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INTRODUÇÃO A TEOLOGIA

BÍBLICA
Professor:
Me. Roney de Carvalho Luiz
DIREÇÃO

Reitor Wilson de Matos Silva


Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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Editoração Flávia Thaís Pedroso
Qualidade Textual Hellyery Agda Gonçalves da Silva

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação


a Distância; ZABATIERO, Julio; LUIZ, Roney de Carvalho.

Teologia Bíblica. Julio Zabatiero; Roney de Carvalho Luiz.
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017.
33 p.
“Pós-graduação Universo - EaD”.
1. Teologia 2. Bíblica. 3. EaD. I. Título.
CDD - 22 ed. 266
CIP - NBR 12899 - AACR/2

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sumário
01 07| VISÃO PANORÂMICA DA TEOLOGIA BÍBLICA

02 16| HISTÓRIA DA TEOLOGIA BÍBLICA

03 21| FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA BÍBLICA


INTRODUÇÃO A TEOLOGIA BÍBLICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
•• Elaborar uma visão geral da Teologia Bíblica.
•• Discorrer sobre a história da Teologia Bíblica.
•• Conhecer alguns métodos de se fazer Teologia Bíblica.

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:


•• Visão Panorâmica da Teologia Bíblica.
•• História da Teologia Bíblica.
•• Fundamentos da Teologia Bíblica.
INTRODUÇÃO

Olá estudante!
Que bom que você decidiu pela aventura de estudar a Bíblia. Comecemos
essa disciplina conversando por meio do método socrático chamado: maiêutica,
ou seja, a técnica que pressupõe que a verdade está à disposição de todo ser
humano, podendo ser descoberta aos poucos na medida em que se responde
a uma série de perguntas simples, quase ingênuas, porém perspicazes. Essas
perguntas constantes e inquietantes nos ajudarão a progredir no conhecimento
teológico. O que você acha disso? Podemos estudar nosso conteúdo dessa
maneira? Se sim, vamos lá então!
Como introdução já lanço uma pergunta crucial: Por que todos os cristãos
e cristãs deveriam se preocupar com o estudo teológico da Bíblia? Eu disse
estudo teológico.
Como resposta, sugiro que pensar teologicamente a Bíblia é vital para a
saúde da de cada fiel, assim como da igreja, porque a igreja é construída sobre
a base dos ensinamentos de homens e mulheres de Deus (Efésios 2:20). Além
de que, esta Palavra sobre a qual a igreja tem sido mantida é fiel e viva (Salmo
119:25, 50; 2 Timóteo 3:16; Heb. 4:12).
Essa disciplina de teologia bíblica funcionará para trazer o sentido da Palavra
de Deus para o Seu povo. E só faremos isso ao respondermos duas perguntas
básicas: Sobre o que é a Bíblia? E como funcionam as Escrituras?
Ao responder a primeiro pergunta a Bíblia se coloca como o registro, o
depósito, o testemunho das boas novas de Deus em Jesus Cristo para salvação
da humanidade. Vemos ainda, que a Bíblia é um documento jurídico e público
que descreve e explica o relacionamento da aliança pela qual Deus se uniu ao
seu povo através de Jesus Cristo, nosso eterno e suficiente sumo sacerdote.
Simplificando, nossa proposta nessa conversa é que para ajudar responder
essas questões, você deva estudar o texto bíblico e, por meio da submissão a
esse texto sagrado, permitir estabelecer suas próprias categorias teológicas e
promover sua própria maneira de estudar o antigo e o novo testamentos.

introdução
INTRODUÇÃO

Por isso, nesse conteúdo queremos propor a ideia de que a teologia bíblica
supera o hiato entre a exegese (estudo aprofundado do texto), a hermenêutica
(aplicação pastoral do texto) e a teologia sistemática (formulação de doutrina
a partir do texto e da tradição). Será a pesquisa bíblica que fornecerá contexto
para exegese, base para teologia sistemática e profundidade na atualização do
sentido do texto para a prática da vida cristã.
Enquanto as respostas às duas questões acima são debatidas no decorrer de
nossa conversa, nos apoiemos no evangelista Lucas que oferece auxílio no livro
de Atos. No final do capítulo vinte e oito, Lucas resume a expertise de dois anos
de Paulo relatando: “De manhã à noite, ele expôs a eles, testemunhando o reino
de Deus e tentando convencê-los sobre Jesus tanto da Lei de Moisés quanto dos
Profetas”. (Atos 28:23). Se prestarmos atenção, entenderemos que esse relato
nos forneceu pistas de respostas a essas duas questões fundamentais.
Pensemos juntos, com o estudo da teologia bíblica podemos entender que
a Bíblia sugere um centro teológico, um quadro temático e uma estrutura de
aliança que permeia suas páginas. Já, quando perguntados sobre o conteúdo da
Bíblia, podemos responder com confiança: se trata de Jesus e o reino de Deus.
E ainda, quando perguntado sobre a natureza da Bíblia, a resposta também
pode ser simples: aliança. Esta abordagem tridimensional para a teologia bíblica
proporciona unidade e compreende sua diversidade. Colocando-nos no caminho
para um bom e robusto pensamento crítico bíblico-teológico. Viu só como
é uma aventura? É por essas e muito mais outras que te convido a estudar a
teologia bíblica nas próximas páginas. Aceita o desafio?

introdução
VISÃO PANORÂMICA
DA TEOLOGIA BÍBLICA
8 Pós-Universo

Normalmente quando ouvimos falar em Teologia Bíblica muitas vezes não fica
claro o que exatamente essa expressão quer fazer referência. Alguns entendem
que a expressão diz respeito à teologia de acordo com as Sagradas Escrituras, em
contraposição a uma teologia herética. Talvez outras pessoas imaginem que se refere a
uma teologia baseada exclusivamente na Bíblia. Bem, sugiro que exista outra sugestão
mais válida para essa questão. Vamos ver.
Basicamente a Teologia Bíblica define-se a partir de sua diferenciação em relação
à Teologia Sistemática. A proposta basilar da teologia bíblica é pensar uma teologia a
partir do texto bíblico, de modo indutivo, sem depender das categorias já definidas
pelo estudo da sistemática ou dogmática. Para melhor compreensão dessa distinção
vale a pena observar o quadro, a seguir:

Quadro 1: Tipos de estudos bíblicos.


