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GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AO MONITORAMENTO DE ÁREAS DEGRADADAS

E SUA RELAÇÃO COM CASOS DE LEISHMANIOSE, BARCARENA (PA), BRASIL

Clístenes Catete; Luis Guimarães; Brenda Silva; Laryssa Silva; Clísia Duarte; Gabrielle
Almeida; Ney Soares; Kleyse Leão; Ricardo Guimarães

Instituto Evandro Chagas (IEC), Endereço: Rodovia BR-316 km 7 s/n, Bairro: Levilândia, CEP:
67030-000, Ananindeua / Pará / Brasil- Tel: (91) 3213-0489 - e-mail: clistenescatete@iec.pa.gov.br

RESUMO
A degradação ambiental, decorrente das atividades humanas, está diretamente relacionada ao
desequilíbrio dos processos físicos, químicos e/ou biológicos de um ou mais sistemas que
compõem o meio ambiente, o que pode gerar perda dos elementos naturais e antrópicos, danos nas
funções ambientais, alteração da paisagem natural e risco a saúde e à segurança das pessoas. Neste
contexto, a degradação ambiental é um dos fatores de risco das leishmanioses (visceral e
tegumentar) que é considerada uma zoonose que pode acometer o ser humano, quando este entra
em contato com o ciclo de transmissão do parasito, tornando-se uma antropozoonose. Neste
aspecto, as geotecnologias têm sido apontadas como ferramenta de integração e análise de dados
ambientais e de saúde, que georreferenciados permitem identificar padrões de distribuições espaço-
temporal e tendências verificadas em uma determinada área geográfica, através da análise histórica
dos eventos. Este estudo objetivou analisar os dados de degradação ambiental com dados
epidemiológicos da distribuição espaço-temporal dos casos de leishmanioses, no município de
Barcarena (PA), entre 2007-2013. Foram utilizadas bases de dados do SINAN, IBGE, Serviço
Geológico dos Estados Unidos e INPE, complementadas com dados georreferenciados em campo,
com o uso do receptor GPS e utilização do software ArcGIS Desktop. Foram georreferenciados
125 casos de leishmanioses. Utilizando o cruzamento de dados geoespaciais, foi observada a forte
relação entre as áreas degradadas e os casos de leishmanioses, sobretudo na área rural. Portanto, a
degradação é um fator indutor do agravo na região prospectada, diante disso, as ações de
fiscalização do uso e cobertura da terra e a vigilância dessas áreas devem ser intensificadas, por
parte do poder público, sociedade civil organizada e outras instituições para melhor qualidade vida
da população local.

PALAVRAS-CHAVE: degradação ambiental, geotecnologias, leishmanioses,


georreferenciamento, saúde

1. INTRODUÇÃO

A degradação ambiental, decorrente de ações antrópicas, é responsável pela modificação das


condições físicas, químicas e biológicas dos componentes do meio ambiente, gerando perdas
significativas que comprometem as funções ambientais, além da alteração de paisagem e
desencadeamento de doenças (CALIJURI, 2013).
Dentro deste contexto, a degradação ambiental pode estar associada à retirada de material
geológico (escavação e erosão), acréscimo de material (aterro, disposição de resíduos e rejeitos),
alteração da fertilidade e compactação do solo, declínio da biodiversidade, contaminação/poluição
e outros, apresentando diferentes magnitudes. Diante disso, a recuperação de áreas degradadas
consiste no restabelecimento do equilíbrio do sistema mediante intervenções corretivas ou
mediadoras que objetivam o impedimento da reativação dos processos de degradação (CALIJURI,
2013).
Portanto, face aos inúmeros problemas decorrentes da degradação ambiental, podem-se abordar as
complicações relacionadas à saúde pública, que influenciam diretamente na sociedade e no meio
onde vivem, trazendo consigo inúmeros casos de doenças, dentre elas, a leishmaniose.
A leishmaniose é uma doença causada por parasitas protozoários do gênero Leishmania. Sua
transmissão ocorre através da picada de mosquitos flebotomíneos, popularmente conhecidos como
mosquito palha. Os diferentes aspectos clínicos da doença resultam de infecções de mais de 20
espécies diferentes de Leishmania, transmitidas por mais de 90 espécies de flebótomos, sendo
representadas sob duas formas: tegumentar ou cutânea e visceral ou calazar (OMS, 2010; WHO,
2013; 2015b).
Associada a precárias condições e especialmente degradação ambiental, relativas a processos de
pastagem, vegetação secundária (alterada), desmatamento, mineração e áreas urbanas (ALMEIDA
et al., 2016), a distribuição espacial da leishmaniose pode ser apontada como um importante fator
de risco desencadeado pelo aumento das áreas degradadas.
Neste aspecto, a utilização de geotecnologias como auxilio permitem a captura, armazenamento,
gerenciamento, análise e apresentação de informações geográficas, altamente recomendadas para o
estudo e monitoramento de eventos no espaço. Dessa forma, a sua utilização possibilita a
elaboração de análises espaciais complexas, pois viabiliza a integração de dados de diversas fontes,
manipulação de grande volume de dados e recuperação rápida de informações armazenadas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Este trabalho objetivou inter-relacionar bancos de dados epidemiológicos, cartográficos, imagens
digitais de satélites e observações em campo, para realização de análises ecoepidemiológicas da
distribuição espaço-temporal dos casos da doença de Leishmaniose, no município de Barcarena,
Pará, Brasil, no período de 2007 a 2013.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. ÁREA DE ESTUDO

