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| = Sa Cc | |_ Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat [orgs.] A construgao social dos regimes autoritarios Legitimidade, consenso e 4 consentimento no século XX 4 Brasil e América Latina CIVILIZAGAO BRASILEIRA Rio de Janeiro 2011 |p mesnnen , + —— i Tq) ee pyright ©2010 by Denise Rollemberg e Samantha Vie Quadest, [PARASIL. CATALOGAGAO.NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C275 cones soil dos egies aos: Brae Amd Latin +2 volume Il Derib Rllemberg e Samantha Quadet(eganzader); |Sadusio Mara Alsta Brum mon Sia de Soura Cova io de Jaco: Caio Baer, 2011 * Inca: bblogain ISBN 978-45-200-1015.0 1, Autorama ~ Andre Latin, 2. Astor ~ Ret 3. Are Latina «Pais egorera. 4 Bra Taliten «gore. Solo poles 1. Rolember, Dense, 1963. Quades, Samantha cpp: 32198 suesoss Du: 321.6808) Todos os dieitos reservados. Proibida a reprodugio, armazenamento ou stansmissio de partes deste lo, através de quasquer meis, sem previa autorizagie por escrito ‘Texto revisdo segundo o nova Acordo Ortogrifico da Lingua Portugues Direitos desta edigso EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA Um slo ds EDITORA JOSE OLYMPIO LTDA ‘Rua Argentina 171 - 20921-380 ~ Rio de Jani, RJ ~ "Tel: 2585-2000 Seja um leitor preferencial Record (Cadaste-se ereecba informagbes sobre nosos Jangamentos © nossas promogses. Atendimento¢ venda deta 30 let: rdiretoterecord.comzbr ou (21) 2585-2002. Impresso no Brasil 2011 |p mesnnen A habitual antitese “Estado” versus “sociedade” € talvez, inadequada quando se deseja estudar as relagdes entre ambas as coisas. Caso se aceite a hipstese de os Estados, mesmo arbitrérios, serem parte de um todo mais amplo e que o fato de permanecerem arbitrérios produzird resulta~ dos catastréficos, é preciso elaborar um conceito de Estado que dé margem ao estabelecimento de conexbes entre a drea politica e as demais dreas da vida social. MOSHE LEWIN, O fendmeno Gorbachev. Uma interpretagao histsrica Um vibrato do inacabado que anima repentinamente todo um passado, wm presente pouco a pouco aliviado de seu autismo, wana inteligibilidade perseguida fora de alamedas, percorridas: € um pouco isto a histdria do presente, JEAN-PIERRE RIOUX, “Pode-se fazer uma histéria do presente?” _| = + Cc | |_ Sumario APRESENTAGAO 11 PARTE 1 Brasil 33 caviruto 1 Estado Novo: ambiguidades ¢ herangas do autoritarismo no Brasil 35 ‘Angela de Castro Gomes caviruto 2 Celebrando a “Revolugao”: as Marchas da Familia com Deus pela Liberdade e 0 Golpe de 1964 71 Aline Presot capiruto 3 As trincheiras da meméria. A Associagio Brasileira de Imprensa e a ditadura (1964-1974) 97 Denise Rollembers caviruto 4 “Vencer Sata sé com oragées”: politicas culturais e cultura de oposigio no Brasil dos anos 1970. 145 Marcos Napolitano || Seetnnere , ca eons \[ caviruto 5 Simonal, ditadura e meméria: do cara que todo mundo queria ser a bode expiatério 175 Gustavo Alonso caviruto 6 As atividades politico-partidérias e a producio de consentimento durante o regime militar brasileiro 219 Alessandra Carvalho caviruto 7 “Saudacées arenistas”: a correspondéncia entre partidarios da Alianga Renovadora Nacional (Arena), 1966-1979 251 Lucia Grinberg capiruto 8 Desbundar na TV: militantes da VPR e seus arrependimentos piblicos 279 Beatriz Kushnir PARTE 2 América Latina 305 caviruto 1 © peronismo e a classe trabalhadora, 1943-1955 307 Daniel James cavtruto 2 A revolugéo ¢ 0 socialismo em Cuba: ditadura revolucionatia ¢ construgio do consenso 363 Daniel Aario Reis || Seetnnere . ca “anes \[ caviruto 3 “Data feliz” no Paraguai. Festejos de 3 de novembro, aniversério de Alfredo Stroessner 393 Myrian Gonzilez Vera caviruto 4 Stroessner ¢ “Eu”: a cumplicidade social com a ditadura (1954-1989) 437 Miguel H. Lopez capiruto s © lado escuro da lua. © momento conservador em 1968 471 Ariel Rodriguez Kuri caPiTuto 6 A oposigao juvenil A Unidade Popular 521 Samantha Vie Quadrat caviruto 7 “Uma parte do povo uruguaio feliz, contente, alegre”: os caminhos culturais do consenso autoritério durante a ditadura 563 ‘Aldo Marchesi caviruto 8 Testemunhas e vizinhos: a ditadura na Grande Rosério (Argentina) 597, Gabriela Aguila cavtruto 9 Entendendo as ad ' cidadas ao governo de Alberto Fujimori 615 Romeo Grompone || Seetnnere ° ca “anes \[ _| = + Cc | |_ =|; » . eons Apresentacao Meméria, histéria e autorit ‘Tem sido frequente em sociedades que passaram por regimes autoritarios ou ditaduras, sucedidos por regimes democriticos, a construgio de uma meméria segundo a qual o autoritarismo 36 foi possivel em fungio de ins- tituigées e préticas coercitivas e manipulatérias. Por muito tempo, a énfase das abordagens das experiéncias esteve no poder das forcas coercitivas; 0 Angulo de observacio do historiador, o Estado; 0 objeto a ser buscado € valorizado, a resistencia, O principal problema que as interpretagées colo: caram, provavelmente, é n4o ter compreendido os regimes autoritarios € as ditaduras como produto social. As explicagdes que partem das oposi- ges vitima e algoz, opressor e oprimido, buscando respostas na repressio, nna manipulagdo, no desconhecimento (nds nao sabfamos), embora sedutoras — explicam tudo sem muito esforgo e sem colocar o dedo na ferida levaram a distorgoes consideraveis. Apegadas 4s necessidades do presente, essas construgées acabam por encobrir o passado, 0 presente, os valores € as referéncias das sociedades que sobrevivem as rupturas, pontes de conti- muidade, a sinalizar possibilidades de futuro, Nas iiltimas décadas, entretanto, houve uma renovagao das abordagens das relages entre sociedades e regimes autoritérios e ditatoriais. Os estu dos dos anos 1970 ¢ 1980 sobre os fascismos — em particular o nazismo ¢ a Franga sob a Ocupagio e o Regime de Vichy — tiveram um destacado papel nessa revisio. Num movimento que esteve aquém ¢ além dos muros da academia, so- ciedades que viveram a experiéneia — ou herdaram a sua meméria — par- ticiparam, e ainda participam, do desconfortavel proceso de refletir sobre =|; . , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI simesmas em face do autoritarismo. Diante do espelho, nao raro, descobrem- se mesmo como parte de sua engrenagem, a gesté-lo, a alimenté-lo, Em todo caso, as respostas variaram nesse percurso, que esteve longe de ser retilineo, estendendo-se ao longo das décadas. Nao é 0 caso de desenvolvermos aqui 0 debate. Apenas lembrar como as dicotomias estrtas, frequentes a principio, como colaboracionismo ow resistencia, deram lugar a um quadro mais com. plexo ¢ fino das muitas relagdes possiveis das sociedades com os regimes au- toritérios e ditatoriais. Nele aparecem as ambivaléncias,* estranhas aos maniqueismos estranhos aos humanos, ambivaléncias que revelam, a0 con: tririo, as duplicidades formatadas nos moldes dos homens ¢ mulheres. [No Brasil, um tema central da histéria contempordnea também foi re- visto, recentemente. Nos anos 1980, Angela de Castro Gomes rompeu com uma andlise consagrada na historiografia, segundo a qual o populismo inau- gurado nos anos 1930 sustentava-se fundamentalmente a partir da repres- sio e da manipulagao das massas pelo ditador.