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2ª avaliação – Arqueologia Fantástica x Arqueologia Cientifica

O presente trabalho tem como objetivo, nas páginas que se seguem, analisar
teoricamente a relação e diferenças entre a “Arqueologia Fantástica” e a “Arqueologia
Científica”, buscando entende-las através de exemplos práticos, como as buscas por
cidades perdidas e a popularização de mitos. Assim como, buscar a origem e os
desdobramentos de tais conceitos.

A arqueologia é uma das ciências mais populares no imaginário ocidental e um


tema bem explorado pela linguagem audiovisual. São recorrentes os programas sobre o
assunto em canais como Discovery Channel e National Geographic, além da produção
em massa de documentários e filmes de ficção. A franquia “Indiana Jones”, por
exemplo, marcou gerações e introduziu no imaginário popular a figura de um
arqueólogo que em quase nada dialoga com a realidade, reforçando mitos presentes na
Arqueologia Fantástica. O protagonista vive sempre grandes aventuras (todas dinâmicas
e glamorosas) em terras míticas, caçando tesouros ou cidades perdidas. Entre as
ferramentas de trabalho estão chicote, chapéu e habilidades de defesa pessoal.

Há de fato expedições reais que buscam encontrar cidades perdidas, tais como:
Paititi, a cidade inca perdida na Amazônia peruana e a cidade perdida da Bahia. Sendo o
último o mais famoso mito arqueológico brasileiro. Diferente das experiências fictícias
do protagonista anteriormente citado, relatos nos mostram que a busca por Paititi já
frustrou centenas de exploradores ao longo de muitos anos: “Se há algo de romântico na
aventura de caçar indícios incas no meio da Amazônia, existem o realismo da jornada
estafante e do limite do próprio corpo.” Afirma o fotógrafo gaúcho Danilo Christidis.

Para Pazo, o líder peruano, a motivação para continuar essa busca é encontrar o
que foi feito por seus antepassados e poder, dessa forma, reafirmar para o mundo o quão
grandioso é o passado arqueológico do povo Inca. Cabe ressaltar que apesar de ter sua
origem vinculada às ações imperialistas do século XIX, atualmente a Arqueologia é
uma importante ferramenta para questionamentos sobre discursos homogeneizadores,
pois consegue dar voz àqueles que foram colocados às margens das narrativas oficiais:
indígenas, mulheres, pobres, entre outros grupos identitários até então silenciados.

A arqueologia estabeleceu vínculos entre a percepção européia e as


áreas exploradas, legitimando o processo colonial e imperialista moderno. A
criação de mitos arqueológicos é um exemplo significativo: ao estabelecer a
origem de antiga civilizações perdidas como autoras dos vestígios
americanos, a arqueologia revive o passado destituindo os habitantes
contemporâneos de aspirações territoriais. Repleta de elementos
imperialistas, a arqueologia atuou como legitimadora do avanço colonial,
mas também como redefinidora do espaço geográfico territorial,
estruturadora de símbolos nacionalistas e da percepção expansionista
refletida na literatura de viagens. (LANGER, p.50)

Já quando pensamos na cidade perdida da Bahia, a origem do mito está inserida


em um contexto histórico ao qual havia intenção, por parte do recente criado Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), de alterar a “História oficial” do Brasil, já
que a mesma não tinha relevância para um mundo ocidental imperialista. O
descobrimento de vestígios que comprovassem a presença de “civilizações superiores”
ou “povos civilizadores”, em nosso território, colocaria o Brasil ao lado de grandes
nações e/ou impérios, ostentando monumentos milenares.

A esperança de um imponente desenvolvimento cultural “pré-histórico”, foi


reforçada com o encontro de um manuscrito que relatava a descoberta, em 1754, de uma
antiga povoação, esquecida no interior da Bahia. Iniciou-se então a busca na vinculação
de navegantes vikings com o Brasil. Ainda que os investigadores do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro não tivessem conhecimento dos autores do manuscrito, a
narrativa foi encarada como um fato totalmente verdadeiro.

O IHGB tinha como prioridade a descoberta sistemática de possíveis


monumentos que comprovassem a existência de uma antiga civilização em nosso
território, a construção de estudos teóricos permaneceu em segundo plano. Como
consequência disso, ainda que nenhum resto arqueológico significativo tenha sido
encontrado, as inscrições ocuparam um lugar central no imaginário popular.