Tipo de estudo Fonte do estudo Método do estudo Resultado
Exegese
Hermenêutica
TEOLOGIA Cânon das Descritivo e
Organização:
BÍBLICA Escrituras Normativo
Conceitual, Tópica e
Histórica.
Escrituras
Sagradas, Teológico
TEOLOGIA Tradição Histórica, Filosófico Normativo e
SISTEMÁTICA Razão (filosofia) Organização: Construtivo
e Experiência sistemática e lógica.
Humana.
Fonte: o autor.

A Teologia Bíblica parte unicamente da Bíblia e procura prescindir da filosofia e


da teologia sistemática, organizando os dados bíblicos a partir da lógica interna
do pensamento bíblico. É essencialmente descritiva, mas pode também tornar-se
normativa quando pergunta qual o sentido do texto sagrado para o leitor de hoje.
Um exemplo prático da diferença entre os dois estudos pode ser percebido no
campo da escatologia. Enquanto a teologia bíblica discute as tensões de textos e
autores bíblicos entre o “já” e o “ainda não” do Reino de Deus (escatologia realizada
e escatologia futura), a teologia sistemática irá voltar-se para divisões como pré-
milenismo, pós-milenismo, amilenismo, pré-tribulacionismo, etc.
Pós-Universo 9

atenção
A Sagrada Escritura é a configuração categorial do que foi a percepção da
presença e revelação de Deus … se quisermos que a Bíblia fale aos homens,
seja qual for a cultura, a língua e o tempo em que vivem, precisamos, cada
vez mais, recolocar esta mesma Bíblia na cultura, na língua e no tempo em
que surgiu.
Fonte: Dias da Silva (2009, p. 11).

Teologia Bíblica Versus Teologia


Sistemática
A teologia bíblica, diferente da teologia sistemática, foca a priori no enredo bíblico
somente. A teologia sistemática, embora seja informada pela teologia bíblica, é
atemporal. Veja pelo argumento de Don Carson essa ideia:

““
a teologia bíblica se coloca mais próxima ao texto do que a teologia sistemática,
almeja ser genuinamente sensível no tocante às distinções entre cada corpus
e busca conectar os diversos corpora usando as suas próprias categorias.
Idealmente, portanto, a teologia bíblica permanece como uma espécie de
ponte entre a exegese responsável e a teologia sistemática responsável (ainda
que cada uma dessas inevitavelmente influencia as outras duas) (CARSON,
2000, p. 36).

Uma outra definição que é apresentada por Charles H. H. Scobie (1991, p. 36) é que:
“A teologia bíblica pode ser definida como o estudo ordenado do entendimento da
revelação de Deus contida nas Escrituras canônicas do Antigo e do Novo Testamentos”.
Em outras palavras, a teologia bíblica tem como objeto intencional de seu labor à
mensagem do texto. Ela questiona quais temas são mais válidos para os autores
bíblicos em seu contexto histórico e procura discernir a coerência entre esses temas.
A teologia bíblica foca no enredo da Escritura – o desdobramento do plano de
Deus na história redentiva. Isso significa que nós deveríamos interpretar e então
pregar cada texto no contexto de sua relação com todo o enredo da Bíblia.
10 Pós-Universo

A teologia sistemática, por outro lado, formula questões ao texto que refletem
as preocupações filosóficas do momento em que se faz as perguntas. Os teólogos
sistemáticos também podem – com um bom propósito – explorar temas que estão
implícitos nos escritos bíblicos, mas que não recebem atenção primária no texto
bíblico. Além disso, deveria ser evidente que qualquer teologia sistemática que seja
digna desse nome é edificada sobre o resultado da proposta da teologia bíblica.
A ênfase distinta da teologia bíblica, tal como Brian Rosner observa (2000, p. 5),
é que ela “permite que o texto bíblico dite a pauta”. Kevin Vanhoozer (2000, p. 56)
articula o papel específico da teologia bíblica ao dizer: “‘teologia bíblica’ é o nome
dado a uma abordagem interpretativa da Bíblia a qual assume que a Palavra de Deus é
textualmente mediada pelas diversas palavras, literária e historicamente condicionadas,
dos seres humanos”.
Carson expressa bem a contribuição da teologia bíblica:

““
Mas, idealmente, a teologia bíblica, como seu nome implica, mesmo ao
trabalhar indutivamente a partir dos diversos textos da Bíblia, busca desvendar
e articular a unidade de todos os textos bíblicos tomados juntos, recorrendo
primariamente às categorias daqueles próprios textos. Nesse sentido, ela é
teologia bíblica canônica, teologia bíblica “de-toda-a-Bíblia. (CARSON, 2000.
p. 100).

A teologia bíblica pode limitar-se à textos específicos como a teologia de Gênesis, do


Pentateuco, de Mateus, de Romanos ou mesmo à teologia paulina. Contudo, a teologia
bíblica pode também compreender todo o cânon da Escritura. Com muita frequência,
pregadores expositivos limitam-se aos livros de Levítico, Mateus ou Apocalipse, sem
considerar o lugar que eles ocupam no enredo da história redentiva. Eles isolam
uma parte da Escritura da outra, e assim pregam de um modo truncado, ao invés
de anunciarem todo o conselho de Deus. Gerhard Hasel (1982, p. 66) corretamente
destaca que nós precisamos fazer teologia bíblica de um modo “que busca fazer
justiça a todas as dimensões da realidade de que os textos bíblicos testificam”. Fazer
tal teologia não é meramente uma tarefa para professores acadêmicos, mas é a
responsabilidade de cada propagador do Evangelho!
Pós-Universo 11

