Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
01 - 2018 - O Mundo Popular
01 - 2018 - O Mundo Popular
aç
lg
vu
di
O mundo popular
Trabalho e condições de vida
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
Luiz Antonio Machado da Silva
ão
aç
lg
O mundo popular
vu
Trabalho e condições de vida
di
de
ar
pl
Organizadoras:
em
Mariana Cavalcanti
Eugênia Motta
Ex
Marcella Araujo
© Luiz Antonio Machado da Silva, 2018
© Papéis Selvagens, 2018
Diagramação
Papéis Selvagens
Fotografia de Capa
ão
Acervo Casa de Oswaldo Cruz. Fundo Anthony Leeds
aç
Revisão
Izabella Bosisio
Conselho Editorial lg
vu
Alberto Giordano (UNR-Argentina) | Ana Cecilia Olmos (USP)
Elena Palmero González (UFRJ) | Gustavo Silveira Ribeiro (UFMG)
di
320 p. : 16 x 23 cm - (Kalela-Quipu; v. 1)
Bibliografia: p. 307-317
ISBN 978-85-85349-10-3
[2018]
Papéis Selvagens
papeisselvagens@gmail.com
papeisselvagens.com
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Introdução 13
ão
1. A oposição entre o trabalho doméstico e o trabalho
aç
feminino remunerado 29
lg
2. Notas sobre os pequenos estabelecimentos comerciais 45
vu
3. Estratégias de vida e jornada de trabalho 61
di
de
marginalidade 83
9. Da informalidade à empregabilidade
(reorganizando a dominação no mundo do trabalho) 277
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Apresentação
ão
últimas décadas, a reflexão da sociologia brasileira do trabalho.
aç
Sim, porque eles são um belo exemplo de como se pode responder
à necessidade de explorar, do ponto de vista analítico, o tema das
lg
modalidades de mobilização do trabalho. Em especial, as formas
do trabalho independente, informal, que, conquanto escapem às
vu
regulações da economia, do direito e da política, organizam o modo
di
ão
do caleidoscópio tanto espelha o modo como a sociedade brasileira
equaciona os problemas integrativos a cada conjuntura, como
aç
permite ao autor acompanhar a maneira pela qual os problemas e
lg
sua equação mudam ao longo do tempo, refazendo o modo como se
arma o caleidoscópio.
vu
Mais ainda, e como bem salienta Mariana Cavalcanti em
di
sociologia.
Como um atrativo adicional deste livro, temos as
introduções a cada um dos seus blocos temáticos. Em “Cotidiano
e dinheiro”, “Trabalho e cidade” e “A reconfiguração do mundo do
trabalho”, Eugênia Motta, Mariana Cavalcanti e Marcella Araujo
deixam transparecer a riqueza interpretativa e a atualidade que
caracterizam os dez textos, dando a medida da qualidade do entorno
de intelectuais que a um só tempo têm se beneficiado e nutrido a
reflexão de/sobre Machado nesses anos mais recentes. Elas (autoras
e suas introduções) são precisas no esforço por situar cada um dos
capítulos tanto nos tempos do autor, como nos da ciência social que
lhe era contemporânea. Ademais, seguem pensando com/a partir
Apresentação | 11
Janeiro de 2019
ão
Universidade de São Paulo - USP
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
Introdução
ão
O livro que o leitor tem em mãos é resultado do estímulo
e da ajuda inestimável das três colegas que apresentam as partes
aç
em que estão distribuídos os artigos – Eugênia Motta, Mariana
lg
Cavalcanti e Marcella Araujo –, às quais agradeço pela leitura atenta
e pelas inúmeras conversas, cursos conjuntos, bancas, orientações
vu
de alunos, etc., que vêm enriquecendo minha reflexão nos últimos
anos. Elas reconhecerão a marca de cada uma neste livro.
di
ão
*****
aç
Eu gostaria de salientar alguns aspectos comuns a todos
lg
os textos reunidos. Para começar, é possível dizer que o livro tenta
apreender o que fazem pessoas pobres (há miseráveis entre elas, mas
vu
são relativamente poucas e têm participação no máximo tênue na
di
reflexão contida nos diversos artigos) para “levar dinheiro para casa”
e qual o sentido atribuído por elas a essa atividade. Esta afirmativa
de
ão
Claro está que as restrições de acesso ao mercado de emprego
regular podem estar acompanhadas pelas vantagens de pelo menos
aç
alguma proteção jurídica, embora este nem sempre seja o caso. Por
lg
sua vez, a liberdade criativa característica da informalidade está
acompanhada de desvantagens. Não custa repetir que a principal
vu
delas é a exacerbação da competição pelos postos de trabalho criados
di
independente.
Talvez o mais interessante dessas diferenças seja o fato
em
ão
do trabalho que o mundo vive até hoje, cujo centro é o completo
abandono da busca pelo pleno emprego que marcou o denominado
aç
regime salarial, como se aquele ideal fosse inalcançável. Com isso,
lg
o secular protagonismo histórico da classe trabalhadora, cuja
atuação restringiu os aspectos mais selvagens da acumulação e
vu
foi responsável pela prevalência do que se chamou de capitalismo
di
*****
ão
a prática cotidiana das atividades laborais estabelece a mediação
entre economia e cultura, de modo que esses três elementos, ao
aç
influenciarem uns aos outros, definem a conjuntura.
lg
Espero que a leitura desta coleção de artigos possa ser de
utilidade.
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Parte 1
Cotidiano e dinheiro
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
Do ponto de vista doméstico: gênero, familiaridade e
temporalidades do trabalho
ão
iniciais desta parte do livro foram publicados pela primeira vez na
aç
obra Mudança Social no Nordeste: a reprodução da subordinação,
de 1979. No primeiro, Machado investiga a relação de oposição
lg
e complementaridade entre o trabalho feminino dentro e fora
de casa. No segundo, trata da articulação entre assalariamento e
vu
comércio. O terceiro texto foi publicado alguns anos depois, em
di
ão
complexos colocados em prática pelos trabalhadores e trabalhadoras
na sua busca por ganhar a vida. O autor trata de uma questão clássica
aç
na literatura feminista, que é a relação entre subordinação feminina
lg
e a ligação das mulheres com o espaço doméstico. Sem escolher a
casa como prisão ou como espaço de poder real, Machado mostra as
vu
ambiguidades presentes e as negociações operadas pelas mulheres
di
ão
questões profundas e permanentes tanto sociológica quanto
politicamente, que seu significado não pereceu com o passar de mais
aç
de três décadas.
lg
No texto sobre trabalho feminino, o autor enuncia a
existência de um conflito fundamental entre o trabalho dentro
vu
e fora de casa para as mulheres. O trabalho remunerado no
di
ão
propriamente doméstico. Fazem isso dormindo menos, acionando
o trabalho gratuito de outras pessoas da família – liberando-as do
aç
trabalho doméstico ou assumindo parte do trabalho remunerado –,
lg
ou contratando força de trabalho. O autor sugere, portanto, que as
atividades ligadas à casa e ao cuidado são prioritárias em relação
vu
ao trabalho pago, demonstrando que as mulheres gestoras da casa
di
ão
jornadas de trabalho de arranjos domésticos e familiares. Machado
demonstra que o espaço doméstico é mais flexível no que diz
aç
respeito aos regramentos do trabalho assalariado capitalista e, por
lg
esse motivo, é o âmbito em que há possibilidade de ajustes. Se, nos
outros dois textos, o destaque do autor em relação ao tempo eram os
vu
ordenamentos pessoais, nesse fica mais patente que eles nunca são
di
dessas estratégias.
pl
ão
que as pessoas dedicassem quase todo seu tempo a garantir a sua
sobrevivência, podemos imaginar o quão drásticas podem ser as
aç
consequências de seu desmonte.
lg
A etnossociologia ou socioetnografia de Luiz Antonio
Machado da Silva, como os leitores poderão constatar, mantém seu
vu
frescor teórico e político, permitindo novas leituras e revisitas ao
di
ão
segundo diz respeito àquelas atividades que, embora remuneradas,
aç
são exercidas no âmbito da própria esfera doméstica – isto é, o
trabalho remunerado que pode ser realizado em casa, implique
lg
ou não vínculo empregatício, como se verá adiante. O terceiro
relaciona-se às atividades femininas, também remuneradas, que se
vu
exercem fora da esfera doméstica e que podem ser descritas, em uma
di
de atividades.
Esse conflito manifesta-se de forma mais nítida e acabada no
caso do trabalho assalariado regular, que impõe horários e rotinas
1
In: J. S. Leite Lopes et al. 1979. Mudança social no Nordeste: a reprodução da
subordinação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. pp. 195-209.
2
Quanto à divisão familiar do trabalho e suas bases, veja-se o texto de Alvim (1972).
3
É irrelevante para a discussão central deste capítulo a questão da
complementaridade do trabalho feminino – questão esta que, aliás, nem sempre
tem sido bem enfocada. Para um possível tratamento do problema, relacionando o
caráter complementar do trabalho feminino (e infantil) à estrutura de autoridade
dentro da família – e não às características intrínsecas da atividade laboral
propriamente dita, ver Alvim (1972).
30 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
única possibilidade de associação, ainda que contraditória, entre
o trabalho doméstico e o trabalho remunerado é a duplicação da
aç
jornada de trabalho, o trabalho a domicílio organiza-se de forma tal
lg
que permite uma série de manipulações por parte da trabalhadora.
Assim, o trabalho assalariado regular impõe necessariamente
vu
que o tempo dedicado “à casa” (ao trabalho doméstico) seja o que
di
tempo de trabalho possa até ser maior, a divisão entre estes dois
polos é menos nítida e se organiza em função dos interesses e
possibilidades da própria trabalhadora. Em outras palavras, se o
ar
4
É evidente que esta é apenas uma tendência geral, já que as estratégias individuais
variam muito, dependendo, entre outras coisas, do tamanho do grupo familiar,
proximidade de parentes, disponibilidade de uma rede de contatos, vantagens do
próprio emprego, etc.
5
Há exceções, como a de trabalhadores que têm dois turnos de trabalho diário,
com um longo intervalo entre eles. Ver a respeito o texto de Jorge Eduardo Durão
no livro citado na nota 1. Note-se ainda que o termo “produção” deve ser entendido
em seu sentido mais amplo, pois o argumento vale também para a distribuição. Cf.
também os comentários feitos sobre os empregos domésticos neste capítulo.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 31
ão
fábrica. Bem aqui perto. Trabalhei uma porção de tempo. De menor
[…] Aí fiquei trabalhando em casa […] Ele [o noivo] me ajudava
aç
muito. Então ele ganhava dinheiro e me pagava esses cursozinhos
que eu fiz. Ele pagava passagem de ônibus, tudinho. Até roupa ele
lg
me dava. Me dava de tudo. Pra eu deixar de trabalhar.
vu
Em terceiro lugar, a análise da tensão entre o trabalho
di
ão
a ênfase sobre o trabalho a domicílio. Quanto à forma de discuti-
lo, optou-se por, ao invés de lidar com todos os tipos e formas
aç
dessa modalidade de trabalho sobre as quais se tem informações,
lg
centralizar o tratamento empírico em torno da “costura”, agregando-
se exemplos de outras atividades concretas quando necessário.
vu
Esse procedimento justifica-se por duas razões. Em primeiro lugar,
di
6
Exceto, talvez, no que diz respeito à duração dessa relação: parece que, como
tendência geral, as empregadas domésticas trabalham mais tempo para o mesmo
patrão do que as lavadeiras. Admite-se a imprecisão conceitual de ambas as
expressões – “empregadas domésticas” e “lavadeiras” –, que foi mantida porque os
problemas teóricos que surgiram de uma tentativa de elaboração mais detalhada
não poderiam ser discutidos nos limites deste capítulo.
7
Ao mesmo tempo, não há como negar que essa suposição só pode transformar-se
em certeza a partir de um trabalho comparativo que não foi possível empreender.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 33
ão
manifesta-se em outra dimensão importante na escolha para
centralizar o tratamento empírico do problema estudado neste
aç
capítulo. Já foi dito que, enquanto saber específico, a costura está
lg
menos ligada ao trabalho doméstico do que a lavagem de roupa,
sendo seu aprendizado menos “natural”. No entanto, a lavadeira,
vu
exatamente porque lavar roupa é conhecimento universal entre as
di
8
Seria absurdo pretender que não existam lavadeiras trabalhando para vizinhos
ou costureiras com fregueses de outros estratos que não o seu próprio. Aqui, fala-
se apenas em tendências gerais, que são importantes por marcarem a atividade
enquanto tal. No caso da lavagem de roupa, os desvios dessas tendências parecem
ocorrer em situações de “crise” familiar, tais como: famílias incompletas, como, por
exemplo, homens solteiros, viúvos sem filhas em idade de “tomar conta da casa”,
etc.; os raros casos em que a mulher “trabalha fora” (trabalho assalariado regular,
empregos domésticos) e a própria família não dispõe de membros aptos para
executar as tarefas domésticas que lhe caberiam, etc. Em outras palavras, apenas
em casos excepcionais, nos grupos estudados o trabalho doméstico é exercido por
pessoas que não fazem parte da unidade de consumo.
34 | Luiz Antonio Machado da Silva
O “mundo da costura”
ão
também frequentou algum tipo de curso. A respeito deste ponto,
veja-se os seguintes depoimentos:
aç
lg
Aí depois fiquei estudando [corte e costura]. Aí tinha dias que eu
não tinha nem a passagem para ir pra escola, eu ia de pés. Saía
vu
de casa mais cedo e ia de pés e voltava de pés, aí consegui e me
formei. Aí fiquei trabalhando de casa. Fiquei trabalhando. Sempre
di
9
O termo encontra-se entre aspas para enfatizar que não se pretende discutir aqui
todas as suas conotações. Se a costura é uma profissão ou ocupação, se é qualificada
ou especializada, se tem ou não um ethos próprio, etc., são questões que, para a
problemática tratada neste capítulo, não apresentam maior relevância.
Há alguns casos de costureiras que afirmam nunca terem feito nenhum curso.
10
No entanto, elas vêm simplesmente confirmar o que foi dito acima, pois nesses
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 35
ão
cozinhar, lavar/passar roupa, que fazem parte da rotina cotidiana
do trabalho doméstico, a costura é uma atividade esporádica (Cf.
aç
as referências feitas mais adiante ao “ciclo” da costura)11 – exceto,
lg
talvez, quando acionada para a manutenção da roupa (remendos, por
exemplo). Além disso, na medida em que requer um equipamento do
vu
qual nem todas as famílias podem dispor sem grande sacrifício, esta
di
saber e, portanto, explicitar o fato de que o que ela produz não pode
em
ão
grande parte das atividades remuneradas entre as camadas
populares – e não apenas as ligadas à costura – depende do problema
aç
de criação de mercados, isto é, da produção de uma demanda capaz
lg
de absorver o esforço laboral (Cf. capítulo 6 deste livro). Apesar de
sua relevância, não é possível aqui aprofundar esta questão.
vu
Este último aspecto remete à questão das condições do
di
12
Entendida em sentido amplo. Assim, por exemplo, a segunda informante valeu-
se de um parente indireto, que nem sequer morava na casa: “Vinha uma moça de
fora… assim… sobrinha de meu padrinho [com quem ela morava] […] que sabia
costura. Quando chegavam lá, elas faziam roupa pra mim, pra minha sobrinha, pros
meninos…”.
13
Note-se que a maioria das costureiras entrevistadas trabalhou, em algum
momento de sua vida profissional, em fábrica de confecções. O material disponível,
porém, é muito escasso a este respeito, não permitindo maiores elaborações. A
questão, portanto, de se o trabalho nessas fábricas deve ser visto como a legitimação
final do status de costureira, e/ou se implica um aprofundamento da formação
profissional, fica em aberto. Da mesma forma, não é possível discutir, com os dados
disponíveis, a questão de como se relacionam o trabalho a domicílio e o trabalho
assalariado regular a partir da mesma tarefa concreta.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 37
ão
pessoas sem recursos, de modo que o preço tem que ser determinado
não em função de condições intrínsecas ao processo de trabalho (do
aç
esforço dispendido), mas dentro dos limites determinados pelas
características de um mercado potencial com esses contornos.
lg
Além da configuração geral do mercado, a determinação dos
vu
preços é também afetada por outro tipo de consideração, a relação
pessoal mantida com o comprador:
di
[Eu cobro] dependendo das pessoas. Que tem pessoa às vezes uma
de
moça que trabalha, assim ganha tão pouco, né, essa moça… Tem
umas que ganha mais, tem outras que ganha tão pouco, assim, chega
ar
cobro o preço que cobro pra outras pessoas que pode pagar. Que
em
a gente querendo sabe quem pode, quem não pode, quem ganha
bem, que às vezes trabalha num emprego que ganha melhor ou
que ganha menos, né. Aí eu não cobro. [Pergunta: como é que você
Ex
sabe disso?] Porque até minhas… porque são mais gente conhecida,
quem conhece, e conta às vezes até a vida pra mim, sabe.
A fala demonstra claramente que o preço cobrado, além de ser
genericamente baixo, varia para cada caso. Se essa variação parece
ser consequência do conhecimento de quanto cada pessoa pode
pagar, ela é também função do grau de proximidade das relações
pessoais, chegando até o limite de preço zero (costurar de graça):
ão
Estas considerações chamam a atenção para uma problemática
altamente complexa: como é pensada a utilização do tempo de
aç
trabalho para este tipo de atividade. Assim, por exemplo, existe um
explícito reconhecimento de que, de modo geral, a remuneração do
lg
trabalho é inferior à quantidade e à qualidade do esforço. Além disso,
vu
em cada caso particular, a determinação concreta da remuneração
do trabalho é independente deste, variando em função de relações
di
14
Este depoimento abrange uma série de dimensões diferentes para o trabalho
gratuito (cortesia, parentesco, intercâmbio de auxílios não mercantis, etc.).
Considere-se, porém, que esse ponto é apenas marginalmente relevante para o tema
central do presente capítulo, razão pela qual preferi não o elaborar.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 39
ão
de São João, tempo de festas […] Agora, quando chega tempo de
festa eu digo [para as pessoas para quem costura de graça] vocês
aç
comprem roupa cedo porque… eu vou fazendo, sabe, aí quando
a outra do pessoal aí eu tô mais… aí eu faço pra tudinho de graça
lg
[…] [Pergunta: E na época de festas você dá conta de fazer tudo
sozinha?] Não, eu sempre boto uma pessoa pra me ajudar. Às vezes
vu
vem [nome da pessoa], nesse ano foi [nome da pessoa] quem me
di
15
Este depoimento é realmente crucial para se entender o que foi dito na nota 11.
Aqui, há uma oposição clara entre preparar a comida para a família e costurar – isto
40 | Luiz Antonio Machado da Silva
No primeiro caso, fica claro que, não obstante o longo tempo
ão
diário dedicado à costura, ele está subordinado ao ritmo do trabalho
doméstico cotidiano, preenchendo os interstícios. De certa forma,
aç
poder-se-ia dizer que é no “tempo livre”, nos intervalos dos afazeres
domésticos considerados indispensáveis, que a mulher costura – por
lg
maior que seja o número de horas dedicadas à atividade.
vu
O segundo caso evidencia que a costura pode também ser
adaptada ao ciclo “pessoal” da vida da mulher: ela regula a quantidade
di
ão
tinha uma pessoa. Quando a gente casou logo, tinha uma irmã de
[nome do marido] que morava com a gente. Aí eu nunca me dediquei
aç
à cozinha não, só era sempre a costura. Depois, ela foi embora pra
São Paulo, essa irmã dele, aí veio uma sobrinha dele. Uma que o pai
lg
dela é morto. Aí morou muitos anos comigo. Saiu quando casou.
vu
Depois veio outra. A que mora em São Paulo, a que é professora.
Ela chegou aqui, me ajudava muito […] Agora, depois que [nome
di
podia, né? O serviço da casa. Que eu lavo roupa, passo ferro, faço
tudo. Amanhã mesmo é dia de lavar roupa… Eu lavo roupa duas
em
O tema da necessidade de recrutar mão de obra (remunerada
ou não), em períodos de pique, para auxiliar nas atividades de costura
apareceu em depoimento anterior. Por outro lado, os depoimentos
ão
neste nível mais amplo da divisão do trabalho na esfera familiar: “já
deixei metade [dos fregueses]”. Finalmente, reforça as referências
aç
feitas anteriormente, no sentido de que o trabalho a domicílio é
lg
subordinado e complementar ao trabalho doméstico.
Cumpre não esquecer que a base fundamental a partir da qual
vu
se dá a articulação contraditória entre trabalho doméstico e costura
di
Mas também sofri à beça. Trabalhei tudo de noite, faltei morrer […]
pl
Às vezes eu não me deitava […] Teve noites que eu não me deitei […]
saía da máquina, tomava banho, ia pra cozinha fazer café… cuidar
em
ão
à determinação do preço das atividades laborais. No caso do trabalho
assalariado a domicílio, o preço é, obviamente, determinado pela
aç
empresa, e não pelo trabalhador em sua relação com os compradores.
lg
A implicação, também óbvia, é a rigidez e a impessoalidade.
Outra diferença radica-se na maior intensidade de
vu
mobilização de força de trabalho para auxiliar no desempenho das
di
18
Dispõe-se de informações sobre mulheres que trabalham para uma fábrica de
tapetes e para uma fábrica de chupetas. Veja-se a seção sobre trabalho por produção
no documento interno preliminar da Pesquisa Estratos Ocupacionais de Baixa
Renda na Área Metropolitana de Recife.
44 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
2. Notas sobre os pequenos estabelecimentos
comerciais1
ão
seja melhor explicada, e que se lhe agregue evidência empírica. O
aç
que pretendo enfatizar é que a decisão de começar a negociar2
tem quase sempre por base uma posição ou situação no mercado
lg
regular de trabalho (trabalho assalariado legalmente reconhecido).
Vale acrescentar que essa decisão, mais do que uma ruptura,
vu
significa a tentativa de conciliar a condição de independência ou
di
1
In: J. S. Leite Lopes et al. 1979. Mudança social no Nordeste: a reprodução da
subordinação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. pp. 179-193.
2
Sem a intenção de uma análise elaborada da expressão “negociar/negócio”, pode-
se dizer que se trata de um termo muito genérico, que indica um enorme número
de atividades e de comercialização. Aqui, o argumento desenvolve-se em torno de
um tipo particular, que na área estudada (a cidade de Recife) recebe a denominação
de “barraca”. No final deste capítulo, far-se-á referência a outros tipos. Pode-se
adiantar que a “barraca” possui características muito semelhantes à “bodega”, que
provavelmente é um termo sinônimo usado em outras regiões do Nordeste.
46 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
depois amanhã ou depois eu precisar vim aqui, não tem bicho […]
Aí eu falei pra ele [o gerente] né? Que eu estou com um negocinho
aç
em casa e… passo dia trabalhando na barraca, venho trabalhar à
noite… e não vou suportar […] Mas se o negócio não der pra mim,
lg
depois, eu volto pra trabalhar […] [O gerente disse] você quer sair?
vu
Eu vou botar você no meio desses… desses que estão saindo… mas
você não vai perder o todo, entende? Vai perder só uma parte. Você
di
vai perder seu fundo, vai receber essas férias, seu décimo… Agora
não recebe indenização pelos dois anos. Eu digo tá bom, rapaz. Pior
de
ao acerto da decisão: “[…] ‘esse negócio não dá, quero ver se esse
negócio dá para você viver’. Eu digo dá, mãe, mais que o que dava
Ex
eu trabalhando dá agora”.
O depoimento acima permite uma série de conclusões: a) a
decisão de pedir demissão só foi tomada em razão da impossibilidade
física de conciliar as duas atividades (o cansaço); mesmo assim, após
um período de experiência de um ano, que envolveu um mínimo de
risco, na medida em que o capital inicial era quase desprezível; b)
antes de pedir demissão, o informante teve o cuidado de procurar
manter aberta a possibilidade de retornar (sair benquisto); c) a
primeira (e mais vultosa) indenização foi usada na aquisição da
moradia, não para iniciar o negócio.
Admitindo-se que exista uma oposição entre o trabalho
autônomo ou independente e o trabalho regular assalariado que
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 47
ão
final – o fato de o informante estar trabalhando no turno da noite, o
fato de que ele teve possibilidade de “entrar em acordo” e continuar
aç
trabalhando na mesma empresa, etc. –, em muitos outros casos – em
lg
especial os de utilização de indenizações por demissão, já bastante
conhecidos – isto não é possível; aqui, trata-se de optar por gastar a
vu
indenização, no todo ou em parte, durante a busca de outro emprego
di
3
Cf. o já clássico trabalho de Lopes (1971), por exemplo. Ver também, a este respeito,
o estudo de Cristina Marin no livro mencionado na nota 1, que chega a conclusões
muito semelhantes às do presente capítulo, analisando um grupo de trabalhadores
em situação bastante diversa daqueles cujos depoimentos estão aqui examinados.
48 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
então, tinha de me movimentar, me entendeu? Eu estudava um
negócio assim de… que não desse prá mim andar muito. Aí depois
aç
estudei… resolvi botar uma barraca, botei uma barraca e comecei,
negociando. [O informante até hoje é comerciante, mas depois de
lg
certo tempo como “encostado” foi aposentado por invalidez. Seria
interessante saber qual teria sido sua atitude em relação à barraca,
vu
caso fosse liberado para voltar ao emprego].
di
Essa barraca foi o seguinte. Essa barraca… como ainda hoje ela não
Ex
ão
[Pergunta: Você não pensa em voltar a trabalhar lá?] Não… às vezes
aç
é que dá vontade, né?… que… a gente se acostuma com os colegas
mas… eu não tenho [...] E às vezes eu tenho vontade se… eu me
lg
casar algum dia… botar… pegar uma mulher dentro de casa, então
vu
eu volto a trabalhar.
di
4
Sobre este ponto de vista, consultar Alvim (1972).
