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07/03/23, 11:49 O Papel do Fascismo

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O Papel do Fascismo
Anton Pannekoek

Julho de 1936

Primeira Edição: International Council Correspondence, vol. 2, no. 8. julho de 1936.


Fonte: Crítica Desapiedada -
Tradução: Rodrigo Aguiar e revisado por Felipe Andrade a partir da versão disponível em:
https://www.marxists.org/archive/pannekoe/1936/07/role-fascism.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

A principal característica do fascismo é a de organizar o pequeno capitalista e


a classe média com sua visão mesquinha dos negócios privados, em uma
organização de massa, forte o suficiente para controlar e vencer as organizações
proletárias. Essa classe, espremida entre o capitalista e a classe trabalhadora,
incapaz de combater o capitalismo, está sempre pronta para se voltar contra a
luta da classe operária. Apesar da classe média odiar o grande capital e produzir
slogans anticapitalistas, ela é uma ferramenta nas mãos do capitalismo, o qual
paga e direciona sua ação política para a subjugação dos trabalhadores.

Suas ideias e teorias são dirigidas principalmente contra a luta de classes,


contra os sentimentos e ações dos trabalhadores como uma classe separada.
Contra isto, ela apresenta um forte sentimento nacionalista, a ideia da unidade
da nação contra nações estrangeiras. Nesta nação, os trabalhadores têm seu
lugar, não como uma classe separada, mas combinados com os empregadores na
qualidade de grupos de produção industrial e agrária. Os representantes desses
grupos formam conselhos consultivos para o governo. Isto é chamado de Estado
Corporativo, constituído na representação direta do agrupamento econômico da
sociedade por intermédio do trabalho capitalista. Ele é oposto ao sistema
parlamentar pelo qual o fascismo quase não tem utilidade e é denunciado como
um poder de rompimento, um pregador nocivo da dissensão interna.

O parlamentarismo é a expressão de supremacia do povo, dos cidadãos e da


dependência ao governo. O fascismo coloca o Estado acima dos cidadãos. O
Estado, como organização da nação, é o objetivo superior do qual os cidadãos
estão subordinados. Nem a democracia, nem o direito do povo, mas autoridade e
os deveres pessoais em primeiro lugar. Isto coloca o chefe do partido no topo do
Estado, como um ditador para governar com seus companheiros de partido, sem
a interferência dos delegados parlamentares.

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É evidente que essa forma de governo corresponde às necessidades do


capitalismo moderno. Em um capitalismo altamente desenvolvido, o poder não
está enraizado, como era no princípio, em uma classe numerosa de produtores
independentes, mas em um pequeno grupo de grandes capitalistas. Seus
interesses podem ser melhor atendidos influenciando um pequeno corpo de
governantes absolutos, e suas operações parecem mais seguras se a toda
oposição dos trabalhadores e todas as críticas públicas forem mantidas com um
punho de ferro. Portanto, é visível em todos países uma tendência para
aumentar o poder do governo central e dos chefes de Estado. Embora isso seja
às vezes também chamado de fascismo, faz certa diferença se o controle
parlamentar é mantido, ou se é estabelecido um governo ditatorial aberto,
fundado no terrorismo de uma poderosa organização partidária.

Na Alemanha, um desenvolvimento análogo do movimento nacional-


socialista ocorreu um pouco mais tarde. A revolução de 1918 trouxe o
“socialismo” ao poder, mas este poder foi útil para proteger o capitalismo. Os
socialistas no governo deixaram os capitalistas comandarem como quisessem. As
mesquinhas classes capitalistas vendo seus antagonistas dos dois lados agora
unidos e funcionários socialistas envolvidos em assuntos capitalistas sujos,
consideravam os interesses do estado socialista e a especulação capitalista como
um princípio comum de corrupção de uma gangue internacional de enxertadores.
Opunha-lhes o pequeno e honesto negócio de pequenos capitalistas e os antigos
agricultores conservadores. Jovens intelectuais das universidades que
encontraram seu antigo monopólio de cargos públicos violados pelos detestáveis
líderes socialistas, e ex-oficiais desempregados pela diminuição do exército,
organizaram os primeiros grupos de nacional-socialistas.

Eles eram nacionalistas ardentes porque pertenciam à classe média


capitalista e se opunham ao internacionalismo da social-democracia dominante.
Eles se autodenominavam socialistas, porque seu sentimento pequeno-capitalista
era hostil aos grandes negócios e às grandes finanças. Eles também eram
fortemente antissemitas. Em primeiro lugar, porque o capital judeu
desempenhou um importante papel na Alemanha, especialmente das grandes
lojas que causaram a ruína de pequenos lojistas. Em segundo lugar, porque
numerosos intelectuais judeus inundaram as universidades e as profissões
eruditas e, com frequência, pelos espíritos mais aguçados – por exemplo,
advogados e médicos – deixaram seus concorrentes alemães para trás.

