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Terceiro capitulo Arqueologia e historia biblica Seus usos e abusos Eugene H. Merrill Em uma entrevista recente com Gustav Niebuhr na New York Times, William G. Dever, 0 especialista norte-americano em arqueologia pales- lina, ao ser perguntado: “O que era arqueologia biblica, e quando ela mor- reu?”, respondeu: O movimento ruiu em algum momento da década de 1970 por varias razdes. Por exemplo: ela nunca compro- vou a historia dos patriarcas. O movimento nfo conseguiu cumprir seus propésitos. Basicamente, 0 campo se tornou mais profissionalizado e secularizado. Hoje em dia, ne- nhum arquedlogo sério tentaria provar a Biblia no sentido antiquado.! Legides de arquedlogos biblicos, que ainda se autodesignam assim, desafiariam, é claro, sua afirmagdio de que sua disciplina morreu e que eles iio esto sendo sérios quando, pelo menos alguns deles, tentam “provar” " Gustav Niebuhr, “Balancing Biblical Faith and Archaeological Facts”, New York Times, sdbado, 4 de agosto de 2001, AIT. A postura de William G. Dever em relagZo a esse tema ¢ desdobrada minuciosamente em seu livro What Did the Biblical Writers Know and When Did They Know It? (Grand Rapids: Eerdmans, 2001), p. 59-65. GOO FSNTIAG GO eRe 4 Biblia, mesmo que este ndo seja seu objetivo explicito.’ No entanto, a generalizagao de Dever indica uma crise indisputavel na interse¢ao entre Arqueologia e Biblia, mais precisamente, se existe ou nao um papel legi- timo da Arqueologia na pesquisa biblica — especialmente no que diz res- peito a historicidade da Biblia — e caso exista, qual deveria ser sua forma, sua extensao e seu limite. Este artigo pretende indagar a relagao entre Arqueologia ¢ a histéria do Antigo Testamento e fornecer sugestdes para como chegar a uma simbiose saudavel entre os dois. A recuperacao do passado do Antigo Testamento Uma marca da tradig&o judaico-crista é sua reivindicacao de estar arraigada em contextos e eventos histéricos reais e de extrair grande parte de seu significado teolégico da interconexio entre esses eventos. Muitos que aderem a tradigao nesse sentido comprovado pelo tempo chegam até a afirmar que a realidade desses eventos e sua interpretacao correta séo indispensdveis para a fé auténtica.’ O estudo apresentado aqui nao tentara abordar as implicagdes teoldgicas da historicidade da Biblia, mesmo que seja dbvio que convicgdes individuais sobre essas questées determinarao em grande extensao as conclusées referentes 4 natureza da Biblia bem como a metodologia a ser empregada ao lidar com sua relag&o com a his- toria, ciéncia e semelhantes.* ~ Questées relacionadas ao Antigo Testamento como historia A Natureza do Antigo Testamento Visdes referentes ao cardter essencial do Antigo Testamento se esten- dem desde a convicgao de que se trata de um texto divinamente inspirado *Na verdade, Dever, apesar de ainda refutar o termo arqueologia “biblica”, tem defendido cada vez a visto segundo a qual a Arqueologia pode apontar e de fato aponta para a credibilidade do Antigo tamento como testemunha da histéria primitiva de Israel. Veja William G. Dever “Archacology, Ideology, and the Quest for an ‘Ancient’ or ‘Biblical’ Israel”, NEA 61, mimero 1 (1998): p. 39-52; idem, “Save Us from Postmodern Malarkey”, BAR 26, niimero 2 (margo-abril 2000): p. 28-35, 68-69; ¢ especialmente idem, “Excavating the Hebrew Bible, or Burying It Again?”, BASOR 322 (2001): p. 67- 77 (uma resenha de Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, The Bible Unearthed: Archaeology’ New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts [Nova York: Free Press, 2001)); juntamente com Dever, What Did the Biblical Writers Know and When Did They Know It? 'V. Philips Long, The Art of Biblical History (Grand Rapids: Zondervan, 1994), p. 108. " Veja Eugene H. Merzill, “Old Testament History: A Theological Perspective”, em A Guide to Old Testament Theology and Exegesis, org. Willem H. VanGemeren (Grand Rapids: Zondervan, 1997), p. (65-82. Cf. C. Hassell Bullock, “Histéria e Teologia”, capitulo 4 neste volume. Arqueoiogia e histéria biblica + 69 langado in toto do céu sem uma particula de alteragao ou corrupgao pela mio humana até a afirmagio de que ele nada mais é do que uma coleta- hea cadtica, contraditéria virtualmente indecifravel de ideias religiosas ile fandticos egocéntricos dos tempos pré-cristéios tardios.’ A fé evangélica, ilo adotando nenhum desses extremos, reconhece e confessa que 0 Antigo (juntamente com o Novo) Testamento € revelacao divina, um corpus de verdade mediado pela humanidade por meio de um processo de inspira- ilo que garante sua inerrancia e, portanto, sua integridade e confiabilidade hist6rica, Um efeito secundario disso ¢ a conviceao de que o Antigo Testa- mento reflete uma realidade factual sempre que ele se apresenta como his- ria. Ou seja, 0 Antigo Testamento ¢, entre outras coisas, um relato crivel sobre o passado do antigo Israel.6 O Antigo Testamento como historia No entanto, a confiabilidade do Antigo Testamento como registro do passado no sugere que seja histéria por intengdo autoral no sentido con- vencional do termo. Ele se manifesta com precistio quando fala sobre even- los histéricos, mas a seleg&o, interpretagio e relevancia desses eventos precisam ser vistas como subordinadas a um propésito mais abrangente, ou a revelagdo da histéria da salvagio, 0 programa divino para a humani- le desde a criagdo, ao longo da histéria até o cumprimento escatol6gico de todas as coisas.’ Esse modo mais sutil de contemplar o assunto ajuda a explicar por que muitos leitores do Antigo Testamento — inclusive estudio- sos — percebem uma desconexao entre a historiografia de tempos modernos © a historiografia da Biblia. No entanto, a acusagdo de que no Antigo Testa- mento falta coeréncia, equilibrio e objetividade 4 apresentag&o da histéria de Israel é minada pelo fato de que isso nunca foi seu propésito. Em primeiro lugar, os autores e editores dos textos do Anti igo Testamento cram altamente seletivos naquilo que escreviam e incluiam (ou exclufam) " Uma visdo moderada do ponto de vista critico é representada por Walter Brueggemann, que sugere que o “testemunho” do Antigo Testamento se transforma em revelagdo. “Isto é, 0 testemunho de que Israel ostenta 0 cardter de Deus ¢ visto pela comunidade eclesial do texto como revelagio confiével do cariter verdadeiro de Deus. [...] Quando uma declaragio na Biblia é vista como verdadeira, 0 testemunho humano é visto como revelagao que desvela a realidade verdadeira de Deus” (Theology of the Old Testament (Minneapolis: Fortress, 1997], p. 121). “David M. Howard Jt, An Introduction to the Old Testament Historical Books (Chicago: Moody, 1993), p. 35-38; ef. idem, “Histéria como historia”, capitulo 1 deste volume. * Willem VanGemeren prefere 0 termo mais feliz “historia redentora” do que o termo aleméo um tanto carregado Heilsgeschichte [historia da salvagio]. Veja seu livro The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988), p. 31-34. em suas composigdes finais. Néo ha qualquer indicagio de qualquer tenta: tiva de desenvolver uma narrativa abrangente do pa preservados apenas aquelas ideias ¢ aqueles eventos considerados eruciais para a mensagem redentora, mesmo que isso resultasse em lacunas histéri- cas. i, no minimo, injusto julgar a historicidade do