5
A centralidade do trabalho assalariado regular (e seu corolário, a cobertura
previdenciária) é demonstrada, sob outro ângulo, no trabalho de Amélia Rosa
Teixeira no livro citado na nota 1.
50 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
mesmo do projeto original da pesquisa,6 a perspectiva do trabalhador.
Isto é, condicionantes mais gerais são vistos a partir de estratégias
aç
pessoais (ou, no máximo, familiares). De fato, ao nível da presente
lg
discussão, “botar um negócio” não pode deixar de ser considerado
como uma escolha do trabalhador, dadas certas condições que
vu
ele não controla. Mas, ao contrário de outros estudos – como o
di
citados acima.7
6
Referência à ampla pesquisa coletiva da qual participei com alguns textos,
coordenada por Moacir Palmeira, auxiliado por Afrânio Garcia e José Sérgio Leite
Lopes, sobre mudança social no Nordeste.
7
Cf. neste sentido o trabalho – pioneiro no Brasil – de Oliveira (1972).
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 51
ão
de se tratar de um investimento muito reduzido em qualquer caso,
ele vai variar de acordo com o capital disponível. Este, por sua vez,
aç
será sempre função de fatores que nada têm a ver com a atividade
lg
comercial, e sim com a situação do proprietário enquanto trabalhador
(ou ex-trabalhador) assalariado: número de anos de trabalho,
vu
capacidade de endividamento estipulada pelo órgão financiador a
di
8
Devido às características particulares deste tipo de estabelecimento – pequeno
volume de capital, pouca diferenciação de mercadorias, mercado (freguesia)
restrito e localizado, etc. –, as próprias características da “personalidade” do
proprietário podem ser um fato muito importante para o sucesso ou insucesso do
empreendimento. No entanto, preferi não entrar nesta linha de considerações por
acreditar que ela foge da ênfase geral do presente trabalho.
9
Ao selecionar essas dimensões, não pretendo esgotar os aspectos que caracterizam
o funcionamento desse tipo de estabelecimento comercial. Os três aspectos
mencionados devem ser entendidos, simplesmente, como aqueles a respeito dos
quais disponho de informações que julgo suficientes. Além disso, como pode ser
percebido pela leitura do próprio texto, o volume de informações é maior para
alguns aspectos do que para outros.
52 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
capital disponível para sua implantação. Na realidade, pelo que foi
descrito, trata-se exatamente do contrário: o capital inicial é sempre
aç
reduzido ao mínimo possível, sendo que o investimento máximo
ocorre depois do sucesso do empreendimento.
lg
vu
b) As restrições do mercado. Tratando-se de estabelecimentos
di
10
Note-se que isto não é de forma alguma exclusivo do estabelecimento comercial,
estendendo-se também para outros tipos de atividade, como, por exemplo, a
costura. Veja-se as referências a respeito das costureiras no capítulo anterior.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 53
Porque o povo faz a gente vender mesmo. A gente não quer, mas o
povo chega, a gente tem que vender. Nem todo mundo tem dinheiro,
no meio da semana, ninguém tem dinheiro […] Mesmo que até na
quarta, quinta-feira, até na quinta-feira mesmo… tenha alguma…
alguma besteirinha… mas da quinta por diante… até tem que
comprar, qualquer besteira pra… pra o sábado.
Neste caso, existe o reconhecimento de que qualquer
negociante tem que vender fiado, porque “o povo” (isto é, a
freguesia) obriga, não porque o negociante quer. Claro, pois se “o
povo” não tem dinheiro nos últimos dias da semana, se o negociante
ão
quiser vender alguma coisa, terá que o fazer fiado.
Há uma outra forma de dizer a mesma coisa, com uma
aç
diferença: não é a freguesia que obriga, mas a piedade do
proprietário que concede. No entanto, o fundamental é que
lg
permanecem as referências ao baixo poder de compra do mercado
vu
potencial, e consequentemente à necessidade de vender fiado.
di
em
ão
Pergunta: Como é que você faz pra vender fiado? Você vende fiado
aç
pra qualquer um? Informante: Eu… primeiro vendo a qualquer um
da primeira vez, mas deixando um documento, né? Chegar assim e
lg
falar… Agora conhecido eu vendo, né? Comprar… cumé… cê chega
vu
aqui pra comprar a primeira vez… aí vem compra a segunda… Uma
vez cê tá meio atrapalhado… Agora, se naquele dia certo não vim, aí
di
eu… corto pelo pé logo. E se continuar certinho eu vou, até o fim […]
de
não pode […] Tem que olhar, saber quanto ganha, pra saber quanto
pl
ão
certas considerações humanitárias (a “piedade” do negociante –
veja-se um dos depoimentos anteriores), mas também porque não
aç
se estragam, ao passo que os gêneros alimentícios são perecíveis.
lg
As questões relativas ao controle da venda fiada por vezes são tão
importantes a ponto de o proprietário procurar orientar seu negócio
vu
no sentido de “livrar-se” das mercadorias que precisam ser fiadas:
di
Eu sou muito conhecido aqui. Há três anos que tou morando aqui,
e o pessoal me conhece. Então, tem muita gente aí nesse meio que
não tem… não tem muita… sentimento. A gente diz que não vende
ar
não dá, porque o pessoal não tem recursos. São muito sinceros.
em
Muitos bebem sem poder, mas é o… uma coisa… mais… rara, porque
o sujeito que vai beber tem que ter qualquer trocado no bolso. E a
comida, a gente é obrigado a vender, mesmo que o cara não tenha
dinheiro.
11
“Mas quando chega no sábado, às vezes na sexta, às vezes no sábado… Quando é
pela manhã… sábado pela manhã, sábado à tarde, aí compra uma e faz outra, né…
Paga aquela [conta] e faz outra… No meio da semana compra besteira…”.
56 | Luiz Antonio Machado da Silva
Eu vou dizer uma coisa. Aqui é pequeno, mas… de tudo tem, né?
Entendeu como é. Tudo que você precisar, dessas besteirazinha,
ão
tudo tem […] vendo negócio de miudeza, né […] mulher quer um
sabonete, quer um talco, tudo tem aqui. Mamadeira, esmalte […]
aç
Eu comecei vendendo só cereais, vendendo esse negócio de bebida
não. Depois foi que eu aumentei botando uma linhazinha, né, uma
lg
besteirinha, depois fui procurando sempre… Eu sou assim… Eu só
vu
[compro] mercadoria que a pessoa procura, entendeu… Que pra
vender que a pessoa de anos em anos vem procurar eu não compro
di
empacado, entendeu?
12
As informações colhidas não permitem uma avaliação definitiva da eficácia relativa
dessas duas estratégias (especialização x diversificação de produtos), mas tudo
indica que a segunda tira melhor partido das condições de mercado para este tipo
de estabelecimento. Sendo a clientela reduzida e de baixo poder aquisitivo, como se
viu, essas condições podem ser compensadas pela diversificação. Aumentando-se a
variedade de mercadorias disponíveis, aumenta-se, pelo menos potencialmente, o
volume de vendas.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 57
ão
Deve-se notar que, apesar de todo o empenho, o conhecimento
sistemático da lógica de reposição do estoque é muito limitado.
aç
Salvo as informações genéricas obtidas acima, os depoimentos
foram sempre omissos a esse respeito. Suspeito que tal fato não
lg
se deve a qualquer decisão consciente de escamotear informações
vu
por parte das pessoas entrevistadas ou de incapacidade técnica
do pesquisador, mas sim a uma provável característica central
di
13
Apesar de em vários casos estes empreendimentos apresentarem altos níveis
de rentabilidade, não se deve perder de vista que sua capitalização é muito lenta,
pois a maior parte do lucro é desviada para a manutenção do proprietário e seus
familiares. Note-se ainda que, na grande maioria dos casos, as retiradas – que
podem ser em dinheiro ou espécie – do proprietário não são fixas ou rotinizadas,
nem variam em função das contingências do negócio, mas sim de suas necessidades
de consumo pessoal.
58 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
da “barraca” é o “fiteiro”, pequenas construções de madeira montadas
na calçada das ruas mais movimentadas da cidade, que vendem
aç
principalmente cigarros e balas, mas às vezes também miudezas
lg
(linhas, envelopes, cartões postais, etc.). Existem, porém, pelo menos
duas características que o distinguem da “barraca”. Em primeiro
vu
lugar, situado em geral nas ruas da cidade (a maior concentração é
di
14
A questão da licença de funcionamento também se coloca para o barraqueiro,
mas pode ser contornada muito mais facilmente, bastando para isso pequenas
precauções: “Eu às vezes [incompreensível] aumenta, porque… um negocinho assim
pequeno o fiscal não dá tanto em cima, né? E com muito, aí o fiscal bate em cima. A
gente pequeno assim não…”. De qualquer forma, deve-se notar que, ao que parece,
todas as condições econômicas de implantação e funcionamento mencionadas no
caso da barraca são válidas também para o fiteiro. Mas, ao contrário do barraqueiro,
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 59
ão
tem um amigo e falam com… Vai lá dentro e fala com o homem, o
homem [diz] você bota lá por enquanto, mas que eu não vou dar
aç
uma licença a você[…]. Eu ficava pela questão de… de colher de chá,
invalidez. Que eu era inválido, então eles tinha pena.
lg
Finalmente, existe um terceiro tipo de negociante, o
vu
vendedor ambulante ou camelô,15 a respeito do qual as informações
di
com a carrocinha, prender […] Eles não pode tirar uma licença,
a Prefeitura não dá, não libera uma licença para um ambulante,
aqueles que vendem por ali pelo meio da rua, que chamam…
camelô. O camelô eles não têm licença. Ele abre o troço dele ali
grita, e vende e quando a carrocinha vem eles saem correndo.
O ambulante chama-se o camelô. E o povo antigamente eles
chamavam de ambulante. Hoje em dia eles chamam o ambulante
àqueles que vendem roupa por ali perto do Mercado, coisa e tal.
Mas antigamente só se conhecia o ambulante, esse que andava com
o balaio nas costas, um troço na cabeça e empurrando uma carroça
gritando pelas ruas, né?
ão
A aparente confusão do depoimento acima, além de ser
aç
extremamente ilustrativa da complexidade do tema, deve-se talvez
ao fato de que o informante procurou incorporar a seu discurso a
lg
nomenclatura oficial. Assim, depois que (parece que o caso foi citado
apenas como exemplo) os vendedores de roupa do mercado tiveram
vu
sua atividade regulamentada, sob a rubrica de ambulante, o tipo de
di
ão
mais amplo, a investigação visava fundamentalmente a população
com renda monetária individual igual ou inferior a dois salários
aç
mínimos. Essa informação é importante, porque ressalta o fato
de que se está lidando com o segmento mais amplo do exército
industrial de reserva.
lg
vu
di
1
In: L. A. Machado da Silva. 1984. Condições de vida das camadas populares. Rio de
Janeiro: Zahar Editores. pp. 83-98.
2
A pesquisa foi realizada pelo IUPERJ/UCAM, em convênio com a Sudene. Além do
autor, participaram de todas as fases, desde a coleta até a interpretação, Ademir
Figueiredo, Filippina Chinneli, Laureta Copello e Nizete do Nascimento.
62 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Diga-se de passagem, isso não representa nenhuma garantia de
manutenção da renda familiar, porque a remuneração adicional dos
aç
outros membros pode não cobrir a diferença. Deve-se notar também
lg
que esse tipo de reação não é apenas resultado de crises individuais
como desemprego, doença, morte, etc., nem de meras variações
vu
conjunturais. Trata-se, antes, de uma tendência secular, como tem
di
ão
ao assalariamento, que permanece a principal fonte de renda.
4. Em muitos casos, o assalariado sob licença para tratamento
aç
de saúde começa a trabalhar por conta própria assim que passa
lg
a dispor de um mínimo de condições físicas. Isso ocorre porque a
remuneração do trabalhador “encostado no INSS” é sempre muito
vu
inferior a seu salário. Caso similar acontece depois da aposentadoria,
di
ão
segmentos inferiores tornam necessário o trabalho das mulheres
casadas.4 De fato, no caso da população estudada, as mulheres
aç
participam da força de trabalho quase por definição. Isso implica
lg
a necessidade de articular essa participação – isto é, o trabalho
remunerado, com as responsabilidades familiares. O equilíbrio é
vu
obtido pela eliminação do trabalho remunerado em tempo integral,
di
seja como doméstica, seja como assalariada.5 Há, pois, uma tendência
à concentração nas atividades por conta própria, desempenhadas
de
3
Prandi (1978, pp. 127-144) e Singer (1980, pp. 61-69) mostram, para o caso
pl
também generalizadas.
4
Uso a expressão “mulheres casadas” em seu sentido mais amplo, para indicar
as mulheres adultas corresponsáveis por unidades domésticas que contenham
também pelo menos um homem adulto. Do ponto de vista da família e do trabalho
feminino, este é apenas um entre vários arranjos possíveis, embora talvez o mais
numeroso. Como, entretanto, o trabalho feminino não é objeto específico deste
estudo, acredito que uma tal simplificação seja admissível.
5
As relações de trabalho em que se engajam as mulheres apresentam, para o
estrato social examinado, uma série de especificidades pouco estudadas. Registro
apenas dois exemplos de sua complexidade: o emprego doméstico, que apresenta
certas características de assalariamento, porém numa relação que não implica um
“capitalista” (logo, não há como falar em mais-valia) e em que a jornada diária é
totalmente indefinida na grande maioria dos casos; e o assalariamento a domicílio,
inclusive com carteira assinada, numa espécie de putting out system, que chega a
envolver “ajudantes”, alguns remunerados (Machado da Silva, 1979).
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 65
ão
“falsa autonomia”.
Enquanto estratégias de vida, todos os casos acima podem ser
aç
concebidos como formas de administração do trabalho pela unidade
lg
doméstica.6 Sem dúvida, as decisões e o comportamento cotidiano
sintetizados não são nunca completamente conscientes, coerentes e
vu
lineares. Mas a lógica subjacente a eles pode ser descrita da seguinte
di
6
Não resta dúvida de que, em se tratando de uma formação social capitalista como
a brasileira, a utilização da força de trabalho, no modo e no ritmo, é determinada
pelo capital. Mas isso não é incoerente com a afirmativa de que, do ponto de vista
do trabalhador, ele administra seu trabalho dentro dos parâmetros que lhe são
impostos. Pelo menos nesses termos, a oposição autonomia x exploração é uma
falsa questão.
66 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Não estou considerando os serviços e atividades de
transformação envolvidos na manutenção da casa e cuidado
aç
dos filhos “pequenos” (palavra necessariamente vaga, porque o
lg
momento em que eles não exigem mais cuidados especiais é sempre
muito fluido). A esfera doméstica da reprodução do trabalhador,
vu
justamente por ser a mais afastada do domínio do capital, parece ser
di
ão
fundamental dessa diversificação sejam as condições do mercado.
3. Uma vez que os termos mais gerais da divisão do trabalho
aç
entre os membros da família estão estabelecidos, os membros
lg
“totalmente ocupados” procuram maximizar seu tempo de trabalho
pelas razões e nas formas mencionadas. Como descrito, a quantidade
vu
de trabalho das mulheres casadas precisa ser equilibrada com as
di
7
A base da estrutura da família é a necessária combinação da produção de valores
de troca e de valores de uso (Oliveira, 1976). Este segundo nível refere-se à divisão
do trabalho dentro da produção de valores de uso, que permanece existindo, apesar
da tendência à diminuição de seu espaço. Sob esse ponto de vista, o espaço para a
existência de membros da unidade doméstica “não produtivos” (de valores de troca
e/ou de uso) é quase inexistente nos segmentos sociais inferiores.
68 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
dificuldades dos migrantes. Do ponto de vista aqui adotado,
pode-se dizer que esses estudos indicam uma manipulação do
aç
tamanho e composição da família através da troca de membros. A
lg
existência de um fluxo tendencialmente orientado para os centros
urbanos não contradiz essa afirmativa, uma vez que é nas cidades
vu
que as oportunidades de trabalho para esse setor da população
di
para as famílias em seu sentido mais amplo. Por exemplo, uma jovem
que é excedente para sua unidade doméstica original em virtude das
em
8
“A situação de trabalho constitui, para o trabalhador manual, a parte de sua
condição de existência sobre a qual não possui nenhum ou muito pouco controle.
O mundo familiar, porém, permite uma certa manipulação. E sob as pressões
advindas do mundo do trabalho – baixos salários, pequena qualificação, restrição
da oferta de empregos – o tamanho da família torna-se um problema de importância
fundamental para o estabelecimento de seu nível de vida e, em última análise, para
a própria reprodução social do grupo” (Bilac, 1978, p. 97).
9
É desnecessário dizer que a migração não é o único mecanismo, sendo
relativamente comuns os casos de circulação de pessoas entre diferentes unidades
familiares dentro da mesma cidade e/ou bairro. Estou chamando a atenção para o
caso das migrações, porque os modos e as bases da circulação quase sempre são os
mesmos e porque ele corresponde à situação extrema e mais estudada. Além disso,
é um fenômeno muito comum, pelo menos nos bairros do Recife pesquisados.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 69
ão
uma redução no consumo diário que ultrapasse sua contribuição
atual ou potencial para o orçamento familiar. Em segundo lugar, há
aç
alguns casos em que é claro que um membro da família pode elevar
lg
seu nível de renda, caso migre. Nessa situação, é preciso decidir se
a melhoria potencial da renda familiar compensa o risco de perder
vu
o controle sobre o membro migrante.11 Inversamente, o migrante
di
10
“É preciso esclarecer que não se pretende reduzir toda a problemática familiar
pl
Considerações finais
ão
Os comentários acima indicam que o fulcro das estratégias
de vida do segmento social estudado é a maximização do trabalho
aç
pago, o que envolve a participação de tantos membros da unidade
lg
doméstica quanto possível. Na realidade, esta pode ser vista como
a mais básica e geral estratégia que articula as famílias dos estratos
vu
mais baixos ao mercado de trabalho. O marco de referência dessa
di
ão
Estratégias de sobrevivência, mercado de trabalho e determinantes
estruturais
aç
lg
Na medida em que trata da reprodução do trabalhador, a
noção de estratégia de sobrevivência se articula com o mercado
vu
de trabalho e suas diferenciações – trabalho assalariado, por conta
di
12
Um tratamento mais sistemático das relações entre produção e reprodução com
referência ao mesmo segmento do exército de reserva tratado no presente artigo
pode ser encontrado em Souza & Faria (1980). Os comentários aqui apresentados
seguem uma linha de argumentação muito semelhante, mais a exiguidade de espaço
não permite uma discussão mais detalhada de suas conclusões.
72 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
que o mercado para os valores de troca produzidos sob formas não
capitalistas é fundamentalmente o contingente de assalariados.
aç
3. Esse último aspecto é importante, porque chama a atenção
lg
para uma faceta pouco mencionada no padrão de acumulação
brasileiro em suas relações com a produção não capitalista. Trata-
vu
se do fato de que uma parte do salário da tração ativa da classe
di
13
A complementariedade entre produção capitalista e não capitalista não é estática:
ao mesmo tempo que o capital destrói esta última, recria formas de organização
não capitalistas (Cf. Singer, 1977, 1980). Em contrapartida, a intensificação
da mercantilização da atividade econômica abre espaços para a produção não
capitalista em detrimento da produção doméstica de valores de uso.
Parte 1 Cotidiano e dinheiro | 73
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Parte 2
Trabalho e cidade
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
O cotidiano do trabalho na cidade
ão
Os textos são bem distintos entre si, em termos de escopo,
aç
estilo, ambição e autoria, por terem sido produzidos em contextos
díspares: o primeiro é uma dissertação de mestrado, Mercados
lg
Metropolitanos de Trabalho Manual e Marginalidade, defendida
no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu
vu
Nacional em 1971; o segundo texto é composto pela introdução e o
di
por Moacir Palmeira, José Sérgio Leite Lopes e Afrânio Garcia. Vale
pl
ão
para o estudo de situações contemporâneas – apesar de profundas
transformações empíricas nos mundos do trabalho, nas perspectivas
aç
teóricas e conceitos que norteiam o debate acerca da pobreza e
lg
das desigualdades urbanas, bem como nas condições estruturais e
empíricas para o acesso a trabalho e moradia.
vu
A justaposição dessas duas características torna a leitura
di
ão
que enfrenta e desmonta o que identifica como uma “distorção de
ótica” vigente nas teorias sobre a marginalidade urbana. Segundo
aç
Machado, haveria um “acordo essencial entre os vários modelos
lg
interpretativos da marginalidade urbana”, com duas características
principais: a primeira é que os segmentos marginais seriam
vu
entendidos como disfuncionais (seja do ponto de vista da estrutura
di
ão
como “improdutivas” ou não remuneradas, tais como a divisão de
diferentes formas de trabalho entre membros de uma mesma família,
aç
ou o trabalho aparentemente não remunerado da “caixa corrente de
lg
favores” por meio da qual os trabalhadores mantêm e reproduzem
contatos e relações profissionais tendo em vista oportunidades
vu
futuras. Em suma, não se trata apenas de iluminar as formas do
di
ão
ocupações de terrenos, de rumores de remoções e de negociações
com políticos específicos para a obtenção de moradia, ou para garantir
aç
a permanência em áreas recém-ocupadas. Logo de início, portanto,
lg
o leitor defronta-se com uma multiplicidade de possibilidades e
combinações de estratégias de moradia e trabalho que constituem o
vu
cotidiano das populações de baixa renda.
Em Mudança Social no Nordeste, é justamente a diacronia
di
ão
que conduz a uma superação de dicotomias analíticas tão
consagradas quanto estéreis: formal/informal, tempo de trabalho/
aç
tempo de lazer, trabalho remunerado/trabalho não remunerado,
lg
favela/cidade formal, micro/macro, e mesmo a ideia do indivíduo
trabalhador agente (uma vez que as estratégias são essencialmente
vu
familiares) cujo par dual seria a sociedade/estrutura. Não se trata
di
Referências bibliográficas
Ex
Introdução
ão
particular de preocupação, é relativamente recente. Por outro lado, a
aç
bibliografia a respeito é quase inesgotável (e em boa parte de difícil
acesso), não obstante a escassez de dados estatísticos fidedignos e
lg
a insuficiência de investigações empíricas, lamentados por quase
todos os que tratam do tema.
vu
Estas considerações já indicam que qualquer tentativa de
di
1
Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, fevereiro de 1971.
84 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
(esta expressão, que vem se tornando de uso corrente, é usada em
um sentido impressionístico, para indicar um setor das teorias de
aç
desenvolvimento que tem por objeto central os chamados “estratos
lg
menos favorecidos” das sociedades analisadas). No entanto, em um
aparente paradoxo, os dados colhidos pareciam conflitar diretamente
vu
com boa parte das interpretações existentes. O autor estava, por
di
2
A interpretação das favelas como núcleo da marginalidade é bastante duvidosa,
embora aqui a discussão desse problema seja supérflua. É suficiente lembrar que
nada parece provar, de um lado, que outras áreas urbanas estejam “livres” de grupos
marginais e, de outro, que as favelas possuam populações tão homogêneas quanto
aquela interpretação admite como pressuposto. Cf. Machado da Silva (1967),
Machado da Silva e Santos (1969) e Turner (s.d.). Os dois primeiros trabalhos
salientam a diferenciação interna na composição das favelas, enquanto o último –
tomando como material empírico as barriadas de Lima – mostra as diferenças entre
os vários tipos de áreas faveladas (squatter settlements).
Parte 2 Trabalho e cidade | 85
ão
proposições teoricamente deduzidas era interpretado tomando-se
como referência os grupos dos quais faziam parte os investigadores.
aç
Na medida em que se pode entender esta situação, definia-se
lg
o sentido e a utilidade de um trabalho como o aqui apresentado, que
procura elaborar um modelo das situações concretas de trabalho
vu
e das condições de organização do mercado, assumindo como
di
ão
dessa tarefa crítica. Por um lado, porque os dados coletados não
resultam de um projeto específico de pesquisa, que permitisse uma
aç
coleta sistemática. Ao contrário, o material disponível é subproduto
lg
de vários anos – cerca de cinco – de trabalho em pesquisas com
objetivos afins, mas não diretamente centrados sobre o tema, como
vu
salientei acima. Desse modo, reconheço certas deficiências e lacunas,
di
ão
‘’com os olhos do trabalhador’’.
Mesmo com essa ressalva fundamental, aquela ótica analítica
aç
exigia o conhecimento – o aprendizado, mais precisamente3 – do
lg
significado das condições do mercado para os grupos envolvidos;
em outras palavras, era preciso conhecer e entender como estes
vu
percebiam o setor da realidade que era objeto de análise. A par
di
3
Ver adiante capítulo 3, nota 58.
4
Deve-se notar que, por imposição das obrigações profissionais do autor, ele
conduziu diversos “surveys” socioeconômicos das populações analisadas. Mesmo
utilizando, na elaboração dos respectivos questionários, os conhecimentos obtidos
através da supra referida “convivência”, pôde-se constatar a extrema pobreza dos
dados assim obtidos, bem como as enormes dificuldades técnicas de formalização
daqueles conhecimentos a nível de questionário. Este fato contribuiu para reforçar
a opção pela observação participante.
88 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
apenas os de natureza quantitativa), em que o observador procura
adotar uma rígida posição impessoal perante seu objeto, não parece
aç
possuir maior independência dos julgamentos de valor.
lg
Na medida em que se objetiva embasar empiricamente
este trabalho na “vivência”, no “depoimento pessoal”, é de crucial
vu
importância esclarecer a qualidade do material apresentado.
di
ão
não deverá criar dificuldades maiores para a compreensão do
presente trabalho e de seus limites, desde que não seja moldada pelo
aç
formalismo. Acredito que os próprios objetivos propostos resolvam
lg
e esclareçam os problemas da relativa fluidez do universo de análise.