Esses nacional-socialistas foram financeiramente apoiados pelos interesses


dos grandes capitalistas, especialmente pela indústria de armamento que sentiu
seus interesses ameaçados pelas crescentes conferências de desarmamento. Eles
formaram grupos ilegais de capitalismo contra o crescente bolchevismo. Então
veio a crise mundial, agravando as condições na Alemanha exaurida pelas
indenizações do tratado de paz. A revolta da classe média desesperada elevou o
Partido Nacional-Socialista à posição do mais poderoso partido e permitiu-lhe
tomar o poder político, bem como tornar seu líder o ditador da Alemanha.

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Aparentemente, essa ditadura das ideias da classe média é dirigida contra o


grande capital e contra o movimento da classe trabalhadora. No entanto, é claro
que um programa pequeno capitalista de retorno aos tempos antigos das
pequenas empresas não pode ser realizado. Logo ficou evidente na Alemanha
que o grande capital e a aristocracia proprietária de terras ainda são os
verdadeiros mestres por trás do partido nacional-socialista. Na realidade, este
partido atua como um instrumento do capitalismo para combater e destruir a
organização dos trabalhadores.

Tão forte era o poder dos novos slogans que eles atraíram um amplo número
de trabalhadores com eles, que se juntaram ao Partido Nacional-Socialista. Os
trabalhadores haviam aprendido a seguir seus líderes, mas estes líderes os
desapontaram e foram derrotados pelos líderes mais fortes. O esplendor e o
poder espiritual dos ideais socialistas e comunistas haviam diminuído. O
nacional-socialismo prometeu aos trabalhadores um socialismo melhor, uma
trégua de classes em vez de uma guerra de classes. Ele ofereceu a eles um lugar
apropriado na nação como membros de um povo unido, e não como uma classe
separada.

Devido à vitória do fascismo, ou seu equivalente em determinados países, as


classes trabalhadoras nesses países retrocederam em sua luta sistemática e
ascendente pela emancipação. Suas organizações foram aniquiladas, ou no caso
dos sindicatos, colocadas diretamente sob o comando dos funcionários do estado
capitalista. Os jornais dos trabalhadores foram suprimidos, a liberdade de
expressão proibida, propaganda socialista e comunista proibida e punidas com
prisão, campos de concentração ou longo encarceramento. Na uniformidade
imposta da opinião, não há espaço para ensinamentos revolucionários. O
caminho regular do progresso em direção ao poder proletário no
desenvolvimento do esclarecimento e organização por meio de propaganda e
discussão, o caminho da revolução e liberdade, é bloqueado pelo muro de
concreto da reação.

Assim é como aparece na superfície. No entanto, analisando mais


profundamente o problema, isso significa apenas que para os trabalhadores a
maneira pacífica e suave de aumentar o poder está bloqueada. Dissemos
anteriormente que o direito à liberdade de expressão, o direito de organização, o
direito de propaganda e de formação de partidos políticos eram necessários para
o capitalismo. Isso significa que eles são necessários para garantir um trabalho
regular da produção capitalista e do desenvolvimento capitalista. Isto quer dizer
que, uma vez que eles se foram, o antagonismo de classe deve finalmente
explodir em fortes revoltas e violentos movimentos revolucionários. A classe
capitalista tem que decidir se ela prefere este caminho.

Ela possui suas razões para tomar esse caminho. Sente fortemente que a
pesada crise mundial de hoje está tremendo o sistema capitalista no coração.
Sabe que a produção reduzida é incapaz de alimentar toda a classe trabalhadora
e, ao mesmo tempo, de gerar lucros suficientes. Ela não consegue solucionar as

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próprias perdas. Assim, percebe que os trabalhadores, famintos pelo


desemprego, devem se levantar e as revoltas aumentarão. E tenta evitá-los
fortalecendo sua própria posição, forjando o conjunto da classe capitalista em
uma unidade forte, colocando o poder do Estado em uma armadura forte e
amarrando os trabalhadores a este estado por meio de fortes grilhões. Dessa
maneira, o estado rouba os trabalhadores dos seus antigos meios de defesa, dos
seus porta-vozes socialistas e suas organizações. Esta é a razão por que nesses
últimos anos o fascismo se tornou poderoso.

