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A Introdugio Histérica a4 Teoria da Lei - Epoca Moderna Anténio Pedro Barbas Homem Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa @ segunda parte do estudo sobre Introdugao Historica & Teoria da Lei dedicado & Idade Moderna, Il PARTE A exposi¢ao encontra-se dividida em trés capitulos, os uals correspondem a outros tantos lugares de observ EPOCA MODERNA | cdo e anélise da teoria da lei. Em primeiro lugar, 6 estu- dado 0 problema da lei n: i i a ligagao entre a teoria do Continuamos no pre- | direito com as concepgées politicas, morais e teolégicas. 4 ‘ Depois, é apreciado o modo como, em Portugal, o exer- aeeeaRena da revista | Clo do poder de legislar se relacionou com o estatuto «Legislagéo» 0 estudo | monérquico e, em especial, com os poderes e deveres dos abe A ( capitulo 2.*).Finalmente, entra-se na temética da histéri cme da teoria da | Oh as leis, néo apenas estudada nos seus aspec- ei, dedicado a Idade | tos filoséticos, mas igualmente na disciplina da actividade dos juizes e dos advogados, bem como na teoria e na pré- tica da interpretagao e da aplicagdo das leis (capitulo 3.9) Moderna. Uma primeira observagao tem que ser feita: no existe uma ruptura revoluciondria entre a época medieval ¢ a €poca agora em estudo, mas uma continuidade que nos permite explicar o motivo pelo qual os temas e os conceitos do discurso juridico ¢ politico anterior permanecem durante os séculos XVI e seguintes. A divisio da his- t6ria em épocas tem apenas um significado simbélico e resulta da impos- sibilidade em expor de uma s6 vez todo o devir histérico. Também aqui dividimos a exposigao em trés capitulos, os quais correspondem a outros ‘antos lugares de observagio e andlise da teoria da lei, Em primeiro lugar, ¢studamos 0 problema da lei na filosofia juridica ¢ politica (capitulo 1°), {especial a ligagdo entre a teoria do direito com as concepsoes politicas, Morais e teolégicas. Depois, apreciamos 0 modo como, em Portugal, 0 ®xercicio do poder de legislar se relacionou com 0 estatuto mondrquico, > Digitalizado com CamScanner Legislagao Ne 26 0 bro « Dezembro 1999 sobretudo considerando a emergéncia dos conceitos de Estado e de sobe- rania (capitulo 2.°), Finalmente, entramos na tematica da obediéncia as leis, nao apenas estudada nos seus aspectos filosdficos profundos, mas igual- mente na disciplina da actividade dos juizes e dos advogados, bem como na teoria e na pratica da interpretagao e da aplicagao das leis (capitulo 3.°). Centramos a exposi¢ao entre dois marcos: as Ordenacées Afonsinas, como termo inicial, ea revolucao de 1820, como termo final. Com a Constituigao de 1822 entra-se decididamente na €poca contemporanea, mas 0 estudo das ideias e do pensamento juridico respectivo serd feito em momento pos- terior. Na redaccao da Presente parte do trabalho utilizamos alguns ele- mentos de outros estudos nossos jd anteriormente publicados. Digitalizado com CamScanner ‘Mtrodugho Historica & Teoria de Let - Epoce Moderne Y I¢Bo Histor fotia da Lei — la Lei - Ep 2 AF SOF) CAP. 1.°A FILOSOPIA JURIDICA F poy {TIGA gumdrio: § 1° A segunda eseoldst : . listica: a lei div § 2. O poder legislative como mar 4 Foe ee hee gio; § 4." Liberalismo: a lei como ga pberania; § 3.° A ciéncia da legisla garant (5° Democracia: a let eee aan " le ¢ da propriedade, ranifestacio da vontade geral No renascimento, a Europa conhece profundas transforma cconsmicas ¢ juridicas. Os descobrimentos, a refo armagées religiosas, politicas, sen aan de rel rma protestante, a contea-reforma eee ee ee ee «gem geral, 0 avango da téenica e a construgio de um sranieaickonteisias igualmente factores relevantes. = eo loremr Pope mar pony omnes lg ad 124; y juridico ¢ politico. O peso do aristotelismo ¢ da escolastica vi justificar uma corrente de pensamento genericamente descrita como se veda excl tica (§ 1.