* Angela Gomes compreendeu o trabalhismo de Gevilio Vargas, a0 contrario, a partir das relagdes de iden- tidade, compromissos, interesses estabelecidos entre o regime ¢ os traba- Ihadores. Desde entdo, intimeras pesquisas tematicas tomaram a tese como sncial tedrico, levando a revisio do perfodo, da cultura politica da nossa hist6ria contempornea. Pensando ainda o Brasil, mas o da iitima ditadura (1964-85), embora jé cexista uma vasta bibliografia sobre o periodo, pouco se pesquisou e escre- veu no sentido de compreender as relagées da sociedade com o regime inaw: gurado em 31 de margo. Os estudos se concentram no sistema ¢ nos instrumentos repressivos ¢ nas resisténcias. Como ironizou Daniel Aarao Reis, de acordo com a meméria construida desde o fim da década de 1970, todos se tornaram resistentes ¢ democratas, restando a pergunta: ditadura se manteve por 21 anos? Enigma indecifravel. A academia, jé tendo produzido tanto sobre a ditadura, mas tio pouco sob esse Angulo, contri- bui, de certa forma, contraditoriamente, para esse desconhecimento. Quanto as ditaduras latino-americanas da segunda metade do século XX, em especial as da década de 1970, apenas recentemente, ¢ ainda de manei- 1a timida, os historiadores tém se interessado em atravessar as fronteiras que os levam além das histérias das resistencias e da violéncia do Estado. =|; » . eon, APRESENTAGAO Com isso, arriscando-se em temas que colocario a sociedade diante do es- pelho, que indicarao pontes que uniram continentes onde se viam univer- s0s isolados. Devemos observar que mesmo os estudos sobre a repressio politica poderiam ter rompido com o bindmio anteriormente identificado, No en- tanto, permaneceram em grande parte voltados para a dentincia (instru: mento mais do que necessério no inicio da redemocratizacio), a descri¢ao das torturas e dos centros de detengio. $6 hé pouco tempo os pesquisado- res buscaram entender a formagio daqueles que atuavam na repressio: quem cram, suas ideias e visdes de mundo forjadas nos treinamentos nacionais ¢ internacionais. Ver © homem, € no 0 “monstro do torturador”, tem sido ‘uma preocupacio desses trabalhos. O homem com a cara-de-qualquer-um, saido da sociedade, nada estranho a ela, portanto. Nao sendo suportavel acreditar que a barbétie foi aceitavel, criou-se a figura do torturador nao A imagem e semelhanga de homens e mulheres, mas de seres loucos, mons- tos, anormais, como se Mal néo fizesse parte da humanidade. Em senti- do inverso, mas seguindo a mesma logica, a rejeicio a0 Hitler doce e sensivel do filme A queda.* Enquanto estivermos procurando torturadores sem ros- tos humanos, longe estaremos de compreender a barbarie como criagao de homens e mulheres, gestada em nosso meio. Da mesma maneira, ainda pensando a historiografia latino-americana, ampliou-se 0 debate sobre o quio clandestina poderia ter sido a violencia politica, na medida em que os principais centros de repressio estavam no perimetro urbano, ao lado de escolas, residéncias etc., e nao nos chamados poroes, Discutir a indiferenca e/ou o silencio frente a violéncia nos perfo- dos ditatoriais é também compreender como essas sociedades se relacio- nam hoje, em tempos democraticos, com os arbitrios praticados pelas forcas, de seguranga do Estado, mais notoriamente as polici Os movimentos de resisténcia a regimes autoritsrios e ditaduras tém sido, «em geral, supervalorizados em experiéncias do século XX, seja quanto as suas ddimensdes quantitatvas seja quanto as qualitativas. Sem desconsideré-los,in- clusive como objetos de pesquisa, nao raramente essa énfase esté ligada a uta politica, que acaba por encobrir o papel que tiveram num contexto marcado pelo consenso e pelo consentimento em torno de um regime autoritario. =|; a , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI Falar das resistencias ¢ também — para além das reconstrugdes a posteriori anteriormente referidas — uma maneira de afirmar a sobrevivéncia do li- vre-arbftrio, mesmo em situagies as mais adversas, Passado 0 confronto — da afirmagio, da luta contra a negag4o, mesmo que as tiranias jamais te- nham desaparecido — é preciso superi-lo, ir adiante. © trabalho militante diferencia-se, pois, do trabalho do historiador. Em determinados meios— mesmo académicos —ainda sobrevive acren- «a segundo a qual afirmar a legitimidade de um regime autoritério ou dita- torial, 0 apoio de significativas parcelas da sociedade, sobretudo quando se trata de camadas populares, é 0 mesmo que defendé-los. Como se a luta politica contra 0 autoritarismo ¢ a ditadura justificasse a deformagio da andlise, da interpretacéo, da informagdo. Nao compartilhamos dessas po- siges, Afirmar que um tirano foi amado por seu povo nao significa con- cordar com a tirania, apoiar suas ideias e praticas. Tampouco o falseamento das relagdes da sociedade com 0 autoritarismo deve ser um instrumento valido e itil para combaté-lo. Ao contrario, Conhecé-las é primeiro pas- so para transformé-las, Sao 0s valores e as referéncias, as culturas politicas «que marcam as escolhas, sinalizando relagées de identidade e consentimento, criando consensos, ainda que com o autoritarismo, Alias, a deturpagio da informacio, do conhecimento, nao seria também um ato autoritério? Motivadas por essas tendéncias historiogréficas e pretendendo contri- buir nessa diregio, propusemos, na linha de pesquisa meméria ¢ histéria, do Niicleo de Estudos Contemporineos da Universidade Federal Flumi nense, uma coletinea (embora nao seja necessariamente de meméria) ca- paz de reunir textos sobre diversos regimes autoritérios e ditatoriais do século XX, em diferentes momentos e continentes — América Latina, Eu- ropa, Africa ¢ Asia —, basicamente a partir de duas questées-cixo: como um regime autoritirio/uma ditadura obteve apoio e legitimida- de na sociedades — como os valores desse regime autoritério(ditatorial estavam presen: tes na sociedade e, assim, tal regime foi antes resultado da prépria constr io social. =|; . eon, APRESENTAGAO