Antigo Testamento na base de critérios historiograficos aos quais ele jamais procurou se submeter. Em segundo lugar, as numerosas incompatibilidades entre o Antigo Tes- tamento e os relatos extrabiblicos observados por muitos estudiosos podem ser explicadas em grande parte pela falta de uma documentagfio extensa de ambas as fontes, embora outros fatores também entrem em jogo. O foco da Biblia em Israel, por exemplo, como um topos teolégico exclui seu inte- resse pelo mundo maior, a ndo ser que ele invada a hist6ria sagrada de Israel. Assim, as proezas politicas, militares e culturais das nagdes — por mais sig- nificativas que possam ser para a histéria do mundo — sio mencionadas no texto sagrado apenas quando é pertinente fazé-lo. Israel, por sua vez, mesmo no auge de seu tamanho e influéncia sob Davi e Salomao, nao passava de um pequeno agente no mundo do século 10° a.C.. Os escribas da Mesopotamia, do Egito e da Anatolia tinham poucas raz6es para voltar seu interesse para um estado comparativamente to insignificante. Além do mais, como ja sugeri- mos, existe pouca documentagao literaria de natureza histérica sobre essas culturas, especialmente de periodos mais antigos. Na medida em que mais se tornam acessiveis, as evidéncias extrabiblicas sobre um estado israelita como descrito na Biblia aumentam. Mesmo onde textos biblicos e seculares narram eventos em comum, ha, muitas vezes, diferengas consideraveis na narrativa ena interpretago desses eventos, pois faz parte da natureza da historiografia que o orgulho nacional, ideologia politica e tendéncias religiosas exercam uma influéncia sobre como as coisas sao percebidas e registradas.* Isso vale até mesmo para a Biblia, e aqueles que veem a Biblia como revelaciio reco- nhecem que o “toque” que ela dé a histéria serve a interesses teoldgicos, mas n&o afeta um relato que é histérica e teologicamente correto. ado de Israel, Foram O Antigo Testamento e 0 método critico O Iluminismo europeu, uma heranga intelectual e cultural do Renasci- mento, estimulou primeiro desafios a autoridade eclesidstica e depois as Escrituras, sobre as quais 0 magistério da Igreja foi amplamente baseado.? "Tain W. Provan, “Ideologies, Literary and Critical: Reflections on Recent Writing on the History of Israel”, JBL 114 (1995): p. 595-596. ‘Para discuss6es sucintas, mas tteis sobre o impacto do pensamento do Iluminismo sobre a autoridade ww Arqueotogia e nistoria bibtica + 71 e tornou A epistemologia avangou para além da revelagao e histéria e objeto de uma reinvestigagio livre e aberta. No que diz respeito a primeira, 4 pergunta era: Como e 0 que podemos saber? A pergunta da historia era: © que aconteceu, e 0 que isso significa? Quando foram aplicadas a Biblia, essas perguntas deram inicio a um processo de andllise cética que, previsi- velmente, culminou no chamado “método histérico-critico”, uma aborda- em cujas influéncias tiveram sua origem no século 17 e que encontrou sua expressao classica nos Prolegomena de Wellhausen no final do século 19. Nao é necessario descrever 0 método aqui,” mas talvez seja util reconhecer alguns dos aspectos positivos da metodologia critica no que diz respeito ao Antigo Testamento como histéria quando essa metodologia é usada no espi- rito aperfeigoador de um compromisso com a Biblia como Palavra escrita de Deus. Uma abordagem evangélica critica 4 recuperaciio de toda a hist6- ria de Israel estar atenta a identificagdo de fontes pertinentes e necessdrias para sua reconstrugao, a avaliagdo rigorosa dessas fontes e ao desenvolvi- mento de uma metodologia sensata para fazer o melhor uso delas. O Antigo Testamento é, obviamente, 0 depésito primario de dados his- t6ricos relacionados 4 histéria de Israel. Seu carater como histéria sagrada uma nogao que jamais deve ser ignorada — de forma alguma diminui seu valor como fonte de informagées histéricas “ordinarias”. Além disso, pre- cisamos recorrer a extensa literatura judaica pés-biblica como os escritos ¢ tradigdes apécrifos, pseudoepigraficos e mishnaicos e também as obras explicitamente historiograficas de autores como Filon e Josefo. As vastas literaturas do antigo Oriente Préximo também precisam ser exploradas para ver se elas podem langar alguma luz sobre a vida e os tempos de Israel. Apesar de seu valor ser muito limitado para o periodo pré-monérquico, elas se tornam essenciais para uma representagao completa da historia posterior de Israel, especialmente para a monarquia dividida tardia e as eras exilio e pos-exilio. Agora jé numerosos, esses textos ou confirmam os relatos bibli- cos, fornecem vers6es alternativas ou completam a narrativa onde o Antigo Testamento apresenta lacunas. Além de tais fontes, ha também inimeras centenas de artefatos escritos que tém sua origem em Israel. A maioria é extremamente sucinta, mas outros so capazes de acrescentar substancial- mente A informagiio preservada no Antigo Testamento. biblica, veja R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), p. 11- 27; Long, Art of Biblical History, p. 99-116. "© Para uma historia desses tipos de abordagem, veja Edgar Krentz, The Historical-Critical Method Filadélfia: Fortress, 1975), p. 6-32. O sentido do texto Nao devemos ignorar também 0 conhecimento histérico adquirido por meio da recuperagtio de fontes nao literdrias pela Arqueologia. Tradicional- mente, estes tém consistido em artefatos e objetos especificos de natureza artistica ou utilitaria, como ferramentas, armas, joias, elementos arquitet6- nicos e, acima de tudo, ceramica. Em tempos recentes, um grande numero de ciéncias fisicas e sociais tem sido usado para langar luz sobre ques- t6es tio diversas quanto o clima, a agricultura, a etnicidade, a economia, 0 comércio, a migragao e outros aspectos da antiga Palestina.'' Quando usa- das com sensatez, essas informacées podem fornecer dicas sobre 0 contexto mais amplo do qual o Israel do Antigo Testamento fazia parte e, assim, langar luz sobre a experiéncia histérica de Israel. Um elemento no pensamento critico sobre a histéria é a avaliagio das fontes das quais ela depende. Ha espago para um ceticismo saudavel na avaliagao do significado e da credibilidade dos textos (até mesmo de artefatos nao literarios), inclusive os textos da Biblia. Podemos até nos aproximar da tarefa com determinadas suposig6es positivas sobre a Biblia — sua natureza divina e seus pronunciamentos infaliveis -, mas a propria Biblia levanta perguntas sobre suas origens, seu contexto, seus ouvin- tes, sua aparente falta de completude e coesdo. Uma critica santificada dedicada as perguntas dificeis da Biblia e sobre a Biblia é perfeitamente conveniente. Isso se aplica ainda muito mais as fontes no biblicas, é claro, pois estas nao podem reivindicar qualquer verdade. Elas precisam ser submetidas a uma andlise sébria, objetiva e profunda para determinar em que medida podem contribuir para um conhecimento das coisas ¢ dos tempos aos quais pertencem. A seguinte lista sucinta oferece algumas sugestdes para uma avaliacio critica de dados histéricos.'? 1. Aceite as fontes como auténticas a nao ser que e até que precisem, com base em evidéncias opostas concretas, ser reavaliadas. 2. Nao exclua ou inclua nada simplesmente por causa de sua singu- laridade. 