°), na qual é caracteristico 0 peso colocado na ideia de razio a ordem. Em isda 3s concepeSes escolstcas encontramos a doutinasjusracionalits que procuram emancipar o pensamento juridico e politico da teologia. Por outras vias, assinala-se a emergéncia de uma literatura politica, isto é, de uma literatura em que os ficados e interpretados sem o método da teologia ¢ o auxi- ado nao é separavel dos elementos normativos: & lei |. Identificamos trés grandes linhas na evolugio his- .eram na época em estudo .2), 0 liberalismo Jevantes para © factores politicos sao identi lio da religido. A formagio do Est identifica o poder soberano (§ 2.°) térica da teoria da lei, devendo advertir-se que néo apares como antagonicas. A ciéncia da legislagéo de perfil absolutista (§ 3 (6 4.°), € as concepgoes democraticas (§ 5.°) constituem elementos rel estudo da hist6ria da teoria do direito ¢ da lei. § 1.2. SEGUNDA ESCOLASTICA: A LEI DIVINA, A LEL NATURAL EA LEI HUMANA. | Ubi societas, ibi ins. e modo especifico | na reflexio poli- comum das dou- derna. lade como comunidade natural constitui um elemento centre se de uma op! exo filosdfica mo O tema aristotélico da cid da vida social do homem tica ocidental. Como destac: trinas medievais que se P™ Digitalizado com CamScanner s do final do século xy; (ss mitas de S. Agostinho ¢ ‘ ny "bo rel. pecado original; Me ados politico 3 Brel nio filipino, recorda com, es tral Ordem €0! Num dos ma 7 soronel, anes Coron mom Gregorio Nu conta D. Antoni 7 7 a tematica ay partidario d via i rpico se relaciona com depois da queda comum da 7264 hyp, i an, A naturez4 estar segura sem” Jei e governar bem sem um magn nen| c ci ¢ do magistrado, nenhuma cidade, nenhum : y F, de facto, sem nem toda a natureza das coisas, nem 9 a 6 1a nagao intel’ ~ see's hums a de homens, nen mundo podem mante’ ado, eis alguns dos elementos fy, ‘A sociedade ¢ © pecado, a lei eo magistr: damentais da filosofia politica ¢ juridica modernas. ecessidade da sociedade e 4, Contudo, ela depara-se com 4 questo da n poder politic. © confronto entre 2 natureza ea sociedade coloca-se com ‘onto entre a civilizagao ocidental e os homens dis dramatismo no confr sociedades primitivas descobertas nos séculos XV e XVI. Pode o homem dir. se leis a si proprio, eis a interrogagao primeira. Depois questiona-se: pode o homem impor leis aos outros? Uma outra interrogagao vai ser acrescen- tada: pode o homem punir-se a si proprio e punir os outros pelo incum- primento das leis? O tema jé apareceu na literatura grega, nomeadamente em Teréncio, mas a descoberta de novos povos e terras nos séculos XV¢ XVI provocou um choque civilizacional no ocidente. Ao encontrarem povos we ran iene de acordo com regras que acreditaram serem natu- interopar seep a iis constituido, os intelectuais europels eae dn eee soon tipo de relages que se estabelecia Este cho ih que de civilizagdes impli da . zagGes implicou o repens: fun- mentais do pensamento politico pensar de alguns dos temas Em primeir 0 lugar, o tem: . cy h ada at ds vinci de sociedad i ee natural do homem, fundames"® lenhuma obra d © do poder, . esc Robinson Cased one elho# © debate entéo surgido do que 0 07m ae critor inglés Daniel Defoe (1660-1731). Recordem™ ~f86ri0 Nunes Li 's Coronel, inguarum, 1597, eh De Optimo Reipublicae Statu, Roma, Typ- Externart™ Digitalizado com CamScanner Cay 'Mtroducho Historica & Teoria da ce Histori rh i 7 asituagao: ndufrago numa ilha deserta Robi gras minuci a, Robin de regras minuciosas para regular a sua vid 0 dessas regras 3 socia a existe: ida quoti face Moderna N estabelece um conjunto Rae diana. Ao incumprimento 7 go. yamente cumpre os castigos criados nas sie re primeira impressao a um leitor desprever apesar de viver 56, efecti- FS por si mesmo aprovadas. A a nido é a da estranheza e bizarria cfoe apresenta-nos de modo metaférico um nanan f Pp tema central d. sdeias politicas. No dia 4, pela manha, prescrevi uma regra ei vada, Verbo, 1988, cap. IX, p. 57). , trad. de Pinheiro Chagas, adap- Instado a mostrar que os homens