Sao artigos que tratam de situagdes concretas, pafses de culturas, tradi- des e passados os mais variados, nos quais a construgio do consenso e a busca do consentimento estiveram centradas nas caracteristicas que os de- finiam: paises ricos, pobres, capitalistas, socialistas, de passado colonial, de passado colonialista, saidos de guerras, rumando em sua diregios pafses nos quais a religido fundira-se com 0 Estado, nos quais o Estado laico era a re- ligido; paises em que os aspectos religiosos pouco importaram; paises nos quais supostamente havia uma democracia consolidada, nos quais a demo- cracia talvez fosse apenas uma palavra; paises onde se pode trabalhar & von- tade com os conceitos de sociedade ¢ Estados paises onde isso nao é evidente, a0 contritio, outros conceitos expressam melhor uma formagio histérica muito diferente da ocidental. Assim, como veremos, os conceitos Estado, democracia e sociedade ganham significados préprios em tempos e lugares tio diversos. Enfim, as diferengas so muitas, 0 que enriquece a reflexao, mas tam aponta limites. Enriquece porque mostra como em situagdes muito diferei tes entre sia possibilidade do consenso ¢ do consentimento em torno de re- simes autoritérios e ditatoriais foi uma realidade no século XX. Dificulta na ‘medida em que o estado da historiografia quanto & proposta sugerida é desi- gual. Como ja dissemos, enquanto para determinados regimes jé existe uma produgio significativa nessa linha, para outros essa abordagem nao ¢ visivel, ‘© que colaborou na selego dos paises aqui tratados. Mesmo que haja pesqui- sadores desenvolvendo esse ponto de vista, a bibliografia est longe de ser abundante. Dificuldades também surgem quando pensamos conceitos tais como Estado, ditadura, democracia, sociedade em paises com formacées, préprias, distantes do suposto universalismo ocidental. Quanto ao Brasil, nos concentramos no perfodo da ditadura civil-mili- tar, pois, sem dtivida, para o Estado Novo a questio das relagées entre re- gime autoritario ¢ sociedade est4 bem mais desenvolvida. Conseguimos, entio, reunir autores da nossa diltima ditadura, que vém desenvolvendo suas, pesquisas nessa dire¢io, nada comum até recentemente, No caso da América Latina, alguns autores j& trabalhavam seus temas segundo a abordagem que nos interessava; para outros, foi um desafio. Separamos 0 Brasil, pois sobre ele concentramos um niimero maior de ar- tigos em relagio aos demais paises latino-americanos. =|; . , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI Enfim, o debate ja presente na historiografia nos estimulava a pensé-lo para além das fronteiras geogrificas, culturais ¢ temporais nas quais se ins- crevia; agugava a curiosidade de historiador de imaginé-to onde permane- cia ausente, mesmo em paises ¢ continentes povoados por ditaduras Aqui encontramos algumas das experiéncias de regimes autoritérios no século passado, O leitor lembrard de outras. Afinal, quantos volumes seriam, necessarios para reunir todas? O Vietna de Ho Chi Minh, o Egito de Nasser, a Roménia de Ceausescu, a Turquia de Atatiirk, a lugoslavia de Tito, a Uganda de Idi Amin... Nem sempre houve entre nés — autores ¢ organizadoras — uma posi- 40 comum quanto ao entendimento se determinado regime era — é — autoritario € mesmo uma ditadura. Cuba de Fidel Argentina de Perén sio casos, entre outros, polémicos. Angola e Mogambique pés-libertagao nacio- nal. © México do Partido Revolucionério Institucional (PRI), em 1968, con- siderado por uns autoritério, por outros, como o escritor Mario Vargas Llosa, 4 ditadura perfeita. Assim, os recortes de tempo ¢ lugar de cada artigo nao comprometem as posigaes do conjunto dos autores, Esclarecemos ainda que consideramos a historiografia — sua existéncia e seu mérito — que nao concebe determinados governos ou regimes aqui trabalhados como autoritarios ou ditatoriais. Que a coletinea, ento, possa enriquecer o debate, dialo- gando com scus autores. ‘A intencio, a0 reunir pesquisadores de universidades ¢ centros de estu- do que trabalham com essa abordagem ¢ lancar o desafio a outros colegas, foi refletir sobre as relagbes complexas entre antoritarismo e democracia no século XX. A luta politica contra o autoritarismo talvez tenha levado a uma superestimagio das aspiracdes democréticas dos povos, segundo a for- mula o mundo marcha para a democracia. Na verdade, a historia do século mostra como, nao raro, 0 autoritarismo € que foi a reivindicagao. Nao afirmamos que sempre ou na maior parte das vezes foi assim. Estamos di- zendo que muitas vezes ocorreu dessa forma, em momentos diferentes do século, em paises com caracteristicas muito distintas. Af esta o nosso objeto de estudo. E preciso, pois, perceber a dimensio que a democracia — ou 0 desejo de democracia — teve no século XX, no em fungio do quanto gos- tarfamos que tivesse sido, mas confrontada com as bases sociais das expe- rigncias autoritérias. =|; » . eon, APRESENTAGAO Muito menos a intengao foi fazer uma caga as bruxas. A governos, regi- mes, sociedades e personagens, Como ja aprendemos, nesse movimento, a bruxa torna-se o proprio cagador e das cinzas da fogueira nao saem respos- tas As questdes do historiador, nem mesmo algo de que possa se orgulhar. ( que se quer é compreender como, ao longo do século XX, 0 consen- s0, frequentemente, se formon em padrdes no democraticos, sem que essa auséncia tenha sido percebida pela sociedade contemporénea como um problema. Portanto, interessa verificar concretamente como os consensos foram criados; como as acomodacées de interesses fizeram-se em regimes autoritarios através de mecanismos traduzidos em ganhos materiais e/ou simbélicos para as sociedades. Se a resistencia e a meméria da resisténcia sempre identificaram as dita- duras a tirania, veremos como, nao raramente, estas foram reivindicadas até mesmo como salvadoras da propria democracia, dos valores nacionais € sociais, como o jinico caminho, 0 fio condutor da transformagao radical da sociedade, Em diferentes circunstancias, a democracia é que foi rejeitada. Aintengio, entao, € entender como os ditadores foram amados — quan- do se trata de ditaduras pessoais — ndo porque temidos, mas, provavel- mente, porque expressavam valores ¢ interesses da sociedade que, em dado momento, eram outros que nao os democraticos. Em questo, portanto, tum senso comum e uma historiografia que veem 0 desejo de democracia com mais frequéncia do que se pode constatar historicamente, Que esta coletinea de textos sobre experigncias autoritarias e ditato riais no século XX, legitimadas