REQUERENTE : CONSELHEIRO TÉCIO LINS E SILVA REQUERIDO : CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ASSUNTO : PEDIDO DE REVOGAÇÃO DO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº. 11 DO CNJ
ACÓRDÃO
EMENTA: REVISÃO DE ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO. INFORMATIZAÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS. LIMITAÇÃO DO ACESSO AOS AUTOS APENAS ÀS PARTES E ADVOGADOS CONSTITUÍDOS. LEI Nº. 11.419/2006. Desrespeitam o Estatuto da Advocacia quaisquer normas que obstam o acesso dos Advogados aos autos. É direito do advogado “examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos” (artigo 7º, inciso XIII, Lei nº 8.906/94). Norma geral – que trata da informatização do processo judicial – não tem o condão de revogar garantia prevista em norma específica – Estatuto da Advocacia. Votação em Sessão com quorum incompleto. Ausência do Presidente. Negativa de vista a Conselheiro. Violação do art. 50 do RICNJ. Pedido de Revisão deferido. Enunciado Administrativo nº. 11 revogado por maioria de votos.
VISTOS, etc.
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 1
Conselho Nacional de Justiça ACORDAM os Conselheiros que compõem o Conselho Nacional de Justiça, por maioria de votos, em julgar procedente o pedido, nos termos do voto do Relator. O Senhor Conselheiro Técio Lins e Silva:
Já no final da Sessão do dia 13 de maio último, quando o Presidente
Gilmar Mendes precisou ausentar-se, e o Conselheiro Joaquim Falcão também não mais estava em Plenário, foi submetida a julgamento a Questão de Ordem no PCA 3932, tendo o Conselheiro Relator proposto a de minuta de Enunciado Administrativo, no seguinte sentido:
“Nos processos digitais findos ou em curso perante o Conselho Nacional
de Justiça, o acesso à íntegra dos autos é limitado às partes e seus advogados constituídos e ao Ministério Público (Lei nº 11.419/2006, art. 11, § 6º).” Questão de Ordem no PCA 200710000003932.
Tal proposta teria decorrido de decisão tomada na 59ª Sessão
Ordinária, em 25 de março de 2008, assim constante do sistema:
Inconformado com a proposta e entendendo que o assunto merecia
melhor análise, na forma do art. 59 do Regimento Interno do CNJ, pedi vista no momento em que me foi solicitado o voto, sendo ela negada sob o fundamento de que se tratava de Enunciado Administrativo, conforme a Certidão do Julgamento.
Inconformado com a decisão requeri a revisão do referido Enunciado,
sobretudo por que ele se refere a apenas UM precedente e a matéria, data vênia, não foi suficientemente debatida nem contou com o consenso unânime para a sua elaboração.
Trata-se de matéria sensível ao exercício da advocacia e, certamente,
a manutenção do Enunciado, tal qual aprovado, trará muito mais prejuízos do que
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2
Conselho Nacional de Justiça vantagens, sobretudo por que estaremos impedindo, de maneira equivocada, que os Advogados possam exercer o seu múnus na plenitude do que assegura o estado de direito democrático.
As razões que instruíram o pedido de revisão são as que constam da
Declaração de Voto oferecidas nos seguintes termos:
“O Senhor Conselheiro Técio Lins e Silva:
Não obstante a aprovação do enunciado em referência, por maioria, na 62ª Sessão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, ocorrida em 13/5/2008, quero aqui consignar minha profunda irresignação com o teor ali explanado. E não há aqui espaço para a justificativa de que o enunciado simplesmente repete aquilo que foi dito pela lei federal.
Alto lá.
O enunciado não pode simplesmente repetir tamanho absurdo porque
está escrito na lei. Quantas leis sancionadas e publicadas não são julgadas inconstitucionais ou abusivas ?
A lei de fato prescreve que “os documentos digitalizados juntados em
processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça”, mas isto não a isenta de ilegalidade. Registro desde já que a previsão em referência também é passível de questionamento, mas o deixemos para outra oportunidade, aqui tratemos do enunciado administrativo.
Observe-se que o enunciado, ao tolher o direito de acesso aos autos
pelo advogado não constituído, foi mais rígido e específico que a própria lei que o
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3
Conselho Nacional de Justiça inspirou. A regra que assegura ao Advogado a vista dos autos sem procuração é prerrogativa que se concede ao cidadão, do qual o Advogado é mandatário, para assegurar o direito de defesa. Quantas vezes o Advogado – sobretudo o que trabalha com a prova, como no âmbito criminal ou na advocacia de família – necessita colher prova emprestada para instruir a causa de seu cliente.