podem sobreviverisolados, a conclusio de Robinson é inevitavel: ‘<«Nesse estado vivi mais de um ano, tranquilo e resignado: se nao fosse a minha soli- dio, nada me faltaria para ser perfeitamente feliz» (idem, cap. XVIII, p. 114). o mesmo tema pode ser encontrado nos textos de Kant, ‘0. tem impedido leituras divergentes contradité- como iremos verificar, é é formulada a Séculos volvidos, cuja falta de clareza ni rias; sob a forma de um paradoxo moral, que, mum na literatura do barroco, dio for condenado a sofrer uma pena, mas a ro ultimo dos cidadios vivos, deve ainda ra pena? A sociedade aparece, nao como da felicidade. O problema nfo é apenss o i leis a si proprio, mas se pode impor leis O tema da civilizagao ¢ da numa outra reflexio um elemento retérico co seguinte questao: se um cidat sociedade desaparecer ¢ ele fo assim sofrer o castigo € expia requisito da vida humana, mas de saber se 0 homem se pode da aos outros ¢ puni-los pelo seu in imposigao das regras ocidentais de Robinson Crusoe: cumprimento. aos nativos aparece fro ew para me fazer juz earasco des «Que autoridade, disse comigo, que woes Hiya no seu sangue 0 SANBUE ses miseriveis selvagens? Que dircito tenho & de me ving i ue eu que eles derramam? Estes homens nunca me fizeram . Pee i a rn jen penso compreender, s6 poderia ser deseu sea cap. XX pP- 132-133) -me para eu proprio me defender contra 0S seus —=— Digitalizado com CamScanner Legislagiio N? 26 Outubro - Dezembro 1999 A teorizaci : Oriza : de Afei i do confronto entre civilizagées — a 0¢! a eas indigenas : i éri ‘fi ensar as a tea, Sia ¢ América — constitui um modo espectfico de © tema © direito natural ¢ da lei, Vamos encontra-lo, por exemP 0» GI Dltras i i : topia de Mi obras primas da literatura eda reflexio ocidental, como a Utopia de Morus vie, que reflectiram sobre , OU 08 textos dos grandes tedlogos peninsul Colonizagio cristi ¢ curopeia na América. : traduzido como D, Na Utopia ~ cujo titulo latino completo poder - cae a sah ‘tha da Utopia - i; melhor constituigéo de uma repiiblica om da itha a propésito dos habitantes da ilha da Utopia de leis, pois, para um pove tao instrufdo como poucas leis sio necessérias. Desaprovam princi intermindvel de leis e comentarios sobre as mes- ls inguficientes. Tém como suprema injustica que se obrigue um homem a obedecer a leis que nfo consegue on pois slo _ ras e tio obscuras que ninguém as pode compreender com exactidao. [..-] Todas as leis, dizem os Utopianos, so promulgadas com 0 tinico intento de que cada homem fique mado dos seus direitos e deveres.» «"*, Aliteratura politica catélica posterior vai classificar dois tipos de razio de Estado de acordo com um critério dificilmente mais redutor: a boa e a ma! A boa razio de Estado é aquela que é prosseguida pelos bons principes catélicos; a m4 encontra-se associada 4 reforma protestante e aos seus poli- ticos. Um manual politico para governantes catélicos do jesuita Pedro de Ribadeneyra demonstra a importancia dos assuntos religiosos para a con- ducio do Estado: esta razio de Estado nao é uma sd, mas duas: uma falsa e aparente, outra sélida ¢verdadeira uma enganadora ediabolic,outra certae diva; uma que do Estado fez religiéo, outra que da religido faz, Estado; uma ensinada pelos politicos ¢ fun- dada num prudéncia vi ¢ em meios humanos ¢ ruins tea ensinada por Devs, Que se apoia no mesmo Deus ¢ nos meios que Ele, com a sua paternal providén- "Joio Botero, Da Rado de Estado, (1589) ed: Lu Reis Torgl¢ Rafalls Longobard Ralha, Coimbra, INIC, 1992, Liv. I, p. 5. Digitalizado com CamScanner Legislagio Ne 26 Outubro « Dezembro 1999 i ro é es, como Senho; cia aponta aos principes ¢ thes da forga para usar bem del de tog, os Estados.»”, Também na popular Arte de Furtar a Senhora Dona shanty é on come, filha da razao de Estado e do amor proprio, ¢ tendo co! > a Aquiave, vino ¢ Lutero, deste modo s¢ equiparando ama razdo de Estaq, e politicas protestantes- pe io ‘o renascimento S¢ assista @ polit AGRO da 060 primeiro dos direitos reais, como , politica ~ € uma forma de Pelagio, Cal as concepgdes religiosas Compreende-se, assim, que com lei, Nao apenas 0 poder legislative € 0 ssencialmente a is € fae: aprovagao de leis é uma tare! : ae comunicar com a opiniao ptiblica de manifestar a especificidade de cad, governante. Alguns tratadistas politicos reflectem sobre 0 momento poli. a aprovar as medidas espectaculares de cad; ticamente mais adequado pai i reinado — se no principio, se NO MeO, se no fim -, deste modo evidenci- lade e oportunidade das leis, ando a dialéctica entre as exigéncias de necessid: i a conclusao destes tratadistas: a necessidade, isto é, a razio bre a lei ordindria. Iéncio com base nos quais foram construi- do mal, A dissociacio entre autoridade Compreende-se de Estado, prevalece so! Anunciam-se os impérios do si das as contemporaneas civilizagdes e justica e entre poder e direito natural prenuncia a época contemporinea. os arcanos, os artificios e os estratagemas constituem topicos O segredo, depois segredo de Estado, é com que lida a razio de Estado. O segredo, considerado pelos tratadistas politicos renascentistas como um dos princi- Pais critérios da prudéncia governativa. E a dissimulagao e a desconfianga so elogiadas como critérios da prudéncia de governar. Para os tratadistas catélicos, conden4vel é a perfidia e a injustiga e discutida a validade d2 malicia. Deste Ati a teo od encontramos duas temiticas particularmente importantes P™ ria da i ihe a ba ) 7 Lede da oportunidade das leis, justificando qu¢* ntendida como u: i i HA, ops 0 BIEL pt ma resposta intemporal, mas, como hoje s¢ ' $ por i égi podem aprovar leis de acordo com uma estratée!* ee ie wiki Pedro de Ribadeneyra, Tratado de La Religién y Virtudes que Debe Tener el Princ 595, Cristiano, Contra lo que Nicolds Maquiavelo y Politicns de ecto Tiomna Ensenam )?"” Digitalizado com CamScanner D PW04 M80 Histren& Tora g ria da Loi - & ce Modena considered mais conveniente; jj) 4 agg ‘no metodo na composigio das | ale cf ; : 0 Tear uma soluga ; Ao justificar uma solugio particular do N, xteriorizagio, ica uM AgUMENLO que estarg » Novo Cédigo, P: Stara pre: , sdentifi yolvemos — em todos os regimes autori Gao do 5 ‘egredo © i se na sua e da dissimulagao ‘ascoal de Melo sente ~ e« ' pmo mais ai A frente desen- jo conve que abertamente se di 0 oye motivo, Para se ni qr ue sempre se entend qe? , para se sempre se enten ae iio dar ocasio a te flain uc as eed ase : It, que esta é 2 causa, por que os 08 legisladores, ainda os da mais alta antiguidad. iguidade, proibi p » proibiram interpretar ecomen: was ss 18> Quso da dissimulacao pelos principes leva ao confli sade a exteriorzar S esmcorinens ol ue mor entre a neces- ceiros. A oposigao segredo / publicidade é um ie nth a ae ara compreender a ruptura introduzida com o direito eee jismo: a fundagao do direito publico liberal foi fi veal 4 yan um modo de superar © secretismo que dominava a vida pads on regime. Ficou um problema que iremos acompanhar mais 4 frent oa saber se a condugio da politica também obedece a regras juridicas e, em tal caso, se as regras do direito politico sio as mesmas do direito pavado eito privado nao se admite a fraude, nem a - precisamente porque no dir simulago, nem 0 dolo. £ sobretudo nas obras dos sec Estado (Antonio Perez, Walsin: reflexdo sobre a estratégia da simula trada, Nao é de estranhar que, para estes sobretudo experiéncia € os livros demasiado tedricos, politicos dos tedlogos, perigosos: retérios de principes ¢ dos secretirios de gham, Richelieu, Mazarino...) que uma io e da dissimulagio pode ser encon- mestres da mentira, a politica seja como os tratados 9 Estado do que aqueles ave pretender gover” dos livros Eleslevam-n0s 8 rut porque © ea constituiga® lugares € t Digitalizado com CamScanner Legistagio N2 26 Outubro» Dezembro 1000 M Razdo de Estado ¢ politica legislative: Como temos sublinhado, desde o renaseimento 