3. Evite pressupor a conclusio de sua pesquisa. wR. B. Clements (org), The World of Ancient Israel (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), Veja especialmente os artigos neste volume escritos por J. W. Rogerson (“Anthropology and the Old Testament”, p. 7-37), A. D. H. Mayes (“Sociology and the Old Testament”, p. 39-63) e F. S. Frick (Ecology, agriculture and patterns of settlement”, p. 67-93) " Acrescente a estas aquilo que Kaiser descreve como “algumas falécias modemas” derivadas do pensamento iluminista, especialmente no que diz respeito a historia de Israel. Walter C. Kaiser Jr., A History of Israel (Nashville: Broadman & Holman, 1998), p. 3-8 Arqueotogia e historia biblica * 75 steja ciente da natureza fragmentiria © possivelmente tendenciosa das fontes. 5, Cuidado com o positivismo ou padronismo histérico. 6. Procure estabelecer paralelos literérios ou culturais, dependéncias miituas ou conexdes ¢ parametros cronolégicos. Infelizmente, estes e outros principios do método critico sensato sdo fre- quentemente violados pelos praticantes da arte e ciéncia da historiografia. De um lado estao aqueles que supdem que qualquer tipo de método eri- tico aplicado a Biblia é irreverente ou até mesmo herético. De outro, temos aqueles que nao s6 se recusam a reconhecer qualquer cardter e autoridade religiosos singulares nas Escrituras, mas que tratam também com desdém arrogante qualquer afirmagao segundo a qual elas possuam integridade his- torica. Podem estar dispostos a reconhecer e aceitar Hamurabi como figura auténtica da historia, mas negam a Moisés qualquer vinculo com os escritos ociados a ele e, de modo cada vez mais frequente, negam-lhe qualquer realidade histérica. Essa traig&o do método histérico objetivo nao é critica legitima, mas sim uma forma de obscurantismo. Historiografia do Antigo Testamento Um dos grandes temas do estudo moderno do Antigo Testamento é a relag&o entre historia e revelagéo, mais especificamente, a pergunta, levantada principalmente por Gerhard von Rad, se a hist6ria relatada no Antigo Testamento é um registro de eventos reais ou apenas uma interpre- tagéo de eventos subjacente as antigas confissdes de Israel. Se 0 ultimo for © caso, precisamos aceitar a famosa definigao da investigagao historica, cunhada por von Rad, como algo que “procura estabelecer um minimo criticamente assegurado”, em oposigao a “imagem querigmatica”, que “tende em dirego a um maximo teoldégico”."? Se for um relato factual, cabe ao sério estudante da Biblia empregar cada ferramenta exegética, teoldgica, literdria ¢ critica apropriada para assegurar e interpretar esses fatos, para que tanto o significado histérico quanto o significado querig- matico possam ser revelados. Idealmente, esses dois conjuntos de dados coincidem, pois postular duas leituras da histéria, frequentemente contra- ditérias, significa aproximar-se da esquizofrenia intelectual. Gerhard von Rad, Old Testament Theology, trad. D. M. G. Stalker (Nova York: Harper & Row, 1962), 1:108. alengao agora para a questio do(s) género(s) da histo- ifia do Antigo Testamento. Se quisermos levar 0 Antigo Testamento 4 sério como historia, quais sao os indicios literarios que indicam o que é narrativa hist6rica? Se o texto tem preocupagdes que vao além do registro histrico, como isso pode ser demonstrado? Precisamos abordar as ques- Wes de género tendo em mente algumas suposigdes, Em primeiro lugar, até o advento das abordagens pés-modernas a com- posi¢do literdria, conhecidas como péds-estruturalismo e hermenéutica da recep¢do, praticamente todos os leitores da Biblia compreendiam os livros histéricos como obra cuja orientagao era fundamentalmente histérica,'* Em segundo lugar, grandes blocos de material juridico, poético, sapiencial © profético se inserem no texto ¢ interrompem o fluxo da narrativa. Mesmo assim, permanece uma histéria, uma narrativa que professa relatar a historia de Israel. Em terceiro lugar, os narradores antigos empregavam géneros historiograficos, como crénicas, listas, anais, biografias e narrativas histé- ricas. Os estilos desses escritos naquele periodo nem sempre seguiam as expectativas e praticas dos historiadores modernos. Em quarto lugar, temos a liberdade de questionar os “fatos” histéricos do registro, é claro, mas nao Pode existir argumento convincente contra o fato autoevidente de que 0 Antigo Testamento foi escrito na forma de uma historiografia. Dados esses principios, pode ser itil sugerir um método para analisar ¢ interpretar textos histéricos, especificamente o Antigo Testamento.'’ Os Seguintes pontos podem servir como orientagao: 1. Suponha que a sequéncia das narrativas e dos textos inseridos ou parentéticos seja cronolégica. 2. Estude as narrativas criticamente em busca de evidéncias de desarmo- nia, inconsisténcia aparente ou outros tipos de dificuldades internas. 3. Compare as narrativas com quaisquer outros dados que possam ser encontrados em fontes extrabiblicas. 4. Esteja disposto a reconstruir 0 relato cronologicamente (se isso Ihe parecer importante) e a ir contra a estratégia da propria narrativa. Por '*Para um resumo de pés-modemismo ¢ erudigao biblica, veja Edgar V. McKnight, “Reader-Response Criticism”, em To Each Its Own Meaning: An Introduction to Biblical Criticisms and Their Application, org, Steven L. MeKenzie ¢ Stephen R. Haynes (Louisville: WestminsteriJohn Knox, 1993), p. 230-252, William A. Beardslee, “Poststructuralist Criticism”, em To Each lis Own Meaning: An Introduction to Biblical Criticisms and Their Application, org. Steven L. McKenzie e Stephen R. Haynes (Louisville Westminster/John Knox, 1993), p. 253-267; € A. K.M. Adam, What Is Postmodern Biblical Criticism? New Testament Guides (Minneapolis: Fortress, 1995). ‘Eugene H. Merril, “History”, em Cracking Old Testament Codes, org, D. Brent Sandy ¢ Ronald L. Giese Jr. (Nashville: Broadman & Holman, 1995), p. 89-112 Arqueologia @ historia biblica + /5 outro lado, é importante entender que a forma do texto cumpre um vende a mera ordem sequencial. propésito do(s) autor(es) que tran: Cada texto precisa ser avaliado contextualmente no processo herme- néutico e teolégico. Fontes : 3 Além do Antigo Testamento —a fonte primaria—, a integridade da apre- sentagao da historia de Israel depende também de dados extrabiblicos. Esses dados assumem a forma de artefatos culturais, especialmente para os peri- odos pré-letrados, e artefatos literéirios (textos), cada um dos quais precisa ser submetido a cuidadosos controles interpretativos se quisermos enten- der corretamente sua natureza e seu significado. Ou seja, eles precisam ser “lidos” como testemunhas da era da qual provém. Isso é obviamente muito mais dificil no caso dos materiais sem inscrigdes. Para “Ié-los”, € impor- tante dar atengAo estrita a questdes como estratigrafia, o nivel cultural que produziu 0 artefato ¢ a tipologia, 0 lugar que 0 artefato ocupava ao longo de sua evolugio cultural e tecnoldgica.'* Métodos mais recentes buscam obter uma imagem do ambiente — elementos como clima, tipos de solo e Agua — associada aos materiais em questio. : As ciéncias sociais procuram desenvolver hipéteses sobre a densidade e distribuigdo da populagio. Cientistas sociais estudam trabalho, econo- mia e comércio comparando cuidadosamente uma cultura antiga com padrées posteriores ¢ até mesmo modernos, sobre os quais temos mais conhecimentos. Eles estudam cuidadosamente objetos materiais para aprender algo sobre seu contetido e as habilidades necessarias em sua manufatura. Fazem isso para, se possivel, determinar seus locais de ori- gem, que revelam mais sobre praticas de comércio, viagem, tecnologia € diversidade na especializacao."” 