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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Instituto de Filosofia de Ciências Humanas (IFCH)


Disciplina: Seminário Esp. Hist. Cult. I
Docente: Flaviano Isolan

Discentes:
Raissa Figueiredo (201510276011)
Gabriel Paes (201510281811)

Análise do filme “O Preço do Amanhã” de Andrew Niccol

Rio de Janeiro
2019
“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização
ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é
dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o
tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10
minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo
da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a
meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela.
Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o
tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela
conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela
justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero
aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’. (Antonio
Candido)

O presente trabalho tem como objetivo analisar a distopia desenvolvida no filme


O Preço do Amanhã (2011), dirigido pelo roteirista e diretor neozelandês Andrew
Niccol, cujo enredo se baseia na crítica à sociedade moderna e burguesa. O drama
representado no filme é uma metáfora à organização das relações humanas promovida
pelo modelo capitalista de sociedade, possibilitando colocar em evidencia contradições
resultantes deste modelo como a desigualdade social, a exploração do trabalho e a
desumanização do homem.

No mundo de O Preço do Amanhã, a teoria marxista do valor-trabalho é levada à


sua máxima expressão quando o tempo de trabalho se converte na moeda de troca e,
pior, o relógio biológico de cada ser humano está submetido ao acúmulo de suas horas:
quem não tem mais tempo, morre. Através de uma tecnologia desenvolvida pela
engenharia genética, homens e mulheres param de envelhecer aos 25 anos de idade.
Entretanto, ao completar essa idade, um mecanismo de contagem regressiva é ativado
em seu pulso e a partir desse instante o indivíduo passa a ter apenas mais um ano de
vida. A partir disso, o contexto social do filme demonstra o grande desnível social das
diferentes classes e revela que enquanto poucos podem conseguir viver eternamente, o
restante da população deve se sacrificar para conseguir nada mais do que um dia de
vida.
Há ainda uma divisão da cidade em “Zonas de Tempo”. A faixa pobre da
população fica contida nos guetos, separada por nove barreiras “alfandegárias” onde há
cobrança de altos pedágios para garantir que somente os ricos passem do gueto às zonas
de classes mais altas. Um sistema de divisão moldado na tecnologia do controle à
distância, onde através de mecanismos de vigilância se assegura que o tempo não seja
destinado aos pobres, ou que flua em grandes quantidades ao gueto.

Notam-se vários paralelos entre o mundo distópico criado por Andrew Niccol e
o mundo em que vivemos. A loucura em busca de dinheiro o tempo todo, a correria
diária e, claro, as enormes desigualdades sociais, onde os ricos vivem centenas de anos
e os pobres têm de lutar pra sobreviver mais um dia. O diretor afirmou em uma
entrevista durante a produção do filme que Los Angeles foi perfeita para as gravações,
isso porque: “estaríamos gravando certa noite em uma região de extrema miséria e na
noite seguinte gravando em uma mansão em Bel Air do tamanho do palácio de
Versalhes. Era impossível ignorar a disparidade entre pobres e ricos.” Ratificando
assim, as semelhanças entre o enredo e a realidade do atual sistema capitalista de
divisão de classes.

Além disso, com relação à estratificação social brasileira, em novembro de 2014,


o site G1.com divulgou uma matéria que destacava a fragmentação da sociedade,
proposta pela Secretária de Assuntos Estratégicos (SAE), que utiliza a renda per capita
para classificar as pessoas. Assim como acontece no filme, na sociedade brasileira,
dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que pobres
trabalham duas vezes mais que os ricos para manterem suas despesas básicas. E ainda
possuem uma carga tributária de quase 54%, em comparação a classe que está no topo
da pirâmide que paga apenas 26% de impostos. Traduzindo, a classe baixa trabalha
mais, paga mais e recebe menos. Trabalha mais e vive menos, no sentido de que o
tempo, seja de lazer, saúde ou descanso, é imensamente menor que o da elite.

Ao longo de 109 minutos, Justin Timberlake protagoniza o personagem Will


Salas, que reside no gueto. Do mesmo modo que todas as outras pessoas de sua classe,
Will é obrigado a trabalhar com o tempo de vida que lhe resta para obter a garantia do
recebimento de mais tempo não só para viver, mas também para o pagamento de todas
as suas necessidades básicas. Após mais um dia de trabalho, Will ajuda um homem
chamado Henry Hamilton que nitidamente pertencia a uma esfera social de longevidade
elevada e acaba sendo perseguido por uma gangue chamada “Minute Man”, cujo
objetivo é roubar o tempo das pessoas, ou seja, suas vidas. Após a ajuda, Henry repassa
a Will sua quantidade de tempo milionária, abrindo mão de sua vida.

Os Guardiões do Tempo, representação do Estado, uma espécie de polícia


responsável por manter a ordem vigente e investigar os crimes relativos ao roubo de
tempo, negam a possibilidade de doação, acusando e perseguindo Will pelo tempo de
vida que pertencia a Henry. A corporação se mostra corrupta, protegendo os interesses
burgueses, isso fica claro quando Will questiona o porquê deles estarem investigando
um suicídio enquanto assassinatos em massa ocorrem todos os dias no gueto.

