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Compressão do nervo supra-escapular:

avaliação de sete casos*


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RONALDO PERCOPI DE ANDRADE , PAULO RANDAL PIRES , JOSÉ ALEXANDRE REALE PEREIRA

RESUMO was of 31.7 months. Pain was no longer a complaint in


the post-op period. Despite the significantly better
Sete pacientes com compressão do nervo supra-esca-
external rotation strength after the surgery, they never
pular foram tratados cirurgicamente. A dor era a quei-
fully recovered from their muscular wasting, in particular
xa principal e de longa duração, sendo o tempo médio
the infraspinatus muscle. Suprascapular nerve entrap-
de sintomatologia 11,4 meses. Todos os diagnósticos fo-
ram confirmados por eletromiografia. Quatro pacientes ment should be included in the differential diagnosis
tinham sua compressão ao nível da incisura supra-escapu- of painful shoulder and treatment should be promptly
lar e três na incisura espinoglenoidal. Nos quatro primei- attempted in the presence of clinical and electromyogra-
phic evidences.
ros, a descompressão cirúrgica foi feita apenas na incisu-
ra supra-escapular e, nos outros três, o nervo foi aborda-
do nos dois pontos. O tempo médio de seguimento pós-
INTRODUÇÃO
operatório foi de 31,7 meses. A dor desapareceu em to- A compressão do nervo supra-escapular tem sido
dos os pacientes no pós-operatório. A atrofia muscular, diagnosticada com pouca freqüência e a afecção é rara-
principalmente do infra-espinhoso, nunca foi recupera- mente reconhecida como causa de alterações funcionais
da totalmente, apesar de haver ganho significativo da ao nível do ombro e da cintura escapular.
força de rotação externa do ombro. Os autores concluem As descrições na literatura são esparsas e somente
que esta síndrome deve ser incluída no diagnóstico dife- em 1959 Koepell & Thompson(9) fizeram um relato deta-
rencial do ombro doloroso e o tratamento cirúrgico de- lhado desta síndrome e a colocaram como uma das cau-
(13)
ve ser considerado, se houver evidências clínicas e eletro- sas de “ombro congelado”. Rengachary & col. (1979),
(5) (12)
miográficas. Hadley & col. (1986) e Post & Mayer (1987) publica-
ram séries de casos operados e adicionaram conhecimen-
SUMMARY tos a respeito da patologia. Em 1987, Ferretti, Cerullo
Suprascapular nerve entrapment: evaluation of seven & Russo(3) publicaram interessante trabalho com o títu-
cases lo de Neuropatia do supra-escapular nos atletas de volei-
bol. Relataram alta incidência desta patologia nos atle-
Seven patients with suprascapular nerve entrapment tas dessa modalidade esportiva, em que o comprometi-
were surgically treated to decompress the nerve. Pain mento era apenas do ramo motor que inerva o músculo
was the major complaint and had had a long duration, infra-espinhoso, deixando preservado o supra-espinho-
with a mean of 11.4 months. Diagnosis was confirmed so. Isso, segundo os autores, seria ocasionado pela desa-
by electromyogram. Four patients had their entrapment celeração súbita a que o membro superior é submetido
at the suprascapular notch, and three at the spinogle- no momento do saque (serviço). Tal fato explicaria o
noidal notch. Decompression was done in the supra- porquê de atletas arremessadores de outras modalidades
scapular notch in the first four patients, and in both não apresentarem a patologia com a mesma freqüência.
areas in the remaining three patients. Mean follow-up Na literatura nacional, há recente publicação de Oli-
* Trab. realiz. na Clín. e Cirurg. do Membro Superior, Serv. de Or- vi, Faustino, Homsi & Stump(11), relatando caso de com-
top. do Hosp. Madre Teresa, Belo Horizonte, MG. pressão do nervo na incisura supra-escapular provocada
1. Ortoped.; Cirurg. do Membro Superior; Hosp. Madre Teresa. por cisto sinovial.
Rev Bras Ortop — Vol. 28, Nº 9 — Setembro. 1993 645
R.P. ANDRADE, P.R. PIRES & J.A.R. PEREIRA