pelo apoio de significativas parcelas da so- ciedade, sobretudo pelas camadas populares, sirva nao para justfies-las, mas para compreendé-las. Que contribua para a percepgio do autoritarismo como trago de unido do pasado ¢ do presente, das presencas que sobrevi- vem as rupturas, que acompanham as mudangas. Que se some a uma historiografia que rompeu com as nocées de opressio/oprimidos, coerio- todo-poderosa, propaganda-manipuladora-sedutora, Estado versus socie- dade. Que se distancie de uma hist6ria do Bem contra 0 Mal, a aliviar a humanidade das suas supostas desumanidades, mas que a condena ao des- conhecimento de si mesma, _|| Zi + Ca =|; . , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI TEORIAS, DEFINIGOES, REFLEXOES Democracia e ditadura so dois termos oriundos da Antiguidade. A demo- cracia foi criada em Atenas, Grécia, ¢ apontava para uma maior participa- Gio dos cidadios nas decisdes politicas, ainda que excluisse mulheres, estrangeiros ¢ escravos. J4 o termo ditadura apareceu pela primeira vez no periodo da Repablica romana. Com sentido positivo, era uma institui¢ao convocada diante de uma situagio de emergéncia, prevista pela Constitui- 40 e “com poderes extraordinarios, mas legitimos ¢ limitados no tempo”.* Ao longo da hist6ria, as concepgies de democracia e ditadura foram (sio) permanentemente reconstruidas por diferentes sociedades. Atualmente, se a democracia no mundo ocidental é consagrada pela maxima wm governo do povo, para o povo e pelo povo, a ditadura acabou tornando-se sindnimo de tirania em oposicio direta 8 democracia. No senso comum, um governo nao democritico é imediatamente rotulado de ditatorial, No entanto, se o conceito de democracia é aparentemente de mais fécil compreensio — um sistema de governo para ser democrético deve apre- sentar eleigoes regulares, sem fraudes e realmente competitivas, liberdade de imprensa e de organizacao, alternancia no poder, independéncia dos trés poderes € o dircito de qualquer cidadao votar ¢ ser votado’ —, a questio da definigio de ditadura nos remete a um dilema. f possivel classficar to- dos os governos nao identificados com esses padrdes sob um mesmo con- ceito? Nesta coletinea, por exemplo, temos governos considerados ditaduras pessoais, militares, civis-militares, de esquerda, de direita. Como falamos anteriormente, no caso de algumas experiéneias historicas aqui trabalhadas, nao ha consenso sobre a sua definigio. Nesse sentido, nao sio percebidas como ditaduras, mas regimes autoritarios. E outras, ainda mais singulares, nem ditaduras nem regimes autoritarios, mas exemplos de democracia. ‘A auséncia de uma boa definigao de ditadura é considerada um proble- ‘ma por vérios autores de periodos e posigées politicas © académicas dife- rentes que se dedicaram ao tema no século XX. F 0 caso do jurista alemao Carl Schmitt, no livro A ditadura,’ e de Franz Neumann, no artigo “Notas sobre a teoria da ditadura”.* =|; » . eon, APRESENTAGAO O livro de Carl Schmit foi publicado pela primeira vez em 1921, portan- to antes da constituigio dos governos fascistas do século XX.” No prélogo da primeira edigéo, Schmitt afirmava que, até entdo, o termo politico ditadu- za permanecera confuso, o que explicava, a0 mesmo tempo, a sua enorme popularidade, bem como a aversio dos eruditos do dieito a admiti-o." Para Schmitt, de uma maneira geral, podemos chamar de ditadura 4 toda excepcién de una situacién considerada como justa, por lo que esta palabra [ditadura]desgna ya una excepcin de a democraca, ya una excepcién de los derechos de libertad garantizado por la Consttucién, ya una excepeién de la separacién de los poderes o bien (como ella flosofia de la historia del siglo XIX) una excepcién del desarrollo orginico de las cosas." Jé Franz Neumann afiema que por mais estranho que parega, no temos um estudo sistemstico sobre dita- dura A informagio hist6rica € abundante e hi muitas andlises sobre diver. sos ditadores em muitos paises, Mas néo existe uma anilise que procure generalizar no somente com base na experiéncia politica do século XX, ‘mas nos sistemas politicos do passado mais distante.”? Embora reconhecesse o livro de Carl Schmitt como a “excegio mais sig- nificativa”, Neumann nao considerou sua andlise “aceitavel”, reservando- Ihe apenas uma nota no fim do artigo. Na busca por uma defini¢ao, Neumann estabelece ditadura como “o governo de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que se arrogam o poder € 0 monopolizam, exercendo-o sem restrigées”.” Existiriam, entio, trés tipos de ditadura, a saber: a simples, na qual 0 governo — quer seja militar, monarquico etc. — detém o controle dos ins- trumentos clissicos de dominio: o exército, a policia, a burocracia ¢ o ju- dicidrio; a cesarista, cujas caracteristicas so a necessidade do apoio popular © a personalizagio do governo em torno de um lider; e a totalitéria, que apresenta caracteristicas cesaristas, pot meio da forte presenga de um lider € das massas populares. No entanto, esses pontos podem nao ser fortes 0 suficiente para a garantia do poder ¢ acabam por obrigar o Estado a langar _|| Zi + Ca [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL € mio de outras estratégias, tais como o controle da educacio, dos meios de comunicagio ¢ das instituigdes econdmicas. Além de criar tal tipologia, Neumann defende a tese de que, se analisar- ‘mos mais atentamente alguns casos ao longo da hist6ria, seriamos forcados a concluir que a visio democracia liberal (bem) versus ditadura (mal) néo se sustentaria: “Uma moralizagio sobre os sistemas politicos torna dificil a compreensio de suas fungées."* jesse sentido, as ditaduras podem ser uma implementagio da democracia, uma preparagao para a democracia, na qual teriamos uma ditadura educativa; por outro lado, podem ser a negagio da democracia e, portanto, um sistema totalmente regressivo."* Contemporaneo dos fascismos, assim como Schmitt, Neumann levan- ta uma questio essencial relacionada particularmente & temética desta co- letanea: a busca de apoio na sociedade. A ditadura simples ocorreria em paises onde as massas nio sio politizadas, onde a politica esté nas méos de pequenos grupos que competem por favores e que esperam ganhar prestigio ¢ fortuna ‘com uima assaciagio com o ditador, A massa paga apenas os impostos etal ver. soja obrigada a servir no exército, mas nao toma mais parte alguma da vida politica."" Assim, “dispensaria” a busca de apoio na sociedade. Ja na ditadura do tipo cesarista ocorreria a necessidade do apoio popular, um novo elemento que a diferenciaria do primeiro modelo. Por fim, ao analisar a ditadura totalitéria, Neumann concluiu que, em fungio da maioria dos casos mo- dernos af classificados terem surgido na democracia e contra ela, era-Ihes, necessirio “cultivar os rituais democriticos, embora despidos de toda a sua verdadeira substancia”."” O controle da sociedade tornava-se um de seus elementos caracteristicos a ser exercido desde a lideranca, sincronizando todas as organizagdes sociais, criando elites graduadas, atomizando € iso- lando o individuo, transformando a cultura em propaganda e usando o ter Tor como ameaga permanente ao individuo."