Você está na página 1de 46
, Opioides, analgesia e tratamento da dor Tony L. Yaksh e Mark S. Wallace A dor é um componente presente virtualmente em todas as patologias clinicas ¢ seu tratamento & um imperativo clinico fundamental. Os opioides constituem a base do tratamento da dor, mas 0 controle eficaz da dor pode en- volver, dependendo da condigo dolorosa, uma ou mais classes de firmacos, inclusive anti-inflamatérios no es- teroides (AINEs), anticonvulsivantes ¢ antidepressivos. As propriedades desses férmacos no opioides estdo des- critas nos Capitulos 34, 21 ¢ 15. Este capitulo enfatiza primeiramente as propriedades bioquimicas, farmacol6- sgicas © funcionais do sistema opioide, que definem os efeitos dos opioides no processamento da dor, fungdes endécrino-autondmicas gastrintestinal — e nos circuitos de gratificagdo-dependéncia. Em seguida, o capitulo des- reve os prinefpios que governam a utilizagdo dos firma- 05 opioides © nao opioides no tratamento dos estados dolorosos encontrados na pritica clinica, termo opiticeo refere-se aos compostos relacio- nados estruturalmente com 0s produtos encontrados no pio, uma palavra deriva de opos, o vocdbulo grego para “suco”, porque 0s opidceos naturais eram derivados da resina retirada da papoula do dpio (Papaver somnife- ‘rum. Os opidceos incluem os alcaloides vegetais natu- rais como morfina, codefna, tebaina e muitos derivados semissintéticos. Opioide & qualquer composto, indepen- dentemente da sua estrutura, que possua as propriedades ‘funcionais ¢ farmacolégicas de um opiiceo. Os opioides cendégenos, entre os quais muitos so peptideos, sto os ligandos naturais dos receptores opioides encontrados ros animais. O termo endorfina é usado como sinénimo de peptideos opioides endégenos, mas também se refere a um opioide endégeno especifico, B-endorfina. O termo narcético deriva da palavra grega narkotikos, que signi- fica “entorpecimento” ou “estupor”. Embora esse termo tenha sido aplicado inicialmente a qualquer ffirmaco que ccausasse narcose ou sono, a palavra passou a ser ligada 0s opioides ¢ geralmente ¢ usada no contexto legal para descrever virias substincias que podem causar abuso ou drogadigio. Historia. A primera referéncia inquestionivel ao Opio encontra-se nos escritos de Teoftasto, no século IIT AC. Os médicosdrabes ram, bbem versados no uso do épio; os comerciantes arabes introduzi ram a droga no Oriente, onde era empregado principalmente para 0 controle da dsenteria. Em 1680, Sydenham enalteceu 0 6pio com as seguintes palavras: “Entre os remédios que Deus Todo Poderoso hhowve por bem dar so homem para aliviar-he os soffimentos, ne ‘hum é to universal to eficaz quanto 0 6pio.” 0 épio contém > 20 alealoidesdistints, Em 1806, Frederich Sertimer, assstente de farmaeéutico, descreveu 0 isolamento por cristalizagdo de uma substincis pura no épio e a denominou mor- fina, em referéncia a Morfeu, o deus prego dos sonhos. Na metade do século XIX, 0 uso de alcaloides puros no lugar de preparagies sgrosseiras de Gpio comegou a disseminar-se entre os médicos, um ato que coinciiu com o desenvolvimento da seringa hipodérmica «das agulhas ocas, permitindo a injeglo dreta dessas preparagdes hidrossoliveis “sob a pele” dos pacientes. Do mesmo modo que os seus notiveis efeitos benéficos, os clos colateras toxicos 0 potencial de eausar dependéncia dos opioides sto também conhecidos hi séculos. Durante a guerra civil americana, a administragdo da “alegria dos sokdados” comumente ceausava a “doenca dos Soldados", ou seja, a drogadigdo opioide esencadeadsa pela droga usada para controlar as dores erdnicas ceausadas por feridas de guerra. Esses problemas estimularam a ‘busca por analgésicos opioidessinéticos potentes, lives do poten- cial de causar dependéncia e outros efeitos colaterais, Em 1874, a 5 3 g : 3 s g E/ElE/ 4/2/41 14 ‘Nociceptina (orfanins FQ) (Fen-Gli-Gli-Fen-Tre-Gli-Ala-Arg- Lis-Ser-Ala-Arg-Lis-Let-Ala-Asn-Gin) (continua) 406 Ee Agées e seletividades de alguns opioides nos