A curiosidade pelo desconhecido sempre foi uma característica
humana. Talvez você já tenha se perguntado qual o sentido da vida, se há vida após a morte, dentre outras inquietações para as quais a ciência ainda não nos deu respostas.
Bem, para suprir essa lacuna, a religião sempre se fez presente na
humanidade, englobando crenças individuais e coletivas sobre os mais diversos eventos do universo. Mas já imaginou se você fosse impedido de ter a sua crença, não podendo seguir a sua religião e nem exercitar a sua fé?
Para impedir isso, a liberdade religiosa é protegida como um direito
humano, em que todos devem ser livres para expressar e cultuar qualquer religião, visando garantir o pensamento independente dos indivíduos e o respeito às suas tradições. Assim, neste texto do Equidade vamos compreender o que é a liberdade religiosa, qual a sua importância e o que ela representa para os direitos humanos. O projeto Equidade é uma parceria entre a Politize!, a Civicus e o Instituto Mattos Filho voltada a apresentar, de forma simples e didática, os Direitos Humanos e os principais temas que eles envolvem, desde os seus principais fundamentos e conceitos aos seus impactos em nossas vidas. E então, preparado(a) para entender o que significa a liberdade religiosa? Segue com a gente! Confira também o nosso podcast sobre o assunto, no qual conversamos com o Domingos Fortunato, sócio de Direito Trabalhista do escritório Mattos Filho:
Primeiramente, o que é liberdade?
Importante ressaltar que o conceito de liberdade é complexo e possui diversas interpretações filosóficas e sociológicas. Aqui, tentaremos resumir esse conceito de uma maneira simplificada para que ao menos a sua definição básica seja compreendida. A liberdade está vinculada com a dignidade humana, em que o indivíduo é livre na sua capacidade de agir e se comportar. Isso significa que a liberdade possui relação direta com a autonomia e a independência do ser humano. Nesse sentido, olhando para aspectos filosóficos, o conceito de liberdade está baseado na possibilidade de um indivíduo tomar escolhas e ações a partir das suas vontades próprias. Ou seja, a liberdade pode ser caracterizada como a ausência de interferências ou restrições.
Já no âmbito jurídico, a liberdade é um direito fundamental,
relacionado à capacidade de um cidadão de exercer as suas vontades dentro dos limites da lei. Isso porque cada pessoa é livre para pensar, agir, crer e se expressar a partir de suas convicções próprias, desde que respeite o convívio social harmônico e os limites das regras e normas determinadas na sociedade.
Então, o que significa liberdade religiosa?
Agora que entendemos um pouco melhor o que significa liberdade, podemos compreender o que é a liberdade religiosa e o que ela representa. A liberdade religiosa, como expressa em seu próprio termo, está diretamente relacionada com a religião e as práticas religiosas.
Como adiantamos acima, a religião está presente na vida dos seres
humanos desde os tempos mais remotos. Ela está conectada não apenas às crenças individuais e coletivas, mas também às interpretações sobre diferentes fenômenos, sobrenaturais ou não, que moldam as visões de mundo dos indivíduos.
Além disso, as religiões possuem diferentes narrativas e simbologias
sobre a natureza, a humanidade e os eventos do universo, em que as práticas e tradições religiosas são absorvidas culturalmente pelos indivíduos, tornando-as parte de suas vidas.
Como consequência, a liberdade religiosa pode ser entendida como
a liberdade de escolher e manifestar qualquer religião, consistindo no livre exercício de seus ritos, cultos, tradições e cerimônias. Sendo assim, conforme aponta o professor de Direito Aldir Guedes Soriano (2002), a liberdade religiosa subdivide-se em quatro:
• A liberdade de consciência, em que o indivíduo possui o direito
de crer ou não em algo; • A liberdade de crença, na qual a pessoa possui o direito de escolher uma crença, ou seja, naquilo que quer acreditar, abrangendo também o direito de mudar de crença ou religião; • A liberdade de culto, em que a pessoa tem o direito de expressar e manifestar a sua crença; • A liberdade de organização religiosa, que representa o direito de existência da religião e da sua organização, sendo uma consequência do Estado Laico. A liberdade religiosa como um direito humano no mundo A liberdade religiosa está ligada a uma série de princípios que englobam os direitos humanos. Isso porque a prática religiosa carrega em si uma expressão cultural, em que a sua livre manifestação garante o respeito à dignidade humana, à diversidade e à igualdade, princípios norteadores dos direitos humanos. Sendo assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), expressa em seu artigo 18 que: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular”.
A Declaração representa um avanço na definição do direito à
liberdade de religião, visto que foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos a obrigar os Estados, com o objetivo de proteger a livre manifestação religiosa contra discriminações e perseguições. Isso porque, historicamente, casos de intolerância religiosa marcaram a sociedade e contribuíram para a segregação e a exclusão social, assim como para a formação de conflitos entre povos e grupos religiosos. Na verdade, como veremos mais à frente, essa intolerância não deixou de existir no mundo. Dessa forma, torna-se essencial que a liberdade religiosa seja implementada como um direito individual de todo ser humano, sem exceção. Nesse sentido, a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções (1981), também elaborada pela ONU, considera qualquer discriminação por motivos de religião como uma ofensa à dignidade humana. Além disso, o reconhecimento da liberdade religiosa pode ser considerado um aspecto fundamental na preservação e no fortalecimento da democracia. Isso porque ela preza pela liberdade de consciência individual e pelo respeito mútuo à diversidade de crenças.