Assim, o “trabalho manual urbano” é investigado com interesse
vu
último nas questões relacionadas à marginalidade, de modo que
di
ão
neste contexto, apenas a explicitação ou não das alternativas de
comportamento sob a forma de normas jurídicas. Essa explicitação é
aç
importante, porque implica uma menor flexibilidade dos modos de
acesso e conduta nos empregos ligados ao MF.
lg
O traço fundamental do MF é, portanto, a proteção e a
vu
definição legal do emprego que ele proporciona. O exemplo típico
di
5
Vale lembrar que o texto terminou de ser escrito em fevereiro de 1971, muito antes
da expansão da legislação trabalhista (a qual, na atualidade, está novamente sendo
restringida), que, naquele momento, deixava diversos segmentos de trabalhadores
sem proteção jurídica. A relevância da carteira de trabalho assinada era muito
menos trivial do que nos dias de hoje, quando as questões de proteção do trabalho
são de outra natureza.
6
No jargão jurídico-contábil, “registrar” é seguir todo o processo que culmina com
a inscrição da empresa no Cadastro Geral dos Contribuintes, e lhe proporciona o
status de “pessoa jurídica”. O termo é muito usado na linguagem popular corrente,
com conotações amplas: além do significado técnico, indica que o proprietário
admite submeter-se à legalização e fiscalização do Estado e sabe que, com isso,
está ingressando em novo contexto institucional. (É óbvio que tal não implica uma
disposição automática de cumprir a lei, frequentemente burlada).
7
É fundamental notar que esses são exemplos típicos e muito abstratos. Como
ficará claro no decorrer desta exposição, eles estão mais próximos da construção
Parte 2 Trabalho e cidade | 91
ão
Com o reconhecimento legal de sua existência, o empregado
passa a fazer jus aos direitos e deveres previstos na legislação
aç
trabalhista, em cujas minúcias jurídicas não cabe aqui ingressar.
lg
Entretanto, sem preocupações dessa natureza e de uma perspectiva
leiga, pode-se dizer que os benefícios mais valorizados pelos
vu
trabalhadores se referem às leis de proteção salarial: salário-mínimo,
di
ão
das atividades econômicas do interessado. Mas a proporção de
trabalhadores manuais autônomos filiados ao INPS é muito pequena.
aç
Em primeiro lugar, porque o preparo da documentação é difícil, os
lg
trâmites burocráticos são lentos e onerosos, etc. Em segundo lugar,
o previdenciário obriga-se ao pagamento de uma taxa mensal sobre
vu
sua remuneração, via de regra, de 8%. No caso dos empregados, eles
di
9
Da passagem, deve-se notar que os empregos públicos são de dois tipos: os regidos
pelos Estatutos dos Funcionários (da União ou estados-membros), e os regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho (idênticos aos das empresas particulares). No
presente trabalho, como ambos têm tratamento muito semelhante, as diferenças
Parte 2 Trabalho e cidade | 93
ão
polícia. Nas rondas de rotina, a maior parte das prisões efetuadas
incide sobre as pessoas incapazes de apresentar documentos de
aç
trabalho, as quais são detidas “para averiguações” (durando de
lg
24 a 48 horas, em regra). Como a ausência de uma fonte de renda
estável é contravenção prevista por lei – denominada popularmente
vu
de “vadiagem” –, algumas pessoas chegam a ser processadas e
di
daquelas prisões.
Além dessa proteção, a carteira assinada tem muitos outros
Ex
ão
deficiente seus métodos de administração, maior a tendência de
burla à legislação, que serve de recurso para problemas os mais
aç
diversos do empregador: aumento da margem de lucro, dificuldades
lg
financeiras, etc. Todas essas irregularidades provavelmente têm
origem no fato de que o ônus com os encargos trabalhistas chega
vu
a equivaler a 50% sobre a folha de pagamentos da empresa, o que
di
11
Veja-se Ministério do Planejamento (1969, p. 166): “Para cumprir com os
requisitos fundamentais da legislação social, portanto, o empregador incorre em
ciclos de onze meses de trabalho, em despesas extraordinárias da ordem de 50%
aproximadamente”. Este estudo conclui que: “Benefícios da legislação assistencial
são uma conquista da classe trabalhadora, mas constituem um empecilho à
utilização da mão-de-obra, sobretudo em setores de baixa produtividade marginal
[…]” (Ibid., p. 166). Devido às possibilidades de burla à legislação, entretanto,
acredita-se que esta é uma interpretação exageradamente radical, uma vez que é
lógico supor que justamente esses setores teriam maiores dificuldades de realizar
mudanças tecnológicas com o objetivo de substituir o trabalho por capital.
[Esta nota, vista nos dias de hoje (2018), permite sugerir que, na medida em que as
lutas sociais que impulsionam a racionalização dos controles relativos à proteção do
trabalho têm como contrapartida, desde aquela época, uma oposição ferrenha dos
setores ligados ao empresariado e seus intelectuais, as tentativas de desconstrução
do Estado-Providência não têm nada de novo, exceto seu acirramento].
Parte 2 Trabalho e cidade | 95
ão
60 a 80%, dependendo do montante global) à devida pela firma. Esse
recurso é legalmente admitido, mas contribui para uma evidente
aç
deformação da lei.
lg
Com a recente criação do FGTS, tal prática tende a desaparecer,
porque a indenização, que implicava desembolso relativamente
vu
grande por parte da firma a curto prazo, foi substituída pelo depósito
di
justa causa. O percentual parece ter sido calculado de tal forma que
o trabalhador termina por receber quantia muito semelhante àquela
a que faria jus pela lei anterior.
ar
só viria a ser afetado por essa medida ao se aproximar dos dez anos
“de casa”: eram raríssimos os empregados de qualquer nível que
escapavam da demissão nesse momento.
Atualmente [em 1971], existe uma situação de transição:
todos os novos contratos são protegidos pelo FGTS, bem como
os antigos, nos casos em que os empregados optaram por este
regime. Os demais contratos permanecem sob a proteção da antiga
lei da estabilidade. Os efeitos práticos dessa mudança sobre o
comportamento do empregador e a estabilidade do empregado
são ainda nebulosos. É provável, porém, que os conflitos de
interesse configurados em torno do tempo de serviço tenham sido
ão
eliminados. Com o FGTS, o empregador obriga-se a um depósito
mensal que nada tem a ver com o prazo de trabalho na empresa,
aç
e que representa, na prática, um parcelamento da despesa com
lg
a indenização – que, portanto, deixa de apresentar problema
orçamentário de vulto para a firma.
vu
Outra irregularidade muito comum e de remotas
di
ão
Neste caso, a empresa mantém um grupo de empregados fixos, com
carteira assinada, e nas épocas de maior necessidade de mão de
aç
obra contrata trabalhadores sem o respectivo reconhecimento legal,
lg
demitindo-os assim que se tornam dispensáveis – de modo que a
estabilidade do empregado e do próprio emprego é muito frágil.
vu
Uma possibilidade ainda mais radical de participação no MF
di
rigor, não se pode dizer delas que têm uma atuação ilegal, já que não
funcionam “à margem da lei”, mas antes “apesar da lei”. É óbvio que,
para que possam passar despercebidas pelos órgãos de fiscalização
ar
ão
formal. Portanto, mesmo aí existe um mínimo de interveniência das
normas legais, mediatizada pela figura do fiscal.
aç
Em todos esses casos, os problemas localizam-se ao nível
lg
da própria existência da empresa, não se limitando às relações de
trabalho. Quanto à situação dos empregados, à primeira vista, é
vu
semelhante à dos que, embora trabalhando para firmas reconhecidas,
di
12
O contrato – e, portanto, a carteira assinada – não é o único instrumento
jurídico reconhecido por lei como comprovante do vínculo empregatício: é apenas
o mais comum e importante. A mera prova testemunhal, ou a apresentação de
seis recibos consecutivos de prestação de serviços, é plenamente admitida pela
Justiça do Trabalho. No entanto, por desconhecimento destas facilidades e porque
a ausência do contrato dificulta o andamento do processo, essas provas adicionais
são pouco usadas.
13
Por “emprego público”, entende-se aqui toda e qualquer situação em que o Estado,
em seus vários níveis, é o empregador. A expressão engloba, deste modo, os órgãos
de administração (federal, estadual e municipal) direta e indireta: autarquias,
fundações, companhias de economia mista, etc.
Parte 2 Trabalho e cidade | 99
ão
acima. Quase todos os casos de demissão do serviço público
envolvem falta grave, sendo geralmente acompanhados de processo
aç
administrativo e/ou criminal.
lg
A categoria de empregos privados é muito ampla e variada,
de modo que se torna necessário, mesmo em uma caracterização
vu
genérica, estabelecer subtipos. É preciso esclarecer que, justamente
di
14
Esses termos podem fazer um apelo direto ao tamanho da empresa, embora se
espere que seja evitada uma ênfase demasiada sobre ele, pois o tamanho em si
possui importância muito reduzida para o problema. A própria noção de “tamanho”
é ambígua, pois não há relacionamento necessário entre, por exemplo, o valor da
produção, a área do estabelecimento e o volume de capital, ou entre este e o número
de empregados, etc. Optou-se pelo uso dos termos “grande empresa” e “pequena
empresa” apenas por falta de uma alternativa que, ao mesmo tempo, considerasse
as implicações da escala de produção e status legal, e evitasse as fortes conotações
de valor das dicotomias de uso corrente (empresa “moderna”/“tradicional”,
“monopolista”/“não monopolista”, “capitalista”/“pré-capitalista”, etc.).
100 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Deve-se notar que todos esses fatores estão relacionados
sobretudo à regularidade e permanência dos postos de trabalho,
aç
nada dizendo sobre a do empregado. Mas seus reflexos sobre este
lg
último são grandes, devido especialmente à tendência ao anonimato
provocada pela burocratização da administração e à reduzida
vu
importância do indivíduo na engrenagem produtiva. Desde que tenha
di
emprego em si.
Por todos esses motivos, pode-se dizer que existe uma
tendência à concentração dos empregos típicos do MF – os “empregos
ar
15
“O que na verdade interessa às grandes empresas – como resultado do volume
de suas inversões e das exigências tecnológicas de seus processos de fabricação – é
predeterminar a médio prazo seus custos e prever, por conseguinte, as variações
que possam ocorrer no preço da mão de obra; daí sua tendência a remunerar a
força de trabalho não tanto pelo valor do mercado que ela tenha, mas, e sobretudo,
em função de sua integração estável à organização produtiva da empresa” (Nun,
1969, p. 201). Deve-se ressaltar que essa tendência é válida antes de tudo para os
níveis de especialização mais altos (mesmo as mais modernas empresas utilizam
uma parcela de mão de obra semi ou não qualificada); e que ela permanece para as
empresas de menor porte que necessitem de trabalhadores especializados, os quais
sempre gozam de enormes privilégios. O caráter esquemático do texto acima – bem
como, em geral, das distinções entre empresas de grande e pequeno porte – não
pode ser ignorado.
16
Este fato tem sido estudado de uma perspectiva agregada, em termos das relações
capital/trabalho. Cf., por exemplo, Ministério do Planejamento (1969, cap. III).
Parte 2 Trabalho e cidade | 101
ão
e/ou completos. As empresas encontram-se em uma dependência
mais íntima da situação do mercado, sua disponibilidade de capital
aç
é menor e a relação técnica entre equipamento e mão de obra é mais
lg
flexível. Em consequência, o número total de empregos necessários
ao seu funcionamento, e compatível com sua liquidez, parece ser
vu
mais influenciado pelas flutuações conjunturais – com óbvias
di
ão
pessoais com o empregador – as quais, portanto, começam a
substituir a relevância da proteção legal do emprego.
aç
Os contornos desses empregos afastam-nos sobremodo dos
lg
“empregos regulares e permanentes” típicos: a situação de trabalho,
as garantias do emprego e a ordem dos problemas de estabilidade
vu
situam o empregado em outro contexto. Paralelamente, conserva-
di
sua ambiguidade.
pl
em
ão
e o trabalhador. Aproveitando-se dessa situação, este se esforça
para ampliar a esfera e a duração do relacionamento, criando laços
aç
de clientela18 a fim de obter uma posição segura no mercado, isto
lg
é, de evitar períodos em que seja incapaz de encontrar trabalho
remunerado.
vu
Esta personificação da atividade econômica é a característica
di
17
Embora importante a distinção aqui feita entre “patrão” e “empregador”, ela deve
ser entendida apenas em um contexto analítico. Adiante se verá (capítulo 3) que o
termo patrão é usado pelos trabalhadores tanto no contexto do MF quanto do MNF.
18
Para diversos tratamentos e utilizações do conceito de “patron-client relationship”,
veja-se Potter et al. (1967).
104 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
diminuem para um limite mínimo as possibilidades de manipulação
individual do mercado por parte do trabalhador, que passa a depender
aç
da proteção legal e das decisões de seu empregador, com reduzida
lg
chance de intervenção pessoal (daí porque, na seção anterior, se
deu tanta atenção aos aspectos legais do problema). No MNF, ao
vu
contrário, a segurança da ocupação depende sempre e apenas do
di
ão
a amizade, incluindo laços de parentesco e clientela, relações com
outros trabalhadores (e seus respectivos patrões, por via indireta),
aç
consumidores, patrões, etc.19
lg
No MF, essa rede de contatos pessoais é importante para o
conhecimento do mercado, servindo como mecanismo de divulgação
vu
das oportunidades existentes. Uma vez obtido o emprego (legalmente
di
19
A importância da rede de contatos reflete-se em uma extrema riqueza e
sofisticação terminológica. As categorias que diferenciam os diversos tipos e níveis
de relacionamento dentro dela são muito elaboradas. Assim, o termo “colega”
indica outro trabalhador com equivalente capacidade de controle do mercado,
com quem não existe conflito de interesses, mas há um certo distanciamento. Já
as relações de cooperação se explicitam pelo recurso a termos retirados das
relações de parentesco (esse tipo de contato, embora em geral de duração muito
limitada, costuma transcender em muito o âmbito da mera relação econômica):
“compadre”, “irmão”, etc. Nas relações conflituosas, recorre-se frequentemente
ao termo “lambão” – sobre o qual serão feitas referências adiante –, para indicar
o trabalhador que se dispõe a executar a baixo preço uma tarefa para a qual não
tem habilidade suficiente. Infelizmente, o material empírico disponível não permite
um tratamento sistemático dessas categorias. A respeito da rede de contatos, foram
de grande importância, tanto do ponto de vista teórico quanto de informações
empíricas, diversas comunicações pessoais do Prof. A. Leeds e de Paul Silberstein.
106 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
seus serviços, pode dedicar-se por inteiro ao fortalecimento dos
laços pessoais. Acresce que a importância da rede de contatos não
aç
se esgota na divulgação e obtenção das oportunidades de trabalho
lg
disponíveis. Com efeito, de um lado, a segurança da ocupação – a
estabilidade – depende não da proteção legal, mas da habilidade
vu
em assegurar compradores; de outro, o trabalhador acumula a
di
ter remunerações muito diversas, sem que tal fato seja aleatório.
O número de variáveis que condiciona a estipulação de preços é
muito grande, mas as principais são: a disponibilidade financeira do
trabalhador no momento; a existência eventual de um consumidor
alternativo; e a tentativa de fortalecer ou criar laços de clientela.
Seria desnecessário explicitar aqui todas as combinações
que conduzem, como produto final, ao preço da tarefa específica –
a simples enunciação das variáveis é suficiente para indicá-las. Um
caso particular, entretanto, necessita de explicação suplementar.
Trata-se do trabalho gratuito que, obviamente, é o limite mínimo
possível na gama de variações de preço. Ao contrário do que
poderia parecer à primeira vista, não se trata de uma situação
Parte 2 Trabalho e cidade | 107
ão
trabalho passa a ser considerado antieconômico, mesmo no caso de
ausência de consumidores alternativos imediatos. Trata-se, é claro,
aç
das ocupações mais qualificadas, exercidas por trabalhadores com
lg
uma ampla rede de contatos e com reservas financeiras.
Esses problemas remetem ao outro aspecto anteriormente
vu
mencionado: a estabilidade do emprego. Em qualquer nível e tipo
di
20
É claro que não se ignora o papel determinante sobre o nível de emprego e, em
consequência, da estabilidade, das condições estruturais da economia e de sua
situação conjuntural. Aqui, porém, o interesse é mais restrito, dizendo respeito
apenas aos modos de manipulação do mercado por parte dos trabalhadores.
108 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
têm um efeito, digamos, retardado e menos geral sobre a renda. Isto
porque, via de regra, o empregador não efetua a correspondente
aç
alteração na carteira de trabalho, mantendo o mesmo salário
lg
apesar das novas responsabilidades assumidas pelo empregado.
Sendo pouco comuns os casos de ascensão dentro da própria
vu
empresa, o trabalhador pode tentar a transferência para outra
di
ão
exemplo), dificulta ao extremo a mobilidade a partir de certos níveis
e reduz a capacidade de controle da ocupação.
aç
Até aqui, toda a análise do MNF disse respeito, em resumo,
lg
a: a) ocupações não reconhecidas; b) exercidas e controladas
individualmente; c) ligadas ao setor de serviços – isto é, às ocupações
vu
“típicas” do MNF. Antes de passar às categorias de ocupações deste
di
ão
período de execução, pois em conjunto devem cobrir determinado
lapso de tempo. As declarações devem ser encaminhadas ao INPS,
aç
anexados o comprovante de pagamento do ISS e documentos de
lg
identificação pessoal, mediante um requerimento de admissão – com
o que é aberto o respectivo processo. O próximo passo é dado pelo
vu
INPS, que envia fiscais para comprovar a existência e a veracidade
di
21
Deve-se repetir que as descrições aqui apresentadas não têm preocupações de
perfeição jurídica. Encara-se o problema legal do ponto de vista do trabalhador, e
apenas em suas consequências para o mercado de trabalho.
Parte 2 Trabalho e cidade | 111
ão
firmas legalmente constituídas, que, em geral, ocupam o trabalhador
por mais tempo que o patrão individual (sem que, é claro, isso o
aç
transforme em um “empregado” da firma). Note-se que a situação
lg
de trabalho muda pouco, o que se comprova pelo fato de que o
trabalhador tende a considerar a(s) firma(s) com a(s) qual(is) se
vu
relaciona como uma espécie de tipo particular de patrão, maior e
di
22
Agradeço a descrição de vários casos concretos a Paul Silberstein e ao Prof. Roger
Walker.
112 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Neste ponto, já é possível descrever os tipos de ocupações
pertencentes ao MNF. O primeiro deles seria o dos trabalhadores
aç
“por conta própria”. Optei pelo uso dessa expressão popular, de
lg
preferência a “trabalhador autônomo” até aqui empregado, devido
às conotações legais deste último, que restringem demasiadamente
vu
as ocupações incluídas; o trabalhador autônomo – isto é, o
di
margem de autonomia.
Uma segunda categoria de ocupações é a dos biscateiros.
Em análise formal, a distinção entre eles e os trabalhadores por
conta própria sofreria severas restrições, porque a infinidade de
casos concretos, associada à própria flexibilidade do MNF, torna a
possibilidade de delimitação precisa muito problemática. Acredita-
se, porém, que o conteúdo dessas categorias deve se tornar claro,
em especial pela leitura do próximo capítulo, a respeito das
situações de emprego.
De momento, pode ser dito que o biscate é a ocupação típica do
MNF, pois as condições de trabalho são mais fortemente influenciadas
ão
pelos fatores que o caracterizam. Os trabalhadores por conta própria
dispõem de possibilidades de opção entre as manipulações pessoais,
aç
apoiando-se na personificação da atividade econômica (por exemplo,
lg
criando laços de clientela), ou as manipulações do mercado, isto
é, as que seguem mais especificamente o jogo da oferta e procura
vu
(por exemplo, determinando preços mínimos). Ou, ainda, o que é
di
ão
familiar, para o que contribui o baixo nível geral da remuneração
desse tipo de trabalho, não obstante certas exceções significativas.
aç
Acresce que, em muitos casos, existe a possibilidade de trabalhar em
lg
casa, de modo a não afetar tanto as incumbências domésticas.
Outra característica dessas ocupações é que existe uma
vu
tendência à eliminação dos consumidores eventuais e, portanto,
di
caso dos biscates e ocupações por conta própria, ainda que não
haja referências explícitas a prazos, os limites da relação direta de
em
23
Agradece-se esta distinção, bem como muitas de suas implicações, ao Prof. Roger
Walker.
Parte 2 Trabalho e cidade | 115
ão
de tal sorte que estimula a intimidade do contato. O resultado é
de dupla espécie: ou essa intimidade – isto é, a transcendência
aç
quase obrigatória do aspecto estritamente econômico da relação –
lg
provoca atritos violentos que acabam resultando no rompimento
da relação de trabalho, ou cria laços de clientela que decorrem da
vu
personificação da relação representada por seu caráter íntimo.
di
O continuum de empregos
em
ão
emprego. E 75% dos chefes e cerca de 50% dos demais membros
ativos da unidade familiar já haviam participado, em alguma ocasião
aç
de sua vida profissional, de empregos no MF (Codesco, 1969).24
lg
Apesar de muito pouco específicos, esses dados procuram
dar a visão mais geral possível do problema, mostrando que, para
vu
considerável parcela dos moradores das áreas para as quais existe
di
24
Cf. também Parisse (1970, especialmente 2a parte). Algumas pesquisas deverão
em futuro próximo permitir uma visão da composição ecológica e socioeconômica
da cidade (Rio de Janeiro), ao mesmo tempo integrada e comparativa. Pode-se citar
os trabalhos em realização [1971] de Janice Perlman, englobando favelas e áreas de
expansão urbana, e Lawrence Salmer, envolvendo casas de cômodos.
Parte 2 Trabalho e cidade | 117
Demais Membros
Tempo Chefes da Família
Ativos da Família
Menos de 1 semana 19,6% 6,1%
Entre 1 semana e 1 mês 13,9% 8,7%
1 a 3 meses 12,8% 6,7%
3 a 6 meses 11,7% 5,3%
Mais de 6 meses 4,1% 2,1%
ão
Nunca teve empr. reg. 25,1% 58,9%
Só teve um empr. reg. 12,8% 12,2%
aç
100,0 100,0
Total
N=367 N=343
lg
vu
Fonte: Codesco (1969).
di
modo que, mesmo nesse caso, pode ter havido turnover entre o MF
em
ão
reconhecimento jurídico. Devido a esses problemas, e porque só
destacam uma categoria de ocupações, preferi ignorar as poucas
aç
estatísticas disponíveis.
lg
Pode-se colocar reservas quanto a esses exemplos, devido à
sua particularidade, uma vez que se referem especificamente a favelas.
vu
Mas eles possuem uma qualidade estratégica, porque o argumento
di
25
Estudos Cariocas (1965, vol. 5). Ver também Silberstein (1970, quadros III e IV,
pp. 13-14).
Parte 2 Trabalho e cidade | 119
ão
categorias de emprego no MF e MNF. Dessa perspectiva, parece
existir uma tendência no sentido de garantir as vantagens e distribuir
aç
os riscos dos dois subsistemas, pela participação simultânea da
lg
unidade familiar em ambos, através de seus diversos membros.
Pelos dados sobre favelas apresentados acima, poder-se-ia
vu
concluir por uma tendência no sentido da participação dos chefes
di
ão
trabalho, há sempre um salto implicado na passagem de uma para
outra, mas ele é amortecido pelas condições existentes no que se
aç
chamou aqui de espaços limiares – cujo conceito procura exatamente
lg
apreender essa interpenetração de situações de trabalho diversas.
Esse aspecto é um tanto menor no interior do MF, devido às definições
vu
formais legais das categorias, mas a limiaridade permanece por
di
1
Ex
2 4
3
em
5
6
pl
ar
7
tipo de
Firmas Auto- Indivíduos empregador
de
(“Empregadores”) emprego (“Consumidores”, “Patrões”)
ão
industrial.26 Tal perspectiva define a opção pela independência
aç
como um problema de assimilação ao contexto urbano-industrial.
Em consequência, torna-se incapaz de apreender o caráter básico
lg
do dilema colocado ante os trabalhadores. Esse dilema é proposto
pelas próprias condições organizatórias do mercado metropolitano
vu
de trabalho, que criam dois subsistemas dotados de vantagens e
di
26
“A inclinação para atividades comerciais, que se nota, tanto nos que vêm da
lavoura como nos que moravam em pequenas cidades, é parte de um padrão de
independência econômica muito difundido no Brasil. Neste trabalho interessam as
formas – que transparecem nos exemplos dados – que toma nas classes baixas rurais,
principalmente no Nordeste, este valor cultural de trabalhar por conta própria, ser
independente, valer-se da própria iniciativa e não se subordinar a ninguém” (Lopes,
1960, pp. 375-376). “Este relato da orientação ocupacional de operários vindos,
na maior parte, do meio rural, mostra sua disposição de abandonar a estrutura
industrial” (Ibid., p. 388).
Parte 2 Trabalho e cidade | 123
ão
através da rede de contatos e das relações de clientela, de um controle
mínimo sobre suas condições de garantir trabalho com um mínimo
aç
de interrupções; e quando b) as perspectivas de remuneração forem
lg
suficientes para compensar as tensões implícitas na responsabilidade
pessoal de construir um mercado para seu trabalho.
vu
Apesar da forte base empírica, não resta dúvida de que
di
ão
a independência perdida e/ou desvalorizam a condição subordinada
em que se encontram.28
aç
Se a correta interpretação das alternativas de participação
lg
em um ou outro subsistema é fundamental para a compreensão
do comportamento econômico dos trabalhadores, não o é menos o
vu
entendimento de um aspecto de seu estilo de vida, relacionado ao uso
di
27
É interessante notar, a respeito de fontes subsidiárias de remuneração, que
certas categorias verbais de uso corrente retêm a essência das nuances possíveis
no exercício da escolha: “bico” e “viração”. “Bico” é o segundo emprego ou ocupação
com característica de regularidade, embora secundário. “Viração” é o biscate
eventual e instável, que representa mais um recurso a ser utilizado em momento
de necessidade extrema. (O termo “viração”, quando usado em outro contexto,
em que só existe uma fonte de renda – “viver de viração” –, indica também uma
posição muito desvantajosa no mercado e se aplica apenas a biscateiros com uma
capacidade muito reduzida de controle do mercado). Assim, no exemplo acima, o
trabalhador teria optado pelo MF, mantendo a ocupação no MNF como um “bico” –
realizando, portanto, uma conciliação entre os dois polos.