4 fungio legislatiy, fy jo essencialmente politics, 6" y formulagio de mbxin 4, m, compreendida também como uma fung tado conta-se : n tama forma literaria Upica do bar, aforismos, sentengas ¢ entre os elementos da razdo de I de acgio politica, Constitui, alids, comum nas obras moralistas de recolha de aforismos, 1 ' ¢ de E: sonstitui, assim, UM tipo prs mas. A literatura das maximas de Estado const HPO roprie, das obras da razio de Estado do barroco. Alguns destes preceitos dirigem-s Aacgio legislativa dos principes e poder, ser recordados em férmulas que sponsabilidade, mas ade quadas ao gosto barroco: sio da nossa r te das leis. A\ é inconveniente a mudanga constan' ea Aristoteles como referido n Na sua origem, 0 tema remonta a Platao 1.4 parte, O argumento central pode ser explicado do seguinte modo, O fim das leis é a justiga. Logo, a aprovagao de uma lei é justificada pelo facto de ser justa. Quando se aprova uma altera¢4o, no fundo reconhece- -se que afinal a lei nao era justa. De futuro, a comunidade vai poder enca- rar legislagao existente igualmente como um resultado apenas transit6rio, mas nao a expresso de principios inquestiondveis, pelo que a descon- fianga nas leis e nos governantes que as aprovam ¢ 0 risco de desobe- diéncia sio o corolério da mudanga constante das leis. As palavras de clissicos seiscentistas e setecentistas portugueses do pensamento politico esclarece este aspecto, i) «em casos duvidosos é mais prudente padecer males toleraveis que bus- car 0 remédio deles com risco de dar em outros maiores» (Antoni? Carvalho de Parada, Arte de Reinar, f, 196). i) «é pois mais conveniente tolerar uma lei antiga, ainda que nio seja total- mente Sptiens, que tird-la estando jé recebida, e comprovada com 0 US ¢ observancia de muitas idades, e com a capa de se reformar, se perturba a paz, ¢ descanso da Cidade, ¢ se arrisca a obediéncia da Cidade, e se arris* obediéncia dos vassalos» (Diogo Guerreiro Camacho de Aboim, £5 Moral..., p. 185). A exigéncia do senso comum é a de evitar a multiplicidade de leis. Digitalizado com CamScanner Introd M } WeHO Historica & Teoria dn La poen Mod ~ fpoca Moderna «As infinitas Leis Positivas debaixo de oy nidade», lamentou Joaquim José Rodrigues de Bri Mais tarde, com © constitucionalismo, vamo tito, adaptadadépocaa inconveniéncia da mudangadaciene ne de Maistre, um dos autores cléssicos do pentsamentg an nena Joseph francés, apresenta um argumento original aeons Nas Consideragées sobre a Franca, de 1797, tos coincide com a demincia do excesso de jo HO enorme peso geme a Huma- Ss encontrar a mesma maxima ‘nto contra-revoluciondrio a do excesso de legislagio. + @ critica as declaracties de direi- Tegras constitucionais: «Quanto mais se escrevem [as Constituigdes as Decl ttuigio € fracas a razao é clara. As leis nio sio mais do que declaragoes os direitos 56 sio declarados quando sao atacados; deste ate a malic ed rs constitucionais cxcritas nao prova mais do que a multiplicidade dete caus ae de uma destruigdo» (J. de Maistre, Considérations sur la France, cap. vi ae aragdes de direitos] e mais a ins- Por esta razao, 0 tépico antigo e sobretudo desenvolvido por Montesquieu de adequar as leis aos factores naturais encontra no mesmo de Maistre a seguinte interrogagao: «O que é uma Constituigé0? Nao é a solugio ao problema seguinte? Considerando a populacio, os costumes, a religifo, a situagio geogréfica, as relagdes politcas, as rique- zas, 0s bons ¢ os maus costumes de uma certa nag&o, encontrar as leis que Ihe conve- ham. Ora, este problema no foi considerado na constitui¢io de 1795, que apenas pensou no homem>. Também na mesma época, o presidente americano John Adams verbera nos europeus o pensarem que as Constituigdes podem ser escritas como to é, nao o resultado sedimentado de ideais tado da vontade de maiorias provisérias ado de artigos ¢ de principios, mas nao um quem cozinha um pudim, is aceites por todos, mas o resul frageis - um verdadeiro