E no Brasil, a liberdade religiosa é garantida?
Antes de falarmos sobre o Brasil, enfatiza-se que teremos um texto específico tratando sobre a liberdade religiosa no nosso país, então continue acompanhando o projeto para não perder nenhum conteúdo.
Bem, de maneira direta, a resposta é sim, a liberdade religiosa é
garantida no Brasil. Para começar, o país é signatário dos tratados internacionais de direitos humanos citados anteriormente (além de outros documentos que tratam sobre o assunto, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Além disso, possui em sua legislação nacional dispositivos que abordam e estabelecem a liberdade religiosa como um direito fundamental. É o caso da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI, garante que todos os brasileiros e estrangeiros que moram no país são livres para escolher a sua religião e praticar a sua crença. Na busca pela implementação desse direito, a Lei nº 9.459/97 define a ofensa motivada pela religião da vítima como um crime imprescritível (o acusado poderá ser punido a qualquer tempo, independente de quando o ato foi cometido) e inafiançável (sem hipótese de pagar fiança e responder o crime em liberdade). Outra importante característica de proteção à liberdade religiosa no Brasil é a laicidade do Estado brasileiro, garantida pelo artigo 19 da Constituição. Este artigo determina que os entes públicos devem ser neutros em relação à religião, não podendo adotar uma determinada religião, tampouco discriminar ou perseguir qualquer religião no país. A importância do direito à livre prática religiosa no território brasileiro pode ser vista quando reparamos no alto nível de religiosidade das pessoas. Segundo estudo de 2021 do Pew Research Center, mais de 72% da população brasileira considera a religião como “muito importante para suas vidas”. Mas, mesmo com essas garantias, tanto internacionais quanto nacionais, a discriminação religiosa continua sendo uma prática existente no Brasil e no mundo, em que determinados grupos, especialmente os minoritários, são vítimas de ameaças, repressões e perseguições em razão de suas práticas religiosas. Vamos entender mais sobre essa realidade.
A realidade atual da liberdade religiosa no
mundo Ao redor do mundo, muitas pessoas ainda morrem, sofrem violência, são presas e perseguidas por conta de suas convicções religiosas ou crenças. Sendo uma clara violação a direitos humanos, o desrespeito à liberdade religiosa fere os princípios da igualdade e da dignidade humana e favorece a opressão e a exclusão social.
Segundo relatório de 2021 da organização Aid to the Church in Need, a
liberdade religiosa é violada em 31,6% dos países do mundo. Ou seja, aproximadamente um em cada três países do planeta desrespeita a livre manifestação da fé. O relatório também indica que em 42 países, renunciar ou mudar de religião podem resultar em consequências legais, como prisão e pena de morte, e/ou consequências sociais, como marginalização e segregação.
Quando olhamos para o Brasil especificamente, de acordo com
reportagem do Metrópoles, com base em dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), no ano de 2021 foram registradas 586 denúncias de discriminação religiosa. Esse número representa um aumento de 141% em relação ao ano anterior (2020), indicando um crescimento dos atos de violência motivados por religião no país após o período de isolamento decorrente da pandemia de Covid-19. Além disso, diferente de outros países, no Brasil a discriminação por religião está diretamente ligada ao racismo estrutural e a aspectos étnico-raciais. Isso porque praticantes de religiões de matriz africanas e afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, possuem de 130 a 210 vezes mais probabilidade de serem vítimas de discriminação, segundo a organização Aid to the Church in Need. Conclusão Pode-se dizer que a premissa de existência de uma religião está centrada no objetivo de melhorar a vida do ser humano, projetando a sua evolução espiritual com base em princípios de fraternidade que o tornariam um ser “melhor”. Contudo, as diferentes concepções e visões de mundo entre as pessoas muitas vezes geram estigmas e preconceitos.
Como resultado, por mais nobre que sejam os seus objetivos, a
religião e a crença não conseguem escapar da discriminação. Nesse sentido, a liberdade religiosa se destaca como um direito fundamental a ser protegido no mundo, visto que a sua proteção garante o respeito à dignidade humana.
Essa proteção precisa ser exercida pelo Estado, por meio de
legislações e políticas de promoção da diversidade religiosa, em que o poder público não deve discriminar qualquer religião e disponibilizar mecanismos de combate contra a violência religiosa.
Com isso, a autonomia e a livre expressão de crença de cada
indivíduo poderá ser efetivamente garantida, algo que demorou séculos para ser conquistado na humanidade. Isso porque por um longo período muitas civilizações e sociedades permitiram a perseguição religiosa.
Quer entender melhor sobre esse contexto histórico da liberdade
religiosa? Então continue acompanhando o projeto, pois no nosso próximo texto vamos falar sobre a religiosidade ao longo do tempo e a conquista da liberdade religiosa no mundo.
Ah! E se quiser conferir um resumo super completo sobre o tema