2 ; Mesmo fazendo tudo isso e fazendo-o bem, nenhuma quantidade de and- lise das testemunhas mudas pode revelar definitivamente a identidade da cul- tura responsdvel por elas. Identificagao exige textos, pois inscrigdes fornecem informagGes verbais tanto sobre os autores quanto sobre aqueles sobre os y Reconstructing Israel's "6 Gésta W. Ahlstrom, “The Role of Archaeological and Literary Remains in History”, em The Fabric of History: Text, Artfact and Israel’ Past, org. Diana Vikander Edelman, , 5-141 JSOTSup 127 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991), p. 116 "aia de‘Jong Elis, “Corelation of Archacoogicel and Writen Evidence for the Study of Mesopotamian Iatutons and Chronology, 4 87 (1983). 497-07; Barsh Halper, “Rese Design in Archaeology: The Interdisciplinary Perspective”, NEA 61, nimero I (1998): p. 53-65; ¢ Gloria London, “Ethnoarchacology and Interpretation”, NEA 63, nimero 1 (2000): p.2-8. 76+ O sentido do texto quais 0 texto cita. Textos também sao artefatos, cuja proveniéncia precisa ser assegurada por um método arqueoldgico apropriado. Além do mais, é necessério recorrer a disciplinas como paleografia e decifragem, as quais seguem a tradugao ¢ interpretagdo. Estudos de géneros, linguas comparadas e literaturas sio importantes para o uso apropriado de artefatos escritos, reconhecendo tendéncias e propésitos propagandisticos. Apenas quando as inscri¢es so corretamente avaliadas, elas podem fazer contribuicées sig- nificativas para o estudo da histéria. Aarqueologia e a controvérsia do Antigo Testamento Prevalece a ideia de que a arqueologia “biblica” esta morta e tem apo- drecido em seu timulo durante 30 anos. Aqueles que acreditam que essa morte tenha ocorrido apresentam a patologia de que aqueles que trabalham na arqueologia sirio-palestina tentaram conquistar o respeito académico desligando-se do embarago associado a empreendimentos arqueolégicos baseados na fé. Quase desde seu inicio, ha 150 anos, a arqueologia condu- zida na Palestina esteve sob a supervisdo de pessoas que nutriam no minimo uma simpatia pela Biblia e pela fé crist&. Muitas vezes, sua intengao aberta era demonstrar que a Biblia ¢ historicamente crivel. Partiam da pressuposi- géo de que a pesquisa arqueolégica conseguiria documentar as afirmacdes da Biblia em relagdo a pessoas e eventos da Antiguidade. Hoje em dia, a “arqueologia biblica” é uma subdisciplina da arqueo- logia em geral associada 4s terras da Biblia, especialmente ao Levante. A arqueologia biblica costuma permanecer autoconsciente em suas tenta- tivas de fazer seu trabalho com referéncia 4 Biblia. Hoje, a disciplina é frequentemente caricaturada como obra de zelotes fundamentalistas sem treinamento e sem credenciais académicas e sofisticagdio metodolégica. No entanto, muitos pioneiros e gigantes da arqueologia palestina muitas vezes tém ostentado com alegria — e até mesmo orgulho — 0 rétulo de arquedlo- gos biblicos, mesmo quando suas orientagées religiosas so tudo, menos fundamentalistas, ¢ suas qualificagdes técnicas séo do mais alto nivel.'® Alguns desses arquedlogos biblicos foram os professores e exemplos da maioria dos praticantes da “nova arqueologia”, que denunciam de forma "Dever, What Did the Biblical Writers Know and When Did They Know It? p. 56-59. Arqueotogia ernistoria pinica = / tio esbravejante o rétulo “biblico” e até repudiam os trabalhos e as conclu- ses de seus mentores. No entanto, ao contrario das pretenses exageradas daqueles que defendem a nova arqueologia, a arqueologia biblica sobrevive também além dos circulos cristdos evangélicos. Estudiosos israelenses em ‘al continuam a empregé-la para definir o teor de seus trabalhos para elu- cidar os textos biblicos e reconstruir a histria de seus antepassados."” Isso se aplica também a estudiosos que no seguem uma tradi¢ao especifica da {6 ou que, pelo menos, no fazem da fé uma motivagao proclamada publica- mente para os seus esforgos académicos. Poderiamos suspeitar cinicamente que alguns profissionais usam 0 adjetivo biblico apenas porque grande parte do financiamento de seus empreendimentos provém de individuos e insti- tuigdes que sao motivados pelo valor que a arqueologia palestina tem para a Biblia. Mesmo assim, é evidente que os boatos sobre a morte da arqueo- logia biblica sao, para parafrasear Mark Twain, grandemente exagerados. A “nova” arqueologia e o “minimalismo” historico A nova arqueologia O termo nova arqueologia, um tanto impreciso, nao é usado aqui para des- crever métodos mais recentes de pesquisa arqueolégica, métodos estes que, como um todo, merecem nossos aplausos. A nova arqueologia como movi- mento surgiu em reag&o a chamada arqueologia “biblica” ao longo de mais de um século. Como ja observamos, seus defensores desejam se dissociar do énus implicito ao termo biblico e se alinhar com a comunidade arqueolégica mais ampla. Ao fazé-lo, porém, alguns rejeitaram nao s6 0 rotulo pejorativo, mas também o fato de que arqueologia e Antigo Testamento tém muito em comum.° 0 método, como costuma ser praticado, consiste em reunir o regis- tro arqueolégico, interpreta-lo sob seus proprios termos e entao verificar se € como a tradig&o biblica se adequa as evidéncias. Quase sempre a suposigo & que a Arqueologia goza de primazia e que o registro biblico precisa ser © Para uma visio geral da situagio israelense diante da “crise” na arqueologia palestina, veja Ephraim Stem, “The Bible and Israeli Archaeology”, em Archaeology and Biblical Interpretation, org. Leo G. Perdue, Lawrence E. Toombs e Gary L. Johnson (Atlanta: John Knox, 1987), p. 31-40; e Amihai Mazar, Archaeology of the Land of the Bible: 10,000-586 B.C.E. (Nova York: Doubleday, 1990), p. 31-33. ® William Dever, tanto quanto qualquer outro, tem rejeitado o rétulo “arquedlogo biblico”. Veja seu interessante artigo “Syro-Palestinian and Biblical Archaeology”, em The Hebrew Bible and Its Modern Interpreters, org. Douglas A. Knight e Gene M. Tucker (Filadélfia: Fortress, 1985), esp. p. 31-32, 53- 61, 64-67. Recentemente, porém, ele veio a se identificar com uma escola de pensamento que atribui & Biblia uma boa dose de credibilidade histérica, uma posig&o que parece ter surgido em grande parte em reagio aos revisionistas minimalistas. Veja a famosa entrevista de Dever com Hershel Shanks, intitulada “Is This Man a Biblical Archaeologist?” BAR 22, némero 4 (julho-agosto de 1996): p. 30-39, 62-63. Veja também Dever, hat Did the Biblical Writers Know and When Did They Know It? 73° UseNntige Go texto julgado em relagao a ela e ser ou defendido ou refutado. O Antigo ‘Testamento é, portanto, secundario, sem autoridade independente como material de ori- gem no fornecimento de uma imagem do passado de Israel. Ironicamente, esse método é exatamente to falho quanto 0 uso da Arqueologia para “pro- var” ou pelo menos apoiar a versdo histérica do Antigo Testamento. Parece t4o danoso rejeitar o testemunho do Antigo Testamento quando este nao con- corda com uma interpretagdo arqueolégica quanto manipular dados arqueol6- gicos para favorecer uma visao elevada da historicidade da Biblia. Uma boa erudigao deveria