Em certo momento, o capitalismo parecia estar no melhor caminho de


enganar os trabalhadores por meio de falsa democracia e falsas reformas. Agora
está virando para o outro lado: a pesada opressão. Isto deve levar os
trabalhadores à resistência e determinar a luta de classes. Por que o capitalismo
faz isso? Não por vontade própria, mas compelido por forças econômicas
materiais inerentes à sua natureza mais íntima; pela crise pesada que põe em
risco seus lucros e provoca seu medo pela revolução.

O fascismo triunfante se vangloria de ter bloqueado para sempre o caminho


ao comunismo. A sua reivindicação deve-se ao fato de ter esmagado o
movimento dos trabalhadores. O que ele realmente esmagou foram só as formas
ineficazes e primitivas. Ele destruiu as ilusões, as antigas crenças socialistas, os
partidos socialistas e comunistas – todas as coisas obsoletas que dificultam o
progresso. Ele destruiu ao mesmo tempo as antigas divisões do partido que
incitavam trabalhadores contra trabalhadores. Assim, ele restaurou sua unidade
de classe natural.

Partidos são grupos de opinião comum; as organizações dependem da


associação – ambos são acidentes secundários. A classe é a primeira realidade
fundada na natureza do próprio capitalismo. Pela tradição, os trabalhadores
consideravam a opinião política e a filiação na organização como a verdadeira
distinção entre trabalhadores e capitalistas. Eles pensavam e sentiam em termos
de partidos e sindicados – e pela tradição devem continuar a fazer isso por
algum tempo. Agora, eles estão constrangidos a pensar e sentir em termos de
classe. Sem quaisquer muros dividindo, eles estão um do lado do outro e se
veem como camaradas, sujeitos à mesma exploração capitalista. Nenhuma
disciplina partidária pode chamá-los para a ação; eles terão de pensar e tomar
as próprias ações quando o fardo do capitalismo fascista se fizer sentir muito
pesado. A névoa de opiniões partidárias opostas, de slogans políticos e de
estreiteza sindical que obscureceram a natural consciência de classe, foi
destruída. A realidade afiada e implacável do capitalismo os confronta e, para
combatê-la, eles têm apenas a si mesmos, isto é, a sua unidade de classe em
que podem confiar.

Os partidos políticos da classe trabalhadora – falamos da Alemanha e Itália –


desapareceram; somente os líderes no exílio continuam a falar como se eles
fossem os partidos. Isto não significa que eles desapareceram para sempre. Se
vir a ocorrer uma revolta da classe da classe trabalhadora, eles voltarão e se

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apresentarão novamente como líderes. Eles devem ser aniquilados novamente,


agora pelos trabalhadores, pelo reconhecimento consciente de que são obsoletos.

Isto não quer dizer que não haverá mais partidos no futuro, que a função
deles está concluída. Sem dúvidas, novos partidos surgirão em períodos
revolucionários para expressarem em novas situações as inevitáveis diferenças
de opiniões táticas no interior da classe trabalhadora. Neste sentido, os partidos
são elementos necessários do desenvolvimento social. A classe trabalhadora não
pode receber opiniões e plataformas prontas de algum Partido Ditador que alega
fazer o trabalho de reflexão por ela, e proíbe a opinião independente. A classe
trabalhadora tem que pensar e descobrir o caminho por conta própria. Então, as
opiniões sobre o que é e o que deve ser feito serão diferentes porque suas vidas
– embora em geral parecidas – eram diferentes em particular. Grupos de opinião
em comum serão formados para debater e propagar suas ideias, combater os
cientistas da classe capitalista e realizar a disputa espiritual com outros grupos.
Este é o caminho da autoeducação para a classe trabalhadora.

Neste sentido, os partidos devem ser chamados de grupos de escotismo na


floresta do capitalismo. Eles têm que investigar os caminhos, estudar a ciência e
as circunstâncias, discuti-las em debates mútuos, apresentar suas ideias,
explicações e conselhos a seus colegas de trabalho. Dessa forma, eles são os
instrumentos necessários para construir o poder intelectual da classe
trabalhadora.

Sua tarefa não é agir no lugar dos trabalhadores, fazer o verdadeiro trabalho
de luta dos trabalhadores e arrastar a classe por trás deles. Eles não terão o
poder de se colocar no lugar da classe. Unidade de classe e ação de classe serão
primordiais, e a opinião do partido subordinada.