Além disso, no cotidiano da advocacia, o Advogado muitas vezes
antes de assumir a causa necessita conhecê-la para dizer se a aceita, estabelecer condições de trabalho, enfim, formalizar o vínculo profissional. Não tem sentido que para tanto o Advogado necessite de procuração, que pressupõe a relação formal já estabelecida. Não é conveniente que a procuração seja concedida para quem ainda não é o Advogado da causa!
Não se diga que aqui a situação é diversa, pois se trata de processo
virtual. Ora, isto não muda absolutamente nada, pois não existe um Estatuto da Advocacia Virtual. Os direitos e prerrogativas da profissão estão destinados à advocacia em geral e não ao modelo de processo.
A forma virtual que os autos eventualmente assumem não pode, data
vênia, servir de pretexto para limitar o exercício da advocacia e impor limites que não existem no Estatuto da Advocacia e da OAB e na própria Constituição do Brasil, onde, expressamente, reconhece que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (art. 133).
Acrescento, finalmente, o fato de que a decisão expressa na Certidão
de Julgamento do PCA 2007.10.00000393-2 não determina os termos do Enunciado, como pode ser observado:
“O Conselho, por unanimidade, após questão de ordem levantada
pelo Conselheiro Relator, propôs a elaboração de Enunciado Administrativo, a ser aprovado oportunamente, quanto à
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 4
Conselho Nacional de Justiça uniformização e publicidade no que se refere ao acesso aos advogados aos documentos dos autos eletrônicos. Ante a ausência justificada da Conselheira Ministra Ellen Gracie (...)”
Por coincidência, também nessa Sessão, não estava presente a
Presidente do CNJ.
Temos que ter cuidado com o enunciado aprovado. Sua validade e
eficácia no âmbito virtual é um precedente perigosíssimo para a legalização dos correntes impedimentos havidos em processos físicos que tramitam nos tribunais deste país.
Ressalto mais uma vez que consentir com o sucesso do enunciado é
engessar qualquer manifestação posterior desta Corte no sentido de coibir os abusos praticados pelos Órgãos do Poder Judiciário. E tramitam neste Conselho diversos procedimentos em que esses atos são questionados.
Se mantido o enunciado nos termos que aprovado, com que
autonomia o Conselho poderá analisar e se manifestar sobre os temas afetos ao direito de o advogado ter vista dos autos, mesmo sem procuração? A vista dos autos pelo advogado é garantia expressamente prevista no seu Estatuto, Estatuto este estabelecido por lei específica que não se curva aos comandos da norma geral.
Frise-se, o Estatuto da Advocacia – Lei nº. 8.906/1994 – é norma
federal que regulamenta o exercício de uma profissão, portanto, norma específica que não se curva aos comandos de norma geral – Lei nº. 11.419/2006 – posteriormente editada e restritiva de direitos naquela previstos.
Ante o exposto, estou fazendo esta Declaração de Voto para todos os
efeitos e, baseado nos seus termos, requerendo ao Plenário a sua revisão. Um único precedente não justifica um enunciado nem deve ser decidido como o foi, na
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 5
Conselho Nacional de Justiça verdade, no final da Sessão, sem discussão, com o quorum incompleto, sem a presença do Presidente do CNJ e, além disso, impedindo a vista requerida por um Conselheiro, em desrespeito ao art. 59 do RICNJ.
Esta Declaração de Voto deve fazer parte integrante do Acórdão da
decisão, para todos os efeitos legais. Sala das Sessões, 13 de maio de 2008. Conselheiro TÉCIO LINS E SILVA – Relator.”
Assim sendo, antes de sua publicação, foi requerida a revogação
desse Enunciado, em 26 de maio último, pelo convencimento de que será a melhor decisão para preservar a autoridade do Conselho Nacional de Justiça e sua exata compostura em relação aos Advogados e às partes que eles representam.
O Conselho Nacional de Justiça acolheu as razões do Conselheiro
Relator, por maioria de votos, e revogou o seu Enunciado Administrativo nº. 11.
Publique-se. Arquive-se.
Sala de Sessões, 09 de setembro de 2008.
Técio Lins e Silva
Conselheiro
TLS PEDIDO DE REVISÃO DE ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 6