ver a tradigao biblica e as evidéncias arqueolégicas como vozes gémeas, que devem ser igualmente respeitadas e ouvidas com ateng&o para determinar se e como elas séo mutuamente informativas. Minimalismo historico Concomitante ao desenvolvimento da nova arqueologia ha uma escola de pensamento caracterizada por um ceticismo radical que nega qualquer faisca de credibilidade histérica ao Antigo Testamento. Defendido principalmente por estudiosos britanicos e dinamarqueses, poucos dos quais tém experién- cia e credenciais sdlidas em Arqueologia, esse movimento de minimalistas histéricos desencadeou um debate vigoroso entre os estudiosos do Antigo Testamento. O minimalismo tem desafiado principalmente aqueles represen- tantes da nova arqueologia que antes tentaram se distanciar da arqueologia biblica.2" Muitos destes se encontram agora numa posicdo desagradavel e possivelmente inconsistente. Tentaram relegar o Antigo Testamento 4 uma posigdo quase extrinseca a ideologia arqueolégica que decidiram seguir, mas agora se veem obrigados a defender o Antigo Testamento contra o niilismo de extremistas iconoclastas que 0 veem como propaganda pés-exilio sem qual- quer fundamentacao em genuinos fatos histéricos.” Ao se empenharem numa defesa limitada do Antigo Testamento, os novos arquedlogos se sujeitaram as 2 Veja principalmente Robert B. Coote e Keith W. Whitelam (orgs.), The Emergence of Early Israel in Historical Perspective (Sheffield: Sheffield Academic, 1987); Philip P. Davies, In Search of “Ancient Israel”, ISOTSup 148 (Sheffield: JSOT, 1992); Israel Finkelstein, The Archaeology of the Israelite Settlement (Jerusalém: Israel Exploration Society, 1988); Niels Peter Lemche, Ancient Israel: A New History of Israelite Society (Sheffield: JSOT, 1988); idem, Prelude to Israel’ Past (Peabody, Mass. Hendrickson, 1998); ¢ Keith W. Whitelam, The Invention of Ancient Israel (Londres: Routledge, 1996). Anélises ¢ criticas importantes a estes e outros “minimalistas” podem ser encontradas em William G. Dever, “Will the Real Israel Please Stand Up?” Archaeology and Israelite Historiography: Part I", BASOR 297 (1995): p. 61-80; David M. Howard Jr, Joshua, NAC 5 (Nashville: Broadman & Holman, 1998), p. 40-46; Magnus Ottosson, “Ideology, History and Archaeology in the Old Testament”, S/OT 8 (1994): p. 206-222; K. Lawson Younger Jr, “Early Israel in Recent Biblical Scholarship”, em The Face of Old Testament Studies, org. David W. Baker ¢ Bill T. Amold (Grand Rapids: Baker, 1999), p. 185-191. Dever, What Did the Biblical Writers Know and When Did They Know It? p. 23-52. Arqueotogia e historia biDtica + 79 Jas aos arquedlogos mesmas representagdes falsas ad hominem antes reser biblicos. So chamados de fundamentalistas, tradicionalistas e sionistas. As piginas de revistas como, por exemplo, Biblical Archeology Review, esto cheias de ataques e contra-ataques nesse debate amargo.* Um dos resultados disso tem sido uma aproximagao de alguns criticos da arqueologia biblica a uma abordagem mais simpatica a ela. O Antigo Testamento e a arqueologia No contexto dessas controvérsias, permanece a pergunta: Qual ¢ 0 papel da Arqueologia no esclarecimento da narrativa do Antigo Testamento e, mais especificamente, na defesa de sua historicidade? Talvez a resposta possa ser mostrada num breve resumo dos usos ¢ abusos da pesquisa arque- olégica. Primeiro, porém, uma atengdo 4 Arqueologia como fornecedora de material de origem pode ser itil. Arqueologia como fornecedora de material de origem Artefatos nao literarios A maioria dos objetos recuperados em escavagdes arqueoldgicas é muda, isto 6, so néo literdrios, sem voz e sem interpretagao propria No entanto, isso nao significa que eles nao possam ser “lidos” como textos com © método interpretativo apropriado. Todos os resquicios materiais antigos dizem algo aqueles que fazem as perguntas certas, especialmente quando essas perguntas so feitas sem qualquer a priori dogmatico. Um simples caco de ceramica, por exemplo, tem forma, tamanho, cor, consisténcia densidade. Um ceramista experiente consegue reconstruir 0 vaso do qual o caco é um fragmento. A idade aproximada pode ser definida relacionando- -o a tipologias bem estabelecidas de cerdmica. Seu lugar e as condi¢des de manufatura podem ser encontrados comparando-o com outros exemplares bem identificados. As vezes, o fragmento pode indicar o tipo de circunstan- cias hist6ricas que deixaram in situ e em sua forma atual (por exemplo, um grande incéndio). 2 Para os nimeros mais recentes, veja BAR 22, niimero 4 (julho-agosto de 1996); p. 22, nimero 5 (setembro—outubro 1996); p. 23, niimero 2 (margo-abril de 1997); p. 23, ntimero 4 (julho-agosto de 1997); p. 26, ntimero 2 (margo-abril de 2000). » Para um estudo jé um pouco antiquado, mas ainda util sobre a interpretagio de artefatos no literarios, veja Stuart Piggott, Approach to Archaeology (Nova York: McGraw Hill, 1959). Um trabalho ‘sucinto, porém mais recente, é Mazar, Archaeology of the Land of the Bible, p. 9-33. BO + O sentido do texto e, para continuarmos com o nosso exemplo, 0 caco é de origem mice nica, trata-se obviamente de um artigo importado de um periodo em que 0 comércio desse tipo de mercadorias prevalecia. Se parece ter sido exdtico e raro, mais decorativo do que utilitario, seu dono deve ter sido uma pessoa com recursos ou, talvez, um ladrdo que o roubou de uma pessoa desse tipo. Se foi encontrado num estrato marcado por destruigao, se sua propria super- ficie estava enegrecida por fogos catastréficos, uma conclusao légica é que 0 local em que se encontrava foi destruido durante uma conquista violenta. Dito isso, é importante reconhecer os limites da leitura desses tipos de artefatos. Louga micénica pode ter sido um item de colecionador até mesmo no mundo antigo, uma antiguidade centenas de anos mais velha do que o local de sua descoberta indicaria. Ela pode ter sido jogada num forno de lenha por uma crianga descuidada e depois destruida por seu dono frustrado. Ou as evidéncias de uma conflagragao de grande exten- sao podem ser explicadas pelo desastre natural, como um terremoto ou relampago. Em outras palavras, assim como uma interpretag&o correta de textos precisa de contextos, os artefatos ndo literarios também exigem contextos ambientais inequivocos e inquestionaveis antes de produzirem uma mensagem clara e certa. Artefatos literdrios Até mesmo as inscriges mais preservadas precisam de contextos dentro dos quais possam ser compreendidas ou, em alguns casos, mesmo ser lidas. Quanto mais sucinto o texto, mais isso se aplica, evidentemente. Além de identificar o horizonte estratigrafico do qual o artefato foi extraido, outras disciplinas precisam ser aplicadas, incluindo paleografia, histéria e ques- t6es de gramatica, sintaxe e lexicografia. A mensagem do texto comunica qualquer informagao hist6rica significativa? Se este for o caso, ela pode ser relacionada a eventos e pessoas biblicas ou a outras inscrigdes cujo locus histérico é mais conhecido? A leitura de textos, assim como a “leitura” de artefatos nao literdrios, exige ateng&o a contextos de muitos tipos. O uso apropriado da Arqueologia em relacao. a histéria do Antigo Testamento O propésito aqui nfo é mostrar como a acurdcia histérica do Antigo Testamento é “provada” pela descoberta arqueolégica, mas mostrar como esta se relaciona ao registro do Antigo Testamento, fornecendo assim escla- recimento, amplificagdo e, as vezes, corregaio de interpretagdes erradas de sua mensagem. Visto que as inscrigées s%io, obviamente, menos suscetiveis Arqueciogia @ storia Dinca © Gl 4 ambiguidade © subjetividade, a maioria dos exemplos a seguir sto de natureza literdria, { Fstela de Mernepté As vezes chamada de “Estela de Israel”, a inscrigdio da Estela de Mer- nepta, do faraé Mernepté, filho de Ramsés II, documenta sua campanha para encerrar as revoltas nos territérios ocupados da Siria e da Palestina em seu terceiro ano (mais ou menos 1210 a.C.).5 Apés falar de sua vitéria sobre os libios, Mernepté se gaba: “Hatti esté em paz; Canai estd despo- jada de toda maldade; Ascalao foi tomada; Gezer foi capturada; Yanoam ficou como se nunca tivesse existido; Israel esta devastado; sua semente niio existe mais”.