ANATOMIA

O supra-escapular é um nervo misto. Sua parte mo-


tora inerva os músculos supra e infra-espinhosos e a par-
te sensitiva supre a cápsula posterior do ombro e a arti-
culação acromioclavicular.
O nervo é ramo direto do tronco superior do plexo
braquial (raízes C5 -C6), cruza o triângulo posterior do
pescoço, abaixo do músculo omoióideo e o trapézio, en-
trando na incisura supra-escapular. Nesse ponto, ele pas-
sa sob o ligamento escapular transverso e inerva o mús-
culo supra-espinboso. A artéria supra-escapular, que o
segue, passa acima do ligamento. Após a passagem pe-
la incisura supra-escapular, ele se curva sobre a borda
lateral da espinha, indo para a fossa infra-espinhosa,
sob o ligamento espinoglenoidal ou ligamento escapular
transverso inferior, para suprir o músculo infra-espinho- Fig. 1 — Peça anatômica; mostra as duas possíveis áreas de compres-
so. Nesse trajeto, ele já é um nervo motor puro (fig, 1). são: incisura supra-escapular e espinoglenoidal
A presença do ligamento espinoglenoidal é muito
controvertida na literatura: Kaspi & col(8), em 1988, dis- leva o comprometimento de ambos os músculos, como
secaram 25 ombros em 13 cadáveres e encontraram o li- também dos fascículos sensitivos.
gamento em 72% dos espécimes, enquanto que Mest- Já nos casos em que o comprometimento é somen-
dagh & col(10) , em 1981, encontraram o ligamento em te do ramo motor do infra-espinhoso, a compressão esta-
50% dos cadáveres dissecados. Em contrapartida, De ria relacionada com a desaceleração brusca da cintura
(2)
Maio & col. , em 1991, dissecaram 39 cadáveres (76 om- escapular (3) .
bros) e encontraram o ligamento em apenas 3% e uma A contração excêntrica do infra-espinhoso, que é
densa aponeurose em 13%. Esses autores concluíram exigida para parar o movimento da escápula, aumenta
que a presença do ligamento é tão rara que não deve ser a distância entre os pontos de origem e término do ner-
considerada como causa de compressão. vo(7). Há portanto estiramento do nervo ao nível do sul-
co espinoglenoidal.

PATOLOGIA DIAGNÓSTICO
A compressão do necvo supra-escapular pode resul- O diagnóstico é feito por exclusão e baseado em acha-
tar de trauma, de fraturas, de razão intrínsecas ou extrín- dos de exame clínico e eletromiográfico. A queixa princi-
secas, como tumores, ou nos casos denominados por pal é dor, profunda e difusa, localizada na parte poste-
Ganzhorn (4) como “idiopáticos”. rior do ombro, podendo também referir-se ao braço, re-
Rengachary & col. fizeram estudo clínico-anatômi- gião cervical ou parte anterior do tórax. Nos casos de
co e definiram seis tipos de incisura supra-escapular. Pe- comprometimento isolado do infra-espinhoso, as quei-
la natureza de seus estudos, os autores foram incapazes xas muitas vezes podem se confundir com a síndrome
de provar qualquer associação entre um tipo de incisu- do impacto (fig. 2, A e B). O sinal clínico mais freqüen-
ra em particular e a síndrome compressiva. O estudo tam- te é a atrofia de ambos os músculos ou do infra-espinho-
bém demonstra que o nervo é submetido a deformação so isoladarnente, com conseqüente diminuição de força
angular quando ele passa debaixo do ligamento, de um de rotação lateral do ombro e teste de Jobe positivo.
plano mais alto de sua origem a um plano mais baixo A confirmação diagnóstica é feita pela eletromiogra-
de sua inserção. Eles denominaram de “efeito tipóia” a fia, sendo possível detectar com precisão o local da com-
dobra do nervo contra o ligamento no forame, resultan- pressão, se na incisura supra-escapular ou espinogle-
do em irritação do mesmo. A compressão, nessa altura, noidal.
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COMPRESSÃO DO NERVO SUPRA-ESCAl’ULAR: AVALIAÇÃO DE SETE CASOS

Fig.2 —-Dois
tipos clínicos de
compressão: A)
comprometimento
do supra e infra-
espinhoso; B)
comprometimento
isolado do infra-
espinhoso.