28
“[Quem trabalha por conta própria] não depende de horário, não depende de
chefe”. “Homem que pica cartão (ou seja, que está sujeito a controle de horário por
cartão de ponto) não tem futuro; pessoa que trabalha por conta própria é que pode
melhorar” (Lopes, 1960, p. 386).
Parte 2 Trabalho e cidade | 125
ão
períodos “de trabalho”; mas a situação, o contexto em que elas se
realizam, é vivida como “folga”.
aç
Perceber essas características, ainda que da forma sumária
lg
aqui apresentada, é crucial para interpretar corretamente as
condições de vida dessas populações e alguns modos de atuação
vu
no sentido do controle de mercado e elevação da renda. Assim, a
di
ão
se não contivesse todas as conotações de uma divisão do tempo
particular das camadas médias.
aç
Estas considerações sobre o uso do tempo ajudam a avaliar
lg
mais corretamente as condições de vida dessas populações, pois
permitem enfocar uma série de relacionamentos de cunho econômico,
vu
que ficariam obscurecidos por uma abordagem mais formal do
di
29
Sem qualquer objetivo de fazer uma tipologia dessas atividades, pode-se citar
a título de ilustração: compra/venda ou escambo de pequenos objetos, utensílios,
etc.; favores pessoais com remuneração disfarçada como presente; redistribuição
de presentes oferecidos por patrões ou empregadores (o que indica, de passagem,
que o sistema de alianças pode ultrapassar as barreiras de classe, isto é, que não se
trata de um sistema estritamente horizontal); pequenos biscates remunerados em
espécie: alimentos, roupas, matérias-primas, etc.; oferecimento de presentes que
não têm como objetivo a remuneração, mas representam uma forma de cultivar
contatos; etc.
30
A percepção, por parte dos grupos envolvidos, de que todas essas atividades
se inserem no contexto das relações de trabalho fica explícita pelo uso do termo
“viração”, em sentido figurado, para indicá-las (ver nota 27 neste capítulo).
Parte 2 Trabalho e cidade | 127
ão
de vida dos trabalhadores aqui estudados, não podem ser levadas
em conta apenas as características das relações de trabalho
aç
específicas e particulares e o nível de remuneração monetária
lg
imediata, em especial no que se refere aos participantes do MNF
com uma posição de mercado mais desfavorável.
vu
Para finalizar esta seção, é necessário um rápido registro
di
ão
de Echevarria são típicas desta interpretação:
aç
Efetivamente, a manutenção de laços primários de parentesco pode
lg
chegar a constituir uma estratégia generalizada pela sobrevivência
individual nas grandes cidades […] Mais de uma monografia
vu
sugere a hipótese de que as relações de tipo familiar tenderam
a suprir as notórias deficiências das estruturas institucionais
di
31
Para uma visão equivalente, mas não idêntica, cf. Pereira (1969b, introdução).
Parte 2 Trabalho e cidade | 129
ão
não lhe seria difícil encontrar empresas dispostas a admiti-lo,
com todas as vantagens do reconhecimento legal. Mas, justamente
aç
porque suas condições de barganha no mercado são boas, há uma
lg
tendência de preferir as ocupações por conta própria: já que não
existem problemas de inatividade periódica, a independência na
vu
determinação do preço do trabalho serve como foco de atração.
di
situação ideal, ainda que em boa parte dos casos o salário permaneça
inferior. Encontram-se trabalhadores que, ao se defrontar com a
Ex
ão
aos empregos públicos.
É claro que o número de variáveis que influenciam cada
aç
decisão individual é muito grande, mas algumas parecem se destacar
lg
devido ao peso que lhes é conferido e à influência mais generalizada.
Em primeiro lugar, relacionam-se às comparações entre o grau de
vu
estabilidade proporcionado pelo emprego privado numa grande
di
ão
servida nas horas vagas, até se considerar com uma freguesia grande
o suficiente para proporcionar-lhe uma margem de estabilidade
aç
razoável como trabalhador autônomo. Neste momento, “pede as
lg
contas”, isto é, solicita que o empregador o dispense, com o que passa
a fazer jus à indenização (ou, no caso da nova legislação, adquire
vu
o direito de movimentar sua conta do FGTS). Quando a empresa
di
32
Deve-se a Roger Walker e Anthony Leeds, em diversas informações pessoais, o
reconhecimento da importância do mecanismo de “trampolim”, assim como alguns
exemplos empíricos.
132 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
nesta situação de trabalho, sua influência sobre a capacidade de
controle do mercado é mais reduzida. A posição altamente favorável
aç
proporcionada pelo nível de qualificação e o treinamento em
lg
profissões de alta procura fazem com que a subordinação pessoal e
a dependência dos patrões sejam reduzidas. A importância da rede
vu
de contatos deve-se à possibilidade de controlar o maior número
di
ão
que executa, os quais envolvem certo grau de elaboração. Por isso,
durante a execução de um serviço, ele pode entrar em contato com
aç
diversos futuros clientes, que quase sempre admitem esperar por
lg
sua liberação da tarefa atual. Isto porque eles sabem que seria muito
difícil encontrar outro trabalhador habilitado com disponibilidades
vu
imediatas de tempo.33
di
33
Nem sempre a profissão exige que as tarefas sejam demoradas, como a de
radiotécnico, por exemplo. Mas, ainda nestes casos, o cliente aceita que a data da
entrega do aparelho consertado seja determinada, desde que dentro de limites
razoáveis, pelo próprio trabalhador. Em regra, apenas nos casos de atraso o cliente
faz reclamações e exigências. Com isso, há uma boa margem de liberdade para
aceitar vários serviços ao mesmo tempo.
134 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
quantidades necessárias – bem como defeitos na própria execução
técnica, o que implica perder o material e, portanto, dinheiro.
aç
Outra possibilidade é cobrar apenas a mão de obra, correndo a
lg
aquisição do material necessário por conta do freguês. Com isso, fica
eliminada a possibilidade de elevar o lucro com redução nos custos
vu
(o trabalhador procura evitar que o freguês tome conhecimento
di
ão
os trabalhadores com maior rede de contato, que impõem preços
um pouco mais elevados, se sentem ameaçados pela concorrência
aç
potencial dos que cobram menos pela mesma tarefa. Nas ocupações
lg
por conta própria, como a oferta de trabalho é muito menor, existe uma
certa hierarquização: para tarefas mais complexas, são escolhidos
vu
trabalhadores que cobram preços mais altos (porque, em geral,
di
34
Dito de outra forma, o livre jogo das forças puras de mercado fica distorcido pela
inexistência das clássicas condições de “atomicidade” e “transparência”. O preço do
trabalho é dito “pessoal” exatamente neste sentido: ele não é determinado em função
do nível da demanda em seu aspecto global e impessoal, uma vez que depende da
amplitude e solidez da rede de contatos; de outro lado, esta não varia em função
apenas do volume total da oferta da mercadoria (trabalho com determinado nível e
tipo de qualificação), mas também da habilidade individual do trabalhador de criá-
las, mantê-las e ampliá-las. Ou seja: para cada trabalhador, a procura é representada
por sua própria rede de contatos, mais que pelo público consumidor em geral.
136 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Em segundo lugar, muitos clientes não aceitam contratar
serviços na forma de diária motivados pela suposição de que o
aç
trabalhador pode lançar mão de uma série de recursos para adiar o
lg
fim da tarefa. Entre os biscateiros não qualificados, cuja contratação
à base de diária é mais comum, é, de fato, usual a tentativa de “fazer
vu
render” (demorar) uma tarefa, como recurso a curto prazo para
di
35
Sob várias formas, esta explicação foi oferecida por diversos trabalhadores por
conta própria e biscateiros. Parece extremamente lógica e lúcida, mas deve-se
ressaltar que ela não foi comparada a depoimentos de clientes, de modo que deve
ser tomada com as devidas reservas.
Parte 2 Trabalho e cidade | 137
ão
os biscateiros a influência da componente de escolha pessoal entre
os subsistemas, uma vez que a atuação fica muito limitada pelas
aç
condições de mercado. Nos casos em que ela se manifesta, há uma
lg
preferência pelo MF – mas mesmo esta não deve ser exagerada,
porque há inúmeros casos de opção pelo MNF.
vu
Para entender as alternativas que se colocam para os
di
36
Isso acontece porque, além do empregador também participar do processo
produtivo, defrontando-se com problemas semelhantes do mercado, manutenção
da margem de lucro, etc., ele não pode tornar-se patrão de todos os empregados. A
relação patrão-cliente envolve uma dose de reciprocidade de interesses, e é difícil
imaginar as vantagens econômicas que uma pessoa pode auferir, mantendo laços
138 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Quanto às técnicas específicas da situação de trabalho
correspondente ao biscate, as manipulações para ampliação da
aç
clientela são mais restritas que as do trabalhador por conta própria. A
lg
propaganda através do cartão de visitas é ineficaz: as possibilidades
de seleção por parte do freguês são muito acentuadas, de modo
vu
que há uma tendência no sentido de escolher trabalhadores já
di
ão
trabalho por conta própria fica limitada pela baixa oferta de mão
de obra, é de maior importância na contratação dos biscateiros.
aç
Isso explica as dificuldades de encontrar clientes eventuais e,
lg
portanto, a dependência das manipulações para manter e ampliar
contatos. No entanto, apesar dessas dificuldades, em diversas
vu
ocasiões o biscateiro se defronta com um cliente eventual. Nesse
di
37
Não se deve esquecer também características pessoais como a cor, origem
étnica, etc., ligadas a preconceitos e estereótipos muito difundidos. (Assim, por
exemplo, existe uma noção generalizada de que portugueses e italianos são bons
marceneiros). Esse tipo de vantagens e handicaps parece atuar mais profundamente
sobre os empregos domésticos (salientando-se a cor como barreira para as melhores
colocações), talvez devido à maior intimidade do contato.
140 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
simultaneamente, dividindo o tempo entre elas. Isto se deve ao
fato de que o biscateiro não tem certeza de sua capacidade de
aç
obter um serviço logo após terminado o anterior. Como o número
lg
de trabalhadores em disponibilidade é grande, suas condições
de contratar tarefas com antecedência – como o trabalhador por
vu
conta própria – ficam reduzidas, já que o cliente dispõe de amplas
di
ão
Está implícita a íntima relação entre as manipulações ligadas
às variações de preço do trabalho e as vinculadas à procura da
aç
estabilidade, mas não é ocioso enfatizá-la. Antes de passar a novas
lg
considerações, seria útil também explicitar que a escolha das técnicas
de controle do mercado, se de um lado é função da disponibilidade,
vu
amplitude e localização estratégica da rede de contatos, ao mesmo
di
no por ali”, e que, por sua vez, podem tornar-se clientes eventuais.39
É óbvio que esse procedimento indica uma forte instabilidade, com
períodos de desocupação relativamente frequentes.
Note-se, contudo, que, do ponto de vista puramente
quantitativo, o montante médio da remuneração pode ser bem
38
Esta é, talvez, a pior ameaça, porque muitas vezes as ferramentas são
emprestadas. Ficando retidas, além de perder o freguês, o biscateiro enfrenta sérios
problemas com o dono, que podem culminar na perda desse contato, vital para suas
possibilidades de trabalhar.
39
É claro que, quando o biscateiro trabalha por muito tempo num ponto, pode
terminar criando uma rede de contatos; geralmente, porém, os laços pessoais assim
adquiridos são muito mais fracos.
142 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
do ponto – carregadores de feira, alguns engraxates, vendedores
de doces caseiros, etc. – auferem renda média bastante inferior ao
aç
salário mínimo.
lg
Por esses motivos, é difícil imaginar que o recurso a essa
técnica seja decorrente da escolha pessoal e não de uma imposição
vu
derivada das condições desvantajosas de controle do mercado.
di
40
Um dos entrevistados, que trabalhava como “burro sem rabo”, no momento do
contato com o investigador, encontrava-se há 41 dias sem trabalhar. Enfrentou esse
período de crise (o maior registrado por ele) mandando os três filhos pequenos,
todos sem idade de trabalho, fazer as refeições na casa de parentes. (“As crianças e
a mulher eu mando visitar os parentes, assim como quem não quer nada”). Quanto
a ele próprio, sobrevivia à custa de pequenas “virações”, auxiliando donas de casa
Parte 2 Trabalho e cidade | 143
ão
la e/ou transportá-la; dispondo de um biscateiro para indicar, ele
evita os problemas ligados à realização do serviço e não precisa
aç
contratar um empregado, cujo tempo de trabalho dificilmente seria
lg
todo ocupado. Por outro lado, embora ainda conserve uma certa
instabilidade, o biscateiro passa a depender menos de circunstâncias
vu
fortuitas para obter serviço. Existem até mesmo casos que podem
di
e vizinhos (fazer compras, consertar uma cadeira, etc.). em troca de comida. Esses
recursos extremos sucederam-se ao fechamento total de crédito (mas é preciso
notar que os problemas de dívidas do entrevistado eram anteriores ao período
acima mencionado).
41
A incapacidade objetiva de planejamento dessa parcela de trabalhadores contribui
para criar um clima geral de orientação para o curto prazo. Cf. Machado da Silva
(1969), em que se registra exemplos de casos de participantes do MF com intensa
imprevisão, embora se deva notar que se trata de indivíduos com características
especiais. Veja-se também Machado da Silva (1967).
144 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
configuram um sistema de posições com nítida continuidade e ampla
faixa de superposição. Esta característica, mais notável no MNF por
aç
seu caráter não burocrático e por sua invisibilidade legal, permite-
lg
lhe dispor de fortes mecanismos de mobilidade. Porém, ainda que
considerados os dois subsistemas, não há barreiras intransponíveis
vu
à trajetória do trabalhador,42 como o demonstra o próprio turnover
di
42
A respeito dessa trajetória, embora existam poucos estudos e o material empírico
colhido para o presente trabalho não permita conclusões definitivas, parece haver
relações entre a idade do trabalhador, sua situação de trabalho e o grau de controle
do mercado em cada uma delas. Considerar sistematicamente esses dois últimos
fatores como etapas na vida do trabalhador pode ser um frutífero caminho de
investigação. Por exemplo: a maioria das ocupações por conta própria parece ser
desempenhada por indivíduos de meia idade; as mudanças de situações de trabalho
parecem diminuir com o tempo da atividade econômica; antigos biscateiros parecem
ter maior estabilidade que os biscateiros recentes; os jovens parecem manter-se por
menos tempo num único emprego privado; etc. Cf. Codesco (1969). Ver também
Leeds (1969).
43
Este termo, muito empregado para indicar qualquer benefício através de contatos,
explicita nitidamente o caráter da instrumentalidade econômica das relações primárias
e indica o reconhecimento da vinculação entre laços afetivos e interesses de lucro.
Parte 2 Trabalho e cidade | 145
ão
observação, começa a executar as etapas técnicas mais simples
das tarefas, até adquirir conhecimentos suficientes para lançar-
aç
se individualmente no mercado. O momento dessa passagem é
lg
indefinível e paulatino, pois a decisão de tornar-se “curioso” – nome
dado aos indivíduos que aceitam tarefas cujos conhecimentos
vu
técnicos não dominam totalmente – depende em grande parte da
di
44
A respeito desses conflitos, veja-se Machado da Silva (1969).
146 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
trabalho em uma só profissão ao mesmo tempo proporciona e indica
condições favoráveis de controle do mercado, possuir treinamento
aç
ótimo numa profissão (ser “oficial”) é fator de alto prestígio. De fato,
lg
parece que a valorização não é tanto da profissão em si, mas de suas
consequências em termos de estabilidade e renda.
vu
Um derradeiro grupo de ocupações precisa ser considerado,
di
45
São muito comuns os depoimentos do tipo “eu tenho várias profissões, mas minha
profissão de fé é…”, ou “eu sou curioso em várias profissões, mas sou oficial de…”. Nem
sempre o biscateiro logra conseguir conhecimentos técnicos completos sobre uma
profissão. Muitos entrevistados, quando indagados sobre sua profissão, respondem:
“eu não tenho profissão, mas me viro em uma porção delas”. (Em contraste, quando
não há qualificação alguma, a resposta costuma ser: “eu não tenho profissão, meu
trabalho é braçal”).
46
Essa subordinação é uma componente necessária de toda relação patrão-cliente,
mas aqui se torna especialmente sentida e forte devido ao grau de intimidade
Parte 2 Trabalho e cidade | 147
ão
atividade econômica regular. Consideradas como recurso extra dos
membros femininos da família, as próprias ocupações assumem um
aç
status subsidiário na avaliação do mercado de trabalho – porém, de
lg
grande importância, pois sempre se trata de mais um “meio de ganhar
a vida”. Em contrapartida, as atividades domésticas representam uma
vu
significativa fonte de segurança e menor dependência econômica
di
ão
subsistemas. É fato notório, por exemplo, que algumas empregadas
domésticas acompanham seus patrões por períodos que equivalem
aç
a toda uma existência. Porém, mesmo com a possibilidade sempre
lg
presente de um relacionamento cuja duração pode chegar a tal
ponto de permanência, globalmente as atividades domésticas se
vu
mantêm muito desvalorizadas. Em primeiro lugar, é claro, porque
di
ão
em espécie, isto é, as formas não monetarizadas de retribuição do
trabalho. Sua natureza essencialmente econômica nem sempre
aç
precisa ser explicitada: muitas vezes, a recompensa fica disfarçada
lg
sob a forma de “presentes”, “favores”, etc. De qualquer forma,
estes benefícios representam parcela ponderável da remuneração
vu
global. (Não existe exclusividade para as atividades domésticas,
di
ão
através de anúncios de jornal ou empresas especializadas na colocação
desse tipo de mão de obra. No entanto, embora o contato inicial seja
aç
impessoal e burocratizado, a situação de trabalho envolve as mesmas
lg
características de personificação ligadas ao MNF, inclusive porque
todos os futuros patrões exigem “referências” (atestados escritos ou
vu
não sobre a qualidade do serviço, honestidade do trabalhador, etc.)
di
ão
de ocupações ligadas às atividades domésticas, e mesmo que o de
muitos empregos do MF. Para se ter uma ideia dessas diferenças,
aç
basta dizer que os profissionais qualificados podem receber até 1 ½
lg
a 2 salários mínimos e até mais (muitas vezes com direito à moradia
e à alimentação, além de roupas de trabalho), contra um mínimo de
vu
cerca de 1/5 do salário-mínimo nos demais casos.
di
ão
geral homogênea. Estes problemas serão tratados também, sob outro
enfoque, no próximo capítulo.
aç
Capítulo 3. Observações gerais a respeito do modelolg
vu
apresentado
di
A concretude do modelo
de
47
Não se trata, portanto, de procurar descrever um sistema de classificação, mas tão
somente de abordá-lo em certos aspectos relevantes do ponto de vista do modelo
analítico apresentado neste trabalho.
Parte 2 Trabalho e cidade | 153
ão
uma certa ambiguidade, pois indicam duas ordens de categorias
distintas, de forma que seu sentido depende do contexto em que
aç
são utilizados. Em outras palavras, é preciso considerar o par de
lg
referência, pois nenhuma das categorias pode ser compreendida
isoladamente. Uma provável explicação para um mesmo termo
vu
indicar duas ordens diversas de conceitos poderia ser a necessidade
di
ão
de “biscateiros” (entendidos ao nível da oposição ao “trabalhador
por conta própria”) com conhecimentos técnicos deficientes,
aç
que determinam certos modos de manipulação do mercado. No
lg
entanto, a categoria “curioso”, ao mesmo tempo, conota a “coragem”
(positivamente valorizada) de assumir o risco de uma tarefa cujo
vu
domínio técnico é precário. Já o termo “lambão”, não apenas define
di
48
Existe toda uma série de qualificativos – “peixinho”, “protegido”, etc. – para indicar
graus mais íntimos na relação pessoal entre o trabalhador e o empregador. Mas
esses termos parecem possuir um nível de elaboração conceitual muito inferior, e
seu conteúdo abrange uma gama de aspectos ou dimensões também muito menor,
que seus homólogos do MNF. Mais do que situações de trabalho, esses termos
definiriam posições estratégicas no sistema de laços de clientela. Portanto, estariam
antes relacionados a uma dimensão da oposição “patrão-trabalhador” (adiante
mencionada) do que ao sistema específico de classificação do mercado. Não há
dúvida, entretanto, que existem fortes vinculações entre esses dois sistemas de
representações, na medida em que as categorias ligadas ao mercado em particular
estariam contidas na oposição “patrão-trabalhador”.
Parte 2 Trabalho e cidade | 155
ão
está no componente hierárquico que todas as categorias possuem,
representado pelo prestígio relativo que lhes é atribuído. Assim,
aç
considerando cada um dos três pares fundamentais, o “empregado”
lg
está acima do “biscateiro”; por sua vez, o “funcionário” tem mais
prestígio que o “empregado”, e o “trabalhador por conta própria”
vu
é mais valorizado que o “biscateiro”. Como dedução simplista, o
di
49
A base da atribuição de prestígio não é, portanto, a noção unidimensional de “tipo
de empregador”, mas a capacidade de controle do mercado, que supõe e implica
uma série de variáveis: o próprio tipo de empregador, o nível de qualificação, a
disponibilidade e posição na rede de contatos, a remuneração, etc.
156 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
componente de prestígio, refere-se ao enquadramento concreto
de grupos e pessoas numa ou noutra categoria. Assim é que,
aç
por exemplo, um “trabalhador por conta própria”, cuja condição
lg
profissional apresenta certas dificuldades, pode definir-se ou
ser definido como tal ou como “biscateiro”. Da mesma forma, um
vu
“biscateiro” qualificado, que dispõe de freguesia relativamente
di
ão
representações dos trabalhadores, também de extrema importância.
É que, não obstante a riqueza das categorias de que se compõe, e a
aç
diversidade de dimensões e aspectos de que elas dão conta, todo o
lg
sistema classificatório está construído com base numa visão muito
homogênea que os trabalhadores têm de si mesmos, tomados em
vu
geral. O conteúdo das categorias, ao diferenciar e hierarquizar as
di
multidimensional de “patrão”.
Em relação ao polo dos “biscateiros”, o termo é usado para
em
50
Deve-se ter em mente as referências feitas anteriormente às características dos
empregadores/consumidores no MNF, que demonstram a ambiguidade de sua
posição.
51
Cf. Gerth e Mills (1958, especialmente pp. 181-183).
158 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
muito relutante; para os trabalhadores não diretamente envolvidos
na relação, o proprietário situa-se na categoria de “trabalhador por
aç
conta própria”.
lg
Em segundo lugar, o termo “patrão” não se aplica a
todos os fregueses indiscriminadamente. De início, ele exclui os
vu
consumidores eventuais. E, principalmente, quando o freguês é
di
52
O que vem ratificar as referências do primeiro capítulo, de que a família pode
ser considerada como unidade econômica para certo tipo de análise. Deve-se notar
que, como base objetiva para a exclusão do proprietário de empreendimento de
tipo familiar da categoria de patrão, está o fato de que nem sempre o membro
ocupado da família recebe remuneração monetária regular. O “salário” é, muitas
vezes, representado por alimentação e/ou moradia, acrescida de pequenas
retiradas ocasionais de certas quantias (com ou sem necessidade de autorização do
proprietário, dependendo do caso).
53
Note-se que o termo “patrão” foi usado nos capítulos anteriores, alternativamente
Parte 2 Trabalho e cidade | 159
ão
imediato; é preciso que, além de situar-se acima do trabalhador nos
quadros da organização, ele disponha de uma certa margem de
aç
autonomia de decisões, cujo limite mínimo é muito difícil de precisar.
lg
Para os cargos de supervisão abaixo desse nível (apontadores e
mestres de obra em empresas de construção civil, por exemplo),
vu
existe o termo “chefe” que, apesar do prestígio que obviamente
di
ão
ao sistema classificatório do mercado, existe uma noção de classe:
a categoria “patrão” torna-se unificada para “empregados” e
aç
“biscateiros”, apesar das distintas utilizações do termo em cada
lg
caso, porque ele não pode pertencer ao estrato dos “trabalhadores”.
Assim, esta mesma categoria (“trabalhador”) constitui importante
vu
parâmetro de comparação para identificar as características comuns
di
55
Por exemplo, seria possível especular em torno da medida em que a natureza
da oposição “patrão” x “trabalhador” – muito mais ampla e profunda do que a
oposição particular “patrão” x “empregado”, que, em geral, absorve toda a atenção
dos estudiosos – pode ser percebida como “simbiótica”. Ou, em outras palavras,
poder-se-ia indagar sobre até que ponto o sentimento de “dominação” implícito no
polo “trabalhador” deixa de ser percebido, em favor da percepção de “dependência”
(entendida, neste contexto, como uma posição subordinada, mas que é sentida
como proporcionando certas vantagens compensatórias). Esta linha de análise,
entretanto, foge aos objetivos do presente trabalho.