Pensemos novamente sobre as diferenças entre teologia bíblica e sistemática. A


teologia bíblica é mais indutiva e fundamental. Carson (2000) corretamente afirma que
a teologia bíblica é uma “disciplina mediadora”, ao passo que a teologia sistemática
é uma “disciplina culminante”. Nós podemos afirmar, então, que a teologia bíblica é
intermediária, funcionando como uma ponte entre o estudo histórico e literário da
Escritura e a teologia dogmática.
Segue-se, então, que a teologia bíblica não está confinada apenas ao Novo
Testamento ou ao Antigo Testamento, mas que ela considera ambos os Testamentos
juntos como a Palavra de Deus. De fato, a teologia bíblica trabalha a partir da noção de
que o cânon da Escritura funciona como a sua norma e, assim, ambos os Testamentos são
necessários para desvendar a teologia da Escritura, havendo a constante necessidade
de equilibrar o Antigo e o Novo Testamento.
Há uma maravilhosa dialética entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento
no trabalho da teologia bíblica. O Novo Testamento representa a culminação da
história da redenção iniciada no Antigo Testamento e, assim, a teologia bíblica é por
definição uma teologia narrativa. Ela captura a história da obra salvadora de Deus
ao longo da história. O desenrolar histórico do que Deus tem feito pode ser descrito
como a “história da salvação” ou a “história redentiva”.
Também é proveitoso considerar as Escrituras a partir da perspectiva de promessa
e cumprimento: o que é prometido no Antigo Testamento é cumprido no Novo
Testamento. Nós precisamos tomar cuidado para não apagarmos a particularidade
histórica da revelação do Antigo Testamento, de modo a expungir o contexto histórico
do qual ele nasceu. Por outro lado, nós devemos reconhecer o progresso da revelação
do Antigo Testamento para o Novo Testamento. Tal progresso da revelação reconhece
a natureza preliminar do Antigo Testamento e a palavra definitiva que vem no Novo
Testamento. Dizer que o Antigo Testamento é preliminar não elimina o seu papel crucial,
pois nós só podemos entender o Novo Testamento quando também compreendemos
o significado do Antigo Testamento, e vice-versa.
12 Pós-Universo

Alguns são hesitantes em abraçar a tipologia, mas tal abordagem é fundamental


para a teologia bíblica, uma vez que é uma categoria empregada pelos próprios
escritores bíblicos. O que é tipologia? Tipologias são as correspondências divinamente
pretendidas entre eventos, pessoas e instituições do Antigo Testamento e o seu
cumprimento em Cristo, no Novo (BAKER, 1976). Como quando Mateus se refere em
seu Evangelho ao retorno de Maria, José e Jesus do Egito usando a linguagem da
saída de Israel do Egito (Mt 2.15; Êx 4.22; Os 11.1).
Obviamente, não apenas os autores do Novo Testamento observam essas
“correspondências divinamente pretendidas”. Os autores do Antigo Testamento
também o fazem. Por exemplo, tanto Isaías como Oséias predizem um novo êxodo
que será moldado de acordo com o primeiro êxodo. Do mesmo modo, o Antigo
Testamento fala da expectativa de um novo Davi que será ainda maior do que o
primeiro Davi. Nós vemos no próprio Antigo Testamento, portanto, uma gradação
na tipologia, de modo que o cumprimento do tipo é sempre maior do que o próprio
tipo. Jesus não é apenas um novo Davi, mas o maior Davi.
A tipologia reconhece um padrão e um propósito divinos na história. Deus é o
autor final da Escritura – a história é um drama divino. E Deus conhece o fim desde o
começo, de modo que nós como leitores, podemos ver prenúncios do cumprimento
final no Antigo Testamento.
Pós-Universo 13

Definição de Geerhardus Vos


O vovô da teologia bíblica entre os evangélicos, Geerhardus Vos, definiu a teologia
bíblica desta maneira: “A teologia bíblica é aquele ramo da teologia exegética que
trata do processo de auto-revelação de Deus depositado na Bíblia” (POYTHRESS, 2008,
p. 130). Então, o que isso significa?
Isso significa que a teologia bíblica não se concentra nos sessenta e seis livros da
Bíblia - “o produto final da [auto-revelação de Deus]”, mas na “atividade divina” real de
Deus tal como se desenrola na história (e é gravada naqueles sessenta e seis livros).
Esta definição de teologia bíblica nos diz que a revelação é o primeiro que Deus diz
e faz na história, e apenas secundariamente o que ele nos deu em forma de livro.

reflita
A teologia bíblica é aquele ramo da teologia exegética que trata do processo
de auto revelação de Deus depositado na Bíblia.
(Geerhardus Vos)

A teologia bíblica se move ao longo do eixo da história redentora. Isso significa


que uma das características fundamentais da teologia bíblica é que seu princípio
de organização é histórico. A teologia bíblica se move ao longo do eixo da história
redentora. É particularmente preocupado com o desenvolvimento e, portanto, com
questões de continuidade e descontinuidade, o movimento de semente para árvore.

Definição de Carson
Aqui está outra definição. Don Carson diz que “a teologia bíblica. . . procura descobrir
e articular a unidade de todos os textos bíblicos juntos, recorrendo principalmente às
categorias desses próprios textos “ (CARSON, 2000, p. 100). Então, o que isso significa?
Isso significa que a teologia bíblica está particularmente preocupada com os
diversos contextos literários e históricos da história e, portanto, tenta relacionar o
significado da história nos termos da própria história. Por exemplo, a teologia bíblica
traça o desenvolvimento do sacrifício e da aliança, não porque esses sejam termos
contemporâneos particularmente relevantes, mas porque estes são os termos e a
agenda que a própria história nos dá. Como Tom Schreiner resumiu, a teologia bíblica
“pergunta quais temas são fundamentais para os escritores bíblicos em seu contexto
histórico e tenta discernir a coerência de tais temas” (SCHREINER, 2006, p. 22).
14 Pós-Universo

Definição de Stephen Wellum


Steve Wellum afirma que:

““
ler a Bíblia como Escritura unificada não é apenas uma opção interpretativa
entre outras, mas aquilo que melhor corresponde à natureza do próprio texto,
dada a sua inspiração divina. Como tal, [teologia bíblica], como disciplina, não
só fornece a base para entender como os textos em uma parte da Escritura
se relacionam com todos os outros textos, mas também servem de base e
base para toda teologização… (WELLUM, 2006, p. 2-3).