Fig. 3 — A) Abordagem cirúrgica com descompressão na incisura su-


pra-escapular. B) A pinça mostra ligamento ressecado.

(dois jogadores de vô1ei). Em todos os três, o comprome-


timento era unicamente do músculo infra-espinhoso. Os
outros quatro (três do sexo feminino) eram sedentários
e não sabiam relacionar o aparecimento do processo com
qualquer causa aparente. Esses últimos tinham compro-
MATERIAL E MÉTODOS
metimento tanto do supra quanto do infra-espinhoso.
De 1985 a 1992, foram diagnosticados e tratados ci- A dor era a queixa principal e de longa duração,
rurgicamente sete pacientes com síndrome de compressão com rnédia de 11,4 rneses (variando de 20 a sete meses).
do nervo supra-escapular. Quatro eram do sexo masculi- Apenas um paciente tinha como queixa principal a per-
no e três do feminino. Suas idades variaram entre 18 e da de força, apesar de também apresentar queixa dolo-
37 anos, com média de 25,28 anos. rosa.
O diagnóstieo foi considerado apenas quando havia, Todos os pacientes chegaram até nós sem diagnósti-
associada a achados clínicos, confirmação eletromiográ- co e todos foram submetidos a tratamentos prévios co-
fica. mo fisioterapia, infiltração e uso de antiinflamatórios
O lado dominante foi comprometido quatro vezes não hormonais, sem melhora.
e o não dorninante, três vezes. Não havia história de trau- Todos foram tratados cirurgicamente por abordagem
ma em nenhum dos pacientes. Três eram desportistas posterior, sobre a espinha da escápula (± 10cm). O tra-
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Fig. 4 — Nos casos de lesão isolada do infra-espinhoso, a abordagem Fig. 5 —


cirúrgica é feita tan to na região supra quanto na infro-espinhosa A) Pré-operatório;
B) dois anos de
evolução
pézio e o supra-espinhoso são elevados com visualização pós-operatória,
da incisura supra-escapular. com recuperação
da musculatura.
No caso de compressão alta (quatro casos), o liga-
mento escapular transverso foi aberto e ressecado (fig.
3, A e B).
No caso da compressão apenas do ramo motor do
infra-espinhoso (três casos), além da abertura do liga-
mento supra-escapular, o nervo foi explorado na região
infra-espinhosa, ressecando o espessamento aponeuróti-
co existente no local, já que não encontramos um real
ligamento espinoglenoidal (fig. 4).
O follow-up pós-operatório variou de 79 a cinco
meses, com média de 31,7 meses.

RESULTADOS
A queixa principal, que era dor no pré-operatório,
desapareeeu em todos os pacientes após a cirurgia. A atro-
fia muscular nunca foi recuperada completamente naque-
algo que deve ser avaliado com extrema atenção. No ca-
les pacientes que tinham grande perda de massa muscu-
so da compressão alta, na incisura supra-escapular, a
lar (fig. 5, A e B). Apesar disso, houve sensível melho-
dor tende a ser mais intensa e difusa, já que o nervo nes-
ra da força de rotação externa do ombro e no teste de
sa região é misto. Na compressão baixa, ao nível da inci-
Jobe.
sura espinoglenoidal, o comprometimento motor isola-
do do infra-espinhoso leva a um quadro clínico semelhan-
DISCUSSÃO
te a uma síndrome do impacto secundário.
O diagnóstico da compressão do nervo supra-escapu- O músculo infra-espinhoso é responsável por 60%
(1)
lar é feito por processo de exclusão. O exame clínico cri- da força de rotação externa do ombro . Ele funciona
terioso e a eletromiografia são os testes mais conclu- como um dos principais depressores da cabeça do úme-
(15)
sivos. ro . O infra-espinhoso estabiliza o ombro contra a lu-
O fato de existirem compressões em níveis diferen- xação posterior em rotação interna e, em contraposição,
tes e se apresentarem como quadros clínicos diversos é tem um momento de força posterior, estabilizando a ca-
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COMPRESSÃO DO NERVO SUPRA-ESCAPULAR: AVALIAÇÃO DE SETE CASOS

