma hipéstase de cada um deles. Onde a praxeologia diz que 0 objetivo
de uma ago é remover algum desconforto, a psicologia do instinto o
atribui 4 satisfagdo de um impulso instintive
Muitos defensores da escola do instinto estéo convencidos de terem
provado que a agio nfo é determinada pela raz4o, mas provém das
insondaveis profundezas das forgas, impulsos, instintos e propensdes
inatas que ndo sao passiveis de qualquer explicag&o racional. Estado
certos de terem conseguido revelar a superficialidade do racionalismo
e desacreditar a economia, comparando-a a um tecido de conclusdes
falsas extraidas de falsas pressuposigées psicolégicas.* No entanto,
racionalismo, praxcologia ¢ economia nfo lidam com as causas ¢
objetivos finais da agdo, mas com os meios usados para aconsecugdo do
fim pretendido. Por mais insondaveis que sejam as profundezas de onde
emerge um impulso ou instinto, os meios que o homem escolhe para
satisfazé-lo sdo determinados por uma considerag4o racional de custos
¢ beneficios.”
Quem age por impulso emocional também exerce uma agdo. O que
distingue uma acdo emocional de outras ag&es é a avaliacHo do seu custo
e do seu beneficio, Emogdes perturbam as avaliagées. Para quem age
arrebatado pela paixdo, 0 objetivo parece mais desejdvel eo prego aser
pago parece menos oneroso do que quando avaliado friamente. Ninguém
contesta que, mesmo agindo emocionalmente, o homem avalia meios e
fins ¢ dispSe-se a pagar um preco maior pela obediéncia ac impulso
apaixonado. Punir de forma mais suave ofensas criminais cometidas
num estado de excitagdo emocional ou de intoxicagao do que se punem
outras ofensas equivale a encorajar tais excessos. A ameaga de severa
retaliag&o nao deixa de frear mesmo as pessoas guiadas por uma paixdo
aparentemente irresistivel.
Interpretamos 0 comportamento animal com a pressuposi¢&o de que
o animal cede aos impulsos que prevalecem no momento. Como
3. CE Feuerbach, Sammiliche Werke. Stuttgart. Bolin and Jodl. 1997, vol. 10,
p. 231.
4. CE William McDougall. Am Introduction of Social Psychology. 14. ed.
Boston, 1921, p. 11.
5. CF Mises, Eptstemological Problems of Economics, Prad. G. Reisman, Nova
lorque, 1960, p.52 € segs.