Qual é o objetivo desta definição? Isso significa que a teologia bíblica não se interessa
apenas pelo fato da promessa profética, da realização e do tipo antitético, mas na
demonstração dessas coisas, de modo que, apesar da diversidade da literatura, da
história e do autor humano, a realidade de uma única história emanando de uma
única mente divina de acordo com uma única vontade divina e soberana é simples
para todos verem. Como Dom Carson observa com razão, isso significa que, como
a teologia sistemática, a teologia bíblica não é meramente descritiva. Em vez disso,
está fazendo “afirmações sintéticas sobre a natureza, vontade e plano de Deus na
criação e redenção, incluindo, portanto, também a natureza, propósito e” história “da
humanidade”.

Uma Palavra Final


Como você pode ver, nenhuma dessas definições é mutuamente exclusiva, mas cada
uma delas enfatiza um aspecto diferente do que chamamos de teologia bíblica. Talvez
o melhor caminho a seguir é manter a definição mais simples: a teologia bíblica é a
tentativa de contar toda a história de toda a Bíblia como Escritura cristã. É, portanto,
uma história que tem uma reivindicação autoritária e normativa em nossas vidas,
porque é a história da glória de Deus na salvação através do julgamento.
HISTÓRIA DA
TEOLOGIA BÍBLICA
16 Pós-Universo

O protestantismo, de um modo geral, sempre pautou a concepção de revelação a


partir da Bíblia. Desde que a Reforma Protestante colocou no texto bíblico o status de
ser o único critério de autoridade em questões de fé, diversas confissões doutrinárias
foram feitas com o propósito de delimitar a compreensão da fé e da revelação.
Ocorre que essa tarefa não se deu de maneira unívoca, mas, pelo contrário, suscitou
divergências teológicas e interpretativas da Bíblia.
Não faltaram estudos e produções sobre a exegese bíblica tanto no Antigo
quanto no Novo Testamento. O século XX viu uma infinidade de concepções, ideias e
pluralidade na interpretação bíblica, principalmente no auge do movimento conhecido
como alta crítica e quando do surgimento do método histórico-crítico.
Mas podemos dizer que o berço da teologia bíblica esteve no início do protestantismo
com Reforma Protestante. O aforismo protestante Sola Scriptura inaugura uma teologia
exegética, e com isso, busca-se afastar da Dogmática Eclesiástica.
Os comentários de Calvino são os primeiros exemplos de uma exegese bíblica
histórico-gramatical, que estabelecia os primórdios da futura teologia bíblica. Todavia,
a maioria dos estudiosos define o início do moderno estudo da teologia bíblica, ou
mais especificamente, da teologia bíblica do Antigo Testamento, a partir da palestra
inaugural do professor Johann Philipp Gabler na Universidade de Altdorf em 1787
intitulada “An Oration on the Proper Distinction between Biblical and Dogmatic
Theology and the Specific Objectives of Each - Oração sobre a distinção adequada
entre teologia bíblica e dogmática e os objetivos específicos de cada uma”.
Embora não seja ele a primeira pessoa a usar o termo bíblico teologia, Gabler
argumentou para a estrita separação de teologia bíblica e ensino dogmático da
teologia. Em vez de permitir que o ensino tradicional da igreja controle a formulação
da teologia bíblica, Gabler argumentou que a teologia bíblica deveria ser um conceito
histórico - isto é, que deveria partir do argumento histórico. Assim, a teologia bíblica
poderia e deveria ser perseguida de forma bastante independente dos preconceitos
dogmáticos da igreja.
Pós-Universo 17

Existe um acordo geral de que a teologia bíblica como uma disciplina discreta
no campo dos estudos bíblicos é um desenvolvimento pós-reforma. Embora a Bíblia
fosse muito estudada anteriormente, argumenta-se que, durante o período da igreja
primitiva e medieval, a Bíblia funcionou dentro de um quadro eclesiástico dogmático
em um papel secundário para apoiar vários sistemas teológicos tradicionais. A Reforma
sinalizou uma mudança de ênfase pelo seu apelo à Bíblia como a única autoridade em
matéria de fé, no entanto, os Reformadores forneceram apenas o contexto necessário
para os desenvolvimentos subsequentes, sem eles mesmos fazer o movimento.
O termo atual “Teologia Bíblica” foi usado pela primeira vez no século XVII. O uso
adjetivo do termo bíblico, que inicialmente parece tautológico ao definir a teologia
cristã, deriva do contexto polêmico do qual surgiu uma nova compreensão da Bíblia.
Por um lado, os pietistas alemães se opuseram ao domínio do escolasticismo e
apelaram para uma teologia baseada unicamente na Bíblia, isto é, para uma teologia
bíblica. Por outro lado, os racionalistas pediram um retorno à religião “simples” e
“histórica” da Bíblia, além de formulações eclesiásticas complexas, isto é, a uma teologia
bíblica.
A primeira aplicação seriada e um sistema hermenêutico de Gabler surgiu nos
dois volumes da Teologia Bíblica de G.L. Bauer, que pela primeira vez separou a
disciplina em um Antigo Testamento e uma teologia do Novo Testamento. O significado
desse movimento não só refletia a crescente complexidade da disciplina, mas, mais
importante ainda, a crescente convicção - que as descontinuidades históricas entre
os testamentos desafiaram todas as tentativas de manter uma unidade canônica
tradicional.
A história da teologia bíblica ao longo do século XIX e até o início do século XX
mostra claramente o efeito da emancipação da disciplina a partir da sua dependência
da doutrina eclesiástica. Em primeiro lugar, com poucas exceções, o campo foi dividido
em duas disciplinas separadas das teorias do Antigo e do Novo Testamento, que
primeiro continuaram a manter o termo Teologia Bíblica.
18 Pós-Universo