*° Essa mais antiga referéncia extrabiblica a Israel ocorre com 0 determinativo gramatical para “povo”, sugerindo que Israel nao era uma pequena cidade-Estado, mas uma grande populagao ainda sem fron- teiras nacionais claramente definidas. Os minimalistas histéricos argu- mentam que a referéncia a Israel nada tem a ver com o Israel ficticio que eles alegam ser uma criagao dos judeus do pés-exilio, por isso, a descar- tam sem maior justificativa.”” A maioria dos estudiosos interpreta 0 texto como dizendo que Mernepta estava lidando com Israel em sua infancia, em concordancia com a famosa ascensao explosiva das aldeias nos pla- naltos na Era de Ferro, que se acredita terem sido israelitas.** No entanto, € mais provavel que a campanha tenha ocorrido durante 0 periodo cadtico dos juizes, mais especificamente no perfodo de Débora e Gidetio (mais ou menos 1240-1200 a.C.).” Em todo caso, o fato de que havia uma entidade reconhecida e conhecida como “Israel” j4 na Era do Bronze tardia esta indiscutivelmente documentado. ® Miriam Lichtheim (trad.), “The Merneptah Stela”, AEL (Berkeley: University of California Press, 1971-1980), 2:73-78; ¢ Itamar Singer, “Merneptah’s Campaign to Canaan and the Egyptian Occupation of the Southern Coastal Plain of Palestine in the Ramesside Period”, BASOR 269 (1988): p. 1-10. *R. J. Williams, “The ‘Israel Stele” of Merenptah”, em Documents from Old Testament Times, ore. D. Winton Thomas (Londres: Nelson, 1958), p. 139; James K. Hoffieier (trad.), “The (Israel) Stele of Memeptah (2.6)". em COS, org. W. W. Hallo e K. L. Younger Jr. (Leiden: Brill, 1997-2002) ® TL. Thompson, The Early History of the Israelite People: From the Written and Archaeological Sources (Leiden: Brill, 1992), p. 310. Gosta Ahistréim sugeriu que o nome “Israel” se refere nao a uma hago ou a um povo, mas a uma regio geogrifica que apenas mais tarde forneceria o nome ao povo cananeu nativo. Citado por James K. Hoffmeier, Israel in Egypt (Nova York: Oxford University Press, 1997), p. 27. % Robert B. Coote, Early Israel: A New Horizon (Minneapolis: Fortress, 1990), p. 84-87. % Eugene H. Merrill, “The Late Bronze Early Iron Age Transition and the Emergence of Israel”, BSac 152 (1995): p. 145-162. Ge-O Nido do texto or, Megido, Gezer e Salomao IReis 9.15 registra 0 fato de que Salomio se dera ao trabalho de esta- belecer determinadas cidades como pontos centrais de armazenamento e defesa, incluindo Hazor, Megido e Gezer. As trés cidades foram esca- vadas exaustivamente e tém produzido evidéncias de que funcionavam exatamente como indicado pelo texto biblico. Apesar de os estudiosos nao concordarem em relagao a aspectos como os portdes da cidade, se eram salomé6nicos ou posteriores, praticamente todos eles concordam que as cidades alcangaram posig6es de importancia no final do século 10°, durante 0 periodo de Salomao, e que elas serviam aos propdsitos afirmados no relato do Antigo Testamento.*” Aqui, faltam aos artefatos nao literérios as informagées de inscrigdes que desejariamos ter, mas a concordancia entre dados fornecidos pelos artefatos € 0 relato biblico é notavel demais para negar um vinculo saloménico. As listas epénimas assirias Um dos problemas histéricos mais enigmaticos na erudi¢ao veterotesta- mentaria tem sido a correlaco e interpretagao corretas dos dados cronol6- gicos da era da monarquia dividida. Esforcos de resolvé-lo tém se estendido desde hipdteses harmonisticas engenhosas, mas pouco convincentes, até a suposigao de que os textos pertinentes foram corrompidos e agora nao podem ser decifrados. Arecuperagao de tabuletas cuneiformes conhecidas como Crénica Ep6- nima permite agora a elaboragdio de uma lista para os anos 910-649 a.C! Os escribas neoassirios responsdveis por sua compilago incluiram no sé os nomes dos anos, mas também eventos significativos ocorridos em diversos anos. Na base de um cAlculo astronémico, chegou-se ao ano 763 a.C., que permitiu a datagao de todos os anos anteriores e posteriores. Significativos para a histéria do Antigo Testamento sao aqueles anos associados a alguma pessoa ou evento em Israel.** Quando comparada com as inscrigées reais da Assiria, a Crénica Epénima permite datar a morte do rei Acabe (853 a.C.), aascensdo de Jeu ao trono de Israel (841) e, portanto, praticamente todas as datas de todos os reis de Israel e Juda desde Davi até Joaquim e Zedequias. Mesmo que determinadas questdes cronolégicas permanecam sem solugao °° Mazar, Archaeology of the Land of the Bible, p. 380-387. 2 Alan Millard (trad.), “Assyrian Eponym Canon (1.136)”, em COS, 1:465-466. ™ Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 3° edigio (Grand Rapids: Zondervan, 1983), p. 67-78; ¢ Leslie McFall, “A Translation Guide to the Chronological Data in Kings and Chronicles”, BSac 148 (1991): p. 3-45. ATQUEHIOge ernie & sutisfatdria para todos, o esquema dos cronologistas biblicos como um todo ¢ claro e convincente 1 inscrigdo de Tel Dan Uma das descobertas mais notaveis dos tempos modernos é uma inscri- gio aramaica em Tel Dan, no norte de Israel. Trata-se do Da conhecido no Antigo Testamento como um dos dois locais de adoragao semipaga israelita (IReis 12.28-29). Apesar de o texto aparentar datar do reino do rei Jorao de Israel (852-841 a.C.), ele se refere aos dois reinos de Israel e de bét-David (“casa de Davi”), respectivamente. A despeito de algumas vozes discordan- tes do campo dos minimalistas,* estudiosos de todas as vertentes tm cer- leza de que a interpretacao bét-David = Juda é correta e que o reino recebeu seu nome do rei Davi, apoiando assim sua realidade histérica.** A inscrigdéo de Mesa As vezes chamada de “Pedra Moabita”, a inscrig&o de Mesa é datada em mais ou menos 850 a.C. Fornece um relato do rei Mesa de Moabe sobre seus conflitos com Israel nos tiltimos anos da dinastia de Onri.** E um dos raris- simos documentos que recontam os eventos narrados também no Antigo Testamento (2Reis 3.4-27), fornecendo uma versio alternativa daquilo que ocorreu. Evidentemente, cada historia é narrada sob uma perspectiva dife- rente e com tendéncias egocéntricas e ideolégicas, mas a trama basica é a mesma, e os eventos histéricos que descrevem sao iguais em ambos os relatos. Especialmente interessante a luz da inscrig&o de Tel Dan é a proba- bilidade de que Mesa também conhecia Juda pelo nome de “Casa de Davi”, uma leitura que, até ent&o, nao tinha ampla aceitag4o.