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BALANCANDO SOB A LUZ DO SOL: Stress e Mulher Negra Opal Palmer ADISA" Varios estudos mostram que o stress conduz a diversos proble- mas emocionais ¢ fisicos, os quais afetam as mulheres negras em maior proporeio. Esses problemas incluem, por exemple, doencas car diacas, depressio, ulcers, hipertensio, uso excessivo de drogas e dlco- ol, Aprender a lidar com o stress é fundamental para que a mulher negra tenha uma saide melhor e uma vida mais produtiva. Evelyn C. White Balancando sob a luz do sol, a melancolia ha de esmorecer. Ba- langando sob a luz do sol, as ligrimas hao de secar. Quando as mulhe- res negras foram trazidas a forea para o litoral americano, sendo es- cravizadas ¢ mais maltratadas do que gado, elas trincaram os dentes ¢, decididas a sobreviver em seu destino, deram luz ao blues, a melanco- lia, Desde entdo, todas as mulheres afro-americanas tém procurado uma cadeira de balanco e a luz do Sol para espantarem sua tristeza “Stress!” “Menina, esta ndo é a verdade”. “Dependendo da ocasido, meu corpo necesita mudar de cara”, “Sempre tenho de pensar seis vezes antes dle agiz™. “Preciso de uma cadeira de balango...” “Preciso acalentar-me sob a luz. do Sol...” * Eescritora e autora de varios livros de contos ¢ poesia. Adisa nasceu na Jamaica ¢ atualmen- te vive em Oakland, Califérnia, 12 DORES DESSA VIDA tm silencio, duas mulheres ensimesmadas sonham com my cadeira de balanco sob a luz do Sol. © stress delas € como o biyes ‘como uma melancolia. Tem pés e dentes. Enquanto elas se balancam levemente, sempre devagarinho, movendo-se suavemente para frente ¢ para trds, 0 stresspisa de mansinho nos proprios joanetese deixa as mulheres em paz. Elas tiram um cochilo. Doces sorrisos dio contorno das suas bocas; rugas em suas testas se alisam com suavidade. Elas 50 inham que caminham sobre a 4gua, atirando flechas como faziam suas ancestrais que eram guerreiras. Esse balango prossegue enquanto as mulheres continuam sonhando. Nem todas as mulheres afro-americanas 8m uma cadeira de balanco, mas todas contamos umas com as outras. O melhor médico, © melhor antidoto contra o que nos aflige € 0 reflexo de nés mesmas no espelho: nossas amizades, nossas conexdes, 0 carinho que busca- mos e que recebemos de cada uma de nés. Na verdade, as mulheres negras nao mais existiriam se ndo contassem umas com as outras. Para quem vocé pode ligar as 2 da madrugada no meio da se- mana? A quem voce pode pedir um empréstimo de 20 d6lares no dia de pagamento? Quem compreenderé quando voce pedir que tome conta das criancas para que voce possa usar o ingresso de show que lhe foi presenteado? Com quem vocé contar4 para trazer flores no dia de sua formatura, como se a propria amiga fosse graduar-se? Com quem voce pode fofocar, chorar de rir, derramar-se em risos e embolar desleixada cadeira abaixo, rolando no chao de tanto gargalhar? Dependemos de nossas irmas, de nossas amigas, ¢ nos nutrimos mutuamente. Usamos a forga e a perseveranca de cada uma de nés para lutarmos contra o stressque, de outra forma, poderia levar-nos a sepultura antes da nossa hora. Nao conhego sequer uma mulher negra que, independente do grau de instrugdo, da posi¢ao social ou da condigao econdmica, nie tenha de lidar com 0 stress. Algumas pessoas pensam que o stress como o blues, como uma tristeza. Ledo engano. O blues, essa tristeza, éna verdade um remédio, porque ndo existe para causar depressi0. 4 diminuir ninguém. Tem justamente um efeito contririo. O blues # tristeza, cura. Quanto mais se escutam lamentos, mais os cantores blues liberam suas dores e magoas, mais a tristeza vai saindo deles, saindo de nds, dando-nos energia para continuar a viver. © Dlues "0s ajuda a zombar de nossa propria desgraga, da luz, as mazelas de 7° BALANCANDO SOB. iS 'A WZ DO SOL: Stress. ¢ Mulher Negra 113 sas vidas ¢ reafirma que viver em si é 0 que dé significado a vida quaisquer que sejam os obstaculos a ultrapassar. O siress nao produ esses efeitos. © siress ndo cura, ele infecciona; ele sd se satistaa quan. do mata. O siressé o veneno que contamina o sangue, inlumescencioe explodindo nossos corpos, exterminando nossas vides, Mas temos aprendido a criar canteiros de bilsamos para mes- clar pogdes € amaciar nossas maos, compartilhando nossa magia ¢ desse modo dominando o stress que nos esbofeteia a face diariamente Portanto, amigas, vamos cantar o blues, vamos soltar nossos lamentos e balangar sob a luz do Sol. Balangar sob a luz, do Sol pode acontecer em