Por meio dessa abordagem fortemente interdisciplinar, a noção historicamente


conduzida de Gabler da teologia bíblica era principalmente de natureza descritiva,
pois antes dele não havia uma distinção entre teologia dogmática e teologia bíblica
e nem havia separação entre teologia do Novo Testamento e teologia do Antigo
Testamento. Gabler defendia essas distinções. Mesmo que nunca tenha escrito uma
teologia do Antigo Testamento, foi o professor Gabler quem estabeleceu os princípios
básicos e o método pelos quais seria possível escrever uma teologia bíblica do Antigo
Testamento.
A premissa do estudioso alemão era racionalista, e foi sobre esses fundamentos
que surgiram os primórdios da teologia bíblica. Apesar dessa influência filosófica
da época, muito clara em estudiosos como G. L. Bauer, de Wette e F. C. Baur, alguns
estudiosos adotaram uma linha mais evangélica e menos racionalista. Entre eles
devem ser mencionados E. W. Hengstenberg, F. Delitzsch e G. F. Oehler.
A história da disciplina começou a ser descrita pela primeira vez no século XIX
em monografias e em ensaios (Diestel, Kähler, Holtzmann); mas entre 1880 e 1930 a
incipiente teologia bíblica perdeu espaço para os estudos da história da religião. As
novas tendências filosóficas, aliadas à curiosidade européia para com os costumes e
idéias religiosas de outros povos fomentou uma interpretação da fé bíblica dentro de
um contexto religioso universal. A fé de Israel e do cristianismo deveriam ser vistas sob
parâmetros evolucionários e à luz da comparação com as outras religiões conhecidas.
Luiz Sayão comenta que somente depois da década de 30 do século XX foi
que ressurgiu o interesse pela teologia bíblica. E que tal efervescência perdurou
até os anos 70. Muitos nomes de peso surgiram tanto no campo do Antigo como
do Novo Testamento. Nomes como O. Eissfeldt, W. Eichrodt, G. von Rad, B. Childs, C.
Westermann, W. C. Kaiser, S. Terrien, W. Brueggmann, R. Bultmann, H. Conzelmann,
E. Käsemann, H. J. Kraus, K. H. Schelkle, J. Jeremias, G. E. Ladd e D. Guthrie tornaram-
se referências na teologia bíblica, principalmente durantes as décadas de 30 a 70 do
século passado. Além disso, muito da teologia contemporânea interagiu bastante
com o pensamento bíblico e estabeleceu modelos sistemáticos de teologia menos
presos a categorias filosóficas clássicas. Aqui merecem destaque especial os nomes
de K. Barth, W. Pannenberg e Oscar Cullmann.
Pós-Universo 19

Ele finaliza dizendo que no entanto, nas últimas décadas, vários estudos detalhados
e altamente informativos abriram novos rumos ao traçar o surgimento desta disciplina
bíblica moderna (Kraus, Merk, Zimmerli, Frei, Stuhlmacher, Gunneweg, Gerstenberger).
Além disso, livros e artigos importantes buscaram as contribuições individuais de
figuras-chave (por exemplo, Hornig on Semler; Smend em Wette e Ewald; Morgan
em Wrede e Schlatter, etc.).
Finalmente, diversas bibliografias abrangentes do debate moderno sobre Teologia
Bíblica têm aparecido e servem como guias valiosos sobre o estado atual da discussão.

saiba mais
O método da teologia bíblica é, predominantemente, determinado pelo
princípio de progressão histórica, daí a divisão do curso da revelação em
certos períodos. Qualquer que seja a tendência moderna quanto a eliminar
o princípio de periodicidade da ciência histórica, permanece como certo
que Deus, no desdobramento da revelação, empregou esse princípio com
regularidade. Disso segue-se que os períodos não deveriam ser determinados
de maneira aleatória ou segundo preferências subjetivas; mas, estritamente,
de acordo com as linhas de divisão delineadas pela própria revelação. A Bíblia
está, como esteve, consciente do próprio organismo; ela sente, o que não
podemos dizer sempre de nós mesmos, a própria anatomia.
Fonte: Geerhardus Vos (2010, 28-29).
FUNDAMENTOS DA
TEOLOGIA BÍBLICA
Pós-Universo 21

Conforme já foi citado, Luiz Sayão aponta que a tarefa da teologia bíblica é construir
uma teologia a partir do texto bíblico, edificando uma espécie de “macro-exegese”,
procurando metodologicamente isentar-se de leituras confessionais e filosóficas a
priori. E que uma teologia bíblica séria deveria enfrentar algumas questões importantes
das quais não pode omitir-se:

1. Teologia descritiva ou normativa. A tarefa da teologia bíblica é procurar


detectar os conceitos teológicos dos autores bíblicos, ou deve ela também
definir normas ético-religiosas a partir da experiência histórica e teológica
da comunidade da fé?

2. Relação entre os testamentos. Pode existir uma teologia do AT, independente


do Novo Testamento? Será que a teologia do AT é uma disciplina
exclusivamente cristã? Existirá uma teologia do AT judaica? Que tipo de
relação existe entre os dois testamentos? Continuidade ou Descontinuidade?
Como trabalhar a unidade da mensagem bíblica, sem desvalorizar o AT e
sem uma “cristianização” exagerada do mesmo?

3. Abordagem diacrônica ou sincrônica. Muitas teologias bíblicas e sistemáticas


parecem considerar o texto bíblico homogêneo e uniforme. Será que é
possível fazer teologia bíblica sem considerar a história e algum tipo de
desenvolvimento teológico nas Escrituras. É verdade que o historicismo
do século XIX e sua postura evolutiva trouxe uma espécie de trauma para
muitos estudiosos da Bíblia. No entanto, ainda que seja árdua lidar com o
papel da história na teologia, cremos ser impossível fazer uma boa teologia,
sem considerá-la adequadamente.