cozinh compromisso sério ¢ filosoficamente sustentado, devem evitar-se as novidades. tépicos ou reflexdes geras da filo- s a0 dominio legislativo. Jemento definidor da teo- B\ no dominio da politica e do direito Algumas das ideias referidas constituem : Sofia politica, moral e juridica, aqui aplicavei A maxima «evitar as novidades» constitui um ¢l Digitalizado com CamScanner Legislagao IN? 26 Outubro. Dezembro: 1999 protestante. A sta ap} logia catdlica, em especial na época da reforma proven ey mia explica um, do direito ¢ da economia &* a eng. a nao aceitagao QUE a idej, 4 : e icy. G40 ao dominio da politica, zada atitude conservadora ¢ sobretudo Progresso scja aplicével ao espirito humane, oF Jastro e€ Para Damiio Anténio de Lemos Faria ¢ € Uma vetados"” das razdes da conservagio dos Estados”. le Aboim desenvolve na p, A ligao que Diogo Guerreiro ramacho de Scola ilidade do direi moral, politica, evista ¢ juridica acerca da estabilidad HO serve de guia destas concepgdes: va sto aqueles que persistem nas Tes geralmente lanai, a iar alos os erimes; € que 0 bom Principe py aoe ae dado de fazer muitas lei, mas boas e saudéveis 4 Repsiblicas porque on, Tee principe. e bons Minstros, bastam poucas [..] entre 0s muitos achaques, de bom Pein prs & muito pestilentoo das novidades; e Por ete respito de aces foie muita de fazer nova i, e por todo 0 euidado em fazer ober tuardar as antiga, segundo Platio..» (Diogo Guerreiro Camacho de Aboim, Esals moral... pp: 183-184). a... 08 bons Legislad: nao aquele, que particularmente atend Por esta razio, debalde procurarfamos nos paises catélicos durante a época cenascentista 0 barroco uma literatura reformista assente no dominio legislativo. Como em relagao 4 época medieval, as reformas baseiam-se antes na crenga de que elas so necessdrias para assegurar a razio das leis ~ isto é, reformar nfo se trata de mudanga, mas sim de conservac¢io. Outras vezes, como encontramos num pensamento do jurista e moralista francés Jean Domat, as leis permanecem em vigor simplesmente porque no houve oportunidade para cuidar da sua reforma: «Existe uma infinidade de leis que apenas subsistem porque nao houve tempo part reformar» (Domat, Pensées, 16, Onevres Completes, Paris, I-IV, 1828-1830). i hie 4 conselho leva apenas a um timido reformismo em matérias muito oe Ps c um lado, aquelas que se ligam com os assuntos préprios d io : © Estado ~ como a seguranga e a economia; de outro, aquelas Covina 'mos Faria e Castro, Politica moral, e civil, aula de nobrez# last Digitalizado com CamScanner Introd lucho Mistoricn & 1, Orin da Lei fooea Moderna com a garanti rendem oat ® ae deuma vida vittuosa ogislagio sobre 08a py cidadi csp a legislagio sobre 6 lux ou, come ent Para os cidadios (por ia roibigio de re nd py, Sebati. & proibigio de gastos excessivas ine ba : encontramos com : ‘amflias), psa iss 4 multiplicagio em époc as de cris e deol Prov concendo propostas de reform, le obras sugerinda alvi- res a mesmo We parciais, acabou por azia parte da pro iho foes da préy porque impedia os governantes de se soncénirs nee em nas tarefas essen- le conservar ¢ engrandecer o E; orar a Sena io de que esta literatura f, c ment stado. Quer di ‘ Quer dizer: di aso de propostas de reforma é tio nocivo a0 sane? als crt eG Estado ea ‘ oa propria crise das instituigdes, ilo € & coisa publica : * aejelo que sio um emalvado vicio da replies cesar Mane err igem de perigosas Coubea antropologia optimista da época das Luzes a ideia de progresso d espirito humano, responsavel por por em causa a perspectiva pibictasats n daordem juridica e de estabilidade do direito. As constituigdes ¢ as leis io rambem encaradas como elementos dindmicos e instrumentos de moderni- zagio da sociedade de acordo com programas politicos e econémicos. Importa em qualquer caso nio perder de vista, como desenvolvemos mais zfrente, que é apenas com 0 liberalismo que se vai forjar 0 conceito de pro- grama de governo. C\ nao pode