* Neumann viu no medo um elemento fundamental dos processos psico- logicos da ditadura, seja como aviso, protecio ou destruigio."" Do medo, =|; = , eon, =|; 2 . eon, APRESENTAGAO que ativou a ansiedade, resultaria a ligagdo entre as massas e o lider, espe- cialmente no tipo totalitaro. Outros dois autores a serem destacados no debate sobre a definigao de ditadura sio Carl Friedrich” e Giovane Sartori, ainda que este se preocupe antes em definir 0 que néo é democracia.”” Em ambos, termo autocracia seria um conceito melhor do que ditadura para designar os regimes nao democriticos. Sartori reconhece que “a vantagem do conceito de autocra- cia sobre aqueles examinados até agora [como totalitarismo e ditadura] ¢ que ele aponta diretamente para um ‘principio’ constitutivo do poder com respeito & base de legitimidade do poder”.”" No entanto, apesar da defesa desses ¢ de outros autores do uso de autocracia em oposiglo & democracia, © termo nao encontrou ressonancia, Friedrich também avaliou a ditadura totalitaria e sua relagio com a soci dade. Como outros autores,” chegou & conclusio de que ela s6 foi possivel gracas 8 passividade das massas, manipuladas e enganadas. Recorrendo ao verbete “Ditadura” do Diciondrio de politica organiza- do por Bobbio, Matteucci e Pasquino,** nos deparamos mais uma vez.com a constatagio de que “até hoje nao se encontrou um termo mais adequado do que ditadura para designar, em seu conjunto, os regimes nao democré- ticos modernos”. Para o autor do verbete, Mario Stoppino, as principais caracteristicas das ditaduras modernas sio: “A concentragio ¢ 0 caréter ilimitado do poder; as condigées politicas ambientais, constituidas pela entrada de largos estratos da populagio na politica ¢ pelo principio da soberania popular; a precarie- dade das regras de sucesso no poder.”** Em especial, nos interessa o tercei- 10 aspecto porque diz respeito a legitimidade das ditaduras. Nesse sentido, Stoppino destaca que, apesar de as ditaduras alcancarem a legitimidade por diferentes caminhos, como plebiscitos,festas ete.,ndo sera uma legitimidade democritica, & que as ditaduras “nao podem eliminar o fato crucial de que a autoridade politica é transmitida do alto para baixo, ¢ nao vice-versa”.2” Dialogando com Neumann e outros autores, Stoppino demarca ainda o fins, co destino essencial das ditaduras, visto que elas podem ser revoluciondrias, aque- las que “visam a abater ou minar, de forma radical, a velha ordem politico- social e introduzir uma ordem nova ou renovada”;!*conservadoras, “que tém _|| Zi + Ca [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL € como finalidade defender o status quo dos perigos de mudanga”™ e, algumas vvexes, reaciondirias, “que dirigem seus objetivos para dar novamente vida a va- lores ¢ formagées sociais do passado, que se encontram em via de extingio”.”” Até aqui foi possivel observar como autores classicos que formularam teorias acerca das ditaduras, mesmo discordando entre si, reconhecem as dificuldades de tratar 0 conceito, Neumann e Friedrich dio atengio especial aos casos totalitérios. Neumann os explicaria pelo medo; Friedrich, pela passividade das massas, Compreender o que é uma ditadura, como a sociedade se comporta frente sua instauragéo e permanéncia, legitimando-a ou ndo — ou como ela participa da sua instauragio © permanéncia —, seu comportamento, sua opinido, as relagdes que estabelece com o Estado, representava um desafio para os pesquisadores das cigncias humanas. Com a Segunda Guerra Mundial e no pés-1945, as experiéneias ditas totalitérias tornaram-se a referencia incontornavel no debate. A constante revisio do conceito de ditadura nos permite observar 0 quanto foi — e permanece sendo — dificil definir tipologias para as expe- rigncias autoritérias do século XX. O dislogo com o conceito de totalitarismo amplion perspectivas de andlises, num movimento revelador, igualmente, das dificuldades e dos limites do préprio conceito. Embora 0 seu uso nas cigncias humanas tenha sofrido criticas desde 0 inicio dos anos 1960," sua grande repercussio foi inegivel no pés-guerra, marcando uma tendéncia historiogréfica produzida na ambiéncia da guerra fria, As imagens do ini- ‘mig da véspera se sobrepunham as do inimigo do dia. Mesmo consideran- do que “a emergéncia ¢ 0 uso de todo conceito se inscrevem e flutuam na Historia”, Denis Peschanski vé af, entretanto, um “conceito-simbolo”, “emi- nentemente sujeito aos imprevistos da conjuncura”.!? Antes do fim do século, e sem que houvesse a reedigio da intervengio externa para fraturar 0 monolito, rufa com o Muro, o leste europen ea URSS um dos pilares do conceito: a onipoténcia do Estado capaz.de engessar a sociedade, criando uma estrutura inalteravel. E, nesse sentido, o estudo da sociedad ¢ das suas relagdes com o Estado nao se justificou. Em linhas muito gerais, essa foi a critica de Moshe Lewin ao uso do totalitarismo para =|; 2 , eon, =|; 2 . eon, APRESENTAGAO entender a URSS, afirmando, em meio a Era Gorbachev, a historia social como viés para a compreensio do pais. Em 1987, afirmava: A habitual antitese Estado versus sociedade é talver inadequada quando se dleseja estudar as relagbes entre ambas as coisas. Caso se aceite a hipétese de ‘05 Estados, mesmo arbitririos, serem parte de um todo mais amplo e que fato de permanecerem arbitrérios produzirs resultados catastr6ficos, & pre- ciso claborar um conceito de Estado que dé margem ao estabelecimento de cconexdes entre a Area politica e as demais areas da vida social.» Quanto ao estudo da Alemanha nazista — ¢ aqui s6 para citar os dois casos consagrados —, Pierre Aygoberry avaliou, no fim da década de 1970, que 0 uso do conceito deixara um saldo de dez anos perdidos para a.com- preensio da questdo nazista.”