4. Relação com a autoridade da Bíblia. Por mais isenta que seja uma teologia
bíblica, ela não poderá deixar de trabalhar com pressupostos. Um dos mais
relevantes é exatamente o ponto de partida para com a própria Bíblia.
Devemos praticar uma hermenêutica de suspeita para com o texto? Ou
devemos interpretar o texto sagrado de maneira afirmativa, numa relação de
empatia para com o mesmo. Quando um outro referencial externo explícito
comanda a hermenêutica das Escrituras dificilmente poderá construir-se
uma teologia bíblica que faça justiça ao texto.
22 Pós-Universo

5. Unidade e diversidade. Será que é possível achar um centro de organização


para uma teologia da Bíblia, ou do AT e do NT. Será que o conceito de aliança,
de promessa ou de ação divina na história são adequados para organizar o
material bíblico. Seria tal abordagem forçada, pelo fato de existirem vários
centros de organização do texto? Essa é uma questão difícil que não pode
ser esquecida. Além disso, a diversidade presente nas Escrituras levanta
outra questão: Existe uma teologia bíblica (ou do AT/NT) ou existem várias
teologias nos testamentos? Como deve ser trabalhada essa relação? Aí está
um grande dilema ainda aberto para a discussão dos estudiosos.

6. Teologia canônica ou não canônica. Por mais simples que possa parecer
essa questão, ela merece muita atenção. Já que temos acesso a material
religioso da fé de Israel e da igreja primitiva, devemos perguntar se uma
teologia bíblica deve fazer referência a esse material. Por outro lado, já que
se trata de uma teologia construída dentro da comunidade da fé, a igreja,
deve-se perguntar se os parâmetros da dogmática cristã e esse fator deve
restringir a teologia a uma abordagem canônica.

7. Relação com a sistemática. Uma vez construída uma teologia bíblica, chegará
ela a algum lugar sem uma relação com a teologia dogmática? É possível
construir uma teologia bíblica sem cair na fragmentação? Que tipo de
relação deve se manter entre as duas abordagens? Doutrinas norteadoras e
vitais do cristianismo como a Trindade teriam relevância significativa numa
teologia bíblica? Com certeza o diálogo é fundamental e necessário, para
que as duas abordagens se completem.

Para nos ajudar no entendimento dessa tarefa se faz necessário destacar alguns autores
que pensaram a teologia, destaco um em particular: Rudolf Bultmann. Ele popularizou
a palavra demitização. Bultmann fez uma leitura do Novo Testamento a partir da
demitologização procurando demonstrar que a mensagem do Novo Testamento
precisava ser compreendida a partir de um vocabulário mitológico e pré-científico.
Pós-Universo 23

Outra pesquisa que causou alvoroço foi a chamada crítica da forma. Diversos textos
da Bíblia foram examinados e algumas conclusões não agradaram a todos. Textos que
eram até então sacralizados em sua autoria como, por exemplo, o Pentateuco, atribuído
a Moisés, os evangelhos sinóticos, bem como algumas cartas de Paulo, foram tratados
dentro de quesitos literários e culturais e por isso, tiveram suas autorias questionadas. O
contraponto desse método veio pelo viés fundamentalista estadunidense. A intenção
foi resgatar a ortodoxia doutrinária e defender (apologeticamente) a fé de possíveis
interpretações “equivocadas” da e sobre a Bíblia.
Essa disputa hermenêutica demonstra que a Bíblia sempre será polissêmica em sua
interpretação. Não será possível uma hermenêutica taxativa e definitiva sobre o texto
sagrado. Tanto a demitização de Bultmann quanto o literalismo do círculo teológico
de Princeton indicam que o interpretante está envolvido com certos critérios de
sentido como, por exemplo, a noção de história, ou seja, uma interpretação que dê
conta de certos questionamentos levantados pelo momento em que está se vivendo.
Além disso, ao interpretante é impossível uma imparcialidade diante do texto, pois
sua interpretação, antes mesmo do estranhamento do texto, já é concebida com
certos preconceitos.
O procedimento hermenêutico sempre implicará em certos critérios de
interpretação. A questão está exatamente no escolher certos critérios interpretativos
e abandonar outros, uma vez que o interpretante nunca estará isento de influências,
sejam elas internas ou externas. Sendo assim, a hermenêutica precisa ser estudada
em seus pressupostos epistemológicos, procurando os melhores critérios para o ato
de interpretar.
Os métodos e análise literária e histórica são necessários à interpretação, para que
o intérprete entre em diálogo com a realidade à qual se refere o texto. Por outro lado,
toda exegese dos textos é chamada a ser completada por uma “hermenêutica”. Isto é,
trata-se de ultrapassar a distância entre o tempo dos autores e primeiros destinatários
dos textos bíblicos e nossa época, de modo a atualizar a mensagem dos textos para
alimentar a vida de fé dos cristãos. A necessidade de uma hermenêutica encontra
fundamento na própria Bíblia. O conjunto dos escritos do AT e NT apresentam-se como
produto de um longo processo de reinterpretação dos acontecimentos fundadores
ligado com a vida das comunidades de fiéis.
24 Pós-Universo

As escrituras revelam o sentido dos acontecimentos e os acontecimentos revelam


o sentido das Escrituras, isto é, que eles obrigam a renunciar a certos aspectos da
interpretação recebida para adotar uma interpretação nova.
A atualização realiza-se graças ao dinamismo da tradição viva da comunidade de
fé que aplica a mensagem do texto bíblico às situações presentes numa linguagem
adaptada à época atual. Trata-se de considerar um texto sempre com uma reserva
de sentido, e procurar a luz que o texto contém para o momento presente. Vários
métodos de atualização têm sido aplicados:

a. a atualização praticada no interior da própria Bíblia;

b. a atualização na tradição judaica através do midrashim e targumim;

c. na tradição dos Padres da Igreja que se serviram da tipologia e da alegoria


para atualizar os textos bíblicos;

d. na tradição monástica e em nossos dias temos a prática da Lectio Divina


com os quatro degraus: leitura, meditação, oração, contemplação.

