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Notas sobre 0 Planejamento em Saude ‘Ano Liicia Abrahéio Introdugéio Como parte da vida, 0 ato de planejar é um modo de o homem atuar em sociedade e construir formas de solucionar problemas presentes na sua aco cotidiana. De maneira geral,o planejamento é um meio de estabelecer crtérios para a aco, atividades que organizam os modos ¢ as formas que orientam 0 alcance dos objetives. © planejamento 6 uma necessidade do homem e da sociedade, Cada homem é um governante de seus atos e ai constr6i e defende sua liberdade. Porém, cada homem decide também, por ago ou omis: so, consciente ou inconsciente, para que 0 governa do sistema em {que vive lute por ganhar Iiberdade de opgdes ou se entregue as cir cunsténcias. Nao sabemos se podemos canduzir o mundo para onde queremos, mas no pademos renunciar a tenté-lo. E essa tentativa pode ser beneficiada polo planejamento, (Matus, 1983: 16) O planejamento se constitui como uma ferramenta indispensdvel para a gestdo de sistemas e organizagdes, com a pretensio de se tornar um método de operar sobre a realidade, O ato de planejar néo é uma questao simples de ser trabalhada, pois ha visées e defesas diferentes sobre como descrever a realidade a ser planejada Caracterizado pela incerteza, 0 planejamento é uma escolha de cami- hos para a agéo, ou seja, configura uma opgio que se adota de forma anteci- pada. E um modo de, no tempo presente, construir 0 futuro. Ocorre que 0 futuro é sempre incerto, indeterminado, justamente porque nao vivemos ¢ha- bitamos sozinhos no mundo. Existem outros, pessoas e grupos, que tém pro- postas iguais, semelhantes ou totalmente diferentes dos projetos que desenha- ‘mos, Tais pessoas também planejam para obter o que desejam, A.idéia do planejamento como um modo racional de apo! de polticas pablicas que articulam na sua estrutura Estado e sociedade’ 6, ainda, fonte de debates orientados principalmente pela possibilidade de o pla- jabilzagao ‘Sobre ar rlagbes one Estado polticas sone no capitalame, vor Persia Linhares, texto ‘0 Estado @e¢polttas cine no captliame”, no luro Sociedade, Estado Dire 8 Savdo, nesta eolegée (NED. 163 POLITICAS DE SAUDE ‘nejamento ser um instrumento tanto produtor de eficdcia @ eficéncia em rela- ‘G40 as politicas piblicas quanto pela democratizacao provivel da sociedade Gallo et al., 1992) ‘Assaiide, como um setor piblico da sociedade, incorpora e emprega a légica do planejamento para seus servigos ¢ para a organizacao do seu préprio sistema de saiide. O planejamento constitui uma possibilidade de apro- ximagdo real 8s necessidades e demandas da populagdo, uma forma de conju- gar aquilo que realmente a populagéo necessita para manutengio de uma vida cequillbrada e auténoma na satide, @ aqullo que os servicos de sade ofertam De outra forma, consiste na eriagio de espagos de didlogo entre o servico @ 2 populagao, entre 0 servico e os profissionais, ¢ no interior da prépria equipe de saide? Podemos reconhecer nesta perspectiva diferentes formas e métodos de planejar; todos com o objetivo claro de identificar racionalmente modos significativas de apoiar a formulacéo de politicas piblicas de saide articula- das &s questées do Estado e as demandas e problemas da sociedade. Apon- tar, atualmente, a melhor formula de planejamento em sade é motivo de discussio entre os teéricos da drea. Debate este centrado na avaliagao do planejamento como possibilidade real de dar respostas aos problemas des- te campo: na sua eficdcia e eficiéncia em relagao as politicas que emergem do arranjo proposto pelo planejamento, bem como da sua aplicagéo como forma de democratizagao dos espacos sociais. Entretanto, a adogéo do planejamento como uma ferramenta do pro- cesso de trabalho em saide implica o reconhecimento de que todo profissional que compée a equipe de saiide planeja suas acdes, e, neste sentido, opera ‘com um conjunto de tecnologias capazes de aproximar as necessidades de saiide as ofertas dos servicos. Sdo tecnologias que nao necessariamente esto acompanhadas de um método, mas sim empregadas em acorde com a realidade apresentade, No contexto da Satide da Familia, o planejamento torna-se um pro: cesso dinamico que passa a fazer parte do pensamento e, conseqier mente, das agdes da equipe. Isso nao significa que forgosamente se deva ' Sobre panejamenta © modelos de atonsSo, ver Sita Jini, texto "Modelos asistenciais om aide: dasafioe © perspectives", no lvra Modelos de Atengdo ® Seude da Fama, nesta colegio (N. 164 NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO EM SAUDE possuir e seguir um método de planejamento; significa sim pensar estrate- gicamente ¢ agir democraticamente. Assim, 0 planejamento deve ser uma pratica perseguida pelas equipes de Sade da Familia, como um modo de pensar ages de satide mais préximas & realidade local. Desta forma, um conjunto de medidas caleadas no discurso da prevencie de doencas, da assisténcia e da promogao da saiide passa a figurar no candrio das ages da Atengio Basica, com o objetivo claro de possibilitar o desenvolvimento de habitos e modos de andar a vida de forma mais auténoma. Medidas estas que buscam aleangar éxito em sua contribuigdo para 0 fortalecimento da qualidade de vida da populagao, ‘As discussées que acompanham o planejamento nesta perspective ‘S80 potencializadas com a participagao dos profissionais de saude e da po pulago, Os resultados terdo um maior ou menor impacto de acordo com a aproximagao que se faga da realidade. Para tanto, o papel do Agente Co- munitério de Sadde (ACS) & estratégico, p dada a sua posigie ercessora entre a equipe e a populacio, este ator contribui de forma impar em todas as etapas deste processo com destaque na identificagéo dos problemas eno acompanhamento e avaliagao das intervengées, reque- rendo uma reflexao sobre o planejamento em saide sem esgotar o tema, mas alterando o prablema trabalhado. Podemos identificar como modos de planejar, entre outros, os se- guintes: 0 planejamento normativo, também conhecido como a forma tradi- clonal de planejar; o planejamento estratégico com varias proposigées, mas que na América Latina assume trés vertentes: a da Escola de Sauide Pabli- ca de Medellin; o pensamento estratégico de Mario Testa ¢ a do Planoja- mento Estratégico de Carlos Matus. Sao trés os enfoques de planejamento proposto por Matus: O Planejamento Estratégico Situacional (PES), que consiste em um método voltado para as grandes organizagaes e problemas com nivel alto de complexidade; o Zoop, método de média complexidade desenvolvido pelo autor em cooperacao com autores alemaes que trata de projetos orientados para o alcance de objetivos: e, por ultimo, o Método Altadir de Planejamento Popular (MAPP), que consiste em um método mais simples de planejar e se destina a trabalhar com organismos de baixa complexidade (Mendes, 1994). 165 POLITICAS DE SAUDE No setor satide, as ages de planejamento no nivel local foram bastante influenciadas pelo pensamento de Mario Testa e Carlos Matus, com base nas aproximagées feitas, no caso brasileiro, por Rivera (1992). A proposts de pla- ‘ngjamento no nivel local procura romper com a concep¢do burocritica, carac- terizando-se como um proceso social promotor de mudancas na pratica eno préprio processo de trabalho em saiide, ¢ se vincula a uma experiéncia concre- ta de planejamento, (© Planejamento e suas Principais Vertentes ‘As formas e 08 arranjos de planejar so inémeros, @ a eleigdo de um deles depende muito dos objetivos a serem alcangados, da prépriafiliagao ide- ‘olégica do grupo, de quem planeja, eainda de seus propésitos. ‘A forma tradicional de planejar, alicercada na economia de custos @ na regra administrativa tradicional no desenho do plano, utiliza a técnica de normatizacao do rendimento com o objetivo de aumentar a quantidade de ser- vVigos. O elemento tradicional 6 oferecido pela semelhanca entre a definigao da ‘melhor combinago de recursos e a proposta taylorista da "producao-padra representada por métodos e ferramentas que buscam investigar e focar os movimentos envolvidos nas operacées de trabalho. Pademos observar que t proposta de planejamento esté centrada em uma acéo racional que pretende dar conta do movimento social, explicando-o e organizando-o global e central- mente, Segundo Matus (1993), esta légica de planejar é denominada planeja- mento normativo, que se caracteriza pelo ato de que o sujeito que planeja ests sobre a realidade a ser planejada e, portanto, é independente do objeto a ser planejado e ignora a existéncia de outros atores presentes e atuantes. Logo, sujeito e objeto séo independentes, além de o planejamento normativo se redu- Zir a0 campo econémico. Uma outra caracteristica deste modo de planejar indica que um Gnico 18 politicas néo estdo presentes nesta pers- ator planeja e que as ques! pectiva. A ago racional orienta o plano e, portanto, o poder é uma catego- ria muito presente na concepedo do planejamento normativo. Nesta légica, 6 possivel prever comportamentes, considerande que os mesmos séo esté- veis. Uma tiltima particularidade desta forma de planejar estabelece uma nica trajetéria para o plano, néo havendo outras alternatives para o alcan- ce dos objetivos tracados. 