Parte 2 Trabalho e cidade | 161
ão
padrão de vida (determinado pela diversidade de níveis e fluxos de
remuneração), existiriam fortes semelhanças no estilo de vida das
aç
populações envolvidas.
lg
A par da necessidade de qualificar até que ponto devem
ser entendidas as diferenciações nas situações de trabalho de que
vu
tratam os capítulos anteriores, esta esquemática análise do sistema
di
não são o “sistema folk” (ou parte dele), pois trata-se já de uma
primeira formalização analítica, elaborada pelo investigador. Eles
Ex
56
“Events that occur within a social field (however defined) can only be perceived
in company of an interpretation. Obviously, the human beings who participate
in social events interpret them: they create meaningful systems out of the social
relationships in which they are involved. Such a system I am going to call a ‘folk
system’ of interpretation, by analogy with ‘folk etymology’. There is also a second
sort of system: that which sociologists and social anthropologists create by more or
less scientific methods. This system may be called an analytical system” (Bohannan,
1968, p. 4).
162 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
quando se utiliza termos retirados do vocabulário dos trabalhadores
– do seu “sistema folk”57 – por pretender explicitamente fidelidade
aç
ao seu ponto de vista, eles (os termos) assumem contornos que antes
lg
não tinham, conotações de que não se revestiam, e encaixam-se num
contexto que lhes empresta um sentido novo e diferente do original.
vu
Assim, nos capítulos anteriores não se descreve um “sistema folk” –
di
57
“And the key to the folk system – almost the only key – is the language in which it
is stated” (Bohannan, 1968, p. 5).
58
“It [the analytical system] is determined by the anthropologist qua anthropologist
to explain the material which he has gathered qua ethnographer. But it is very
important that he should also give the folk system which, if he is a good ethnographer,
he learned (as opposed to created) during the course of his research” (Bohannan,
1968, p. 5).
Parte 2 Trabalho e cidade | 163
ão
subcampos é dado pela relevância relativa de certas características
do mercado. Portanto, o fato de determinados traços definirem um
aç
segmento ou grupo de trabalhadores não implica necessariamente
lg
que é apenas aí que eles se manifestam. Assim, por exemplo, os
laços de clientela não são exclusivos do MNF, mas apresentam maior
vu
importância na organização e na dinâmica deste setor; por outro
di
ão
–, põe-se em relevo as deficiências decorrentes de um certo
formalismo de que padece a maioria dos modelos teoricamente
aç
deduzidos. Em contrapartida, a própria concretude do modelo
lg
permite manipular, dentro de um esquema coerente, dimensões
que tendem a ser abstraídas e privilegiadas nas interpretações
vu
mais amplas: estabilidade-instabilidade do emprego, ocupação-
di
59
Como procurarei mostrar no capítulo seguinte, esta é a fonte de inspiração de
todos os tipos de modelos sobre marginalidade – explícita ou não, reconhecida ou
não.
60
É sempre possível reduzir-se as discussões a um universo comum de diálogo,
ainda mais quando parece haver certas vertentes comuns – como, por exemplo, a
inspiração em polarizações do tipo “moderno-tradicional”. Mas, na medida em que
as origens teóricas das proposições nem sempre são claras (sem falar das eventuais
inconsistências), esta tarefa torna-se muito dificultada. Mantendo-me tanto quanto
possível fiel ao modo de apreensão da realidade pelos próprios grupos envolvidos,
acredito que o presente trabalho pode contornar, ao menos parcialmente, este tipo
de problema teórico-metodológico.
Parte 2 Trabalho e cidade | 165
ão
marginalidade metropolitana
aç
Tipos de modelos, equivalências e pressupostos
lg
vu
Como objeto de análise, a atenção sobre as camadas
di
61
“O autor, reunindo algumas ocupações (vendedores ambulantes, entregadores,
serventes de pedreiro, trabalhadores braçais sem especificação, cozinheiras,
amas, copeiras, contínuos, vigias, serventes, lavadeiras, engomadeiras e parte
dos empregados em serviços de higiene pessoal), com os dados dos Censos
Demográficos de 1950 e 1960, chegou às estimativas de 1.889.000 e 2.115.000
pessoas ‘subempregadas’ para cada um desses anos” (Amorim, 1967, p. 59). O
exemplo acima é dramático, pois demonstra uma necessidade quase desesperada
de basear o raciocínio em figuras estatísticas, ainda que tomadas como estimativas e
mediante um tratamento cuidadoso. Note-se que, em geral, as tentativas de realizar
estimativas terminam por subordinar os conceitos às categorias, censitárias ou não,
para as quais existem dados estatísticos.
166 | Luiz Antonio Machado da Silva
secundárias e ideais.62
O primeiro deles situa a investigação ao nível do modo de
produção, procurando apreender as repercussões sobre a estrutura
de classes das relações capitalistas de produção.63 Basicamente, a
economia urbana é vista abrigando duas fases do regime capitalista:
“monopolista” x “competitivo”. O primeiro é hegemônico ou
determinante, no sentido de impor as condições de funcionamento
do sistema:
ão
assim confundindo e integrando tempos históricos distintos. Por
isso, é válido retomar neste ponto as considerações prévias acerca
aç
da funcionalidade da superpopulação relativa na fase monopolística
do modo de produção capitalista: é que aqui uma parte ainda muito
lg
mais considerável dela torna-se supérflua e constitui uma massa
vu
marginal em relação ao processo de acumulação hegemônico. Neste
sentido, se é certo que a indústria latino-americana está muito longe
di
62
Ver, por exemplo, os trabalhos de Cardoso e Reyna (1967), Cardoso e Faletto
(1970) e Lopes (1968), que oscilam, respectivamente, entre o primeiro e o segundo
tipo, e entre o segundo e o terceiro, adiante mencionados.
63
Pode-se citar, como exemplos característicos desse tipo de modelo, os trabalhos
contidos no vol. 5, nº 2, da Revista Latinoamericana de Sociología (1969). Uma
perspectiva equivalente, porém centrada nas relações de dependência e no
colonialismo econômico (interno e externo), encontra-se em Frank (1967).
Parte 2 Trabalho e cidade | 167
ão
o “tradicional” é formado pelo setor artesanal, pelos serviços e pelo
terciário em geral.
aç
Sem dúvida, as variações na precisão com que os setores
lg
da atividade econômica são distribuídos entre esses dois polos são
muito grandes. Discute-se a localização do setor “governo”; fraciona-
vu
se o terciário, distinguindo um “terciário primitivo” em oposição ao
di
64
Em trabalho bastante sofisticado, Nun (1969) distingue, no contingente de
trabalhadores não absorvidos, um segmento “funcional” para o processo de
acumulação capitalista (o exército de reserva) e um segmento “disfuncional”. A
maioria dos demais trabalhos identifica ambos os segmentos numa categoria
única, o exército de reserva. Mas, deslocando o eixo de referência, mantém a
ênfase nos aspectos negativos, pondo em relevo seus efeitos sobre a retração do
mercado consumidor. Esta, provocada pela redução dos salários decorrente de
um incremento “excessivo” do exército de reserva, representaria um freio para o
processo de acumulação capitalista.
65
Como exemplos desse tipo de modelo, por sinal o mais generalizado, ver CEPAL
(1966), Echevarria (1970), Lessa (s.d.); ver também os textos da CEPAL em Pereira
(1969b).
168 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
populações que não obtêm empregos nos setores modernos da
economia. As dificuldades integrativas são explicadas através de
aç
incompatibilidades e dificuldades culturais dessas populações, de
lg
modo que o descompasso “cidade x campo”, através das migrações,
ocupa lugar central no modelo:
vu
di
Vê-se que esta última linha de análise não constitui mais que
uma extensão da anterior, seja por assumi-la como pressuposto para
explicar as formações culturais que analisa, seja por considerá-la
a “outra face” – isto é, sua homóloga em temos econômicos – dos
processos que aborda.
De passagem, é interessante notar o decisivo papel que,
nesse modelo, representam as áreas faveladas. Não se trata de
considerá-las meros indicadores da marginalidade, porque elas são
entendidas, por definição, como receptáculos das populações não
66
Ver, principalmente, Pereira (1969b, introdução e pp. 83-168) e DESAL (1969).
Parte 2 Trabalho e cidade | 169
ão
apropriam-se dessa interpretação das favelas, utilizando-as como
indicadores, nas tentativas de dimensionar as camadas marginais.
aç
Mas não é apenas dessa maneira que se imbricam os diversos
lg
tipos de interpretação da marginalidade. Podem ser identificadas
significativas equivalências entre o primeiro e o segundo tipo de
vu
modelo, não obstante a forma altamente esquemática da apresentação
di
ão
empresa industrial moderna” do segundo, vistas conforme posturas
teóricas diversas.67 Igualmente, em termos do mercado de trabalho,
aç
a constituição dos grupos considerados marginais é a mesma,
apenas tomados diferentes níveis de análise; e a determinação dos
lg
processos que os geram e das consequências que apresentam para o
vu
sistema também se equivalem.
A respeito das repercussões dos segmentos marginais para
di
67
O primeiro tipo de modelo em raras oportunidades propõe explicitamente a
distribuição dos ramos de atividades entre os dois setores. Sem dúvida, porém, as
considerações em torno da introdução de novos processos tecnológicos, incremento
da produtividade, etc., deixam claro que, nas elaborações teóricas sobre o processo
de acumulação monopolística, o pensamento está voltado para a “grande empresa
industrial moderna” do segundo modelo.
Parte 2 Trabalho e cidade | 171
ão
“Terciário Primitivo”
Alta Produtividade) (Demais Ramos)
Serviços Básicos Terciário
aç
Setor Monopolístico Setor Competitivo
M T
O
D
I
P
Empresa
Monopolística
Empresa Não
lg
Monopolística
vu
E O Massa Marginal
L (Exército de
Assalariados Assalariados Reserva)
di
O 1 “Estáveis” “Instáveis”
(Exército de Reserva)
de
Industrial Moderna
D O Não Integrados
E
pl
Improdutivos
L 2 Mão de Obra Mão de Obra
Mão de Obra
O / “Integrada” “Semi-Integrada”
em
Marginal
3 “Produtiva” Baixa Produtividade
Ex
ão
e/ou da organização interna desses grupos. (A título de ligeira
ilustração, veja-se a parte final da seção “Aspectos do contexto geral
aç
das situações de trabalho”, no segundo capítulo desta dissertação.)
lg
Como consequência, a análise de seu nível de vida e de suas
oportunidades de trabalho adota como ponto de partida (ou melhor,
vu
como referência) os comportamentos usuais nos estratos superiores,
di
68
Não cabe neste trabalho uma comparação entre esses estratos em termos de sua
ação no mercado. De forma muito geral, é possível afirmar que, à medida que se
penetra no trabalho não manual, tendem a predominar as formas burocratizadas,
impessoais – ou, para utilizar a terminologia parsoniana, orientadas segundo
padrões universalistas, em que, por exemplo, as oportunidades de emprego
assumem alto grau de transparência: anúncios de jornais, concursos, definição e
comprovação formal de requisitos técnicos, etc. Deve-se considerar que outras
formas de comportamento e padrões organizatórios podem, de um lado, coexistir
com estas e, de outro, que isso não indica necessariamente mudanças essenciais
nas relações ou natureza do trabalho.
Parte 2 Trabalho e cidade | 173
ão
Ainda aqui, parece inegável que existem, de fato, fortes desníveis
de produtividade e, como consequência desse ponto de vista, uma
aç
certa insuficiência econômica. Mas a componente de “projeto” acima
lg
referida introduz nessas considerações uma referência externa
(“ocidental”). Os supostos de “produtividade mínima” e “equilíbrio
vu
intersetorial” necessários para “condições razoáveis” de vida, e
di
69
A expressão é retirada de Armstrong e McGee (1968, p. 389). Embora usado no
mesmo sentido geral, o objeto de análise e as conclusões desses autores diferem até
certo ponto das aqui apresentadas.
174 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
pelos quais as sociedades em desenvolvimento não logram seguir
o padrão evolutivo das sociedades desenvolvidas. Esses trabalhos
aç
são úteis, também, porque indicam com clareza que, muitas vezes,
não são tomados somente como referência, mas, ainda, como
lg
modelo para os aspectos de projeto das interpretações sobre os
vu
mercados de trabalho.
Outros trabalhos que têm a marginalidade como objeto
di
ão
na análise do tipo de mão de obra tratado neste trabalho.
Acredito que, no esforço de correção das deformações da
aç
análise provocadas pelos pressupostos já mencionados, dever-se-ia
lg
deter a atenção sobre duas ordens de considerações. Em primeiro
lugar, seria preciso rever as possibilidades de permanência e mesmo
vu
evolução do setor dito “tradicional” ou “não monopolista”.70
di
70
Em outro tipo de análise, tratar-se-ia de investigar o que Gunder Frank chamou de
“desenvolvimento do subdesenvolvimento” (apud Pereira, 1969a). A atenção sobre
esse aspecto da questão é difícil, porque a própria possibilidade alternativa está
muitas vezes fora do modelo, de modo que sua negação é assumida como premissa.
71
De passagem, nota-se que as análises agregadas, nivelando “por cima” a
produtividade e o nível de capitalização dos setores modernos/monopolistas, e
“por baixo” os tradicionais/não monopolistas, sofrem o risco de tomar em termos
absolutos o raciocínio que deve ser tendencial.
176 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
c) que, à exceção da Madeira e Mobiliário, todos os treze ramos
industriais estudados apresentam ganhos de escala entre 1939 e
aç
1962 (e não somente os chamados elementos novos da indústria de
transformação).
lg
Esses dados parecem insinuar que, sem prejuízo das
vu
vantagens que a evolução tecnológica de fato proporciona à grande
di
72
Esta possibilidade e suas implicações são discutidas, do ponto de vista teórico, na
primeira parte do excelente trabalho de Laclau (1969).
Parte 2 Trabalho e cidade | 177
ão
growth. Under conditions of modern technology, however, its
role is not likely to be that of a major source of new employment.
aç
Rather, it will tend to generate the effective demand leading to
employment expansion in other sectors. This multiplier effect
lg
is apt to be much more significant than any direct contributions
vu
that the manufacturing sector can make to the alleviation of mass
unemployment (Galenson, 1963, pp. 506-507).
di
(Ibid., p. 516).
em
73
“Gonflé”, no original. A expressão é usada no mesmo sentido que “terciário
primitivo”.
178 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
and truck the bicycle […] before assuming the existence of vast
unemployment which completely destroys the meaning of tertiary
aç
employment, one must ask this question: in the absence of public
or private charity, how do all of the presumptively unemployed
keep alive? (Galenson, 1963, p. 516).
lg
vu
Cumpre não esquecer que, como se viu no capítulo 2,
di
74
A relevância desse aspecto foi percebida através de diversas comunicações
pessoais do prof. A. Leeds.
75
Não se deve esquecer que o traço de “invisibilidade” jurídico-institucional de
boa parte desses contingentes e das próprias atividades aumenta sua viabilidade
econômica. Em certos casos, é esta condição de “invisibilidade” que responde pelas
possibilidades de competição do mercado.
76
Deve-se a Roger Walker, em diversas comunicações pessoais, a percepção
da importância do tratamento dos modelos de subsistência como veículo de
entendimento desses problemas.
Parte 2 Trabalho e cidade | 179
ão
sistema econômico este ramo de atividades tem sido genericamente
visto como “anteparo” ou “esconderijo” de grupos marginais,
aç
algo idêntico ocorre com as favelas na análise das áreas urbanas.
lg
Acredita-se, porém, que – da mesma forma que o terciário como um
todo (e bem assim uma parcela de seu segmento “primitivo”) não é
vu
um mero resíduo – a favela como organização tem uma duplicidade
di
Conclusões
pl
77
Para uma análise bem mais detalhada das favelas sob esse ponto de vista, ver
Machado da Silva e Santos (1969). A respeito da falta de homogeneidade das favelas,
que torna discutíveis suas caracterizações em termos unitários, ver as referências
da seção “O continuum de empregos” (cap. 1 deste trabalho). Ver ainda Silberstein
(1969).
180 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
em relação ao nível de controle do mercado dos trabalhadores delas
dependentes. Por sua vez, a simples participação de um emprego no
aç
mercado formal pouco diz sobre suas perspectivas de estabilidade.
lg
Assim, a estabilidade do emprego/ocupação pouco tem a ver com os
níveis diferenciais de formalização nas diversas áreas do mercado
vu
de trabalho.
di
ão
de vida das pessoas envolvidas seja baixo; b) apesar das amplas
variações quantitativas, existe uma forte homogeneidade entre os
aç
estilos de vida da totalidade dos trabalhadores considerados no
presente trabalho.
lg
vu
6. Isto remete a um tipo muito generalizado de interpretação, que
di
Introdução
ão
e as limitações da pesquisa possam ser mais bem apreendidos, são
aç
necessárias algumas observações introdutórias, tanto em termos de
seu conteúdo substantivo quanto do método utilizado.
lg
Em primeiro lugar, uma palavra a respeito da noção
de “estratégia de vida”.3 Em termos amplos, pode-se dizer que
vu
seu conteúdo central é o reconhecimento de que as pessoas se
di
sociológico da noção.
Outro aspecto importante a considerar a respeito da noção
de estratégia de vida é o fato de que os padrões de comportamento
Ex
1
In: L. A. Machado da Silva (coord.). 1978. Estratos ocupacionais de baixa renda. Rio
de Janeiro: IUPERJ. pp. 11-20 e 171-182. Além do autor, participaram de todas as
fases da pesquisa, desde a coleta até a interpretação, Ademir Figueiredo, Filippina
Chinneli, Laureta Copello e Nizete do Nascimento.
2
A seleção dessas ocupações foi elaborada pela Divisão de Estudos Demográficos da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a partir da análise de
dados censitários. Neste livro, foram selecionadas apenas as ocupações de pedreiro
e servente de pedreiro.
3
Note-se que, com a discussão que se segue, não pretendo elevar essa noção ao
status de conceito. Reconheço que ela tem apenas valor heurístico.
184 | Luiz Antonio Machado da Silva
vida social. Desta maneira, não teria sentido pensar, como querem
alguns cientistas sociais, num “mundo do trabalho” dotado de
grau de autonomia que permitisse isolá-lo, ainda que para efeitos
analíticos. Além do mais, olhando-se o problema da articulação dos
mencionados padrões alternativos de comportamento sob outro
ângulo, é possível dizer que, embora se possam perceber escolhas
individuais, toda a experiência de pesquisa demonstra que é ao nível
da família que se pode aprender a lógica dessas opções,4 ao menos
entre os grupos estudados.
Um segundo ponto que precisa ser mencionado a respeito
dos objetivos do presente capítulo centra-se nas relações entre as
ão
ocupações selecionadas e o mercado de trabalho como um todo. É
desnecessário dizer que elas estão intimamente relacionadas com
aç
uma ampla variedade de outras ocupações – não obstante sejam,
lg
devido ao próprio critério de seleção, majoritárias entre os grupos
investigados –, tanto em termos estruturais quanto das carreiras dos
vu
trabalhadores individuais e suas famílias. Assim, seria preciso que a
di
4
Deve-se notar que, com isto, não pretendo insinuar que exista um modelo único de
organização familiar entre os grupos estudados.
Parte 2 Trabalho e cidade | 185
ão
análise, de bairros populares, partindo do pressuposto de que neles
se concentraria a massa dos trabalhadores que exercem as ocupações
aç
selecionadas, bem como as demais ocupações que compõem o
lg
mercado de trabalho potencial para os estratos subalternos. A
partir da análise de dados secundários, entrevistas com técnicos,
vu
experiência pessoal de alguns pesquisadores e visitas a diversos
di
ão
a) Comunicação de que a pesquisa seria realizada, ou
permissão para sua realização. O primeiro caso ocorreu
aç
quando a instituição não era controlada pelos moradores,
e o segundo, quando era.
lg
b) Exposição a mais sucinta possível dos objetivos da
vu
pesquisa, agregando-se detalhes apenas à medida que
di
ão
claramente percebido pela leitura dos capítulos especificamente
destinados à sua análise.5 Por outro lado, não se pode deixar
aç
de mencionar a grande quantidade de material coletado sobre
lg
uma série de outras ocupações que fazem parte do mercado de
trabalho dos grupos estudados.
vu
Outro fator que também contribuiu para variações no
di
5
Não obstante isso, apenas para duas ocupações a análise ficou ligeiramente
empobrecida por uma relativa carência de dados: balconistas e vendedores
ambulantes.
188 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
pesquisa social, seguem-se breves descrições dos bairros estudados.
aç
Bairro A
lg
Trata-se provavelmente do mais central dos bairros pobres
vu
do Recife. Não se sabe ainda a quem pertencem as terras que o
di
ão
que a grande maioria das habitações é muito precária, os danos
materiais envolvem a perda do próprio barraco. Alguns barracos até
aç
hoje estão sendo reconstruídos ou reforçados em função da última
lg
cheia, ocorrida em agosto de 1975 [o relatório é de 1978] com
material distribuído pela comissão de moradores, o que pode ser
vu
considerado um indicador do nível de pobreza de seus habitantes.
di
centralidade do bairro.
ar
Bairro B
pl
Isso aqui era tudo mato. Isso aqui [apontando um largo na frente
da casa] era o campo de jogo de futebol. Não tinha casa, não tinha
nada. Só tinha essas casas aqui… e uma casa aqui desse lado, aqui
encostado na minha casa e o mais tinha… [nome do rio] para a gente
lavar a roupa… Mas acabou tudo nesse pouco tempo que estou aqui
[cerca de 20 anos], acabou tudo. Essas casas aqui, não tinha. Tinha
ão
casas, casinhas, tapera, mucambo… Aqui não tinha casa boa, nem
rodagem. Não tinha nada. Por modo de ladrão, e gado brabo que
aç
tinha aqui dentro, solto. Era mato, era mato… Esse rio era muito
bom.
lg
vu
Em mais da metade dessa área (ainda existem mucambos),
há construções da Companhia de Habitação (Cohab), substituindo
di
alinhamento para cá, mas a rua vem aí. Fizeram esses mucambos
pl
Bairro C
O depoimento que se segue resume as informações obtidas
sobre o bairro:
ão
de pés até aqui e este terreno era tudo mato. Vieram as máquinas,
limparam tudo, marcaram os terrenos e todos ficaram contentes.
aç
Isso foi em 1963. Assinamos um contrato, custando cada terreno
desses 22 contos e a gente ficou pagando Cr$ 1,00 por mês. Até hoje
lg
a gente paga. E não recebemos mais comunicação até hoje. A gente
faz qualquer negócio, vende, troca e paga todos os impostos. Só não
vu
tem a propriedade dos terrenos. Quando chegamos aqui não tinha
luz, nem água. Era areia. Apareceu um candidato e botou barro.
di
Bairro D
Este bairro, bastante antigo, localiza-se no início de uma das
“áreas ricas” da cidade. Talvez por isso venha sofrendo há muitos
anos ameaças recorrentes de remoção. No momento, por exemplo,
uma das regiões do bairro (a mais pobre) está sendo objeto de
estudos de um órgão municipal, com vistas à sua extinção.
Basicamente, existem três setores no bairro, dos quais
dois com denominação própria. Um deles apresenta moradias
muito precárias, localizando-se em zona de maré. A pobreza e os
problemas de desemprego nessa área são prementes. Além disso,
192 | Luiz Antonio Machado da Silva
tudo leva a crer que uma boa parcela dos moradores do local sofre
forte processo de mobilidade descendente. O outro setor do bairro
apresenta condições muito melhores, situando-se em terreno seco e
possuindo algumas habitações de boa qualidade (embora o número
de barracos de madeira seja alto). Quanto ao terceiro setor, não
possui uma denominação própria. Pelo contrário, na medida em que
se compõe das casas de qualidade bastante boa, inclusive algumas
com mais de um andar, seus moradores procuram desvinculá-lo do
bairro, dando-lhe o nome do bairro contíguo.
De qualquer forma, toda a área apresenta, como a maior
parte dos demais bairros selecionados, problemas com relação à
ão
propriedade da terra que, neste caso, é de propriedade da Marinha e
de duas outras pessoas.
aç
Bairro E lg
vu
Este bairro cobre uma área muito extensa, dividida em
di
centro da cidade.
No caso do setor estudado, a ocupação deu-se principalmente
no cume, sendo que, mais recentemente, têm sido construídas
também habitações nas encostas, onde os terrenos são mais baratos.
No cume da elevação, o preço de um lote varia de 8 a 12 mil cruzeiros.
Não existe água encanada, de maneira que a grande maioria das casas
dispõe de cacimbas, construídas por moradores do local, que podem
chegar à profundidade de cerca de 30 metros. Embora existam
algumas casas de alvenaria, a maior parte das construções é de
taipa, sendo que não há nenhuma rua calçada. Trata-se de uma zona
basicamente residencial, com um pequeno comércio complementar,
ao qual os moradores costumam recorrer apenas em casos de falta
Parte 2 Trabalho e cidade | 193
ão
A situação do mercado de trabalho
aç
A dificuldade de encontrar emprego é a tônica no que se
lg
refere à construção civil, tanto nos depoimentos que fazem uma
apreciação do mercado em geral, quanto naqueles que dizem
vu
respeito especificamente à profissão de pedreiro. O seguinte trecho,
di
6
Outro exemplo, este patético, de referência genérica à construção civil: “a
construção civil é uma indústria de fazer viúva” (o entrevistado referia-se aos
problemas de segurança do trabalho).
194 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
recebe, é capaz de passar privação.
aç
Quanto às referências mais detidas na situação específica de
pedreiro, o trecho a seguir indica claramente que as características
lg
gerais de instabilidade dos empregos na construção civil são
vu
percebidas de maneira quase fatalista pelos trabalhadores:
di
pl
pode ser vista nesta passagem: “Aí, eu sei que eu… na vida de… de
produção de pedreiro tinha descoberto muita coisa. Depois que eu
comecei a trabalhar de pedreiro tinha descoberto muitas coisas.
Ex
está muito ruim demais, porque todo mundo hoje, depois que
inventaram essas casas populares, todo mundo hoje é pedreiro,
todo mundo hoje é carpinteiro”.