Em nossa época, a atualização deve levar em conta a evolução das mentalidades e o


progresso dos métodos de interpretação. A atualização pressupõe uma exegese correta
do texto, que determina o sentido literal dele, para descobrir o sentido espiritual,
isto é o sentido expresso pelos textos bíblicos logo que são lidos sob a influência do
Espírito Santo.
Graças à atualização, a Bíblia vem iluminar inúmeros problemas atuais, por exemplo:
a questão dos ministérios, a dimensão comunitária da Igreja, a opção preferencial
pelos pobres, a teologia da libertação, a condição da mulher, os direitos da pessoa, a
proteção da vida humana, a preservação da natureza, a busca da paz universal.
Pós-Universo 25

Observando ligeiramente a maneira de como o protestantismo lê a Bíblia, vemos


que:

““
o protestantismo de imigração valorizou uma hermenêutica a partir do
método histórico-crítico, um esforço para determinar o sentido histórico do
texto. Já no protestantismo de missão, a leitura se deu no embate com o
catolicismo, ou seja, demonstrar verdades diante dos equívocos doutrinários
do catolicismo. A hermenêutica protestante tende a desconsiderar a natureza
cultural e temporal da Bíblia, acreditando ser ela a “voz de Deus” em qualquer
sentido e tempo, até mesmo como elemento para contradizer a ciência, como
é o caso da polêmica nos Estados Unidos sobre criacionismo e evolucionismo.
Outra característica da hermenêutica protestante é a tendência de procurar
perscrutar o texto como se ele fosse um fim em si mesmo. É o caso do estudo
das línguas originais da Bíblia: hebraico e grego. É comum entender que
uma vez de posse dos originais, é possível entender o que Deus realmente
estava dizendo. A língua vernácula não expressa de fato as “palavras de Deus”,
os originais sim. É claro que as nossas traduções precisam ter credibilidade
textuais, quanto a isso aqui no Brasil tem muita gente competente garantindo
a confiabilidade de nossas traduções. O problema é o uso indiscriminado do
literalismo das línguas originais como instrumento hermenêutico, como se
a palavra que foi usada comumente na cultura e no contexto literário dos
autores bíblicos tivessem um poder para que o seu real significado surgisse
e disso tirar uma interpretação fidedigna (ZABATIERO, 2009, p. 139).

O que se vê de leitura bíblica em ambientes protestantes é uma hermenêutica


que tende a apagar a diversidade de formas e estilos literários da Bíblia, ignorando
os autores e as comunidades que estão por trás do texto juntamente com suas
circunstâncias e contextos. Infelizmente, se popularizou a ideia de que para entender
o texto bíblico, é preciso olhar os originais, pois somente assim é possível entender
a Bíblia em seu real significado hermenêutico.
26 Pós-Universo

atenção
A teologia bíblica se limita mais intencionalmente à mensagem do texto
ou corpus em consideração. Ela questiona quais temas são mais centrais
para os escritores bíblicos em seu contexto histórico e procura discernir a
coerência entre esses temas. A teologia bíblica foca no enredo da Escritura
– o desdobramento do plano de Deus na história redentiva.
Fonte: Schereiner (2013, on-line)1 .

1
Disponível em: <http://voltemosaoevangelho.com/blog/2013/05/uma-
introducao-a-pregacao-e-a-teologia-biblica-thomas-r-schreiner-24/>. Acesso
em: 20 nov. 2017.

Essa maneira de interpretar a Bíblia é prejudicial para a comunidade que fica refém
do pregador que subtende, em alguns casos, que conhece melhor a Bíblia porque
fala e conhece algumas palavras em hebraico ou grego. Essa postura tem dificultado
um ponto comum da interpretação bíblica nas comunidades protestantes: o livre-
exame da Bíblia, um dos principais valores da Reforma. Faz-se necessária uma leitura
bíblica que valorize a vida e a condição em que a pessoa vive; uma hermenêutica
que leva em consideração os anseios do sujeito interpretante antes mesmo da
doutrina fixada. Esse tipo de hermenêutica é possível.
atividades de estudo

1. Ao longo da Unidade, diferenciamos Teologia Bíblica da Teologia Sistemática. Sobre


isso, é correto afirmar que:

I) A Teologia Sistemática parte do sentido do texto sagrada, por isso é descritiva.


II) A Teologia bíblica costuma ser atemporal.
III) A Teologia Bíblica é o estudo ordenado do entendimento da revelação de Deus
contido nos testamentos.
IV) A Teologia Bíblica limita-se à mensagem do texto.

a) Estão corretas apenas I e II.


b) Estão corretas apenas III e IV.
c) Estão corretas apenas I, II e III.
d) Estão corretas apenas II, III e IV.
e) Estão corretas I, II, III e IV.

2. Tendo em vista os pressupostos da Teologia Sistemática, assinale a alternativa correta:

a) Objetiva formular questões ao texto que refletem preocupações filosóficas do


momento em que se faz as perguntas.
b) Visa compreender todo o cânon da Escritura, no qual o enredo das Escrituras
como um todo é integrado.
c) Não considera a contribuição da teologia histórica.
d) Atua a partir do texto em seu contexto histórico.
e) Tem por intuito contar toda a história da Bíblia como Escritura cristã.
atividades de estudo

3. A respeito do desenvolvimento da Teologia Bíblica como disciplina, é correto afirmar


que:

I) A teologia bíblica como uma disciplina teve seu desenvolvimento pós-reforma.


