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Nascimento
Nascimento
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♕ Passado.
♕ Única.
ㅤ A luz dos relâmpagos abrilhanta o céu noturno. Alguns segundos depois a trovoada chega aos
ouvidos das mulheres ali presentes.
ㅤ— Quantos desta vez? – questionou Yolanda, a parteira, para a ama que estava olhando pela
janela.
ㅤ— Três?! – voltou-se para a jovem, tentando confirmar com o olhar o que havia ouvido. Foi o
acenar de cabeça que a incitou recuperar o rumo, porém o grito alto e dolorido que tomou sua
atenção. — Minha vasílissa, preciso que use toda a sua força. Agarre-se ao nome de Deméter,
Ártemis, Hécate e Ilítia, agarre-se a todas as deusas, mas a senhora precisa...
ㅤ Relâmpagos e trovões cortaram o céu ao mesmo tempo, no jardim um raio partiu a estátua que
adornava o chafariz. Todas trocam olhares entre si, compartilham da mesma opinião. Contudo
com o respeito ao sagrado momento de sua majestade, optam pelo silêncio condescendente.
ㅤ A juventude daquela mulher era notória pelos traços imaturos, vinte anos e já estava em sua
segunda gravidez. O título, Mãe de Todos, era ainda mais poderoso pois sabia a dor de um
parto. Tombou a cabeça para trás, embora tivesse experiência pretérita, aquela nem de longe
seria sua mais fácil gestação. Era evidente o peso de carregar a coroa sobre a cabeça, a
espada entre as mãos e dois filhos de Zeus pelo ventre.
ㅤ Todas ali temiam o pior desfecho. Após doze horas de trabalho de parto, cada vez mais os
prenúncios tempestuosos se aproximavam. Se continuassem por muito mais tempo, receavam o
que mais poderia ocorrer. O suor em sua pele e as lágrimas que escorriam pelo canto de seus
olhos eram apenas ornamentos que complementavam todo seu desgaste físico e emocional.
Havia trabalhado até o último dia de sua gestação e mesmo para a mais poderosa entre as
mulheres, parir sob aquelas condições poderia ser exaustivo.
ㅤ É então que a primeira criança coroa e após tanto tempo para chegar até ali, finalmente é
expelida para o mundo mortal.
ㅤ Novamente som e luz se cruzam, desta vez tão perto que as janelas se estilhaçam. Tal ruído se
mistura com o choro da menina, que dá seu primeiro suspiro em resposta ao impacto do
ambiente frio e luminoso. Seu brado é poderoso, foi capaz de ressoar por entre as grossas
paredes que separam o quarto da rainha do amplo corredor onde sua vó, meio-irmão e futuro
pai adotivo estão. Os ventos uivam para o interior do recinto e as criadas correm de um lado
para o outro a fim de impedir que a chuva molhe tudo do lado de dentro.
ㅤ— É a menina... – diz a parteira ao entregar a criança nos braços da paciente. — Uma linda
menina. Finalmente, a senhora conseguiu. É mãe de uma menina! Nossa futura vasílissa!
ㅤ— Não. – negou, recusando-se a esconder o sorriso bobo enquanto as pontas dos dedos
acariciavam o rosto inchando da bebê. Estava cansada, dolorida e precisou umedecer os lábios
rachados antes de continuar: — Ela será uma basílissa. Uma basílissa autokrateira.
ㅤ O murmurinho correu por todas. Foi inevitável não sentirem o impacto daquelas palavras. Cada
par de olhos voltaram-se para a governante, cada par de pernas paralisou seus andares, cada
par de mãos suspenderam suas tarefas. Vejam bem, Khloé dos Apsílios tinha um dom para a
dramaticidade. Após nove dias cortejando o rei dos deuses, havia conseguido o que desejava.
Aquelas crianças... aquelas crianças eram o futuro da Cólquida.
[ ... ]
ㅤ É, honrei.
—
ㅤ O rei dos céus assentiu afirmativamente; apesar de concordar com as palavras de sua amante
e aliada, não era da potência física daquela criança que se referia. Lançou um meio sorriso e
sacudiu a cabeça, afastando para longe quaisquer pensamentos que pudessem lhe anuviar o
raciocínio.
ㅤ— Por falar em promessas – agora era Chloe quem encarava o deus. — você disse que não
causaria desconfortos. Disse até que manteria a discrição até o momento certo. Por que fez
tudo aquilo? Todos aqueles raios e trovões. Agora estão culpando a mim e a minha filha – Díos
levantou a sobrancelha esquerda. — nossa filha, estão nos culpando de ter insultado Gaia e
causado todos aqueles desastres. E estou quase acreditando.
ㅤ— Se eu disser que não fui eu quem fiz tudo aquilo, você acreditaria? – o manifesto filho de
Cronos não parecia brincar, seu tom era sério e sóbrio. — Posso ser muitas coisas, filha de
Deméter, mas sei respeitar um bom acordo. Principalmente quando ele me convém.
ㅤ E não mentia. Só os Eternos sabem o quanto Cólquida era cobiçada por muitos e ainda que
aquela criança significasse bastante para ambos, ainda era um tratado muito frágil; qual contaria
com milhões de variáveis. No fundo Khloé sabia, mesmo tão nova era amplamente perspicaz,
que ele não contribuiria para sabotar os próprios esquemas.
ㅤ Novamente o nume retornou sua atenção para a pequena, essa que agora brincava e babava
ainda mais o augusto imortal. Uma nova expressão risonha distendeu o canto de seus lábios ao
percebe-la; não raro, no entanto poucas encarnadas realmente poderiam viver aquele momento.