* Entretanto, ele nao se restringiu as disputas ideoldgicas da guerra fria, Ganhou autonomia em relagio a interesses e simplificagées inerentes a de- terminadas interpretagées. Em muitos autores, diz respeito, sobretudo, & ambigio do Estado de assumir todas as esferas da vida da nage, mas nao, absolutamente, a sua realizagio. totalitarismo representaria, ento, “um limite jamais atingido”, como defende Claude Lefort." Esses autores conti- nuaram a trabalhar com o conceito para demarcar a especificidade de de- terminadas ditaduras do século XX: 0 cardter ideol6gico. A pretensio de controlar 0 pasado, o presente, 0 futuro, fazendo da Histéria, mitologia (Max Horkheimer); a pretensio de criar 0 homem novo, realizar a utopia do mundo perfeito aqui e agora sio caracteristicas ausentes, por exemplo, nas ditaduras militares (ou civis-militares) da América Latina dos anos 1950, 1960 e 1970. Isso explicaria — e justificaria — a permanéncia do conceito de totalitarismo nos casos das ditaduras fascistas ¢ socialistas [Nao € nossa pretensio aqui, evidentemente, estender essa discussio, Es- pecialistas ja o fizeram." Apenas sublinhar como a reflexio sobre o conceito de totalitarismo acabou por motivar “numerosos trabalhos histéricos, com efeito, estudando as configuragdes sucessivas ¢ respectivas dessa geometria politica fundamental que associa Estado, sociedade, partido(s), elites”.” =|; * , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI ‘A derrota dos pafses do Eixo e o fim da Segunda Guerra Mundial néo significaram o desaparecimento de todas as ditaduras na Europa. Salazar, em Portugal, e Franco, na Espanha, seguiram com seus governos. Ainda assim, a democracia estava na ordem do dia, em oposicio ao totalitarismo soviético, Seria a melhor forma de combaté-lo. Para a América Latina, por exemplo, 0 periodo do fim do conflito mun dial ao inicio da guerra fria foi marcado pela queda de varias ditaduras ou, como no caso paraguaio, por medidas de abertura politica." No entanto, a guerra fria viria a transformar esse cenério, e o prestigio internacional da URSS, devido ao destacado papel desempenhado na vitéria contra 0 nazis- ‘mo, foi considerdvel nessa mudanga, Ainda pensando a América Latina, a democracia, que sempre enfren- tou — enfrenta — dificuldades na regio, paulatinamente deixou de ser vista por setores importantes da sociedade como a melhor maneira de combater 0 comunismo. Um governo forte, capaz.de conter 0 avango do erigo vermelho, sobretudo apés a vitéria da Revolucio Cubana (1959), tornou-se a melhor ou a tinica saida possivel. Os Estados Unidos, porta- vores dos valores democriticos como meio de combate ao comunismo, aparecem no cendrio como um dos principais incentivadores dos golpes e das ditaduras que se sucediam. Durante muito tempo, e ainda hoje na historiografia, no meio politico, no senso comum —, aos Estados Unidos foi atribuida a conta pelas ditaduras, especialmente nos casos brasileiro e chileno. Nao negamos a influéncia estadunidense, seja por meio de suporte militar c/ou financeiro. Contudo, nao Ihe podemos atri- buir toda a responsabilidade sobre 0 que aconteceu. A América Latina tem sido compreendida como sem opedo, explorada, a mercé dos inte- resses internacionais, ou scja, uma vitima através dos tempos. A regido é atribufda uma histéria linear, sem cortes, desde a chegada dos europeus até o imperialismo americano. Suas sociedades seriam sempre manipu- ladas por governantes pouco preocupados com seus paises. Nao com- partithamos de maneira alguma dessas visdes. Como veremos nos artigos aqui reunidos, o autoritarismo foi desejado e alguns ditadores foram (sio) queridos ¢ percebidos como salvadores da patria por pessoas e/ou seg- mentos da sociedade de todas as idades e origens sociais. O autoritarismo =|; = . eon, APRESENTAGAO constituia elemento da cultura politica de muitas sociedades. Antes da “influéncia estadunidense”, as ditaduras latino-americanas dos anos 1960 ¢ 1970 tinham, desde as articulagées do golpe e durante o regime, como discurso principal “salvar os valores ocidentais e cristaos do perigo do comunismo”, Buscaram e receberam o apoio de setores da sociedade para © golpe. Sucessivamente, Brasil (1964), Uruguai (1973), Chile (1973) ¢ Argentina (1976) passaram a ter governos ditatoriais. Os governos legi- timos ¢ legais foram depostos ¢ acusados de incapacidade € irresponsa- bilidade.* Os novos governos, representados por militares, mas néo exclusivamente formados por eles, seriam a representagio da salvacio, enguanto 0 que havia antes nos paises seria o caos. A esquerda queria entregar 0 pais a Moscou, Até mesmo Stroessner, no poder desde 1954, adotou 0 discurso do anticomunismo e da salvagdo da nagio. O censrio mundial, tanto na América Latina quanto na Europa, passou a contar com “novas” ditaduras que nao se adequavam mais as tipologias, existentes, Nao se tratava de governos totalitarios no sentido inicial da con- cepgio e demandavam novas anilises para os novos fendmenos politicos, Em 1964, Juan J. Linz escreveu o artigo “An Authoritarian Regime Spain”,*® no qual apontava a existéncia de uma terceira dimensao, locali- zada entre os dois polos democratico ¢ totalitario, que seria 0 regime auto- ritério, Era um dos primeiros autores a pensar para além do bindmio consagrado até entio, Os regimes autoritérios seriam: Sistemas politicos com um pluralismo limitado e néo responsével; sem uma ideologia complexa que os norteasse, mas com mentalidades bem caracte risticas; sem mobilizagio politica, quer extensiva ow int alguns momentos do seu desenvolvimento, nos quais um Ii Jum pequeno grupo exerce o poder dentro de limites formalmente mal defi- nidos, que, no entanto, séo bastante previsfveis." nsiva, exceto em No projeto Thansicoes do regime autoritdrio: perspectivas da democracia na América Latina e no sul da Europa, desenvolvido entre 1979 ¢ 1981, sob a coordenacao de Guillermo O'Donnell ¢ Philippe C. Schmitter, no Ambito do Progeama Latino-Americano do Woodrow Wilson International =|; = , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI Center for Scholars (Washington, EUA), os dois coordenadores chamaram a atengio para 0 que consideravam as diferengas entre os dirigentes autori- varios dos periodos entreguerras ¢ os dirigentes autoritarios do pés-1945. Segundo os autores, 0s primeiros obtiveram condigdes de aspirar e legitimar seu governo através de alguma combinagio do imagindrio mobilizador do Fascismo ¢ de referéncias a formas mais tra dicionais de corporativismo. Esses regimes podiam promover a si mesmos (¢ efetivamente o fizeram) como solusio a longo prazo para os problemas da ordem politica e como a melhor forma possivel de governo para suas respectivas sociedades.