diversas situagdes, quando por exemplo me encontro sentada na cozinha de uma amiga, tomando um cafezinho ¢ batendo papo, enquanto a louca fica por lavar na pia e as compras por desempacotar no canto. Ao mesmo tem po, na sala, nossas criangas fazer a maior bagunca, mas nés as igno- ramos ¢ elas nos deixam em paz até quando puderem. Balancamo- nos, enquanto conversamos sobre a necessidade de um novo emprezo que remunere melhor e garanta nossos direitos previdenciarios; sobre ndo nos valotizarem; sobre os sem-teto, principalmente as mulheres ¢ as criangas que tentamos evitar nas ruas. Simplesmente conversamos, escutamos nossos lamentos e aprendemos a dizer que chega, que de- vemos dar um basta nessa situacdo. Sabemos que a imagem de mulher negra forte € uma mascara que contribui para nos levar 4 loucura. Balangarmo-nos sob a luz do Sol é uma liberagio. E como se nds, mu- Iheres negras, permitissemo-nos vivenciar nosso lado humano, recu- sando-nos 0 papel de mulas, utilizando nossa forca em nosso préprio proveito. O stress conduz de tal forma as mulheres negras a loucura que nos tornamos especialistas em camuflar nossa angustia. Esse é um tema recorrente em minha poesia: As vezes murmuro no caminho pessoas fixando o olhar/vagando de um lado distante Ser um daqueles homens desolados vadiando em becos fedorentos a4 DORES DESSA VIDA seu tagarelar ao vento palavras balas que assustam toda gente Mas sou uma mulher condicionada a cuidar como uma crianga muda Eu escrevo Nacondicao de escritora, minha poesia ¢ vista como uma vilyuly de escape aceitavel para combater o séress. Mas miuitas mulheres negras nao dipoem dessa saida. Muitas sequer podem identificar o siress que as atormenta. Outras acreditam que ndo saber lidar com o stress equivale a uma traicdo. Mordemos a lingua até o sangue bor- bulhar e o silencio preenche nossas bocas; somos incapazes de pro- nunciar qualquer silaba. Voce ja se perguntou alguma vez por que tantas mulheres ne tas parecem sentir raiva? Ou por que caminhamos como se carre- gassemos tijolos nas nossas bolsas e fdssemos golpear e maldizer uma amiga simplesmente por ter derrubado um chapéu? Isso acontece por- que o stressé a bainha das nossas roupas, estd grudado aos nossos¢3- belos, impregnado em nosso perfume ¢ pintado em nossas unhas. O stress vem de sonhos adiados, de sonhos reprimidos; vem de promes- sas nio cumpridas, de falsas promessas; vem de sempre estarmos por baixo, de nunca sermos consideradas bonitas, de no nos valorizarem, de tirarem vantagem de nés; vem de sermos mulheres negras na Amé- rica branca. Por quanto tempo vocé acha que pode prender a respiti- ‘cdo sem ser asfixiada? Sim, as mulheres negras se suicidam! Nés nos matamos quando paramos de sorrir; quando tomartes drogas para abafar a dor de ser negra; quando, no desespero de '°F “alguém”, permitimos que nosso companheiro ou companheirt violente fisica e mentalmente; quando permitimos que privilésios & classe, renda, cor, aparéncia ou preferéncia sexual nos dividam,quat™® més apés més choramos sozinhas sem ter com quem desbafar: Esta estressadas. BALANGANDO SOB A LUZ DO SOL: Stress e Mur Negro 115 Nés, que inventamos o bluese cantamos cangdes que nos aque- ciam como toalhas quentes, precisamos encontrar cadeiras de balan- go;e precisamos encontré-las ja! Deixe que aquela cadcira de balango faga as vezes de um beijo de uma amiga, um abrago, um aperto de méo, um jantar improvisado, um cafezinho, um ouvido atento, um caminhar lado a lado ou um conselho nao solicitado do tipo: menina, eu lhe avisei que 0 amor ia rolar morro abaixo feilo dgua. As mulheres negras se conhecem bem; devemos ajudar umas as outras ¢ dar conti- nuidade ao nosso balangado. Se tivermos de triunfar e deixar um mundo melhor para nossos filhos, as mulheres negras devem balancar-se com uma vingan¢a. Balancemo-nos da forma como lutamos por liberdade, como reivindi- amos justica; balancemo-nos sem parar. Suavemente, lentamente, num compasso ritmado para frente e para trds, vamos balancar até que 0 Sol se instale em nossos coragdes. Nesse balanco, alcangaremos nossa cura e cresceremos como girassdis, com nossas cabegas bem erguidas. Sim, estamos balangando sob a luz do Sol, dando adeus & nossas lagrimas. “Rocking in the Sun Light: Stress and Black Women”. Jn: White, Evelyn ©. (org). The Black Women’s Health Book: Speaking for Ourselves. Ea revista. Washington: Seal Press, 1994, pp. 11-14. Tradugao: Maria Cecilia Mac Dowell dos Santos

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