Segundo o IBGE (2010), o município de Barcarena fica localizado na mesorregião Nordeste


Paraense, Estado do Pará, Brasil (). Apresentando população estimada em 2016 de 118.537
habitantes, área de 1.310, 59 (Km2) e densidade demográfica em torno de 76,21 (hab/Km 2).

Figura 1: Localização da área de estudo.


2.2 ETAPAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA

O trabalho foi executado em três etapas:

2.2.1. Primeira etapa: aquisição dos dados e depuração do banco de dados

Essa etapa da pesquisa foi realizada, no Laboratório de Geoprocessamento (LABGEO) do Instituto


Evandro Chagas (IEC), para tal foram utilizadas bases de dados epidemiológicas do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (SINAN-Net) da Secretaria Municipal de Saúde de
Barcarena (SEMUSB); dados cartográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE); imagens de satélite do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) e dados do Projeto
TerraClass, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), objetivando a identificação de
áreas degradadas, correlacionando-os com o agravo em estudo.
Após a aquisição dos dados epidemiológicos no SINAN, esta base de dados foi convertida para o
formato XLS para ser depurado. No manipulador de planilhas eletrônicas Excel, foi criado um
campo de quantificação de eventos, foi aplicado um filtro para a extração somente dos casos
confirmados, foi realizado um processo de refinamento de informações de endereços com o auxílio
de profissionais locais da área da saúde, com o objetivo de possibilitar a espacialização de
informações antes não passíveis de georreferenciamento, e zonear as localidades por proximidade
para auxiliar a construção de rotas no campo.
Com a depuração do banco de dados finalizada, foi impresso um relatório com a listagem dos
registros de casos a serem investigados em campo ordenados conforme o zoneamento e rotas
previamente construídas.

2.2.2. Segunda etapa: georreferenciamento em campo de casos de leishmaniose

Para o georreferenciamento dos dados epidemiológicos depurados, foi utilizado durante a


investigação dos casos de Leishmaniose em campo (Figura 2), o receptor do Sistema de
Posicionamento Global (GPS) Garmim 64s.

Figura 2: Georreferenciamento de áreas degradadas relacionadas à Leishmaniose em campo.

2.2.3. Terceira etapa: integração dos dados

Na sequência foi realizada a análise temática das informações: o processamento e interpretação dos
dados foi utilizado o software ArcGIS desktop 10.3, onde foram realizados os procedimentos de
geoprocessamento, tais como: junção de dados espaciais, recorte de shapefiles, calculo de áreas,
entre outros.
Da mesma forma, foram realizados procedimentos de sensoriamento remoto: seleção de imagens
do satélite americano Landsat 8, processamento digital das imagens por meio de composição de
bandas espectrais, tendo como produtos imagens com falsa cor (composição R6G5B4).
Posteriormente, houve a integração dos dados através da inter-relação dos bancos de dados
epidemiológicos, cartográficos, imagens digitais de satélites, dados de uso e cobertura da terra e
observações em campo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foram extraídos 885 registros de casos de leishmaniose notificados em Barcarena/PA no período


de 2007 a 2013 do banco de dados do SINAN-Net da SEMUSB. Destes, 733 foram excluídos por
se tratarem de casos descartados, sendo considerados somente os 152 casos com confirmação
clínica ou laboratorial.
Durante o trabalho de campo, deste universo de 152 casos, 4 foram preliminarmente identificados
fora da área estudo, apesar de notificados no município de estudo, 17 com informações
insuficientes para a localização, 115 foram localizados em campo com captura de coordenadas
geográficas, 16 não localizados em campo, porém sua localização foi recuperada através da
consulta nas bases cartográficas em laboratório, totalizando 131 casos georreferenciados com
sucesso.
Foram excluídos 2 casos detectados fora dos limites do município após confirmação de
coordenadas geográficas, e 4 foram notificados em 2014, reduzindo o universo de pesquisa para
125 casos georreferenciados (Figura 3).

Figura 3: Distribuição espacial dos casos investigados de leishmaniose no período de 2007 a 2013,
Barcarena (PA).

Na Figura 4, utilizando dados do uso e cobertura da terra do Projeto TerraClass, observou-se o


predomínio da classe de pastagem, no ano de 2004, apresentando 103,92 km², seguido de
vegetação secundária que consiste em 86,02 km², sendo esta classe uma região já alterada. Em
conformidade com a extensão dessas áreas degradadas, observa-se a ocorrência da leishmaniose,
concentrada em áreas urbanas que obtiveram uma área de 24,86 km² no ano referido.
Figura 4: Densidade espacial dos casos de leishmaniose, mostrando o uso e cobertura da terra no
ano de 2004, em Barcarena (PA).