Assim, a “invenção das casas populares” (provável
referência à atuação do Banco Nacional de Habitação – BNH) é vista
negativamente, como um fator que dificulta a consecução de emprego:
“todo mundo hoje é pedreiro”. Aparentemente, é uma afirmativa
absurda, uma vez que, aumentando o número de construções,
aumenta também, por via de consequência, a demanda de pedreiros
e outros profissionais. No entanto, a continuação do depoimento
explica esta aparente contradição através de uma forte denúncia das
ão
distorções que um súbito aumento na demanda de força de trabalho
pode provocar sobre a estratificação interna da profissão. Embora
aç
longo, o trecho merece ser transcrito, pois lança luz a uma série de
lg
aspectos-chave no desempenho da ocupação, alguns dos quais serão
retomados adiante:
vu
di
né? Quando ele… porque… ele vai como um pedreiro feito, né? Aí, o
pedreiro entende do negócio, bota ele na linha. Ele vai trabalhando
botando tijolo na linha. Quando ele sai dali, ele não quer trabalhar
ar
para ele assinar a carteira dele como pedreiro, né? Trabalha quatro,
cinco meses. Aí, o cara assina a carteira dele como pedreiro, né? […]
O lugar está pequeno e a população está grande demais. Onde essas
Ex
casas de vila… tem vila que só […] e estes… serv… esses pedreiros
que estão agora são serventes, né? Servente prático. Começa a
trabalhar, classifica a carteira logo, né? Aí, quando sai dali, já sai
aliado com os outros companheiros dali. Sai um servente prático. Já
amanhã sai como um pedreiro, né.
Assim, o que o entrevistado afirma nada mais é do que o fato
de que a grande oferta de mão de obra desqualificada, com o advento
do BNH, rompeu as comportas do conhecimento profissional.
Acionando conhecimentos pessoais, esse contingente rapidamente
consegue reconhecimento legal como profissional, inflacionando,
com isto, a oferta de trabalho, que antes se limitava a um pequeno
196 | Luiz Antonio Machado da Silva
número de trabalhadores.7
ão
as comparações entre o Nordeste e o Sul do país, todas ressaltando
a especialização reconhecida neste e a necessidade de diversificação
aç
de conhecimento naquele. É provável que este tipo de depoimento
lg
corresponda a uma idealização da qualidade da força de trabalho
nordestina e, portanto, dos conhecimentos profissionais do
vu
entrevistado.8 De qualquer forma, tais comparações são estratégicas
di
7
É claro que esse depoimento pode não significar mais do que um lamento pessoal
que reflete as condições gerais que de há muito prevalecem. No entanto, não resta
dúvida de que é coerente. No mínimo, o argumento merece estudo mais detalhado.
8
A experiência indica que, no sul do país, são muito comuns afirmativas do tipo
“um bom profissional não se aperta”, que também sugere uma diversificação de
conhecimentos.
Parte 2 Trabalho e cidade | 197
nunca fui não – mas, pelo que o pessoal conta, no Rio é uma mãe
a profissão de pedreiro. Aqui é muito ruço. Aqui o pedreiro tem
que trabalhar na alvenaria, reboco, massa grossa, massa fina, botar
gracita […] botar mármore, botar azulejo, pastilha, granito, tudo
que o pedreiro faz. No Rio, não. O pedreiro no Rio de gracite é de
gracite, de mármore é de mármore, de estuque é de estuque, massa
fina é de massa fina, massa grossa é de massa grossa. Aqui não. Aqui
a gente tem que saber de tudo. Eu trabalho na pedra. Eu boto pedra
passejada, marroada, boto gracite, boto azulejo, boto mármore, e
tudo na profissão de pedreiro. Aqui tudinho eu tenho feito.
ão
Dois outros aspectos são também constantemente referidos.
O primeiro deles é saber ler planta:
aç
Agora, entendia de planta. Veja bem, entendia de planta […]
lg
Tem escala, tudo… tudo. Daquilo eu entendia […] Certa vez, eu…
conversando com meu tio, aí eu disse pra ele: “Por que [nome]
vu
ganha mais do que todo mundo?” “[…] Agora tem uma coisa, ele faz
o que você não faz, ele lê planta”.
di
de
empregadores.
ão
de novo, deixa lá. É assim, né? Sempre o dinheiro vai na frente.
aç
Na percepção do saber profissional do pedreiro, um dos
pontos fundamentais é a noção de prática. Isto implica que, quanto
lg
mais tempo de trabalho “no ramo” a pessoa tem, tanto melhor
vu
profissional tenderá a ser. Isso só não acontece por algum desvio
do desenvolvimento natural (prática) da pessoa – desinteresse,
di
Aí, vai ver que aprende assim, por intuição e por necessidade. Que
ele tem que melhorar a vida dele e tal, não tem curso. Vou mais
além: não se faz pedreiro por curso […] Homem profissional ele
tem que ter prática. Esse negócio de pegar… pega um homem que
nunca entrou dentro da construção civil, dá um curso a ele de
duzentas horas para fazer dele pedreiro, não faz nunca […] Não faz
nunca. Entendeu? Pode-se fazer curso para aprimorar… técnicas de
ão
desenvolver… Aí, sim… pegar os serventes já aprendiz […] Então…
aprender por técnica, aí está certo. O curso funciona. Mas ninguém
aç
vai me dizer que pega um homem aí que nunca pisou dentro da
construção civil, vamos dar uma aula de duzentas horas a ele, ver
lg
se esse homem sai pedreiro. Sai nunca, entendeu?
vu
Todas as considerações feitas nesta seção deixam claro que
di
9
Diferentes termos são usados para designar esta mesma hierarquia básica. Veja-se,
por exemplo, a expressão “meia-colher” para indicar o meio profissional. Note-se
também que, dentro de cada um desses níveis, há ainda outras distinções mais sutis
(sempre a partir de diferenças de habilidades), mas que, por isso mesmo, não têm
uma aplicação consensual e apenas raramente afetam o salário.
200 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
bem esse ponto:
aç
(Entrevistador: Mas o senhor já era pedreiro ou…) Entrevistado:
lg
Não, nada, nessa época fiquei trabalhando de pedreiro. Mas, como
aprendiz, não tinha carteira classificada, não. (Entrevistador:
vu
Agora, o aprendiz faz o quê?) Entrevistado: O aprendiz trabalha
como pedreiro que é para… exercendo a função do pedreiro. Agora,
di
profissional.
pl
passa por um teste prático, de modo que a sua habilidade possa ser
aferida:
Ex
10
Em seção anterior deste livro, a classificação da “carteira” foi discutida em maior
detalhe.
Parte 2 Trabalho e cidade | 201
A prática da profissão
ão
Então ele vê que está trabalhando mais duro e recebendo menos.
aç
Então, ele se interessa para aprender a… pedreiro. Então ele vai ali
e tal. O pedreiro quando larga a colher e tal, ele pega e tal, joga a
lg
massa e tal. Vai ali ajeitando e tal…
vu
No que se refere ao auxílio prestado por colegas de trabalho,
di
sabe? Que ele não dava saber dele a ninguém, mas antes ele queria
em
aluno ele não queria mais trabalhar com aquele aluno […] Porque
ele dizia: “Porque o aluno já foi, já sou professor dele. E ele vem
trabalhar comigo quer dizer que ele já sabe… mais para frente, ele
quer me botar para trás. Ele lá aprende mais do que eu”.
Por parte do novo profissional, existe também a ideia de que,
para receber pleno reconhecimento, ele precisa sair da empresa onde
aprendeu a profissão: “Então, a partir desse meu tio, todo mundo só
me enxergava ali como um… um principiante […] e foi preciso eu dar
uma saída. Saí com anos depois quando eu já sabia, me sentia mesmo
pedreiro… fazia tudo em construção”.
ão
Existe ainda uma outra área em que se faz necessário um
certo tipo de aprendizagem que não se relaciona propriamente com
aç
conhecimentos técnicos, nem se localiza no âmbito do mercado
formal de empregos. Trata-se da habilidade do profissional em,
lg
como clandestino, calcular o preço do serviço a ser executado
vu
(empreitada), de modo a ter uma margem de lucro que seja aceitável
tanto para ele próprio quanto para o consumidor potencial:
di
um serviço de valer… seis milhões, ele não vai pedir seis milhões…
Ele vai pedir oito ou nove, que é pro cara quando o dono do… o dono
pl
Às vezes, eu tomava café aqui. Aí, me jogava, né? Aí, saí… andando
Parte 2 Trabalho e cidade | 203
ão
algumas ocasiões empregou-se com carteira assinada (era servente)
e, em outras, trabalhou como “clandestino”.
aç
Como foi dito acima, ter um “padrinho” ou “pistolão” é o
padrão alternativo:
lg
vu
Tem vez que a gente chega numa obra assim, está precisando e
eles não botam [a gente para trabalhar]. Eu acredito… é pistolão, o
di
aqui mais um tempo, você ia ver qual é o problema […] Isso é uma
nojeira, pistolão como diz.
ar
ão
civil em geral, e na ocupação de pedreiro, em particular). Nesta
situação, qualquer tipo de trabalho é aceito:
aç
lg
Aí, eu tinha que me virar. Tinha que ir à maré pegar caranguejo,
para vender. E, contudo, que a boia… da tropa não faltava, né?
vu
Dos meninos não faltava. Eu ia pegar caranguejo, ia para a maré,
pegava, ia trabalhar em cima do caminhão… carregar material para
di
Observação Final
pl
Os textos que se seguem apresentam marcantes diferenças,
seja em termos do tipo de cidade a que se referem, das características
dos grupos estudados, seja dos respectivos objetos de análise. Trata-
se, claramente, de artigos heterogêneos, de modo que esta introdução
não pretende unificá-los. Não obstante esta advertência, seria difícil
negar que todos os trabalhos indicam que é em torno do salário que
ão
se estruturam as atividades dos diversos grupos de trabalhadores
aç
a que fazem referência. Essa afirmativa é verdadeira tanto para os
estudos que giram em torno de operários – isto é, trabalhadores
lg
fabris assalariados – quanto para os que analisam diversos tipos de
trabalhadores que, em uma primeira aproximação, poderiam ser
vu
pensados como “produtores independentes”.2 Inequívoco exemplo
di
vida dos membros dos diversos grupos estudados. Este ponto será
retomado adiante.
Ex
1
Leite Lopes, José Sergio; Machado da Silva, Luiz Antonio. 1979. “Introdução:
estratégias de trabalho, formas de dominação na produção e subordinação
doméstica de trabalhadores urbanos”. In: J. S. Leite Lopes et al. Mudança Social no
Nordeste: a reprodução da subordinação. Rio de Janeiro: Paz e Terra. pp. 9-35.
2
Não há como negar a imprecisão desta expressão, motivo pelo qual vem colocada
entre aspas. Na realidade, ela pretende apenas indicar diversas formas de trabalho
que não geram mais valia, associadas a distintas “formas de produzir”, como se
verá adiante. Embora existam importantes trabalhos que procuram elaborar uma
tipologia das formas de produzir não capitalistas – veja-se, por exemplo, Jelin
(1974a, 1974b) –, dentro dos limites do presente trabalho qualquer tentativa de
fazê-lo seria precipitada. A este respeito, consulte também Alvim (1972), onde é
retomada a distinção entre “modo de produção em sentido amplo” e “modo de
produção em sentido restrito”, de importância central na eventual elaboração da
mencionada tipologia.
206 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
o salário pela via da hora-extra (quando permanece a subordinação
direta ao capital), seja quando ele aumenta sua remuneração global
aç
associando o trabalho assalariado a formas não capitalistas de
lg
produzir. Em segundo lugar, pela incorporação de outros membros
da família a atividades que geram remuneração (através de relações
vu
assalariadas ou da “produção independente”). Do ponto de vista
di
ão
pelas classes populares).
Neste ponto, são necessárias algumas referências a um
aç
importante e já clássico, apesar de recente, trabalho de Francisco de
Oliveira – cuja tese central reforça o presente argumento.3 Embora
lg
este não seja o lugar para uma análise exaustiva das interpretações
vu
contidas no referido artigo, os trabalhos que se seguem permitem
discutir e qualificar alguns de seus pontos. Assim, uma das bases
di
3
“É possível perceber que o elemento estratégico para definir o conjunto de relações
pl
ão
força de trabalho é coberta, como indicam os textos que se seguem,
seja pela extensão da jornada de trabalho do trabalhador individual,
aç
seja pela socialização ao nível da família dos custos de reprodução.
lg
Além disso, para que se entenda corretamente a dinâmica
das formas não capitalistas de produzir a que se refere Francisco de
vu
Oliveira, seria preciso evitar interpretá-las, como faz o autor, como
di
ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu
resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força
de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante – e
para deprimir os salários reais pagos pelas empresas” (Oliveira, 1972, p. 31).
5
“A solução [para a exiguidade inicial dos fundos disponíveis para a acumulação] é
encontrada fazendo os serviços crescerem horizontalmente, sem quase nenhuma
capitalização, à base de consumo quase único da força de trabalho e do talento
organizatório de milhares de pseudo pequenos proprietários, que, na verdade, não
estão mais senão vendendo sua força de trabalho às unidades principais do sistema,
mediadas por uma falsa propriedade que consiste numa operação de pôr fora dos
custos internos de produção fabris a parcela correspondente aos serviços” (Oliveira,
1972, p. 39).
Parte 2 Trabalho e cidade | 209
ão
faz Francisco de Oliveira (Cf. nota 3), que – por exemplo – o item
habitação é parcialmente coberto por trabalho não pago, na
aç
medida em que muitas residências são construídas pelos próprios
lg
proprietários. Neste caso particular, seria mais correto afirmar que
uma parcela das residências das camadas populares é produzida por
vu
produtores independentes a baixo custo, e num ritmo compatível
di
vez que a venda a varejo, nestes casos, é quase sempre feita a preços
pl
ão
exemplo, no caso mencionado de produção de peças para a indústria
–, em outras é a própria remuneração dos trabalhadores que garante
aç
sua permanência – como no contexto do trabalho a domicílio e no
pequeno comércio.
lg
Finalmente, deve-se notar que as referências a forças
vu
capitalistas e não capitalistas de produzir não têm, necessariamente,
di
6
Dito de outra maneira, o que se está sugerindo é que as formas não capitalistas de
produzir devem ser analisadas a partir de um enfoque que evite dois tipos de erro.
O primeiro deles, já bastante criticado, parte da noção de uma espécie de “dualismo
urbano”: tratar-se-ia de um setor da economia (e, portanto, de uma parcela da força
de trabalho) não integrado à produção moderna. O segundo, que provém talvez
de uma reação exagerada a essa perspectiva, dilui as formas não capitalistas de
produzir, transformando-as numa mera camuflagem, para relações de produção
capitalistas – como parece ser o caso do artigo mencionado de Francisco de Oliveira.
7
Os textos mais conhecimentos são os de Nun (1969) e Quijano (1966, 1973).
Parte 2 Trabalho e cidade | 211
***
Dentre as duas situações polares indicadas no início deste
artigo, o que significa a “completa dependência do capital”? Esta
expressão estaria designando aqui a situação de fábrica com vila
operária, em que, então, a “completa dependência” se referiria não
somente àquela que se estabelece entre o produtor direto e o seu
ão
patrão ao nível do trabalho, mas também à que se estabelece, entre
esses mesmos atores, ao nível da moradia; não somente, portanto,
aç
com relação à produção, mas o capital controlando também a
lg
própria materialização da reprodução do trabalhador. (Essa situação
constitui o quadro de referência de três dos artigos que se seguem,
vu
o de Jorge Eduardo Saavedra Durão, o de M. Rosilene Barbosa Alvim
di
8
Cardoso (1972, p. 180) coloca de forma particularmente clara a questão num artigo
em que comenta os trabalhos mencionados na nota anterior: “Aqui, novamente
pl
ão
no proletário fabril “clássico”, vendendo sua força de trabalho em
contrapartida de uma remuneração fazendo subsistir a si próprio e
aç
sua família –, tal produtor direto seria o único a trabalhar no seu
lg
grupo doméstico, o qual viveria somente do salário que lhe advém
de sua única ocupação.
vu
Assim, se por um lado o significado mesmo da expressão
di
ão
possibilidade do pequeno comércio de bairro, quer na feira, quer
em barracas isoladas nas ruas; as diversas modalidades de trabalho
aç
doméstico que revertem em um minicomércio vicinal (Cf. Alvim,
lg
1972); são algumas dessas formas de trabalho “independente”
exercidos no seio mesmo do território da fábrica com vila operária.
vu
A amplitude daquilo que vai designado aqui como formas de
di
fábrica para exercer sua atividade, concessão esta que poderia vir
a ser cassada a qualquer momento. Tal seria o caso com relação
em
ão
“trabalho sob domínio do capital” e “trabalho independente” pode ser
encontrado na plantation tradicional, na relação entre proprietário
aç
e morador, contrariando as aparências de um domínio completo da
lg
vida cotidiana do morador pelo proprietário. Estabelece-se ali um
“contrato” informal em que, como contrapartida do usufruto de uma
vu
casa – e uma casa que inclui parte das condições para satisfação das
necessidades de consumo da casa: terreiro para criação de animais,
di
ão
prestando-se, entretanto, mais dificilmente a esse controle, não
representando a ameaça que constituem terras de propriedade de
aç
fábrica, ocupadas por uma pequena agricultura de “quintal”, e desde
lg
que não façam concorrência a uma forma de barracão dificilmente
operante em áreas próximas a cidades maiores, parecem ter um
vu
destino inverso ao dos roçados operários. Enquanto estes últimos
di
9
Utilizamos, para os fins deste artigo, as expressões “submissão formal do trabalho
ao capital” e “submissão real do trabalho ao capital” constantes na tradução francesa
do “capítulo inédito do Capital”, em vez das expressões provavelmente mais corretas
de “subsunção formal” e “subsunção real do trabalho ao capital” (Cf. Marx, 1971, pp.
191-223). Ver também a noção de apropriação real em Balibar (1971).
216 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
formas capitalistas dominantes. Lá, este argumento batia-se contra
o achatamento provocado pela noção de “pseudoproprietários”
aç
aplicada a trabalhadores por conta própria; aqui, ele se bate pelo
lg
reconhecimento da especificidade histórica de diferentes formas de
subordinação de trabalhadores fabris ao capital. A especificidade
vu
do caso em análise, de trabalhadores subordinados ao sistema
di
formas permitidas por ela em seu território, são não somente formas
“camponesas” ou “mercantis simples”, mas também formas “servis”:
tanto o roçado como o pequeno comércio dependem, para serem
ar
ão
legitimidade dessa administração pela fábrica não só do processo
de produção fabril, mas da própria reprodução do trabalhador,
aç
garantindo, à semelhança da plantation tradicional, um “pleno-
lg
emprego diferenciado” (Cf. Palmeira et al., 1977), tem seus pontos
positivos explicitamente atuais, quando comparam aquela situação
vu
passada à atual escassez de emprego e à maior dependência a um
di
de mercado que não a feira controlada pela fábrica, luta esta que
pl
ão
lado, se o salário no quadro da dominação fabril tem por efeito
esconder – através de sua forma mercantil, como relação entre dois
aç
livres contratantes – a materialização mesmo dessa dominação,
lg
escondendo também o seu resultado, a extração da mais-valia,
menor relevância analítica tem ele tanto na análise da fábrica com
vu
vila operária em que a dominação da fábrica – mediada pelo que
poderia ser considerado, da ótica do salário, como salários in natura
di
***
ão
visando efeitos de abrangência dos grupos mais representativos
do proletariado urbano nordestino, os textos, no entanto, referem-
aç
se a um leque tal que abarca alguns dos principais segmentos da
lg
massa proletária historicamente existente naquela região, desde os
operários das fábricas com vila operária; passando pelos operários
vu
trabalhando em pequenas oficinas, onde exercitam, com perfeição
di
10
Para permanecermos nos autores já citados, poderíamos tomar o artigo
sobre “acumulação capitalista, Estado e urbanização” de Oliveira (1976) como
representativo dessa tendência que aqui criticamos, paradoxalmente inspirados,
para essa crítica, no artigo sobre a “crítica à razão dualista” do mesmo Oliveira –
artigo cuja tese central reforça o nosso argumento e que em diversas passagens
coincide com as análises presentes nos artigos que se seguem e nesta introdução
– e em passagens do seu livro sobre o “planejamento e o conflito de classes” (Ibid.,
1977), os quais, não tratando do proletariado e do campesinato como manifestações
de um fenômeno universal já definido a priori pelas leis escolásticas do estudo do
capital da ótica do capital, fazem, ao contrário, análises mais sugestivas sobre os
produtores diretos brasileiros do ponto de vista da força de trabalho.
220 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
“descampesinamento” – sustentado por um aliciamento direto de
mão de obra pela fábrica no campo, provocando secundariamente um
aç
“aliciamento” espontâneo de novos membros por parte das famílias
lg
operárias – que só existe para ser transformado imediatamente
em um processo de “obreirização”. Não queremos dizer que
vu
o “campesinato” passou necessariamente por um período de
di
ão
modificando a composição técnica do capital, sofridas por essas
fábricas, quanto com a exiguidade relativa de empregos oferecidos
aç
pelas fábricas instaladas na era pós-Sudene –, em geral, eram não
lg
somente submetidos à administração da empresa no processo de
trabalho, mas também na esfera doméstica e de reprodução do
vu
trabalhador. Deste modo, a fase de apogeu das fábricas consideradas
di
ão
lançando mão de vagas de dispensa de mão de obra decorrentes
de reorganizações no processo produtivo levadas a cabo com tanto
aç
mais impetuosidade quanto a atividade sindical dos operários vem
lg
quebrar aos olhos da fábrica o equilíbrio “patriarcal” anterior.
O processo de “desobreirização” que é correlativo à
vu
decadência das fábricas com vila operária desemboca em três vias
di
ão
das máquinas e da cooperação fabril poderão trabalhar nas
inúmeras oficinas de reparação e manutenção que proliferam nas
aç
grandes cidades da área. Em particular as oficinas de reparação
lg
de automóveis, com a instalação da indústria automobilística no
Sul, destacam-se dentre essas oficinas (Cf. Oliveira, 1972, p. 28),
vu
assim como as de fabricação de artigos utilizados pela população
di
ão
em desvencilhar-se desse controle sobre a esfera doméstica de
seus trabalhadores, representando um custo que, para elas, começa
aç
a pesar em vista da concorrência com um estilo de acumulação de
lg
capital que se desenvolve sem os entraves decorrentes de despesas
na manutenção de vilas operárias e de propriedades territoriais. Com
vu
efeito, as novas fábricas não exercem nenhum tipo de controle sobre
di
ão
“desobreirização”, que é desdobrado na recriação de formas
de “trabalho independente”, seja ao nível do comércio, seja ao
aç
nível artesanal, e no surgimento de uma nova camada operária
lg
não submetida ao nível da esfera doméstica, mas sim às formas
intensificadas de exploração das novas fábricas. Tal processo parece
vu
guardar algumas semelhanças com o de transformação da plantation
di
ão
é ocupada por todo um grupo social significativo que sofreu uma
piora no seu nível de vida por ter sido privado de suas condições
aç
habituais de trabalho. Nesse processo de “desobreirização” – que
lg
parece ter atingido o seu auge após 1964 com a demissão dos
operários de questão, com os poderes concentrados nas fábricas
vu
para introdução de reorganizações da produção poupadoras de
di
ão
da família da classe trabalhadora (Cf. particularmente o artigo de
Barbosa Alvim). A família proletária, além de administrar, entre seus
aç
diversos membros, atividades “invisíveis” aos olhos do mercado,
lg
como as atividades de complementação alimentar através do roçado,
ou através da pesca do caranguejo (Cf. o artigo de Barbosa Alvim),
vu
e como as atividades ligadas ao trabalho a domicílio (Cf. o artigo
di
***
Ex
Nas diferentes transformações por que passam os diversos
grupos de trabalhadores nesse contínuo processo de formação de
um proletariado urbano, parece ser relevante, para a determinação
do sentido das mudanças sofridas por um determinado grupo, a
importância que tenha a profissão na sua situação de trabalho.
Assim, no processo de decadência das antigas fábricas, o sentido
da “desobreirização” que sofrem os trabalhadores a elas vinculados
dependerá da profissão que desempenhavam na fábrica: para que
o trabalhador possa exercer suas atividades no ambiente artesanal
das pequenas oficinas, ele terá de possuir uma profissão que possa
228 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
e fabricação de ferramentas fora do trabalho fabril. Diversamente, a
maior parte dos operários das fábricas têxteis, profissionais como os
aç
tecelões que dependem das máquinas e, portanto, das fábricas para
lg
exercerem sua profissão, tem o sentido de sua “desobreirização”
voltado geralmente para o pequeno comércio, embora muitos tentem
vu
outras profissões do proletariado urbano, como, por exemplo, a de
motorista. Assim, também os ajudantes-gerais das novas fábricas
di
ão
operários “produtivos” que operam as máquinas, particularmente
os tecelões – voltada para um outro tipo de profissional, dependente
aç
das máquinas e da cooperação fabris para exercer sua profissão.
lg
Aqui, o ponto de vista adotado é menos o da profissão que pode ser
exercida tanto no ambiente fabril quanto principalmente nas oficinas
vu
com uma cooperação simples artesanal que propicia o exercício
di
ão
ele para esse fim, em que ele tem melhor desempenho, e com a qual
se investe de uma dignidade do trabalho que o instrumentaliza a
aç
melhor enfrentar o patrão (Cf. Palmeira, 1976); desde a importância
lg
da profissão e da arte na diferenciação interna dos operários do
açúcar (Cf. Leite Lopes, 1976); até os artigos de Saavedra Durão e
vu
Mello Marin que continuam por essa linha de pesquisa. Como os
di
ão
ressaltando propriedades que, porém, estariam de alguma forma
presentes na categoria correspondente de outras fábricas –
aç
importando em cada caso fazer-se a análise das “propriedades de
lg
posição” de uma determinada categoria profissional, que, dentro de
uma diferenciação interna, é fundamentalmente um procedimento
vu
relacional. Deste modo, a análise desse grupo de trabalhadores
di
ão
é limitado, por um lado, com o desenvolvimento da maquinaria,
pelas interrupções na produção quando se faz um trabalho manual
aç
de religação dos fios, e, por outro, pelas próprias exigências de
lg
continuidade da produção, pois esse trabalho manual reduz-
se ao caso de máquinas paradas com poucos fios partidos. Essa
vu
habilidade manual do tecelão é desenvolvida por uma profissão que
di
partidos.