166 NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO EM SAUDE Assim, 0 planejamento normative se caracteriza por: + Sujeito e objeto sao independentes na elaboragao do plano, reve- Jando uma certa ‘neutralidade’ na con: Ico do plano: + Pela existéncia de um dnico ator que planeja: + As questées politicas s80 exégenas @ nao sdo consideradas no ato do planejamento, separando o campo politico do campo técnico: + © poder nao 6 um elemento escasso na construgae do plano ¢ das agées @ serem desenvolvidas pelo sujeito, no havendo confli- to de interesses: *+ © comportamento dos sujeitos envolvidos no planejamento e na ‘execugio do plano & sempre estivel e previsivel: + Na condugéo do plano, hé dnica trajetéria a ser seguida nesta légi- ‘ca de planejamento. O planejamento normative é empregado com bom resultado em agées em que se conhace bem as variéveis presentes e que contornam a questéo a ser planajada, e quando a solugéo desenhada pelo planejamento 6 conhecida ¢ amplamente aceita. Como no caso da identificagao de uma sala de vacina que no apresenta local apropriado para armazenamento da vacina e 2 guarda juntamente com outros materials. O resultado & conhect- do e sua solugao cientificamente aprovada, e consiste em retirar os materi als que se encontram com as vacinas, deixando 0 refrigerador para armazenamento somente do material imunobiolégico, de acordo com a re- comendagio do Ministério da Saude. Neste caso, o planejamento das ages se dé de forma normativa, com a légica de trajetéria Unica e como sujelto que planeja sobre o objeto planejado, estabelecendo acées que nao consi- deram a questao politica na construcdo do plano. Muitos dos problemas que identificamos nos servigos de saude po- dem ser considerados abjeto do planejamento normative. Séo casos em que a sua solugdo é conhecida e, na maioria deles, hd uma regra, uma norma a ser empregada. Sdo solugées prescritas anteriormente e cientifi- camente aceitas, come as normas empregadas no controle da tuberculose, ‘em que, quando identificamos um caso, se faz necessério que se proceda & busca ativa dos comunicantes. Essa é uma das ages que cabe, em muitas das vezes, ao ACS. Dessa forma, 6 possivel identificarmos o uso do plane- 167 POLITICAS DE SAUDE jamento também como uma ferramenta utilizada no culdado aos usuarios © que se mave em articulagao com a gestéo do trabalho, Entretanto, o construto basico que sustenta a teoria do planejamento normativo passa a ser questionado, revelando uma verdadeira revolugao na teoria do planejamento, Esse movimento se dé devido ao questionamento de uma hip6tese basica sobre a qual repousa todo o edificio tebrico do planejamen- to tradicional (normative). Esta hipétese & a seguinte: "o ator que planeja est fora ou sobre a realidade planejada, e nesta realidade ele no coexiste com ‘outros atores que também planejam” (Matus, 1993: 72). Se negamos a (esta) hipétese “(.), entdo toda teoria do planejamento normative vem abaixo e abrem-se as portas para reformular teoricamente 0 planejamento e © papel do planejador” (Matus, 1993: 76). Tal consideraca deriva da nogdo de que ¢ impossivel pensar o sujeito que planeja fora da realida- de, pois 6 no real que atuamos @ estamos inseridos, e é também nele que sujeitos ¢ objetos se encontram. Logo, adissociagao de sujeito e objeto torna- ‘se impossivel, pois ambos estao no mesmo plano do real ‘Ao refutar tal premissa, o planejamento sofre uma verdadeira revolugéo daquilo que Ihe dava concretude e solidez, ¢ abre a possibilidade de se pensar outras formas de planejar em que sujeito e objeto estejam no mesmo plano. O planejamento, nesta perspectiva, passa a ser colocado como uma pritica soc al, no real, capaz de transformar democraticamente a sociedade, ou seja, a proposta do planejamento estratégico parte de uma concepedo do processo de produgéo social onde, numa situagde determinada, ha varios atores quo, confitivamente, plansiam, segundo sous interesses visdes de mundo, @ onde grande maioria das 1agées nso responde a comportamentos nem leis, necessitando, pois, de |ulzo estratégico. (Matus, 1991: 28) ‘A.proposta do planejamento estratégico rompe com a nagdo de que pla- nejar é uma atividade independente das questées e fatores presentes na real- dade. Assim, na busca de identificar formas de anélise e de aga passa a compreender a realidade como um proceso de produce social, com espages de andlise situacional ‘Segundo Ferreira (2000), estratégia é a arte de aplicar os meios disponi- veis ou explorar condigées favordveis, com vista a objetivos especificos. O pla- nejamento estratégico pode ser classificado em planejamento estratégico oator social 168 NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO EM SAUDE corporativo e planejamento estratégico situacional. O primeiro busca realizar uma andlise da organizagdo & luz de sua concorrSncia, identificando os fatores: chave de sucesso e as Debilidades, Oportunidades, Fortalezas e Ameacas (Dofa). Ele tem estreita relagdo com as modemnas técnicas de marketing, mas nao vamos nos aproximar dessa vertente neste trabalho, (0 Planejamento Estratégico Situacional (PES) 6 uma abordagem de pla- rnejamento que incorpora conceitos importantes na légica da producao social Carlos Matus (1993) 6 0 autor que se destaca na producdo deste pensamento, fem que o planejamento 6 caracterizado pela incerteza por ser uma escolha de curso de agéo, de caminhos, de opgbes, que se adota antecipadamente, © uso do planejamento pode ser evidenciado: + como instrumento de gestéo nas organizagées com olhar sabre o pro- cesso de trabalho, * como pratica social transformadora na determinagao de novas relagées sociaisalternativas & légica requlamentadora do mercado: * come métode de agio governamental na produgio de politicas, ‘Apratica do planejamento no setor saiide deve ser empregada no senti- do de aumentar o grau de responsabilidade com os resultados, sem, contudo, priorizar 0 método em detrimento do sujeito, ou seja, na busca de um modo de atuar sobre a realidade, & necessério considerar 0 artificio do planejar sem desconsideraras relagées existentes entre os sujeitos. Segundo Merhy (1992), co planejamento em saide nao comporta este efeito. A sua légica consiste em criar espaco de discussio e declaragio de demandas no sentido de dentificar ccaminhos possivets de mudanca na atual forma de produzir saude. De um modo geral, o planejamento consiste em uma andlise da realidade para uma pretensa agio, 0 que (.2 permite dizer que em todas 0 planejamento tem a pratensio de se nar um método de operar sobre a reaidade na busca de efeitos previa mente colocados: 0 que permite trats-a come meio teenolégico, campo 4e saberes e préticas que busca operar finaisticamente sobre praticas sociais (..). (Merhy, 1995: 119). Como um meio tecnolégico de operar sobre as préticas sociais, o plane- Jamento em satide pode ser uma ferramenta itl na condugdo do processo de trabalho das equipes de satide e como um espago de exercicio democratico. No processo de trabalho em satide, e nas inter-relagbes que so estabelecidas no interior da equipe, 0 uso do planejamento é empregado como fio condutor dos 169 POLITICAS DE SAUDE diferentes saberes. Como, por exemplo, na construgao de estratégias que Viabilizem a consolidagio de um grupo educative, em que podemos identi car diferentes saberes e meios tecnolégicas que os profissionais de sadde portam, @ que, quando conjugados, revelam a capacidade de organizacao e conducée desta acéo. Come integrante da equipe, o ACS concentra um saber préprio que con- siste, entre outros, no conhecimento da comunidade e de seus habitos, compo- rente importante na elaboragéo de um plano de acéo para a formacéo de um ‘grupo educativo. As estratégias na formagae do grupo e a anslise da viabilidade ddas agées podem ser potencializadas com a participagio e com o conhecimento situacional do ACS. Logo, 0 planejamento das agdes que sero implementadas deve ser 0 mais participativo e democratic. Podemos identificar um nlimero considerdvel de exemplos em que 0 planejamento opera como uma ferramenta democratizadora & potencializadora de espacos coletives. Contudo, a forma de planejar de- pende muito da proposta e da ideologia adotada pelos atores sociais envol- vidos no proceso de planejamento. Algumas Caracteristicas e Conceites do Planejamento Estratégice Situacional A propaste do planejamento sitvacional nio ¢ vilida pare qualquer real ‘dade. (..)A problematica que ela pretende representar 6. do conflto na ‘mudanga situacional. ..) Em outras palavras, o enfoque é utilzivel em ‘ualquer caso de condugéo, em situarées de conflto de graus e tipas diversos. Ele é especialmente pertinente num sisteme democritico onde ‘um ator nunca tem poder absoluto. (Matus, 1993: 199-202) Avvertente estratégica desta proposta parte da concepséo politica do processo de produgdo social. O que significa afirmar a existéncia de varios ato- res com interesses distintos que planejam e agem segundo a viséo de mundo que Ihes 6 pertinente, e onde comportamentas nao correspondem a leis restr'- tas, exigindo um célculo estratégico. 