consentir-se que a interpretagao e a aplicagao das leis condu- zam ao arbitrio dos magistrados. A literatura politica sempre foi muito clara na condenagio do arbitrio dos magistrados e na formulagao de deveres de acatamento das leis. De acordo com este ponto de vista, um tratadista da razio de Estado denuncia: «usar mal das leis, foi sempre a ruina do império»®. icia das sociedades e dos Estados é uma da razio de Estado, precisamente para precipitem os seus A identificagao das causas de decadé Preocupagao constante dos tedricos ¢vitar que os governantes, a0 decidirem erradamente, i ' ® Anno Henriques Gomes, Politica Angelica. Primera parte Dividida em 5. dialogos, Roan, L, Maurray, 1647, p. 149+ Digitalizado com CamScanner Legislagio NS 26 Outubro - Dezembro 1999 riod na ruina, Ora, a obediéneia exigéncia politica, nio 6, como erradamente em varias EPocas Se Pretendey uma exigéncia do método juridico. Alguns dos n0sses juristas mais fame, Sos tém uma clara consciéncia de que © incumprimente das leis pelos magis, trados no pde apenas em causa a lei, mas ameaga ° regime. Neste sentido, sciedade politica. Diversos toy, 4 lei por parte dos magistrados é yp, € uma causa de decadéncia do Estado e da s¢ f : tos da vasta obra de Jodo Pinto Ribeiro sto bem ilustrativos desta tem. tica (v. infra). D\ Os governantes nao podem exigir dos governados 0 cumprimento dos preceitos a que eles préprios nao obedecem. : oe ntia do cumprimento da lei. A ideia de O exemplo do principe é uma gara \ exemplo e de comportamento exemplar dos governantes assegura a ligagio entre a moral dos governantes € a ética publica. a... se 0 principe é virtuoso, 0 povo segue a virtude, ¢, se € viciosos ¢ também 0 povo p dado a vicio» (Frei Heitor Pinto, Zmagens...» 1, p- 169). problema é também relativo & psicologia dos governantes ¢ 20 elev que tém sobre os governados, de acordo com uma liglo iniciada entre nés com o Leal Conselheiro. As referéncias nao faltam, mas dois versos de Camées esclarecem 0 alcance do debate: «Que um fraco rei faz fraca a forte gente» (Lusiadas, III, 138). «Se é certo que co(m o) Rei se muda o povo» (IV, 17). Esta nao é uma ligio ingénua. Nos nossos dias constitui um paradoxo moral ¢ um evidente modo de desmoralizagao da sociedade e dos cidadios que as regras a que 0 Estado ¢ os governantes se encontram vinculados nao sejam as mesmas que sao obrigatérias para os privados.. IV As doutrinas contratualistas, Para exprimir a idei: ‘ 4 : es sanelle a idela de consenso na criagao do direito, o pensamento poli ‘a-se progressivamente para o tema do contrato, aplicando, mesmo Digitalizado com CamScanner ®D veut atin & Toone ate etaforicamente, 0S axiomas fundament Epoca Moderna pe mera vida politica. da disciplina contratual & Avo poder e a sociedade resultam de um contrato entre os seus membros membro: ‘Adistingdo entt mamos titularidade ¢ exercicio do poder utiliza os conceitos de poder habitual e de Poder actual: 0 poder h vi i vene reside na connanidade que, contudo, ee que o exercicio do poder tre 0 que hoje chamam © transfere para os governan- Ee S ‘ ; tes, pele © poder actual ~ reside nos governantes enio na comunidade. |A argumentagao contratualista, como observado por Paulo Meréa, é ante- rior 4 Restauragaio de 1640, embora os mais importantes contributos te6- ricos tenham. sido produzidos para justificar este movimento, O assento das Cortes de 1641, cuja identificagio do redactor é ainda motivo de discus- sio pela historiografia especializada, é claro no enunciado: (artigo 2.°). Deste modo, a linguagem da moral passa para as normas juridicas sob forma de imperativos de conduta. Também em Portugal, as Bases da Constitui¢do e a Constituigao de 1822 obedecem a uma mesma convicgio. Por este motivo, os direitos vém descritos nas Declaragées de direitos ¢ nas Constituigdes como naturais, isto é, prévios & Constituic¢ao ¢ a0 Estado. Os direitos naturais nio so

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