receptores j1, 5 € x (Continuacio) ‘VI9oToovWuvsoUNIN LIGANDOS OPIOIDES TIPOS DE RECEPTORES cae | © Antagonistas Naloxona? Naltrexona! cToP: Diprenorfina {5 Flunalrexamina** Naloxonazina Nor-binaltorfimina Naltrindol> "Naloxona benzoil-hidrazona, “Prin preferencal, "Proto 8 prefrencil Propo x prefeencal,“Ligando univers “Ligandoireversvl. +, agonist; antagonist: P, agonista pail, O nimero de imbolos & uma medida da potncia; a razio pars determinado firmaco refere-s &seletividade. Esses valores foram ‘bios prncipalments de uma revisi conjnta dos resultado Tigago €atividade dos ligandose dover sr Fonte: Reproduzido, com autorizagi, de Raynor ¢ cols, 1994, RECEPTORES OPIOIDES Principais classes dos receptores e sua distribuicéo Os trés receptores opioides — 8, 41 e x — pertencem a familia da rodopsina das GPCRs (Capitulo 3) e apresen- tam homologia de sequéncia muito ampla (55-58%). A maior diversidade ¢ encontrada em suas algas extracelu- ares. Além disso, todos os recepiores opioides possuem duas moléculas conservadas de cisteina na primeira e na segunda alcas extracelulares, formando uma ponte dissulfidsica, Os receptores opioides ji, x ¢ 8 estio amplamente distribuidos e essa distribuigdo foi estudada detalhada- ‘mente por meio da imuno-histoquimica, da hibridizagao in situ e, mais recentemente, pelas técnicas de imageamento nio invasivo, Os efeitos profuundos e diversos nas fungoes do SNC sto compativeis com a densidade e a distribui- ho diversa dos receptores no cérebro e na medula espinal (Henriksen e cols., 2008). Além disso, esses receptores esto expressos em uma grande variedade de tecidos pe- riféricos, inclusive vasos sanguineos, coragdo, vias respi- ratérias/pulmdes, intestino € em muitas células imunes/ inflamatorias fixas e circulantes (descritas mais adiante). Apis a clonagem dos receptoresopioideseléssiens, a proteina semelhante a0 receptor opiiceo acoplado a proteina G (ORLI ou NOP) foi clonada com base em sua homologia estrutural (seme- Thanga de 48-49%) com outros membros da familia de receptores or estudosfarmacobigios com anima nviroin vivo e pr estudos sobre dos eautelosamente sos Stes humans opioides; este receptor tem um ligando endégeno, que ¢ a nocivep- tina/orfinina (FQ:N/OFQ) (Stevens, 2009). Ver Figura 18-2. Coma esse sistema nio tem farmacologia opioide (Fiorevanti ¢ cols, 2008), ee no sera descritodetalhadamente neste capitulo, (0s sitios de ligagio da N/OFQ foram localizados principal- mente no SNC e estio densamente dstibuidos nas regides cort- ais, no prosencéfalo ventral, no hipocampo, no tronco cerebral © nna medula espinal, bem como em algumas células periféricas como Dass, células endoteliais e macréfagos. ‘Subtipos dos receptores dos opidceos A existéncin de ts classes de receptores dos opiiceos (MOR, DOR eKOR) éamplamente acta. Os receptoes opoides apareceram pre- cocomonto ao longo da evolupto dos vortdbrados of estavam proson- tes com o aparecimento dos vertebrados mandibulados. Os receptores opioideshumanos foram mapeadosno cromossomo 1p355-33 (DOR), ‘no cromossomo 8411-23-21 (KOR), no eromossomo 6425-26 (MOR) € no cromossomo 20413.33 (NOR) (Dreborg e cols, 2008). As tée- nicas de hibridizao de baixa seletividade nlo identificaram outros tipos de receptores opioids, além dos que jd foram clonados. No entanto, ests farmacolégicos sugeriram a possivel exsténcia de ‘no minimo dois subipos para cada receptor, Embora os estudos de clonagem nao tenham confirmado a exsténcia dessessubtipos como ‘lasses diferentes, especificidade modificada pura os ligandos opio- ides pode sereausada por varios eventos subjacents. Heterodimerizagéo. Na membrana, os receptors opioides podem {formar homodimeros ¢ heteradimeros. A dimerizasio pode altar as propriedades farmacolbgicas dos respectivos receptores. Por exemplo, os DORs formam heterodimeros com MORS ¢ KORS. Desse modo, os heterodimeros MOR-DOR ¢ DOR-KOR demons- ‘ram menos afinidade pelos agonistas altamente seletivos, menos

Você também pode gostar