Embora seja a camada profissional dos tecelões
Ex
ão
qualidades dos profissionais por excelência, artistas ou oficiais da
parte de manutenção, e tarefas de vigilância e controle sobre a força
aç
de trabalho que opera aquelas máquinas, dando-lhes, ao contrário,
lg
características semelhantes a esse não trabalhador do tipo do cabo,
elo hierárquico mais próximo do trabalhador dessa cadeia patronal
vu
de vigilância sobre a força de trabalho.11 Distinguindo-se dos
di
11
As fábricas têxteis, ao longo de sua história, parecem ter logo radicalizado o
caráter hierárquico que, por vezes, assume a relação entre um profissional de
manutenção e seu ajudante ou também entre aquele e os trabalhadores que operam
as máquinas que o profissional por excelência tem por responsabilidade consertar,
para cristalizar tal relação assim radicalizada e aperfeiçoada nos contramestres.
234 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
ao enfrentamento dos operários têxteis com os patrões diante
dos conflitos surgidos a partir da importância na organização da
aç
fábrica do salário por produção. A luta secular desses operários pelo
lg
desmascaramento do segredo do preço da letra (como é chamado
o sistema de aferição da quantidade produzida por um operário
vu
produtivo através de um relógio anexo a cada máquina), as diferenças
di
Parte 3
A reconfiguração do
mundo do trabalho
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
O desmanche do assalariamento e a dupla
fragmentação social
ão
os anos 1960 e 1970, a termo esvaziado de sentido, a partir dos anos
aç
1980, a informalidade generalizou-se, extrapolou as fronteiras da
discussão acadêmica e assumiu centralidade no debate público e na
intervenção governamental.
lg
Dispostos em ordem cronológica, os quatro textos desta
vu
seção apresentam o esforço analítico de Machado para reconstruir
di
ão
do mercado despontaram dessa configuração disforme. Em primeiro
lugar, a oferta de força de trabalho dissociou-se do ritmo e da lógica
aç
acumulativa do processo produtivo, problema que radica na base da
lg
importante discussão em nossa sociologia sobre as diferenças entre
a superpopulação relativa e o exército de reserva. Em segundo lugar,
vu
o conjunto da mão de obra assumiu a feição de uma “massa amorfa de
di
ão
América Latina ocuparam milhares de páginas das ciências sociais,
a informalidade passara a um “aspecto” das atividades econômicas.
aç
Diante desse cenário, quais são as estratégias empregadas
lg
pelos atores tendo em vista suas chances de trabalho? No texto
de 1997, Machado e Chinelli sugerem como foco da análise aquele
vu
objeto que atravessa a sociologia econômica de Machado e este livro
di
ão
analiticamente o modo de organização do mercado de trabalho
brasileiro e o segundo artigo esboça um objeto para futuras
aç
investigações, o terceiro e o quarto artigos desta parte final do livro
lg
debruçam-se sobre uma questão teórica maior: as consequências
da transformação da estrutura do mercado de trabalho para a
vu
integração social.
di
ão
dominação no mundo do trabalho)”, publicado em 2002, é o texto em
que Machado se debruça sobre como a reconfiguração do mundo do
aç
trabalho gestou um novo modo de dominação. Nesse artigo, Machado
lg
analisa o progressivo esvaziamento da categoria “informalidade”,
que passou a abarcar, nos anos 1990, um leque multifacetado de
vu
fenômenos, como a pobreza urbana, as atividades comerciais de rua,
di
ão
fragmentado? Como se justificam as novas formas de organização do
trabalho? Quais são os valores da nova cultura da empregabilidade,
aç
que visão de mundo ela oferece e quais estratégias de vida dela se
desdobram?
lg
A título de consideração final desses breves comentários
vu
aos textos sobre a informalidade e empregabilidade, gostaria de
di
Referências bibliográficas
ão
Polanyi, Karl. 2011 [1944]. A grande transformação: as origens da
aç
nossa era. Rio de Janeiro: Elsevier Editora.
lg
Sassen, Saskia. 1991. The global city. New York, London, and Tokyo:
vu
Princeton University Press.
di
ão
ser a grande variação nos conteúdos que estas noções assumem nos
aç
inúmeros trabalhos concretos.2
Pode-se pelo menos suspeitar (como é o meu caso) que o
lg
renovado interesse pelo tema – interesse que, atualmente, tem
transcendido os estudos de formações sociais periféricas para
vu
incorporar também uma parcela da reflexão sobre os países centrais
di
1
In: São Paulo em Perspectiva, 4(3/4), pp. 2-4, julho/dezembro 1990.
2
Não é o caso de retornar à “teoria da marginalidade”, cujo paradigma já foi
suficientemente explicitado, criticado e, até onde posso imaginar, superado. Cf.
Kowarick (1975), Machado da Silva (1983).
246 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
As relações de trabalho que vivemos no Brasil, em que
dominantemente o trabalho é uma mercadoria que se compra e
aç
vende no mercado, não são espontâneas ou naturais – têm que ser
lg
“produzidas”, isto é, impostas ou reguladas. Os modos específicos
de imposição de assalariamento, assim como suas consequências,
vu
sem dúvida não são independentes das atividades produtivas
di
correspondem à realidade.
No mínimo, desde a década de 1930, o Brasil urbano
Ex
3
As ideias que se seguem inspiram-se nas obras de Claus Offe, especialmente Offe
(1989a). Cf. também Topalov (1990).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 247
ão
constituir como barreira clara e universal à entrada no mercado. Em
contrapartida, as condições para a saída do mercado também não
aç
foram estabelecidas e nem institucionalmente respaldadas (seguro
lg
desemprego, previdência, etc.) por meio de regras claras e universais,
ou, quando existiam, não eram acessíveis.
vu
Portanto, é possível dizer que a conversão do trabalho em
di
4
Esta é uma linha de reflexão que pode começar a tornar inteligível, pelo menos
em parte, o caráter reconhecidamente errático da repressão ao “caso de polícia” em
que muitas vezes se transforma a questão da produção do assalariamento e suas
inúmeras consequências.
248 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
de posições fora do mercado socialmente reconhecidas torna o
excedente uma massa amorfa de “trabalhadores em disponibilidade”.
aç
Essa situação também afeta os próprios trabalhadores eventualmente
lg
empregados, que, num quadro de permanente superoferta, também
não passam, a longo prazo, de trabalhadores em disponibilidade. É
vu
claro que a contrapartida “subjetiva” terá sido a enorme dificuldade
di
5
Isto merece um outro comentário, relativo a uma leitura possível da bibliografia
tradicional sobre o setor informal. Ela expressa a convivência contraditória entre
um erro e um acerto. De um lado, identificou como um problema central o fato –
real – da superoferta no mercado; ao mesmo tempo, dedicou-se a analisá-lo a partir
de uma perspectiva preconcebida, fundada num modelo idealizado. Basta lembrar
as infindáveis discussões sobre a produtividade e as funções do setor informal,
polarizadas em torno de conclusões a respeito de seu papel, positivo ou de “peso
morto”, para a economia – com ambas as linhas de argumentação aceitando como
preliminar que as condições de superoferta respondiam a imperativos econômicos,
interpretados no quadro de referência de um mercado regulado.
6
Neste particular, o tema do “autoemprego” pode ser esclarecedor, e isto num duplo
sentido. De um lado, ele permite abordar as ambiguidades relativas à autoimagem
e à racionalidade das ações dos trabalhadores; de outro, permite refletir sobre as
ambiguidades das interpretações contidas na ampla literatura a respeito. Entretanto,
estas são questões que transbordam os limites do presente texto.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 249
ão
Até aqui, procurei traçar um perfil esquemático da
precariedade, fluidez e indefinição da organização do trabalho no
aç
Brasil urbano. O ponto central das ideias até então apresentadas foi
lg
o de que a imposição do trabalho assalariado através do “aguilhão
da fome”, que é o elemento dominante que articula toda a nossa
vu
estrutura urbana, não foi acompanhada pela formação de uma
di
7
Cf. o interessante tratamento da “ética do provedor” em Zaluar (1985), que aborda
diretamente essas questões.
250 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
ele foi compatível com a incorporação de grandes contingentes
de trabalhadores que reproduzia, da mesma forma inorgânica, a
aç
estrutura do mercado.
lg
Paralelamente, um segundo conjunto de processos que
permitiu um certo convívio com os graves problemas de legitimidade
vu
derivados da precariedade da regulação do trabalho é o que foi
di
8
Num importante artigo já mencionado, Cunha (1979) estuda a formação de um
mercado interno, da perspectiva de uma análise econômica da mobilidade do
trabalho. Minha sugestão, aqui, é tão somente a de que a segmentação do mercado é
mais ampla e profunda do que a considerada por esse autor.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 251
ão
considerado. Neste sentido, houve durante esse tempo uma
tendência permanente de incorporação de grandes contingentes
aç
de trabalhadores – isto é, uma expansão generalizada do trabalho
lg
assalariado, que ocorreu apesar de todas as dificuldades e
inconsistências de sua produção e regulação. Isto significa dizer que
vu
o quadro político-institucional esboçado, apesar de sua evidente
di
ão
geral. Não podemos continuar a estudar o processo produtivo
como se a própria produção do trabalho assalariado não fosse
aç
um problema fundamental, cujos modos históricos de solução
lg
determinam a estrutura do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo,
a legitimidade da autoridade política.
vu
Levada a sério, essa conclusão abre à reflexão um espaço
di
vigência muito mais difusa, pois não denotam mais do que práticas
sociais que não são estanques. E, em segundo lugar, não se articulam
de forma unívoca com atributos pessoais dos trabalhadores, como
sexo, idade, saúde, educação, etc.
Se me fosse permitido um fecho um tanto presunçoso para
este trabalho – embora reconheça que seu caráter necessariamente
esquemático o desaconselharia –, gostaria de afirmar que a
exploração destas superposições e ambiguidades é a chave que
permitirá um melhor entendimento do “Brasil real” e contribuirá
para o aprimoramento da teoria.
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
8. Velhas e novas questões sobre a informalização do
trabalho no Brasil atual1
Introdução
O debate sociológico sobre as transformações atuais no
mundo do trabalho organiza-se sob alguns pontos comuns. Em
poucas palavras, pode-se dizer que, paralelamente ao amplo
reconhecimento de uma forte tendência à terciarização da atividade
econômica, também se tem produzido consenso a respeito da
ão
tendência mundial ao crescimento do desemprego e à precarização
aç
do emprego assalariado (piores condições de trabalho; rebaixamento
dos níveis salariais; “flexibilização” das relações de trabalho, isto é,
lg
terceirização; maior facilidade de rompimento dos contratos; etc.).
Para descrever o impacto de todos esses processos sobre a estrutura
vu
do mercado, tem-se recorrido cada vez mais frequentemente à ideia
di
de “informalização”.
A antiga noção de informalidade, forjada no bojo das
de
1
In: Contemporaneidade e Educação, 2(1), pp. 24-45, maio/1997 (com Filippina
Chinelli).
256 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
mencionado. Mesmo sem aprofundar a questão, é oportuno salientar
que também acreditamos que o debate aponta antes para uma
aç
ampliação do campo semântico da noção do que propriamente para
um deslocamento de seu significado anterior e que, como veremos
lg
adiante, há evidências que sustentam ambos os usos. Desnecessário
vu
dizer que isto configura um conjunto pouco claro, de difícil
determinação empírica, que envolve todo o trabalho não assalariado
di
2
Até o momento, restrita ao município do Rio de Janeiro, apesar das intenções
nacionais no desenho inicial da pesquisa (IBGE, 1996).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 257
ão
das relações salariais.
Reconhecemos que esta compreensão do campo semântico
aç
mais amplo da noção de informalidade, ao mesmo tempo que
lg
explica a necessidade de seu uso, também torna claras as suas
limitações. Com esta ressalva, o presente trabalho pretende indicar
vu
alguns caminhos de interpretação disto que acima foi denominado
di
3
Não temos condições, neste trabalho, de abordar diretamente o problema da
exclusão social, embora reconheçamos tratar-se de um desdobramento quase
inevitável desta primeira linha de interpretação. De fato, essa relação vem
acompanhando o debate sobre a informalidade desde seu início nos anos 1960,
e suas variações parecem expressar as diferentes conjunturas intelectuais – da
“marginalidade” (Machado da Silva, 1971; Kowarick, 1975; Nun, 1969) à “underclass”
258 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Pearson, 1957); e, de outro, Schumpeter e o papel desempenhado pela
criatividade do “empreendedor” na geração de “desenvolvimento”
aç
(Schumpeter, 1982). De fato, a avalanche de críticas (Cf., por
lg
exemplo, Sader e Gentili, 1995) provocadas pelos efeitos sociais
das políticas liberais, adotadas sob a justificativa de serem as
vu
únicas formas de garantir a produção de riqueza, lembra, enquanto
di
ão
emprego no Brasil a partir dos anos 1980 parecem convergir para
um amplo consenso a respeito dos processos em curso na economia
aç
brasileira, que podem ser sintetizados em duas ordens de tendências:
lg
retração do emprego industrial e incremento da terciarização e da
participação feminina, correlatos das transformações econômicas
vu
em escala global; e, consequente à crise econômica, o significativo
di
4
A criação de novos postos de trabalho alcançou na década de 1980 a taxa média de
3,5% ao ano, com exceção de 1983, quando os índices de desemprego atingiram 5%
da força de trabalho (Leite Lopes, 1995, p. 2).
260 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
Em síntese, embora a capacidade de criação de postos de
trabalho possa surpreender, geram-se empregos de baixa qualidade,
aç
com pouca ou nenhuma cobertura legal, notadamente no setor
lg
terciário, cuja expansão mais recente é conectada aos processos
de reestruturação produtiva e de externalização industrial que,
vu
via de regra, expulsam os trabalhadores mais protegidos. Como
di
5
Recente pesquisa sobre flexibilidade, produtividade e ajustamento da mão de obra
no Brasil confirma este breve esboço (Camargo, 1996).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 261
ão
recessivo que marcou o fim dos anos 1980 e início da década atual
[1990], apesar do declínio tanto dos índices de desemprego aberto,
aç
quanto de sua duração média: a taxa de desemprego passou de 3,8
lg
para 5,4 entre 1982 e 1984, e de 2,8 para 4,1 entre 1989 e 1991,
enquanto a duração média do desemprego de 7,5 meses em 1983
vu
caiu para 5,3 em 1990 (Ibid., p. 8). Atribui-se este comportamento
di
ao fato de que
de
ão
chamado “conta-própria”. Entretanto, deve-se lembrar, uma vez mais,
que não há por que pensar que esta tendência ao desassalariamento
aç
afeta de maneira homogênea o conjunto dos trabalhadores, apenas
os dividindo de forma linear entre os que dispõem de um emprego
lg
assalariado juridicamente protegido e relativamente estável e os
vu
que evitam o desemprego através do desempenho de atividades por
conta própria ou aceitando assalariar-se sem carteira assinada; nem
di
6
Em uma linha de argumentação semelhante, Mingione (1991) sugere um modelo
muito mais complexo, em nível mundial, dessas diferenciações, aliás expressas no
sugestivo título do livro: “sociedades fragmentadas”.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 263
ão
Para que se possa qualificar e determinar o escopo do
argumento desenvolvido na próxima seção, é necessário sublinhar
aç
de início que seu foco é um contingente restrito de trabalhadores. É
lg
indiscutível que as dimensões das camadas médias no Brasil são muito
reduzidas, mesmo reconhecendo a dificuldade de definir fronteiras
vu
que determinem seus limites, bem como a grande diferenciação
di
7
De passagem, vale mencionar que esta tendência não confirma as expectativas
vigentes até os anos 1970 sobre a proletarização das camadas médias,
especialmente de seus segmentos profissionais (Prandi, 1978), indicando antes
uma “desobreirização” no sentido mais amplo desse termo (Leite Lopes e Machado
da Silva, 1979).
8
Nos anos recentes, o acesso aos postos de trabalho torna-se ainda mais seletivo,
ampliando-se a participação dos trabalhadores com níveis de escolaridade mais
alto – notadamente para aqueles com cinco a oito anos de estudo –, localizados na
faixa etária entre 25 e 49 anos, decrescendo de forma correlata as oportunidades de
trabalho para as faixas etárias mais jovens e mais velhas e para aquelas com baixos
níveis de escolaridade (Castro, 1995, p. 225).
264 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
conta própria ou proprietários de pequenos estabelecimentos)
apresentaram faturamento superior a R$ 5.000,00 mensais (IBGE,
aç
1996, p. XXVI). Sem dúvida, essa pesquisa não cobre todos os
lg
aspectos da informalização das camadas médias, mas é indicativa do
patamar de sua participação econômica.
vu
Apesar de tudo isso, há que considerar também que, embora
di
emprego e à flexibilidade”.
Este pequeno exemplo de uma afirmativa comum nos
trabalhos do tipo mencionado talvez seja suficiente para perceber
que as contratendências – precarização, empobrecimento, etc. –, que
também se manifestam nas economias desenvolvidas e estão na raiz
de toda a discussão, são ignoradas ou minimizadas por essa linha de
interpretação. Consideramos que, especialmente quando adotam a
perspectiva (no sentido cognitivo desse termo, e não no ideológico)
do trabalho, essas tendências e contratendências gerais devem ser
relacionadas às categorias sociais envolvidas, pois, como temos
reiterado, seus efeitos são fortemente diferenciados.
ão
Tais comentários não são ociosos, especialmente quando
se considera a apropriação ideológica da literatura acadêmica que
aç
segue essa linha. De uma maneira geral, ela focaliza a produção,
lg
fazendo recair a ênfase na maleabilidade proporcionada pela
desconcentração e redução de escala, de modo que os efeitos
vu
negativos da informalização tendem a ser minimizados9 e as
di
9
Põe-se em operação claramente a noção de “destruição criadora”, cujo perigo
indicado por Paiva, Potengy e Chinelli (1996, p. 17): “O conceito de destruição
criadora […] não pode encontrar guarida em uma reflexão política mais responsável
sobre a formação da população e sua inserção social em geral e no mundo do trabalho
em particular. Não existe ‘criação’ a partir da miséria psíquica dos atingidos”.
10
Para um bom resumo do atual estado da arte no que diz respeito a essas questões,
266 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
maior parte dos economistas que, como vimos na seção anterior,
convergem na ênfase sobre a crescente precarização das relações
aç
de trabalho, encarando com indisfarçável reserva a capacidade
lg
de geração de empregos dos segmentos menos protegidos da
população. Entretanto, apesar de todas as ressalvas acima, mesmo
vu
análises que poderiam ser qualificadas de sombrias, como a de
di
ão
agregados de seu consumo e renda, “com correspondente expansão
da iniciativa por estabelecer negócios próprios em meio ao
aç
acirramento da competição” (Paiva, Potengy e Chinelli, 1996, p. 3).
Configura-se, assim, um fenômeno que
lg
vu
[…] abre importante frente de novas oportunidades para micro e
pequenos empreendimentos, bem como para uma ampla gama de
di
11
A propósito, vale a pena mencionar dois pontos: a) a óbvia dificuldade, empírica e
teórica, de determinar com clareza os limites das “classes médias”, particularmente
em países como o Brasil, cuja profunda desigualdade social polariza sobremaneira
a estratificação; b) a imensa diferença entre a discussão estabelecida por Quadros
(1996) sobre a atualidade e interpretações vigentes nos anos 1970 sobre categorias
ocupacionais semelhantes, como a de Prandi (1978).
268 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
“familiares-modernas” (racionalizadas e capazes de se adaptar
criativamente a condições de funcionamento sempre cambiantes) e/
aç
ou do “autoempresariamento” (profissionais capazes e dispostos a
lg
descobrir e/ou criar novas alocações para seu trabalho), em conexão
com a estruturação de novos estilos de vida e de padrões de consumo.
vu
Pode-se admitir que as melhores oportunidades produzidas
di
Embora a evidência disponível seja escassa e não conclusiva,
Ex
ão
de Cariola et al. (1992), implicam o exercício de habilidades que
estão mais próximas da bricolagem do que do desenvolvimento
aç
schumpeteriano, pois se limitam ao conjunto de “atividades
lg
precárias” a que se referia Leite Lopes (1995) na passagem citada
anteriormente. (Na medida em que as fronteiras socioeconômicas
vu
entre as duas categorias de trabalhadores não são claras, e dado que
di
12
Esta não é uma questão inteiramente nova, mas, dada a importância de que se
reveste, não há nenhuma trivialidade em sua repetição. Ainda nos anos 1950/60, por
exemplo, afirmava-se que as características culturais dos migrantes, incompatíveis
com a disciplina e o ritmo da atividade fabril, favoreciam a preferência pelo trabalho
por conta própria (Lopes, 1960). Reduzia-se, naquelas análises, a inadequação à
oferta em escolha subjetiva, do mesmo modo com que hoje se mistura restrição
contextual com escolha livre em favor da informalidade. Continua necessário,
portanto, criticar o mecanismo reducionista dessa abordagem.
270 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
qualificados), a partir dos quais podem ser empreendidos itinerários
informais (qualificados) até o estabelecimento por conta própria,
aç
utilizando no processo não apenas as competências educacionais,
mas também conhecimentos apreendidos durante o chamado
lg
‘tempo livre’ (saber praticar um esporte, tocar um instrumento
musical, dançar, etc.). Nestes itinerários da nova empresarialidade
vu
no terciário chama a atenção o fato de que, também neste caso, se
trata de uma pequena empresarialidade que assume o modelo de
di
ão
indissociável dessas atividades costuma vir relacionado à valorização
da experimentação como veículo de expressão pessoal, dificultando
aç
a percepção do risco permanente associado a elas. Finalmente,
lg
a ênfase crescente em ideais de prazer e plenitude no trabalho
concentra a atenção nos conteúdos substantivos das atividades e
vu
não em sua forma (a própria relação produtiva), obscurecendo o
di
13
As dificuldades de integração sociocultural pelo trabalho sob o regime salarial
têm sido objeto de atenção por vários autores, dos quais um dos mais importantes
é Offe (1989b, especialmente cap. 5). Cf. também Perret e Roustang (1993) e Castel
(1995). Estamos indicando aqui simplesmente um dos aspectos envolvidos nessa
ampla questão.
14
Paci (1993), ao analisar os altos índices de incremento do trabalho autônomo na
Itália durante os anos 1980, aponta como uma das interpretações possíveis para o
fenômeno aquela que enfatiza as profundas mudanças na cultura do trabalho que
lhe conferem características atraentes: flexibilidade de horários, possiblidade de
autogestão da atividade, um certo grau de controle sobre os tempos de execução
272 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
A EMPRESA SOU EU
aç
Movida a coragem, tecnologia e talento, surge uma nova geração de
empresários autônomos
lg
Todas as manhãs, Alice Figueiredo, de 40 anos, toma o café com a
vu
família e sai para trabalhar. Desce um lance de escada e já está em seu
escritório, montado na garagem de casa. Lá, ela dedica 6 horas por
di
15 mil reais por mês, muito mais do que poderia sonhar em seu
antigo emprego como secretária da Bolsa de Valores de São Paulo
pl
ão
quando não se trata de serviços de consumo final, a natureza das
atividades desse grupo aproxima-o das funções mais elevadas do
aç
processo produtivo – como vimos, Quadros (1996, p. 180) fala de
lg
uma “proximidade familiar ou social dos centros de decisão”.
Queremos chamar a atenção para um dos possíveis efeitos
vu
da convergência entre a formação de um segmento de trabalhadores
di
Conclusões
ão
Não é da natureza de um texto exploratório como este
buscar conclusões para os argumentos apresentados. Reconhecendo
aç
este caráter aberto e meramente tentativo de nossas observações,
optamos por concluí-las procurando deixar mais claros os principais
lg
elementos do ponto de vista que adotamos ao elaborá-las.
vu
1. As profundas transformações econômicas deste fim de
século estão associadas à elevação da produtividade global, ligada
di
ão
por serem muito abrangentes, acabam articulando as significativas
evidências e questões que produzem de maneira unilateral. Aqui,
aç
procuramos trabalhar em um nível de generalidade mais baixo,
lg
de modo a permitir a quebra de unidade desses pacotes e, assim,
evidenciar a) a ambiguidade dos efeitos mais imediatos das
vu
mudanças, tanto no que diz respeito à própria atividade produtiva
di
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
9. Da informalidade à empregabilidade
(reorganizando a dominação no mundo do trabalho)1
Este texto tem por objetivo apresentar as dificuldades
implicadas na tentativa de se traçar um perfil da informalização no
Brasil atual. Antecipando a conclusão, um pequeno levantamento da
literatura recente sobre o tema e a retomada da história da noção
de informalidade indicaram que minha intenção original – combinar
uma discussão da ambiguidade que essa noção carrega desde sua
origem, com a apresentação do crescimento do país do fenômeno
ão
que ela pretende descrever – se constituía numa tarefa inviável ou
aç
irrelevante, ou ambas as coisas. É justamente isso que as páginas que
se seguem tentarão explicar e interpretar.
lg
Meu argumento básico é o seguinte. Desde mais ou menos o
fim dos anos 1960,2 quando surge a noção de informalidade, até o
vu
início dos anos 1980, ela era uma categoria cognitiva em torno da
di
1
In: Caderno CRH, Salvador, 37, pp. 81-109, julho/dezembro 2002.