*” Portanto, o texto de Mesa niio sé confere credibilidade 4 narrativa do Antigo Testamento, mas fornece também uma maneira alternativa de 1é-la. A. Millard (trad.), “The Tell Dan Stele (2.39)”, em COS, 2:161-162. * Veja, por exemplo, P. R. Davies, “House of David’ Built on Sand: The Sin of the Biblical Maximizers", BAR 20, nimero 4 (julho-agosto de 1994), p. 54-55; e Whitelam, The Invention of Ancient Israel, p. 166-168. ° Abraham Biran c Joseph Naveh, “An Aramaic Stele Fragment from Tel Dan”, /EJ 43 (1993): p. 81- 98; Victor Sasson, “The Old Aramaic Inscription from Tell Dan: Philological, Literary, and Historical Aspects”, JSS 40 (1995) p. 11-30; William M. Schniedewind, “Tel Dan Stela: New Light on Aramaic and Jehu’s Revolt”, BASOR 302 (1996) p. 75-90. > Veja W. F. Albright (trad.), “The Moabite Stone”, em ANET, 3° edigdo, org. James B. Pritchard (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1969), p. 320-321; e K. A. D. Smelik (trad.), “The Inscription of King Mesha (2.23)”, em COS, 2:137-38. ¥ André Lemaire, “House of David’ Restored in Moabite Inscription”, BAR 20, nimero 3 (maio~ Junho de 1994): p, 30-37. OF? U'SENTIAG GO Texto O Obelisco Negro O lindo e bem preservado Obelisco Negro documenta uma campanha de Salmanaser III da Assiria (que reinou de 858 a 824 a.C.) na Siria-Palestina em seu décimo oitavo ano de reinado (841-840). Entre outras conquistas, men- ciona também que “na época, recebi tributos dos povos de Tiro, Sidom e de Jeu, filho de Onri”.* Uma comparagio disso com a investida de Salmanaser 12 anos antes contra Acabe e seus aliados em Qarqar, como relatada na cha- mada Estela de Kurkh, deixa claro que Jett capitulou em seu primeiro ano de reinado e que Acabe enfrentou Salmanaser no tiltimo ano de seu reinado (853). O Antigo Testamento indica um intervalo de 12 anos entre a morte de Acabe ea ascensio de Jeti,” exatamente 0 mesmo intervalo entre as duas campanhas de Salmanaser segundo a Crénica Epénima. Além de identificar Acabe e Jett como figuras histéricas, o Obelisco Negro retrata Jeti prostrado diante do rei assirio, a tinica representagdo artistica de um rei israelita identificada até hoje. O Prisma de Taylor famoso Prisma de Taylor relata varias conquistas militares do rei assitio Senaqueribe (que reinou de 705 a 681 a.C.), das quais a mais importante para 0s nossos propésitos é seu sitio a Jerusalém em 701 a.C., durante o reino de Ezequias de Juda. Ele se gaba de que “no que diz respeito a Ezequias, 0 judeu, que nao se curvou em submisstio ao meu jugo, sitiei e conquistei 46 cidades fortalecidas e inimeras aldeias menores em sua proximidade, Ele [Ezequias] se trancou em Jerusalém, sua cidade real, como um passaro numa gaiola”.” O Antigo Testamento também conta sobre esse sitio (2Rs 18.13-19.37; Is 36.1-39.8), indicando que o sitio foi encerrado apés Javé destruir o exército assirio. O proprio Senaqueribe jamais alega ter conquistado Jerusalém, con- tentando-se com resgate alto. Ele se cala sobre sua derrota, sugerindo apenas um retorno a sua patria. Evidentemente, os céticos contestardio a alegaciio da Biblia de que Javé destruiu 185.000 soldados assirios, ou negando essa possibilidade ou oferecendo outras explicagées.‘! O encobrimento histérico de Senaqueribe nao surpreende, é claro, jé que era impensdvel que os assirios softessem uma perda devastadora dessa extenstio. Fica, ent&o, a escolha de >A. L. Oppenheim (trad.), “Babylonian and Assyrian Historical Texts K. Lawson Younger Jr. (trad. “Black Obelisk (2.113F)”, em COS, 2:269-270. » Thiele, Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, p. 50-51. *D. J. Wiseman, “Sennacherib’s Siege of Jerusalem”, em Documents from Old Testament Times, org. D. Winton Thomas (Londres: Nelson, 1958), p. 67; ¢ Mordechai Cogan (trad.), “Sennacherib’s Siege of Jerusalem (2.119B)”, em COS, 2:302-303. * Para vérias explicagées, veja Mordechai Cogan ¢ Hayim Tadmor, 1! Kings, AB (Garden City, N.Y. Doubleday, 1988), p. 239. em ANET, p. 280; € biblica + 85 Arqueologia @ hist acreditar no resultado, mas permanece o fato de que o episddio biblico ¢ bem documentado por fonte: extrabiblicas. 4s cartas de Laquis Ao sitio de Jerusalém em 701, seguiram-se outras invasdes um século depois, dessa vez pelos babilénios. Uma ocorreu em 598 a.C.; outra, em 587-586 e, possivelmente, mais uma em 605, mas faltam evidéncias. O sitio final, aquele que terminou com a queda da cidade, a destruig&o do templo e a deportagao de grande parte da populagéio para a Babilénia, é bem documentado no Antigo Testamento (2Rs 24.20-25.12; 2Cr 36.17-21; 27). Um mimero de éstracos (cacos de ceramica) de Tel Ed-Duweir quis) fornece um testemunho extrabiblico.” Em perfeita concordancia com 0 relato biblico, mas acrescentando muitos detalhes a ele, essas lem- brangas descrevem graficamente o desespero dos judeus que viviam nao na cidade, mas em lugares fora dela, como Beth-haraphid (ainda nao iden- tificado), Azeca e Laquis. Sao particularmente interessantes e importantes porque néo eram inscrigdes reais oficiais, mas mensagens urgentes de pessoas comuns. Assim, elas completam o relato histérico do ponto de vista dos hoi polloi. Abuso da Arqueologia em relagéo a historia do Antigo Testamento Os exemplos acima ilustram o valor da Arqueologia para a histéria biblica quando o método arqueoldgico ¢ empregado corretamente. Infeliz- mente, a Arqueologia — ou melhor, seus intérpretes — nem sempre tem sido tao heuristica na tarefa de langar luz sobre o texto biblico. Na verdade, sua leitura equivocada continua a ter consequéncias danosas. Abuso € praticado por 1) aqueles que de modo sincero, mas equivocadamente, levam o regis- tro a dizer 0 que ele nao diz e 2) aqueles que adulteram o significado de uma descoberta porque temem seu potencial de fortalecer a historicidade da Biblia. Seguem alguns exemplos representativos desses tipos de abusos. Os textos de Nuzi Escavados em 1925 em Nuzu, um sitio arqueol6gico iraquiano moderno chamado Yorghan Tepe, os textos de Nuzi sao centenas de tabuletas cunei- formes escritas num dialeto arcddico marginal. As tabuletas fornecem © W. F. Albright (trad), “The Lachish Ostraca”, em ANET, p. 321-322; e Klaas A. D. Smelik, Writings from Ancient Israel, trad. G. 1. Davies (Louisville: Westminster/John Knox, 1991), p. 116-131. 86 + O sentido do texto inimeros exemplos de leis, costumes e tradigdes da Idade de Bronze Tar. dia (mais ou menos 1450-1250 a.C.).“° J& que muitos destes parecem se refletir nas narrativas dos patriarcas em Génesis, estudiosos de todas as vertentes comegaram a afirmar que os textos apoiavam suas posigées. Um lado sugeriu que os patriarcas viveram centenas de anos depois do perf- odo tradicional (mais ou menos 2100-1800 a.C.).“ Outros tentaram impor os contetidos dos textos de Nuzi a um periodo anterior, em conformidade com a cronologia padrao dos patriarcas.*® Ha pelo menos algumas evidén- cias que indicam uma parcela de verdade na segunda interpretagao. Grande parte do material juridico de Nuzi tem precedentes em Hamurabi (mais ou menos 1750) e, aparentemente, em outros cédigos de leis e convengdes antigos, aos quais aquele se refere. No entanto, uma andlise minuciosa das alegagdes de uma conexéo direta exigiu um recuo daqueles que, a princi- pio, a defendiam vigorosamente. Agora, reconhece-se que Nuzi e o Antigo Testamento compartilhavam de um mundo cultural comum, em que varias praticas legais e sociais eram realizadas independentemente.