A partir disso, a questão política se amplia para o campo do combate ao sistema.


Sendo fundamental o questionamento inserido por Henry Hamilton, o qual fala da
necessidade da morte. Henry questiona: “para poucos serem imortais, muitos precisam
morrer” e explica por que taxas e preços aumentam dia após dia no gueto: nem todos
podem viver para sempre, pois não haveria espaço. Ele defende ainda que existe tempo
suficiente para todos viverem sem a pressa, sendo a imortalidade desnecessária. No
entanto, esse não é o tema recorrente no filme, mas sim o do direito à existência. Essa é
a principal temática do enredo futurista desenvolvido.

Segundo Marx o homem se torna objeto no momento em que deixa de pertencer


a si mesmo e perde o domínio sobre seus projetos, conquistas e realizações,
convertendo-se em alienado pelas forças dominantes. O objetivo principal destas forças
seria tornar o homem alienado para poder vendê-lo a peças. O homem nessa situação
perde o valor, não somente de produção, de mercado, mas ele perde o valor interno, o
valor de si mesmo enquanto pessoa responsável, racional, razoável e livre. Um homem
nessa situação é mais fácil de ser comprado e vendido, de comprar os seus serviços por
valor qualquer e de vender para aquele que oferecer mais. Também é um ser
consumista, em que suas frustrações e todo o desconforto interno são convertidos em
aquisição de bens e serviços e também o seu prazer físico é extrapolado para o
comércio.

O filme critica o modo como o ser humano se deixou aprisionar pela rotina
frenética de velocidade ditada pela tecnologia, onde se corre contra o tempo a fim de
obter dinheiro, poder e a tão sonha imortalidade. E diante desta corrida, as pessoas mais
ricas conseguem organizar seu tempo de forma a dispor de maiores porções do mesmo
para atividades que lhe dão prazer. Ao passo que a parte pobre da sociedade trabalha
muito, obtendo pouco lucro e, consequentemente, trava contra o tempo uma luta pela
sobrevivência, cada vez mais essas pessoas correm contra o tempo, a fim de obter mais
tempo para usufruir a vida.

Uma das primeiras falas do filme parte do próprio Will e se relaciona com outra
teoria marxista, a de alienação cultural. É ela: “Eu não tenho tempo. Eu não tenho
tempo para pensar como isso acontece. É o que é”. De acordo com Marx, esse tipo de
alienação é consequência da exploração que ocorre nas fábricas, local de trabalho do
protagonista. O operário passa a maior parte do tempo trabalhando e, portanto, no tempo
que lhe resta está sempre exausto demais para consumir qualquer forma de cultura, o
que acaba por torna-lo menos crítico e mais facilmente manipulável. Will está sempre
lutando por sobrevivência e ao declarar que não tem tempo sequer para pensar como
aquele sistema foi imposto, deixa claro que ele próprio é vítima da alienação imposta.
Isso só muda quando se torna rico pela doação e passa a ter acesso ao mundo burguês,
despertando uma consciência de classe.

Ao desafiar o sistema aprisionador que impera na vida daquela sociedade, Will


passa a subtrair os estoques de tempo dos bancos e a repartir com toda a população da
esfera pobre, quebrando o sistema de monopólio do tempo. Pessoas não precisam mais
morrer para que poucos possam viver eternamente, agora todos são donos do seu
próprio tempo e os serviços de controle dos guardiões do tempo não são mais
necessários. Will Salas, torna-se uma espécie de Robin Hood, que busca mudar o
quadro social e político de sua época, mas que ao invés de somente distribuir moedas às
pessoas, ou seja, o tempo, ele também distribui a vida.

O Preço do Amanhã é marcado pela lacuna existente entre as classes


socioeconômicas. Primeiramente vemos um processo hegemônico predominante, pois, a
partir de Gramsci, entende-se que hegemonia de uma classe significa sua capacidade de
subordinar intelectualmente as demais classes, através da persuasão e da educação. Para
conquistar a hegemonia é necessário que a classe fundamental se apresente às demais
como aquela que representa e atende aos interesses e valores de toda sociedade, obtendo
o consentimento voluntário e a aceitação espontânea garantindo, assim, a unidade do
bloco social que, embora não seja homogêneo, se mantém, predominantemente,
articulado e coeso. O capital, que nesse caso é representado pelo tempo, domina e
molda a sociedade em questão. Quando o personagem Will Salas ganha um credito
extra, do homem que lhe presenteia não só com anos, mas também com a verdade, passa
a ter uma visão completamente diferente do que seria natural.

BIBLIOGRAFIA

O Preço do Amanhã. Direção de Andrew Niccol. EUA: Regency Enterprise,


2011 [produção]. 1 filme (109 min), digital, colorido. Cópia da 20th Century Fox.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. 3ª edição, São


Paulo, Global, 1988.

PADRÓS, Enrique Serra (org.). Capitalismo, prosperidade e Estado de bem estar


social. Porto Alegre: CORAG, 2006.

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