** Jioos dirigentes autoritérios do p6s-1945 “nao puderam contar com essa possibilidade [..] trata-se de regimes que recorrem a priticas ditatoriais e repressivas no presente, ao mesmo tempo que prometem liberdade ¢ demo- cracia no futuro”. Em 1996, mais uma vez, 0 mesmo Juan J. Linz, ao lado de Alfred Stepan, defendeu no livro A transigdo e consolidagdo da democracia uma tipologia revisada, pois na visio dos dois autores as tipologias ascendem e caem de acordo com sua utilidade analitica para os pesquisadores. A nosso ver, o regime de classificagdo tripartida atualmente cexistente no apenas se tornou menos tril do que era antes para os te6ricos e (0 praticantes da democracia como também transformou-se num obsticulo,** No quadro proposto por Linz e Stepan, teriamos os regimes democriti- cos, autoritérios, totalitérios, pés-totalitarios e sultanisticos.* A explicagio da alteragio pode residir, em parte, no fato de a pesquisa inicial dos autores, da mesma maneira que a de O'Donnell e Schmitter, dizer respeito ao sul da Europa e 8 América Latina, As novas experiéncias do mun- do oriental, africano e dos paises do Leste da Europa e mesmo da América Latina (pensando em Fujimori) no estavam incluidas no conceito original Enfim, a propria diversidade das experiéncias do século XX, certamen- te, obrigou o pesquisador a avangar em relagio as tipologias conhecidas,** =|; > . eon, APRESENTAGAO até porque esses regimes nao ocorreram num mesmo perfodo ou espaco, superando-as em muitos sentidos, voltando a elas, enriquecendo-as. Apés os fascismos, outras e diferentes experieneias autoritérias surgiram e conti- rmuama surgir. Inclusive antigos governos, ainda no poder, sio reconstruidos para dar conta das demandas do mundo ¢ da prépria sociedade que se re- novam, se atualizam, Na discussio sobre as novas tipologias e as andlises das ditaduras e dos regimes autoritérios, da mesma maneira que ocorre com a América Latina, © continente africano tem sido visto como vitima da Histéria, da ambicéo dos homens através dos tempos. © desconhecimento da Africa, ndo rara- mente, leva 0 Ocidente a uma pereepgao simplificada e monolitica, marcada por esteredtipos: um s6 povo, devastado pelo colonialismo e pelo imperia- lismo, minado na escravidao"” e na exploragao, com uma enorme divida a resgatar. As ditaduras que se seguiram, especialmente apés os processos de independéncia, tém sido explicadas e/ou justificadas pelas guerras civis, confrontos entre etnias, pelo baixo desenvolvimento da educasio ¢ pelo apoio das nagdes mais rieas. Os africanos, manipulados por seus lideres — em alguns casos herdis do confronto de libertacao nacional — ou pela au- séncia de uma sociedade civil, apés o fim do antigo sistema, teriam sido facilmente dominados por ditadores. A Asia, outro continente povoado por fascinios ¢ medos, nascidos do desconhecimento do Ocidente, da incompreensio de suas culturas, de um tempo — um pasado, um futuro — do qual hi muito nos distanciamos, traz para o pesquisador de regimes autoritarios uma série de elementos. Nos paises asidticos — igualmente miltiplos, plenos de diferencas evidentes & também nuances — esses elementos, como veremos, coesionam grupos € sociedades em torno de ditaduras. Nem sempre o olhar ocidental é capaz de percebé-los Os trabalhos aqui reunidos contribuem para esse debate. Os regimes autoritarios ¢ as ditaduras nfo séo mais compreendidos a partir da mani- pulagio, da infantilizagao e da vitimizagao das massas, incapazes de fazer escolhas; nem exclusivamente em fungio da repressio, do medo, da ausén- «ia de agio ou pressio popular; tampouco como regimes fechados. Ao con- trario, buscaram entender como se constroem consensos ¢ consentimentos, =|; = , eon, [A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — SRASI como se estabelecem relagdes entre Estado e sociedade. Nessa perspectiva, acredita-se que, uma ver gestadas no interior das sociedades, as ditaduras nao Ihes so estranhas, Alguns autores, por exemplo, trabalham com 0 con- ceito de cultura politica como uma “chave”, como compreendeu Serge Berstein, introduzindo “diversidade, dimensio social, ritos, simbolos, ali onde reina, supde-se, o partido, a instituigao, a imobilidade”.** 10 temos a inteng4o — nem a pretensio — de escrever uma nova de- finigéo de ditadura ¢ regimes autoritirios, Entretanto, ao propor as duas questdes identificadas no inicio da apresentagio, refletimos também sobre esses conceitos. Os artigos aqui apresentados so, em seu conjunto, contri- buigdes nesse sentido. As abordagens claboram as definigdes. As préprias fontes com as quais os autores trabalham — e como trabalham — afasta- ‘vam hipéteses e teses consagradas. Assim, essa historiografia tem avancado na percepgio do que sio as ditaduras ¢ os autoritarismos. Nao negamos as resisténcias, nem muito menos estamos dizendo que a histéria est fadada as ditaduras. Estamos simplesmente lidando com uma constatagio: um século marcado por muitas ditaduras, em diferentes paf- ses e continentes, com culturas, tradig6es e passados diversos, que tiveram apoio da sociedade. Esse é nosso recorte. Descartadas as respostas que su- bestimam os povos, buscamos nos reunir a essa historiografia que ja tem muito a dizer sobre 0 século XX e o legado que dele recebemos. Ao chegarmos ao fim de uma etapa de trabalho, é uma satisfagdo constatar © quanto temos a agradecer. fato de estarmos na UFF, no Departamento de Histéria, no Niicleo de Estudos Contemporaneos (NEQ), no Programa de Pés-Graduagio de Historia, foi essencial. ‘A participagio em convénios internacionais — Capes-CofecubjFranga ¢ Capes-Secyt/Argentina — igualmente contribuiu para a ampliagdo dos de- bates © das perspectivas. Somos gratas a Thaddeus Blanchette, Angelo Segrillo, Fabio Mergon, Daniela de Carvalho Sophia, Alain Francois, Marco Mazzillo, Roberto APRESENTAGAO Mauro Facce, Livia Magalhaes ¢ Renata Chiossi, que nos socorreram em varias tradugdes. E ainda a Giordano Bruno Reis dos Santos e a Caio Paz, que verificaram as referéncias, notas ¢ bibliografias. Gostariamos também de agradecer aos amigos e colegas 0 didlogo que muito contribuin para a realizagio do trabalho. A Daniel Aario Reis, cujas ideias inspiram a coletnea, agradecemos o incentivo ¢ 0 apoio. A Norberto Ferreras ¢ Marcelo Bittencourt, colegas do NEC. A Elizabeth Jelin, Mariana Candido, Alexandre Vieira Ribeiro, Federico Guillermo Lorenz, Jorge Ferreira, Marco A. Pamplona, as discusses, as stgestdes € as eriticas sem- pre muito pertinentes e bem-vindas. A Didier Musiedlak, que nos apresen- tou a Pierre Laborie. Aos autores que contribuiram com seus textos, com suas ideias, muitos, inclusive, nos indicando nomes e colegas. A eles, a to- dos, nosso reconhecimento. Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat Niicleo de Estudos Contemporaneos Universidade Federal Fluminense Notas 1. LABORIE, Pierre. opinion francaise sous Vichy. Les Prancais et la crise didentité nationale, 1936-1944. Pacis, Seuil, 2001 (ed. orig. 1990) e Les Francais des années troubles. De la guerre d'Espagne a la Liberation, Paris, Desclée de Brouwer, 2003 2, GOMES, Angela de Castro, A invencdo do trabathismo, 3* ed, Rio de Jancito: FGY, 2005 (1* ed. Sio Paulo, Vértice, 1988); Tese de Doutorado defendida em cigncia politica no Tuperi, Rio de Janeiro, 1987. 3. AARAO REIS, Daniel. Ditadura militar, esquerdas ¢ sociedade, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, 4. A queda, as tltimas horas de Hitler (Der Untergang), de Oliver Hirschbiegel (AlemanbalAustria/tlia, 2004). . BOBBIO, Norberto. “Democracia/Ditadura”. Enciclopédia Einaudi: Bstado — Guerra, Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1989, p. 209. 6, Reconhecemos aqui o privlégio das questies poltias, 0 que nfo quer dizer de ‘maneira alguma que no compartilbamos da ideia de que a democracia deve vir acompanhada de melhorias nas condigies soins eeconémicas para toda asociedade, Tq) ee a \ vant, ean _|| Zi + Ca A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL € 7. SCHMITT, C. La dictadura, Madsi: Alianza Editorial, 1999. Critico da Replica cde Weimar, Schmitt & centro de polémica sobre o seu envolvimento com o IIL Reich, tendo mesmo se filiado 20 Partido Nazista, Com a derrora alemi, ficou preso por dois anos e foi interrogado no Tribunal de Nuremberg. No entanto, suas ideias, como o proprio debate sobre ditadura e a politica como o confronto de amigos ¢ inimigos, continuaram a ser discutidas, inclusive por setores das cesquerdas, ¢ estudadas até os dias atuais, constituindo-se numa importante referéncia para a ciéncia politica, Para os objetivas do breve debate que se segue, nos limitamos a autores do século XX. 8, NEUMANN, Franz. Estado democnitco e Estado autortério, Rio de Janciro: Zahar Editores, 1969, Neumann, jurista e cientista politico, foi preso em 1933 pelos ‘naistas na Alemanha, Integrante da chamada Escola de Frankfurt, fi também um dos grandes criticos do nazismo, Exilou-se nos Estados Unidos. O autor nfo chegout a coneluir a versio final do texto porque faleceu em 1954, 9. © autor continuow a publicar trabalhos, em que refletia sobre as experiéncias autoriirias do século XX, até a sia morte em 1985. 10. SCHMITT, C,, 0p. city p. 19. 11, Idem, pp. 194-195. 12. NEUMANN, Fran, op. cif p. 257. + 13. He, 9298. 14, Idem, p. 273. 15. Hem. 16, Idem, p. 260. 17. Idem, p. 268. 18, Idem, pp. 269-270. 19, Idem, p. 278, 20. FRIEDRICH, Carl, “Dictadura”, Politica 2. Madri: Rioduero, 1975, pp. 102-118 21, SARTORI, G. A teoria de democracia revisitada — 1: O debate contemporineo. Sio Paulo: Atica, 1994, 22. Idem, 9.277. 23. feo caso de Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, Sao Paulo: Companhia das Letras, 1989. 24, STOPPONO, Mario, “Ditadura”. BOBBIO, Noberto etal. Diciondrio de politica Brasilia: UnB, 1997, pp. 368-378. 25. Idem, p. 373. 26, Idem. 27. Idem, p. 374. 28. Idem, p. 275. Tq) ee ~ \ vant, ean 2s. 30. 31 32 33, 34. > 35, 36. 37. 38, 39, 40. 4 42. 48, 44. 45, 46. APRESENTAGAO Idem, ibidem. dem, ibidem. ssa erftica ao conceita se deu tanto em termos teéricas como submetenda-o a cestudos histéricos, ef, PESCHANSKI, Denis, “Le concept du totaltarisme”, in PESCHANSKI, Denis, POLLAK, Michaeles ROUSSO, Henry (orgs). Histoire Politique et Sciences Sociales. Questions au XX@ siécle. Paris/Bruxelas: ITP) Editions Complexes, 1991. dem, pp. 191 € 195. LEWIN, Moshe. © fendmeno Gorbachev. Uma interpretacio histérica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 24, Também nessa perspectiva, Denis Peschanski cita, além de Moshe Lewin (1985), Karel Bartosek, que em edigdo especial da revista Communiste, n° 8, 1985, entre outros historiadores da URSS e da Europa comunista, resgatava a histéra social da URSS, evidenciando a existincia de uma sociedade que se acreditava destrutda, PESCHANSKI, Denis, 0p. ct, pp. 204-208. AYGOBERRY, Pierre. La question nazi. Lesinterprétations du national-socialisme. 1922-1975. Paris: Seu, 1979, p. 13. Cf. também SILVA, Francisco Carlos Teixeira dla, "Os fascismos”, AARAO REIS, Daniel; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste {orgs.). O séeulo XX. O tempo das crises. Revolugdes, fascismos ¢ guerras. Rio de Janeiro: Civilizagio Brasileira, 2000, vol. 2. Cf, PESCHANSKI, Denis, op. cit, p. 193, Cf HERMET, Guy; HASSNER, Pierre e RUPNIK, Jacques (orgs). Totaitarismes. Paris: Economica, 1999 (1 ed. 1984). Cf. TRAVERSO, Enzo. Le totaitarisme. Le XX@ sidcle em debat, Paris: Editions du Seuil, 2001 (Coll. Essais). PESCHANSKI, Denis, op. cit, p. 204. ROXBOROUGH, |, ¢ BETHELL, L. A América Latina entre a Segunda Guerra ‘Mundial ea guerra fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, Devemos observar a especificidade uruguaia no Cone Sul da América Latina, em fungio de o presidente Juan Maria Bordaberry, eleito em 1971, ter dado inicio 8 dlitadura com apoio das Forgas Armadas em 1973, LINZ, Juan e STEPAN, Alfred. A transigdo e consolidagdo da democracia. Sio Paulo: Paz e Terra, 1999, Idem, p. $7, O'DONNELL, Guillermo © SCHMITTER, Philippe C. Thansigdes do regime autoritirio, Primeiras conclusées, Sao Paulo: Vértice, 1988, p. 35. Idem, p35, LINZ e STEPAN, of. cit. p. 58. Idem, p. 59. Agradecemos a Alessandra Carvalho, que nos chamou a atengo para esse aspect. Tq) ee ” \ vant, ean _|| Zi + Ca 47. 48, A CONSTRUGAO SOCIAL DOS REGIMES AUTORITARIOS — BRASIL € Ci. ahistoriogratia que tem se destacado na revsio da esceavidio na época modema, cembora ainda persista o debate sobre o peso do trifico internacional nas smodlticages das extratursssociais na Afica: ELTIS, David. Economic growth and ending ofthe transatlantic slave trade. Nova York: Oxford Academic Press, 1987; LOVEJOY, Paul EA excravido ma Africa: urna bistnia de suas transformacdes. Rio de Jancito: Civilizagio Brasileira, 2002; MILLER, Joseph. Wary of deaths merchant capitalism and de Angolan slave trade, 1730-1830. Madison: Wisconsin University ress, 1987; e THORNTON, John. A Africa eos africans na formagao do mundo ailantico, 1400-1800. Rio de Janeiro: Eevee, 2003, BERSTEIN, Serge. “Lhistorien ot la culture polite". Vingtifme sicle. Revue A istote, n° 35, 1992, p. 67 Tq) ee 2 \ vant, ean

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