Talvez a origem do mito esteja nesse antigo contato, entre um


bandeirante e um acadêmico interessado em arqueologia. Proença tinha todas
as condições para criar a imagem de uma cidade em ruínas semelhante às
romanas, repleta de inscrições, enquanto Guimarães desejava a todo custo
encontrar riquezas sem fim. O acadêmico morreu em Lisboa (1743),
enquanto João Guimarães anunciou oficialmente em 1752, a descoberta de
minas de prata pelo interior baiano, e dois anos depois, escreveu o manuscrito
da cidade perdida. (LANGER, p.110)

Segundo Langer, muitas narrativas de cidades imaginárias possuíam uma estreita


vinculação com montanhas feitas com metal precioso. O autor afirma: “Percebemos
com essas duas tradições, que o autor do manuscrito estava perpetuando um folclore
mais antigo, incorporado ao universo dos bandeirantes e exploradores.” (p.104)
Um ponto a ser destacado é que a busca pela cidade perdida da Bahia aconteceu
pouco tempo depois da expedição à Pedra da Gávea, outro popular exemplo de
Arqueologia Fantástica. Aventureiros examinaram um conjunto de caracteres, tomados
como antigas inscrições, e realizadas na parte superior da gigante pedra. Essa foi a
primeira expedição arqueológica da América do Sul. A existência dos caracteres que se
assemelham aos vestígios de povos civilizadores foi de fato verificado. Entretanto, se
sua origem era por ação do homem ou geológica (natural), permaneceu sem resposta.

Nas pesquisas arqueológicas atuais, predomina a busca por entender o cotidiano


das populações pretéritas em detrimento à caça de relíquias raras e lugares míticos. A
arqueóloga Tania Andrade Lima inclusive defende que as expedições arqueológicas são,
na verdade, somente uma parte do trabalho do arqueólogo e, normalmente, acontecem
em momentos seletivos. É importante entendermos que a arqueologia científica se
baseia na análise de cultura material, ou seja, tudo aquilo que é produzido e/ou
modificado pelo Homem. É a partir desse estudo os arqueólogos conseguem mapear
antigas civilizações e traçar suas ações e mudanças no decorrer do tempo.

Entretanto, retornando ao que foi abordado no início do texto, há possibilidades


pedagógicas em cima da televisão ou do cinema, já que ambos são instrumentos capazes
de consolidar um debate amplo sobre o fazer arqueológico. A aproximação do público
leigo à arqueologia, através dos mesmos, é significativamente eficaz, por nos gerar uma
memória afetiva. Sendo assim, a questão pode não ser destruir a imagem da arqueologia
fantástica veiculada pela mídia, mas desconstruí-la para usá-la de modo crítico.

Segundo Paulo Zanettini, em seu artigo “Indiana Jones deve morrer”, o


personagem fictício é responsável por reproduzir uma imagem da arqueologia como
uma aventura colonial, e pôr em risco a luta de arqueólogos por um trabalho
democrático e socialmente responsável. No entanto, reforçamos a necessidade de não
apenas superarmos o Indiana Jones, mas ao invés disso, embasar críticas de seus
supostos crimes fantasiosos e reinventar a narrativa em cima da franquia.

Por fim, entendemos a Arqueologia como uma disciplina que investiga tanto a
emergência, quanto a transformação de sistemas socioculturais, por meio de recortes
espaciais e temporais e através, principalmente, da busca por cultura material produzida
por antigas civilizações.
BIBLIOGRAFIA

RABIN, Cláudio Goldberg. A busca de exploradores por Paititi, a cidade inca perdida
da Amazônia peruana. BBC Brasil.com. p. 1-9, 2016.

LANGER, Johnni. Ruínas e mito: a arqueologia no Brasil império. Tese de


doutorado em História pela UFPR. Curitiba, 2001

SPIELBERG, S. Indiana Jones e os caçadores da arca perdida. 1981, EUA, Lucasfilm.

ZANETTINI, P. E. “Indiana Jones deve morrer.” Jornal da Tarde, pp.4-5. Maio 1991

LIMA, T. 2011 Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais. Boletim do
Museu Paraense Emilio Goeldi, v.6, n.1: 11-24

RIBEIRO, L. Crítica feminista, arqueologia e descolonialidade: sobre resistir na ciência.


Revista de Arqueologia, v.30, nº. 1, 2017, p.210-234.

CARVALHO, A. V. ; SILVA, B. S. R. . Arqueologia e socialização do conhecimento:


Indiana Jones, mostre-nos o que sabe. CIÊNCIA E CULTURA, v. 65, p. 45-48, 2013.

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