Porém, com os dados do uso e cobertura da terra do Projeto TerraClass do ano de 2014, observou-
se um aumento de áreas urbanas, apresentando uma extensão de 49,5 km², proporcionalmente aos
casos de leishmaniose, que obtiveram crescimento em virtude desse desenvolvimento, explicado a
partir das mudanças econômicas, sociais e ambientais da região. Diante disso, em 2014 o município
de estudo exibiu intensa movimentação e demanda industrial, garantindo a diminuição de áreas de
pastagem para 9,52 km², conforme mostra a Figura 5.

Figura 5: Densidade espacial dos casos de leishmaniose, mostrando o uso e cobertura da terra no
ano de 2014, em Barcarena (PA).
Outros resultados importantes foram à criação de zonas de influencia ao redor dos casos de
leishmaniose como delimitação de perímetro de risco através da técnica de buffer. Os contornos
estão representados em círculos concêntricos de raios com intervalo de 250 metros até 1000 metros
(Figura 6) e a sua sobreposição com as áreas degradadas (Figura 7).
Do total de 125 casos, 78 (62,4%) casos estão dentro do raio de 1000 metros de distância em
relação às áreas degradadas. Considerando somente os 106 casos rurais, 76 estão dentro deste
limite, representando 71,7% (Tabela 1).

Tabela 1: Casos de leishmaniose por intervalos de distância dos focos de degradação ambiental no município
de Barcarena no período de 2007 a 2013.
Casos de leishmaniose
Intervalos de
Rural Urbano Total
distância
Qtd. % Qtd. % Qtd. %
0 a 250 m 21 16,80% 2 1,60% 23 18,40%
250 a 500 m 19 15,20% - - 19 15,20%
500 a 750 m 19 15,20% - - 19 15,20%
750 a 1000 m 17 13,60% - - 17 13,60%
Maior que 1000 m 30 24,00% 17 13,60% 47 37,60%
Total 106 84,80% 19 15,20% 125 100,00%

Figura 6: Mapa de perímetro de risco (buffer) de casos de leishmaniose.


Figura 7: Mapa de perímetro de risco (buffer) de casos de leishmaniose e áreas degradadas.

4. CONCLUSÕES

Com base no trabalho realizado, concluiu-se que:


Através da metodologia estabelecida foi possível gerar banco de dados georreferenciado de casos
de leishmaniose integrado com as variáveis ambientais relacionadas à degradação ambiental.
A análise espacial dos casos de Leishmaniose georreferenciados, mostrou que a maior
expressividade estava na área urbana, em virtude do crescimento populacional existente após
modificação no sistema econômico do município. Na área rural houve menos casos, as análises
espaciais e as observações em campo, evidenciaram que o fator de risco responsável pelos casos de
Leishmaniose na área rural é a degradação ambiental (proximidade com o habitat natural do vetor).
Gonçalves et al. (2016) usando kernel e dados do TerraClass para o estudo de leishmaniose no
município de Santarém obtiveram os mesmos resultados desse estudo, a concentração de casos na
zona urbana e a proximidade entre humanos e vetores na área rural. Além disso, os autores citam
que as mudanças ambientais modificam o comportamento e adaptação das espécies de
flebotomíneos.
Este estudo trouxe uma importante contribuição operacional no estabelecimento de uma
metodologia que contemple dados ambientais e epidemiológicos na construção de um cenário em
uma área endêmica em doenças tropicais como a Amazônia.
Os resultados evidenciaram a importância do uso de geotecnologias na gestão de informações de
diversas origens e áreas do conhecimento possibilitando o planejamento de ações, avaliação da
atual distribuição de recursos, e interferências antrópicas localizadas nas mais afetadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CALIJURI, M.C.; CUNHA, D.G.F. Engenharia ambiental: conceitos, tecnologia e gestão.


Rio de janeiro: Elsevier, 2013.
2. GONÇALVES, R.; SOARES, D.C.; GUIMARÃES, R.J.P.S.; SANTOS, W.S.; SOUSA,
G.C.R.; CHAGAS, A.P.; GARCEZ, L.M. Diversity and ecology of sand flies (Psychodidae:
Phlebotominae): foci of cutaneous leishmaniasis in Amazon Region, Brazil. Rev Pan-Amaz
Saude. 7:133-142, 2016.
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2008 using Landsat-5/TM and MODIS data. Almeida, C.A.; Coutinho, A.C.; Esquerdo,
J.C.D.M.; Adami, M.; Venturieri, A.; Diniz, C.G.; Dessay, N.; Durieux, L.; Gomes, A.R. In:
Acta Amazonica, Vol 46 (3) 2016: 291-302.
4. MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Abordagens Espaciais na Saúde Pública. 136 p. : il. –
(Série B. Textos Básicos de Saúde) (Série Capacitação e Atualização em Geoprocessamento
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5. OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Trabalhando para superar o impacto
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6. WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Leishmaniasis: Fact sheet. 2015b. Disponível
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