II

Existem pontos semelhantes entre a Itália e a Alemanha fascista, e a Rússia


bolchevista. Eles são governados por ditadores, chefes de partidos ditadores – o
Partido Comunista na Rússia, o Partido Fascista na Itália e o Partido Nacional-
Socialista na Alemanha. Estes partidos são grupos grandes e fortemente
organizados que, por seu zelo e entusiasmo, sua devoção à causa, sua disciplina
e energia, são capazes de dominar o estado e o país, e fazer impor o selo de
uma grande e dura unidade.

Essa é uma semelhança na forma; o conteúdo é diferente. Na Rússia, o


capitalismo de estado desenvolve as forças produtivas; capital privado não é
tolerado. Na Itália e Alemanha, o estado e o partido governante estão
intimamente ligados ao capitalismo privado de grande escala. Porém, aqui
também, uma superior organização econômica está inclusa nos objetivos
fascistas.

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Grandes empresas sempre significam uma certa organização de produção,


transporte e serviços bancários nas mãos de um pequeno número de direções
individuais. E estas relativamente poucas pessoas têm controle e poder sobre a
massa dos capitalistas menores. Os governantes políticos já estavam conectados
com esses grandes capitalistas antes. Agora, o programa fascista proclama que é
tarefa do poder do Estado dirigir e regular a força econômica. O aumento do
nacionalismo em todos países, e a preparação para a guerra mundial, como
expressa no slogan da autarquia, isto é, a completa confiança de cada Estado em
seus próprios recursos, impõe aos líderes políticos uma estreita cooperação com
os líderes da indústria. Se no antigo capitalismo o estado era o instrumento
necessário da indústria, a nova indústria se torna também um instrumento
necessário do estado. Governar o estado e a indústria dominante fundem-se em
um só. A imposição de regulação às empresas privadas, agora quer dizer que,
pelo poder fascista, a maioria dos capitalistas menores estão completamente
submetidos às grandes empresas.

Sem dúvida, no capitalismo fascista a classe dominante apega-se ao princípio


do empreendimento privado, senão por outros, pelo menos para si mesma. A
disputa silenciosa dos grandes capitalistas, monopolistas e banqueiros pela
supremacia e pelo lucro continua nos bastidores. No entanto, se a crise
econômica durar, a crescente miséria, as rebeliões dos trabalhadores ou da
classe média forçará os governantes a regulamentações mais eficientes da vida
econômica. Atualmente, os economistas capitalistas olham para a Russa e
estudam sua economia como um possível modelo, e como uma saída. “Economia
planificada” é o discurso de políticos em muitos países. Um desenvolvimento do
capitalismo europeu e americano na direção de alguma forma de capitalismo de
estado pode oferecer-se como um meio de impedir, frustrar ou retroceder a uma
revolução proletária. Então, isso será depois chamado de socialismo. Se
compararmos com o último programa, o “plano” do Partido Socialdemocracia
Belga para regular o capitalismo, a diferença não é fundamental. De fato, o plano
belga pode ser chamado de uma tentativa de competir com o fascismo em uma
ação de salvação do capitalismo.

Se agora compararmos aqueles três partidos, o Partido Socialdemocrata, o


Partido Comunista e o Partido Fascista, descobrimos que o principal objetivo
deles é o mesmo. Eles querem dominar e governar a classe trabalhadora. É claro
que a fim de salvar os trabalhadores, devem fazê-los felizes e livres. Todos dizem
isso.

Seus meios, suas plataformas são diferentes; eles são concorrentes e cada
um ofende o outro chamando-o de contrarrevolucionário ou criminoso.

A social-democracia faz um apelo à democracia; os trabalhadores escolherão


seus senhores pelo voto. O Partido Comunista (P.C.) recorre à revolução; os
trabalhadores obedecem ao chamado do P.C., derrubam o domínio capitalista e
colocam o P.C. no cargo. Os fascistas fazem um apelo aos sentimentos nacionais
e aos pequenos instintos capitalistas. Todos aspiram a alguma forma de

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capitalismo ou socialismo de estado, onde a classe trabalhadora é comandada e


explorada pelo Estado, pela comunidade de líderes, dirigentes, oficiais e gerentes
de produção.

Sua base comum é a opinião de que as massas trabalhadoras são incapazes


de conduzir seus próprios interesses. Muito incapazes e estúpidos, como eles
acreditam, devem ser liderados e educados por poucos hábeis.

Quando a classe trabalhadora luta por sua verdadeira liberdade a fim de


tomar a direção da produção e o domínio da sociedade em suas próprias mãos,
encontrará todos aqueles partidos opondo-se a ela.

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Inclusão: 12/09/2021

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