beça umeral contra subluxação anterior, quando o om- 3. Ferretti, A., Cerullo, G. & Russo, G.: Suprascapular neuropathy
(6)
bro está em abdução e rotação externa . Isso contradiz in volleyball players. J Bone Joint Surg [Am] 69: 260-263, 1987.
(3)
a afirmação de Ferretti & col. , que afirmam ser a neu- 4. Ganzhorn, R.W., Hocker, J.T., Horowi, B.M. & Switzer, H.E.:
Suprascapular nerve entrapment: a case report, J Bone Joint Surg
ropatia baixa do infra-espinhoso assintomática, não in- [Am] 63: 492-494, 1981.
terferindo com a atividade física pesada. Nossos acha- 5. Hadley, M. N., Sountag, V.K.H. & Pittman, H. W.: Suprascapular
dos demonstram que esses pacientes são portadores de nerve entrapment: a summary of seven cases. J Neurosurg 68:
quadro de dor crônica ao nível do ombro, quase sempre 843-848, 1986.
relacionados com síndrome do impacto secundário. 6. Howell, S.M. & Fraft, T. A.: The role of the supraspinatus and in-
fraspinatus muscle in glenohumeral kinematics of anterior shoul-
Outro dado significativo é a falta de recuperação der instability. Clin Orthop 263: 128-134, 1991.
completa da atrofia muscular nos casos de comprometi- 7. Jobe, F.W., Moynes, D.R., Tibone, J.E. & Perry, J.: EMG ana-
mento mais intenso. Isso nos sugere que, naqueles casos lysis of shoulder in pitching. A second report. Am J Sports Med
em que não há resposta ao tratamento conservador, a 12: 218-220, 1984.
abordagem cirúrgica deveria ser mais precoce, evitando- 8. Kaspi, A., Yanai, J., Pick, C.G. & Mann, G.: Entrapment of the
distal suprascapudar nerve. An anatomical study. Int Orthop 12:
se dano irreversível para a musculatura. Experiência se- 273-275, 1988.
melhante foi relatada por outros autores na literatu- 9. Koepell, H.P. & Thompson, W. A. L.: Pain and frozen shoulder.
r a( 5 , 1 2 , 1 3 ) . Surg Gynecol Obstet 109:92-96, 1959.
Se esta patologia é uma compressão verdadeira ou 10. Mestdagh, H., Drizenko, A. & Ghestem, P.: Anatomical bases
não, ou resultado final de um trauma, é ainda controver- of suprascapular nerve syndrome. Anat Clin 3:67-71, 1981.

so. A consciência da patologia resultará no diagnóstico 11. Olivi, R., Faustino, C. A. C., Homsi, C. & Stump, X. M.: Compres-
são do nervo supra-escapular por cisto sinovial. Relato de um ca-
precoce e no pronto tratamento, antes que modificações so. Rev Bras Ortop 28: 172-174, 1993.
irreversíveis possam ocorrer nos músculos infra e supra- 12. Post, M. & Mayer, J.: Suprascapular nerve entrapment. Diagnosis
espinhosos. and treatment. Clin Orthop 223: 126-136, 1987.
13. Rengachary, S. S., Neff, J. P., Singer, P.A. & Brackett, C. E.: Su-
REFERÊNCIAS prascapular entrapment neuropathy: a clinical, anatomical and
comparative study, Part 1: clinical study. Neurosurgery 5:441-445,
1. Colachis, S.C. & Strohm, B.R.: Effects of suprascapular and axil- 1979.
lary nerve block on muscle forces in the upper extremity. Arch 14. Rengachary, S. S., Burr, D., Lucas, S., Hassanein, K. M., Mohn,
Phys Med Rehabil 52: 22-29, 1971. M. & Matzke, H.: Suprascapular entrapment neuropathy: a clini-
2. DeMaio, M., Drez, D. & Mullins, R.: The inferior transverse sca- cal, anatomical and comparative study. Part 2: anatomical study.
pular ligament as possible cause of entrapment neuropathy of the Neurosurgery 5:447-451, 1979.
nerve to the infraspinatus. J Bone Joint Surg [Am] 73:1061-1063, 15. Saha, A. K.: Dynamic stability of the glenohumeral joint. Acta
1991. Orthop Scand 42:491, 1971.

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