2
É desnecessário lembrar que a noção de informalidade se torna “canônica” e muito
difundida a partir dos estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no
Quênia em 1972 (OIT, 1972). Entretanto, Peattie (1987, p. 853), entre outros, atribui
a criação a Keith Hart, que a gerou durante suas pesquisas em Gana (Cf. também
Miras, 1991). Creio, porém, que a noção se desenvolve ao mesmo tempo na América
Latina, e desde o início esteve, em ambos os continentes, ligada ao reconhecimento
das restrições de capital no processo de mobilização produtiva do trabalho e suas
consequências. Eu próprio, em longa pesquisa concluída no início de 1971, falo de
“mercado formalizado” e “mercado não formalizado” com um sentido próximo ao
produzido a partir dos estudos de países africanos (Machado da Silva, 1971).
3
“[…] porque hoje a fórmula do setor informal […] [é] de fato uma categoria cômoda
e, portanto, corrente no vocabulário ordinário, mais ou menos sinônimo de pobreza
urbana, de atividades de rua, de ausência de enquadramento regulamentar e de
278 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
transformações na percepção social subjacente ao tratamento
acadêmico da relação entre a estrutura do mercado de trabalho e a
aç
acumulação e, na direção oposta, do papel da produção sociológica na
lg
formação da percepção social. É claro que estarei apenas aflorando
essa análise da reprodução da ordem simbólica, mas penso que
vu
fornecer alguns elementos empíricos pode ser relevante.
di
ão
grupos à estrutura social à qual pertencem, isto é, de seu papel
(ou função, ou necessidade) na produção da riqueza. Em outras
aç
palavras: não é propriamente o trabalho que está em questão,
lg
mas grupos desfavorecidos (porém considerados numa trajetória
ascendente, porque atrelados a uma estrutura econômica em
vu
expansão) de trabalhadores; nem é a transformação econômica
di
ão
criticadas, às vezes levando os comentadores a afirmar que a vigência
da noção de informalidade se restringiu ao campo das políticas
aç
públicas (Peattie, 1987) e só foi forte no plano da ideologia, devido
lg
à sua capacidade de mascarar os conflitos e como “instrumento
de legitimação do poder do Estado” (Miras, 1991, p. 111). Porém,
vu
creio que, embora a crítica seja procedente, ambas as conclusões
são exageradas, pois a noção teve peso analítico significativo. De
di
6
Pode-se ter uma ideia dessa confusão somando a citação de Miras (1991), incluída
na nota 3, com o que diz L. Gallino, em trabalho sobre a Itália no início dos anos 1980:
“a difusão de atividades informais é simultaneamente: a) um resultado inescapável
do desenvolvimento da economia capitalista avançada; b) uma escolha livre e criativa
de inovação social; c) um conjunto de pequenas receitas de sobrevivência; d) um
retorno a relações sociais pré-modernas com o suporte de modernas tecnologias” (L.
Gallino apud Mingione, 1991, p. 91, tradução nossa). E, mais recentemente: “Mesmo
sendo uma realidade imprecisa, com contornos incertos, suas [da informalidade]
manifestações intuitivas podem ser vislumbradas nos dois hemisférios, nos países
desenvolvidos do Norte ou nas nações subdesenvolvidas do Sul” (Malaguti, 2000,
grifo nosso).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 281
ão
a estrutura do emprego urbano. Essa era vista como uma situação
transitória, caracterizando uma espécie de pré-incorporação ao
aç
trabalho assalariado dos contingentes migrantes, cujas atitudes e
lg
modos de vida ainda não eram adequados aos padrões moderno-
industriais, mas também já não eram inteiramente tradicionais. Um
vu
pouco mais tarde, as dificuldades do processo de substituição de
di
7
É imensa a quantidade de trabalhos que reconstroem e criticam a noção de
informalidade. Apenas a título de exemplo, cf. Machado da Silva (1971, 1996),
Machado da Silva e Chinelli (1997), Cacciamali (1983), Tokman (1987), Souto de
Oliveira (1989), Portes, Castells e Benton (1989), Mingione (1991), Lautier (1991,
1994, 1997).
282 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
trabalho realizado sob formas não capitalistas, na medida em que
reduzia o custo de reprodução dessa força produtiva, aumentando
aç
com isso a proporção de trabalho não pago, estava subordinado ao
lg
capital e participava da lógica da acumulação – Oliveira (1972) é o
texto clássico a esse respeito.
vu
Esta breve indicação dos aspectos mais gerais do debate
di
8
Como se sabe, foi ampla a discussão sobre a “dependência” latino-americana, que
era uma espécie de variante enfraquecida da discussão sobre o imperialismo. Um
autor típico desse debate, que cito apenas a título de ilustração, é Frank (1967,
1969).
9
Cf. o já clássico artigo de Nun (1969), baseado em uma exegese althusseriana das
Grundrisse. Recentemente, a temática desse texto foi retomada pelo autor em Nun
(2000). Veja-se também a crítica de Cardoso (1972) ao primeiro deles.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 283
ão
que esse papel era representado pelo setor secundário, de
modo que a indústria – leia-se o emprego assalariado estável
aç
– era o ponto de referência implícito em todas as discussões.
lg
A maior parte dos problemas considerados dizia respeito, de
um lado, às condições de possibilidade da industrialização
vu
nos diferentes países, à sua capacidade de expansão (isto é, ao
di
ão
europeias. Para as questões aqui tratadas, a característica
central ressaltada é a proteção do trabalho institucionalizada
aç
em bases universalistas, segundo uma modelagem que
lg
consagrava juridicamente o trabalho assalariado permanente,
articulando produção de massa com alto padrão de consumo,
vu
o que garantia a expansão econômica sustentada e uma certa
di
paz social.
de
ão
tanto em âmbito global, quanto nacional, tudo isso vinha provocando
efervescência na controvérsia sobre os usos sociais do trabalho, que
aç
passo a resumir.
lg
Como foi visto, a discussão envolvia o encadeamento lógico de
uma série de ideias – urbanização/industrialização/assalariamento/
vu
pleno emprego – no qual cada termo especificava e problematizava
di
era uma miragem inatingível, mas uma meta viável, baseada numa
tendência real (e, portanto, um parâmetro analítico confiável).
Tratava-se de uma construção coletiva que se revelou tão
ar
ão
especialmente dos serviços (tanto em termos de absorção
de trabalho, quanto da produção de riqueza). De um lado,
aç
está uma interpretação que enfatiza a transformação da
lg
estrutura produtiva e de toda a organização da sociedade,
focalizando os consequentes problemas de “integração
vu
sistêmica” e sua articulação com os processos de formação
di
10
A rigor, apesar do título de seu trabalho, esse autor propõe, partindo do
desdobramento da análise de Polanyi, uma instigante combinação entre
“fragmentação” e “polarização” que infelizmente não pode ser discutida no presente
texto.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 287
ão
e, para alguns, atemporal (Malaguti, 2000). O assalariamento
já não reina sozinho como parâmetro inquestionado, embora
aç
continue como uma referência central.
lg
Essas observações permitem avaliar a importância das
vu
mudanças na dimensão cognitiva da noção de informalidade.
di
ão
análises tradicionais, a noção começa a perder força, pois, pouco a
pouco, vai se tornando mero sinônimo de “flexibilização” das relações
aç
de trabalho (que, obviamente, pode ser avaliada como positiva ou
lg
simples sintoma de descontrole institucional, ponto a que voltarei
ao final deste texto)11 e deslocando o foco das questões tratadas, da
vu
análise das características substantivas do processo produtivo para
di
11
Figura central nessas avaliações é Soto (1987), cujas propostas de intervenção,
que pretendiam ser um freio às atividades do Sendero Luminoso no Peru, suscitaram
intensa polêmica. Cf., por exemplo, Bromley (1990, 1993); Lautier (1997).
12
Uma outra linha de consideração, que não cabe neste artigo, diz respeito ao papel
do desenvolvimento da noção de informalidade no processo de modernização
institucional da prática da sociologia no Brasil. O conjunto do debate aqui
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 289
ão
como a questão nacional por excelência da América Latina – tema
obviamente muito amplo, complexo e multifacetado, que não me
aç
atrevo a tratar aqui. Para efeitos do presente texto, creio suficiente
lg
mencionar, como importante elemento do debate público que
abrigou a noção de informalidade, a forte reação crítica provocada
vu
pela extensa divulgação da visão liberal do desenvolvimento
di
ão
institucional que a sustentava do que ao prestígio pessoal do autor –,
que não era desprezível, mas por si só seria insuficiente, foi capaz de
aç
armar o quadro da discussão político-ideológica que se desdobrou
por décadas na América Latina, uma vez que em sua origem está a
lg
reação a esse projeto de transformação socioeconômica.
vu
Esquematicamente, essa reação teve três pontos de partida.
Para simplificar, apresento-os isoladamente, mas, na prática,
di
13
Os trabalhos mais conhecidos eram os produzidos pelo DESAL (Centro para el
Desarrollo Económico y Social de América Latina), instituição ligada à Democracia
Cristã chilena (Cf., por exemplo, DESAL, 1969; Vekemans, Giusti e Silva, 1970). A
inspiração mais ampla pode ser encontrada no “solidarismo cristão” desenvolvido
por Lebret (1958). No Brasil, houve forte paralelismo entre essa posição política
e a discussão acadêmica imediatamente anterior ao surgimento da noção de
informalidade (Cf., por exemplo, Lopes, 1960, 1968). (Neste trabalho, não há espaço
para um tratamento detalhado do quadro político-ideológico da época, de modo
que, para simplificar, estou desconsiderando o influente papel desempenhando pela
esquerda católica – cujas ideias acredito que tendiam a se aproximar, no geral, das
posições que, logo adiante, atribuo à “ortodoxia marxista”).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 291
ão
Esse padrão reproduziria o subdesenvolvimento, expresso como
uma inserção internacional subordinada, cuja superação deveria
aç
ser buscada pela expansão autônoma do mercado interno para os
lg
produtos industriais, via substituição de importações.14
Considerava-se que essa segunda perspectiva representava
vu
uma crítica mais “profunda” – ou seja, menos comprometida
di
14
Importante crítica ao esgotamento do projeto elaborado pela CEPAL, abrindo
espaço para a radicalização dessa perspectiva, que desemboca na “teoria da
dependência”, pode ser encontrada em Tavares (1973).
292 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
de mudança social defendido. Havia uma aceitação generalizada
de que o processo de industrialização gerava uma inserção
aç
periférica de amplos contingentes demográficos na estrutura
lg
social responsável pela dinâmica histórica, discutindo-se suas
consequências sobre as condições de trabalho e de existência – e,
vu
portanto, sobre as respectivas tomadas de posição política prováveis
di
histórico.17
Ex
15
No mundo acadêmico, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)
era a instituição mais visível que representava esta posição. Cf. os já mencionados
textos de Cardoso (1972) e Oliveira (1972).
16
O exemplo mais típico desta posição talvez seja a obra de Fanon (1965) sobre a
Algéria, mas essa linha de pensamento também foi bastante difundida na América
Latina.
17
O debate sobre a informalidade foi paralelo e entrecruzou-se com a discussão
sobre quem (e o que) era o “povo” – “massa” (neste caso, agrupamento disforme e
inerte, vítima e expressão do populismo) ou “classe” (neste caso, categoria social
definida, capaz de assumir a tarefa histórica de sua própria libertação). Esta questão
sempre esteve inapelavelmente enraizada no debate sobre a natureza da inserção
produtiva das camadas de trabalhadores mais desfavorecidos (Cf., por exemplo, a
coletânea de Horowitz, 1970. Para uma interessante discussão sobre a construção
social do “trabalhador” como categoria analítica, cf. Paoli, 1982).
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 293
ão
da produção material e de seu centro dinâmico (a indústria
moderna). “Informalidade”, assim, correspondia à discussão
aç
sobre o que era considerado uma das particularidades mais
lg
importantes do capitalismo retardatário, a existência de
formas “atípicas” de mobilização do trabalho;
vu
di
ão
semelhante, favorecendo o segundo sentido mencionado. Mesmo
sem aprofundar a questão, é oportuno salientar que também
aç
acreditamos que o debate aponta antes para uma ampliação do campo
semântico da noção, do que propriamente para um deslocamento
lg
de seu significado anterior e que, como veremos adiante, há
evidências que sustentam ambos os usos. Desnecessário dizer que
vu
isso configura um conjunto pouco claro, de difícil determinação
empírica, que envolve todo o trabalho não assalariado – autônomos,
di
ão
de regulação do mercado capaz de compatibilizar os requisitos
técnicos e sociais da produção, isto é, de minimizar a contradição
aç
entre exploração do trabalho e ampliação dos direitos de cidadania,
lg
organizando e canalizando o conflito social. É claro que a implantação
desse modo de integração jamais foi completa e passou por inúmeras
vu
variantes nacionais. Entretanto, seu sucesso pode ser medido pelo
di
18
Ressalto, ademais, que não tenho a menor pretensão de originalidade, pois
um caminho rico e criativo para esse tipo de análise já está sendo aberto com a
excelente contribuição de Boltanski e seus associados (Boltanski e Thévenot, 1991;
Boltanski e Chiapello, 1999). Exemplo de trabalho brasileiro que explora essa linha
de reflexão pode ser encontrado em Grun (1999).
296 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
produção que a acompanham. Esvaziada de sua sustentação objetiva,
a cultura do trabalho que conhecemos tem cada vez menos condições
aç
de se reproduzir como um sistema coerente e significativo de
lg
orientações de valor, capaz de organizar as identidades e conflitos de
parcelas cada vez maiores da população de nossos países – embora,
vu
sem dúvida, muitos de seus elementos permaneçam presentes.
di
ão
no mencionado par empregabilidade/empreendedorismo, termos
que vêm se tornando quase ubíquos no discurso dos protagonistas
aç
da cena contemporânea – desde tecnocratas e educadores, políticos
lg
e líderes sindicais de todos os matizes e variada importância, até a
diuturna difusão pela mídia – e que têm servido, ao mesmo tempo,
vu
como explicação e justificativa das novas condições de trabalho.
di
ão
da independência pessoal. Resumindo e simplificando, projeta-se a
imagem do “novo trabalhador” como um ser que substitui a carreira
aç
em um emprego assalariado de longo prazo pelo desenvolvimento
lg
individual, através da venda de sua força de trabalho (ou da alocação
de seu esforço como produtor direto) em uma série de atividades
vu
contingentes, obtidas através da demonstração pública da disposição
di
entre esses dois planos – e, portanto, tem um certo apelo que vai
além da mera estratégia adaptativa. Por um lado, como diz o ditado,
Ex
ão
natureza, mais profundas, duradouras e angustiantes. Para além da
aç
mera percepção social difusa, esse consenso parece fundamentar-se
em evidências confiáveis de que está em curso uma profunda reorga-
lg
nização da vida econômica em escala mundial, que tem se mostrado
muito heterogênea e rebelde às tentativas de controle por parte de
vu
governos e outras coletividades organizadas.
di
1
In: Revista Insight/Inteligência, Rio de Janeiro, 5, pp. 58-65, 1999.
300 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
forte), “assalariamento” corre o risco de tornar-se uma expressão
omnibus que, incluindo tudo, acabe por não significar mais nada. Por
aç
isso, não é ocioso indicar os dois principais aspectos de suas trans-
lg
formações que podem ser considerados significativos para a questão
da integração social.
vu
O mais importante deles talvez seja o processo de terciari-
di
2
Vinte anos atrás, Jose Sergio Leite Lopes e eu (1979) mencionamos a existência
de um processo conjugado de obreirização-desobreirização para indicar a oscilação
dos trabalhadores num mercado segmentado. Atualmente, com o galopante
desemprego industrial que, além da economias centrais, também atinge países
em desenvolvimento como o Brasil, torna-se necessário enfatizar a tendência
unidirecional desse processo. Essa publicação está incluída neste livro, ver capítulo
“Estratégias de trabalho, formas de dominação na produção e subordinação
doméstica de trabalhadores urbanos”.
Parte 3 A reconfiguração do mundo do trabalho | 301
ão
tempo jurídica e política, pois reduz o poder de barganha dos
trabalhadores – corresponde também uma “informalização” de
aç
boa parte da reprodução material, com a provisão não mercantil
lg
da cesta de consumo expandindo-se visivelmente. É claro que tudo
isto repercute sobre a estrutura da família, que permanece sendo a
vu
principal mediação entre produção e consumo, mas, em que pese o
di
ão
uma convergência que vem há muito tempo sendo pressuposta tanto
na vivência cotidiana quanto nas categorias analíticas – generaliza-
aç
se a ponto de se tornar cada vez mais objeto de atenção e disputa.
lg
Para mencionar as principais, o emprego, a renda e a educação
relacionam-se de forma cada vez mais aleatória, sendo que estas
vu
inconsistências, como seria de esperar, também se manifestam na
di
ão
vendedores, elevando o trabalho à condição de dever moral e fonte
de dignidade pessoal e de classe.
aç
Entretanto, esta combinação virtuosa de um
lg
desenvolvimento técnico (“natural”, “espontâneo”) cujo requisito
é a crescente proteção do consumo (“intencional”, “consciente”),
vu
gerando ao mesmo tempo a expansão da produção de massa e uma
di
ão
desvio”, imagem invertida da estrutura dominante que conhecemos.
Menos notável, mas igualmente decisiva, é outra tendência
aç
de mudança, que vem sendo produzida por continuidade, isto é,
lg
como lento desdobramento das estruturas em transformação.
Penso, aqui, no que acontece com a empregabilidade, esta expressão
vu
que vem se tornando quase ubíqua no discurso dos protagonistas
di
ão
proposta de substituir a especialização por uma polivalência que
torne o trabalhador apto ao desempenho de ocupações com conteúdos
aç
diferenciados, caminha junto com a defesa da competitividade, da
lg
autonomia profissional e da independência pessoal. Resumindo e
simplificando, projeta-se a imagem do “novo trabalhador” como um
vu
ser que substitui a carreira em um emprego assalariado de longo
di
trabalho ainda assusta e repele, mas parece que a adesão a ela tende
pl
entre esses dois planos – e, portanto, tem um certo apelo que vai
além da mera estratégia adaptativa. Por outro lado, como diz o ditado,
“é aí que reside o perigo”. Uma cultura do trabalho organizada em
torno da categoria da “empregabilidade”, como parece ser a que está
em gestação, fere de morte os valores de solidariedade social tão
dificilmente institucionalizados sob a fórmula “trabalho livre, mas
protegido” e torna-se o centro do processo de legitimação ideológica
da fragmentação social que, nesta hipótese, se tornaria irreversível.
Enquanto esse risco não for afastado, os aspectos positivos das
mudanças culturais em curso precisam ser considerados com muito
cuidado – eu diria, mesmo, que devem ser considerados “com um pé
atrás”.
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
Referencias bibliográficas
ão
Arizpe, Lourdes. 1978. Rotating urban labor: relay migration as a strategy
aç
for survival among peasant households. Mimeo.
lg
Armstrong, W. R.; McGee, T. G. 1968. “Revolutionary change and the Third
World city: a theory of urban evolution”, Civilizations, XVIII(3).
vu
Auletta, Ken. 1982. The underclass. New York: Randon House.
di
ão
Universitaires de Grenoble.
aç
Cacciamali, Maria Cristina. 1983. Setor informal urbano e formas de
participação na produção. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas
(USP). (Série Ensaios Econômicos, 26).
lg
vu
Camargo, José Márcio (org.). 1996. Flexibilidade do mercado de trabalho no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.
di
ão
estructuras económicas. Buenos Ayres: Piete/Humanitas.
aç
Centro de Sociología Comparada (Instituto Torcuato di Tella). 1969. Revista
Latinoamericana de Sociología, 5(2).
lg
vu
Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (Codesco). 1969.
Levantamento sócio-econômico da favela de Cordovil. Rio de Janeiro, mimeo.
di
Corten, André. 1965. “Como vive la otra mitad de Santo Domingo: estudio
de dualismo estructural”. Caribbean Studies, 4(4).
de
Fanon, Frantz. 1965. The wretched of the Earth. London: MacGibbon and
Kee.
310 | Luiz Antonio Machado da Silva
ão
e a emergência do meio ambiente enquanto problema social no Rio de Janeiro
(1985/1992). Tese de Doutorado, Universidade Cândido Mendes.
aç
Galenson, Walter. 1963. “Economic development and the sectoral expansion
lg
of employment”. International Labor Review, LXXXVII(6).
vu
Germani, Gino. 1973. El concepto de marginalidad. Buenos Aires: Ediciones
Nueva Vision.
di
Gerth, Hans; Mills, C. Wright (orgs.). 1958. From Max Weber – essays in
de
Horowitz, Irving Louis (org.). 1970. Masses in Latin America. New York:
Oxford University Press.
Lautier, Bruno. 1991. “Les travailleus n’ont pas la forme – informalité des
relations de travail et citoyenneté em Amérique Latine”. In: B. Lautier; C.
Miras; A. Morice (orgs.). L’Etat et l’informel. Paris: Editions l’Harmattan.
______. 1994. L’économie informelle dans le Tiers Monde. Paris: Editions La
ão
Découverte.
______. 1997. “Os amores tumultuados entre o Estado e a economia informal”.
aç
Contemporaneidade e Educação, 2(1).
lg
Lebret, L. J. 1958. Suicídio ou sobrevivência do ocidente. São Paulo: Livraria
vu
Duas Cidades.
Leite Lopes, José Sergio. 1976. O vapor do diabo – o trabalho dos operários
do açúcar. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
______. 1995. Caracterização do mercado de trabalho, economia formal,
ar
Leite Lopes, José Sergio; Machado da Silva, Luiz Antonio. 1979. “Introdução:
em
Terra.
ão
______. 1996. “Informalização. Mas o que se quer dizer com isso?”. Monitor
Público, 3(11).
aç
Machado da Silva, Luiz Antonio; Chinelli, Filippina. 1997. “Velhas e novas
lg
questões sobre a informalização do trabalho no Brasil contemporâneo”.
Contemporaneidade e Educação, 2(1).
vu
Machado da Silva, Luiz Antonio; Santos, Carlos Nelson Ferreira. 1969. “Favela
di
Terra.
ão
materia de empleo”. 47ª Conferência Internacional do Trabalho, Genebra,
mimeo.
aç
______. 1972. Employment, income and inequality: a strategy for increasing
productive employment in Kenya. Genebra: OIT.
lg
Oliveira, Francisco de. 1972. “A economia brasileira. Crítica à razão dualista”.
vu
Estudos CEBRAP, 2.
______. 1976. “Acumulação capitalista, Estado e urbanização: a nova qualidade
di
Paoli, Maria Célia. 1982. “Os trabalhadores urbanos na fala dos outros.
Tempo, espaço e classe na história operária brasileira”. In: J. S. L. Lopes (org.).
Cultura e identidade operária – aspectos da cultura da classe trabalhadora.
314 | Luiz Antonio Machado da Silva
Paolucci, Gabriella. 1993. Tempi postmoderni – per una sociologia del tempo
nelle societá industrali avanzate. Milano: Franco Angeli.
______. 1970. Favelas de l’agglomération de Rio de Janeiro – leur place dans
le processus d’urbanization. Tese de Doutorado de 3º ciclo, Centre de
Geographie Appliquée, Strasbourg.
Peattie, Lisa. 1987. “An idea in good currency and how it grew: the Informal
Sector”. World Development, 15(7).
ão
Janeiro: Zahar.
______. 1969b. Urbanização e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar.
aç
Perret, Bernard; Roustang, Guy. 1993. L’économie contre la societé, affronter
la crise de l’intégracion sociale et culturelle. Paris: Editoins du Seuil.
lg
Polanyi, Karl. 1975. La Grand transformación. Mexico (D.F.): Juan Pablos Ed.
vu
Polanyi, Karl; Arensberg, Conrad; Pearson, Harry W. (orgs). 1957. Trade
di
and market in the early empires. New York/London: The Free Press/Collier-
Macmillan Ltd.
de
Potter, Jack M. et al. (org.). 1967. Peasant society – a reader. Boston: Little,
em
Prandi, Jose Reginaldo. 1978. O trabalhador por conta própria sob o capital.
Ex
ão
distretti industriali. Milano: Franco Angeli.
aç
Sabóia, João. 1991. “Emprego nos anos 80: uma década perdida”. In: Textos
para discussão. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
lg
vu
Sader, Eder; Gentili, Pablo (orgs.). 1995. Pós-neoliberalismo: as políticas
sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
______. 1968. “Le rôle moteur du tertiaire primitif dans les villes du Tiers
di
ão
Tabboni, Simonetta. 1991. La rappresentazione sociale del tempo. Milano:
Franco Angeli.
aç
Tavares, Maria da Conceição. 1973. Da substituição de importações ao
lg
capitalismo financeiro – ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro:
vu
Zahar Editores.
Tilly, Louise; Scott, Joan. 1978. Women, work and family. New York: Holt.
em
Tokman, Victor. 1987. “El sector informal: quince años después”. El Trimestre
Económico, 215.
Ex
Turner, John F. C. S.d. Lima’s barriadas and corralones: suburbs vs. Slums.
Mimeo.
ão
aç
lg
vu
di
de
ar
pl
em
Ex
Ex
em
pl
ar
de
di
vu
lg
aç
ão
Coleção Kalela-Quipu
ão
agências. Nesta coleção de livros, organizada pelo Núcleo
de Pesquisa em Cultura e Economia (nucec.net) procuramos
aç
explorar a afinidade entre esses dispositivos e a atividade
de fazer e de escrever etnografias, jogando com diferentes
lg
escalas, questionando fronteiras entre domínios e formas do
vu
conhecimento, compreendendo através dos múltiplos pontos
de vista e das diferentes formas de conceituar a experiência
di
humana.
de
(organizadoras)
em
Próximo lançamento
Ex
Formato 16 x 23
Tipologia: Cambria
Papel: Pólen Soft 80 g/m2 (miolo)
Supremo 250 g/m2 (capa)