II) A história da disciplina começou a ser descrita pela primeira vez no século XVIII.
III) Depois da década de 30 do século XX ressurgiu o interesse pela teologia bíblica.
IV) A história da teologia bíblica ao longo do século XIX e até o início do século XX
mostra o efeito de sua emancipação como disciplina a partir da sua dependência
da doutrina eclesiástica.

a) Estão corretas apenas I e III.


b) Estão corretas apenas I e IV.
c) Estão corretas apenas I, II e III.
d) Estão corretas apenas II, III e IV.
e) Estão corretas I, II, III e IV.
resumo

Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim da primeira unidade de nossa disciplina ‘Teologia Bíblica”,
na qual em três aulas verificamos conceitos muito importantes da teologia, como: a diferença
do estudo bíblico e os seus métodos, os pressupostos da teologia bíblica e da sistemática, o
pensamento de Geerhardus Vos, Don Carson e Stephen Wellum, a história da teologia bíblica e
seus fundamentos, entre outros.

Na aula 1, verificamos que a Teologia Bíblica centra-se apenas na bíblia e pode ser definida a partir
de sua diferenciação em relação à Teologia Sistemática. Esta, por sua vez, conforme estudamos,
explorar temas que estão implícitos nos escritos bíblicos, mas que não recebem atenção primária
no texto bíblico. Geerhardus Vos, por exemplo, afirma que a teologia bíblica é aquele ramo da
teologia exegética que trata do processo de auto-revelação de Deus depositado na Bíblia. Já Don
Carson menciona que a teologia bíblica é uma “disciplina mediadora”, ao passo que a teologia
sistemática é uma “disciplina culminante”. Por fim, chega-se à conclusão que a teologia bíblica é
a tentativa de contar toda a história de toda a Bíblia como Escritura cristã.

Vimos que a teologia bíblica supera o hiato entre a exegese (nosso estudo de textos), a hermenêutica
(aplicação pastoral do texto) e a teologia sistemática (nossa formulação de doutrina a partir do
texto e da tradição), visto que fornece contexto para exegese, base para teologia sistemática e
profundidade, além da atualização do sentido do texto para teologia prática e vida cristã.

Na aula 2, nosso foco foi adentrar a história da Teologia Bíblica, verificamos que ao longo dos
séculos os homens propuseram diferentes interpretações para a bíblia. O século XX, por exemplo,
foi marcado pelo movimento da alta crítica e do surgimento do método histórico-crítico, surgindo
vários tipos de interpretações das escrituras sagradas. Vimos os desdobramentos da Teologia
Bíblica como disciplina.

Em nossa última aula, abordamos os fundamentos da teologia bíblica. Vimos a diferença entre
teologia descritiva e normativa, teologia canônica e não canônica, a relação entre os testamentos
(velho e novo), a autoridade da bíblia, a sistemática, a abordagem diacrônica e sincrônica, a
questão da unidade e diversidade, entre outros. Tendo em vista os aspectos analisados, chega-se
à conclusão que é imprescindível uma leitura bíblica que valorize a vida e a condição em que a
pessoa vive, bem como leve em consideração os anseios do sujeito interpretante antes mesmo
da doutrina imposta.
material complementar

Understanding Biblical Theology


Autor: Edward W. Klink Iii; Darian R. Lockett
Editora: Zondervan
Sinopse: A compreensão da teologia bíblica esclarece o termo “teologia
bíblica”, um movimento que tenta remover a dicotomia muitas vezes
realizada entre os estudos bíblicos para a Igreja e como uma busca
acadêmica. Este livro examina as cinco grandes escolas de pensamento
em relação à teologia bíblica e lida cada uma delas, definindo e dando
uma breve história de desenvolvimento para cada um.

Novo Dicionário de Teologia Bíblica


Autor: Brian S. Rosner; Desmond T. Alexander
Editora: Vida
Sinopse: Nos últimos anos, nosso conhecimento sobre partes individuais
da Bíblia cresceu muito, mas a compreensão de como as partes se inter-
relacionam não acompanhou esse crescimento. O campo de estudo
do relacionamento entre o Antigo e o Novo Testamentos tem sido,
particularmente, Negligenciado. O objetivo deste influente dicionário é
integrar os vários livros bíblicos e temas com o panorama histórico das Escrituras. Em um só
volume, o leitor terá três perspectivas da teologia bíblica, que se refletem em sua estrutura.

A Bíblia Desenterrada
Ano: 2001
Sinopse: A Bíblia desenterrada é um documentário com uma nova visão
arqueológica do antigo Israel e da origem de seus textos sagrados, filme
baseado na obra de Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman.
referências

BAKER, D. L. Two Testaments, One Bible, 1976.

CARSON, D. A. Systematic and Biblical Theology. In: ALEXANDER, T. D.; ROSNER, B. S. Rosner. New
Dictionary of Biblical Theology. Downers Grove: InterVarsity, 2000.

DIAS DA SILVA, C. M. Metodologia de exegese bíblica. 3. ed. São Paulo: Paulinas, [2000] 2009.

HASEL, G. Biblical Theology: Then, Now, and Tomorrow. Horizons of Biblical Theology, v. 4, p. 66,
1982.

POYTHRESS, V. Tipos de Teologia Bíblica. Westminster Journal of Theology, v. 70, p. 130, 2008.

ROSNER, B. S. Biblical Theology. In: New Dictionary of Biblical Theology, 2000, p. 5.

SCHREINER, T. Pregação e teologia bíblica. The Southern Baptist Journal of Theology, v. 10, p.
22 2006.

SCOBIE, C. H. H. The Challenge of Biblical Theology. Tyndale Bulletin, v. 42, p. 36, 1991.

VANHOOZER, K. J. Exegesis and Hermeneutics. in: New Dictionary of Biblical Theology, 2000,
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VOS, G. Teologia bíblica. Trad. Alberto Alm eida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

WELLUM, S. J. Editorial: pregando e ensinando o conselho inteiro de Deus. The Southern Baptist
Journal of Theology, v. 10, p. 2-3, 2006.

ZABATIERO, J. Hermenêutica protestante no Brasil. In. FERREIRA, J. C. L. (Org.). Novas perspectivas


sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial/Paulinas, 2009, p. 139.
resolução de exercícios

1. b) Estão corretas apenas III e IV.

2. a) Objetiva formular questões ao texto que refletem preocupações filosóficas do


momento em que se faz as perguntas.

3. a) Estão corretas apenas I e III.

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