** A conquista de Josué O modelo classico da conquista de Canai por Israel sob a lideranga de Josué é uma histéria de dizimagao violenta e quase total dos povos e das estruturas da terra. A Arqueologia, de fato, demonstrou esse tipo de devas- tagfio, mas apenas no século 13. Por isso, os estudiosos que adotaram o modelo de uma conquista violenta argumentaram que a conquista devia ter ocorrido mais ou menos entre 1225 e 1200 e, consequentemente, que o éxodo nao poderia ter ocorrido antes de 1250.’ Isso é, obviamente, um desvio do testemunho da prépria Biblia, que data o éxodo em 1446 € a conquista na primeira metade do século 14. O problema com isso é a falta de evidéncias de uma destruicéo geral em Canaa entre 1400 e 1350, um enigma que muitos conservadores tentaram retificar redatando ou reinter- pretando o material arqueolégico.** A resposta, porém, esté numa leitura mais atenta da narrativa biblica, que deixa muito claro que a conquista foi realizada sem maiores danos As estruturas (Dt 6.10-11; 19.1; Js 24.12-13), Theophile J. Meek (trad.), “Mesopotamian Legal Documents”, em ANET, p. 219-220. “ Cyrus H. Gordon, “Biblical Customs and the Nuzu Tablets”, B4 3, ntimero I (1940): p. 1-12. J, A. Thompson, The Bible and Archaeology (Grand Rapids: Eerdmans, 1962), p. 25 Veja os ensaios em A. R. Millard e D. J. Wiseman (orgs.), Essays on the Patriarchal Narratives (Leicester: Inter-Varsity, 1980). * John Bright, A History of Israel, 4* edigao (Filadélfia: Westminster/John Knox, 2000), p. 130-133. “John J. Bimson, Redating the Exodus and Conguest, ISOTSup 5 (Sheffield: University of Sheffield, 1978), p. 229-237. srqueotogia e historia biblica + 87 embora as populagdes tenham sido ceifadas pela espada. Nem os defenso- fes Hem Os Oponentes de uma conquista mais antiga encontram apoio nas ovidencias arqueolégicas. Muito provavelmente, 0 massacre que se reflete lo registro arqueolégico deve ser datado nos dias de Débora e Gidefio e nos ‘usados pelos inimigos de Israel na época.” Antigos textos de tratados do Oriente Préximo Durante 50 anos, os estudiosos tém chamado atengdo para os paralelos entre textos de tratados hititas do final da Era de Bronze e os textos pac- \uais da Biblia, especialmente em Deuteronémio e o Livro da Alianga (Ex 10, 1-23.33). Os conservadores tém usado essas comparag6es convincen- tes em defesa da data antiga (mosaica) do material biblico em oposigao 4 teoria histérico-critica de uma origem no século 7°.°° Como resposta ‘os paralelos hititas, os defensores de um Deuteronémio tardio chamam «tengo para os textos de tratados neoassirios do século 7°, que também presentam semelhangas surpreendentes com a forma de Deuterondmio.*! Ussas semelhangas sao realmente surpreendentes, mas sao incomple- las, Notavel é a omiss&o de quaisquer exemplos com prélogo histérico © segdes de bénc4os, ambos os quais podem ser encontrados nos textos hititas biblicos. A légica distorcida e as explicagdes forgadas apresenta- por aqueles que, a qualquer custo, pretendem resgatar a visio de um Deuteronémio tardio revelam a inutilidade desses artefatos arqueolégicos especificos para a defesa de sua causa. Kuntillet ‘Ajrud Dos muitos locais de culto descobertos em Israel, este, umas 30 milhas ao sul de Cades-Barneia, é um dos mais celebrados por causa de uma inscrig&o sucinta que diz: “Eu te abengoo por Javé de Sama- ria e sua Asera”.” Essa referéncia a uma fé néo monoteista em Israel, de mais ou menos 800 a.C., tém sido aproveitada por alguns estudio- sos que, aparentemente interessados em “provar” um desenvolvimento tardio do monotefsmo, sugerem que a pratica nesse local era mais ou Eugene H. Merrill, “Palestinian Archaeology and the Date of the Conquest”, GJ 3 (1982): p. 107-121. 5 Veja, por exemplo, Meredith G. Kline, Treaty of the Great King (Grand Rapids: Eerdmans, 1963). 5! Assim R, Frankena, “The Vassal-Treaties of Esarhaddon and the Dating of Deuteronomy”, OTS 14 (1965): p. 122-154, 5 Mazar, Archaeology of the Land of the Bible, p. 448; ¢ P. Kyle McCarter (trad), “Kuntillet ‘Ajrud (247)", em COS, 2:171 menos normativa.* Foi apenas com a ascensiio da teologia deuterono- mista ¢ profética que um monotefsmo estrito se impds. A suposigao, & claro, € que isso ndo era um culto aberrante, mas apenas um culto que se espera encontrar naquele lugar e naquela época.** Uma leitura dife- rente, uma que vé a Lei estabelecida muito antes de 800, defende que © altar de Kuntillet ‘Ajrud, semelhante ao altar perto de Tel Arad, era um centro de adoragio sincretista, plenamente condenado por Moisés e os profetas.* A propria identificago como “Javé da Samaria” num local no extremo sul defende o argumento de que se tratava de um deus “estrangeiro” importado de Samaria, que era um centro de um javismo desviado durante todo 0 século 9°. O énus da prova cabe claramente ao lado daqueles que sugerem qualquer tipo de ortodoxia no culto de Kun- tillet‘Ajrud. Os dados arqueoldgicos sao claros; a interpretagdo depende do olho e¢ do coragao daqueles que os leem. Conclusao Essa anilise rapida da relagdo entre Arqueologia e histéria biblica evoca uma série de observac6es finais, das quais apenas trés podem ser contem- pladas aqui: 1. Tanto a Arqueologia quanto a Biblia sao neutras; na verdade, pode- mos dizer que so objetos de investigacao sujeitos as suposigées, metodologias e interpretagdes da visio de mundo daqueles que as estudam. Isso nao quer dizer que elas nao tentem comunicar, mas sua eficécia como falantes esta sujeita as habilidades e predisposigdes de seus ouvintes. A medida em que a Arqueologia é benéfica a uma compreenstio da Biblia como histéria depende da extenso em que estamos dispostos a abrir mao de ideias preconcebidas sobre as duas e permitir que cada uma seja considerada inocente das acusagdes de erro ou falta de autenticidade até serem consideradas culpadas. 2. A Arqueologia e a Biblia precisam informar mutuamente. O tipo de preconceito praticado em alguns circulos afirma que os dados Niels Peter Lemche, Ancient Israel: A New History of Israelite Society (Sheffield: JSOT, 1988), p. 226-227; cf. J. A. Emerton, “New Light on Israelite Religion: The Implications of the Inscriptions from Kuntillet Ajrud”, ZAW 94 (1982): p. 2-20. *Tilde Binger, “Ashera in Israel”, SJOT9, nimero I (1995): p. 18, * Chang-Ho C. Jo, “Is Kuntillet Ajrud a Cultic Cemter? A Psychological and Archaeological Reassessment”, NEASB NS 39-40 (1995): p. 17-18 arqueologicos siio objetivos enquanto a Biblia & ideologicamente tendenciosa, de modo que a Arqueologia ocupa uma esfera moral superior, Essa vistio nada tem a ver com uma erudigao séria, Artefa- tos silo artefatos, textos s&o textos, dados sao dados — eles precisam receber um tratamento idéntico. Até alguns ou todos serem desqua- lificados por um método académico rigoroso como nao sendo basea- dos em fatos, eles deveriam ser considerados validos. . AArqueologia nao pode ser forgada a servir aqueles que querem sub- meté-la a um ponto de vista preconcebido sobre a Biblia. Tampouco deve a Biblia ou alguma interpretagao da Biblia ditar como determi- nado dado da pesquisa arqueolégica deve ser compreendido. Cada um precisa ser tratado em seu prdprio termo, mesmo que nenhuma harmonizagao ou reconciliagdo entre os dois pareca ser possivel

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