0 planejamento estratégico toma por base a politica como elemento Intrinseco ao processo de producdo social de uma determinada situac3o. O elemento situacional, ou o conceito situacional empregado nesta visio de pla- nejamento, implica assumir que a explicacao da situacao, por um determinado 170 NOTAS SOBRE O PLANEJAMENTO EM SAUDE ator, é conformada pela posicéo que este ator ocupa na situacao e pela intengao (politica, social, econémica) dese mesmo ator. De acordo com Rivera, o que fundamenta esse conceito é “a premissa da existéncia de uma pluralidade explicativa de acordo com o nimero de atores envolvidos” (Rivera, 1992: 47), Logo, podemos depreender desta afirmagao que hé varias elucidagses sobre a realidade. Nesta perspectiva de andlise da situacdo, a conduta dos atores sobre real é imprevisivel, podendo haver diferentes caminhos a seguir no célculo da identificagao dos sujeitos no interior do planejamento, em que o poder & um recurso escasso. Diferentemente do planejamento normativo, o plane- Jamento estratégico situacional considera 0 poder um elemento impar na condugio do plano. O enfoque situacional implica a liberacao da capacidade critica ecriativa do sujeito. O planejamento estratégico toma por base a politica como elemento intringeco a0 proceso de produgéo social em uma determinada situagéo. No caso do setor satide, as questdes politicas se fazem presentes, como nos demais setores da sociedade, No entanto, a repercussio desse elemento 1no proceso de trabalho das equipes implica a adicdo ou subtragao de meios para a defesa da vida. Tem-se como exemplo 0 atravessamento da politica na contratagao de ACS, em que se revela 0 uso dos recursos da sade como elemento de barganha de politicos no interior da comunidade. Este fato tem sido contornado por meio da iniciativa de algumas prefeituras brasileiras, com o concurso piblico ea selecdo publica para as equipes de satide da familia, Testa (1992) advoga que os propés para a conservagéo ou a mudanga do setor saiide. O que significa dizer que ‘empregando o planejamento estaremos necessariamente empregando esta fer- ramenta na perspectiva democratica, pois pademos utlizé-lo para a conserva- 80 do poder dominante e hegeménico. Podemos usar o planejamento para a ‘mudanga do modelo de atencéo, ou seja, criando espacos democraticos de apro- ximagdo da realidade ¢ da demanda dos usuarios. Ou ainda, podemos criar planos que conservem os procedimentos jé consagrados de oferta de servico, ‘sem buscar compreender as reais necessidades de saiide da populacéo. ‘Assim, os pressupostes do planejamento estratégico situacional partem da idéia de uma produgdo social. Qu seja, que os fatos so produzidos tendo em vista 0s arranjos e conjungSes que ocorrem na sociedade, Portanto, o planeja: do planejamento podem servir 1 POLITICAS DE SAUDE mento @o ato de planejar nao estio dissociados desta produgdo. Assim, pode- ‘mos identificar algumas caracteristicas do PES que sao: + O sujeito que planeja esta compreendido no ‘objeto planejado’ + Ha varias explicacdes da realidade condic’onadas pelas respectivas in- sergoes de cada ator; + A conduta social é irredutivel a comportamentos previsiveis. Em con- ‘seqiéncia, o planejamento deve proceder a um ‘célculo interativo' e um ‘jue eritico’ + O poder & escasso e limita a viabilidade do deve ser; + Todo plano est impregnado de incertezas + O plano nao é monopilio do Estado, Sao vérios 0s conceitos/categorias empregados na lagica do PES. Entretanto, a categoria central é 0 poder que, para o PES, é a capacidade de agdo, de produzir fatos, de mobilizacdo, de representatividade. Assim, 0 poder nao é restrito ao poder que se origina do cargo que se ocupa, nem ao poder que emana des recursos econémicos e do poder que se concentra no saber, no dominio dos profissionais de sade sobre uma determinada érea do conhecimento. Dessa forma, o poder, para o PES, consiste em uma categoria mais ampla e que permite acumular e perder poder, durante o proceso de planejamento. Em contrapartida, a proposta de planejamento que a principio se caracteriza pela pouca concentragéo de poder pode © deve ser levada adiante, pois durante o processo podem-se criar estratégi- as com vistas & acumulacdo de poder pertinente a viabilizacdo do plano. ‘A forma de proceder ao planejamento estratégico situacional alicerga- se sobre uma segunda categoria: 0 problema. Um bom planejador, na viséo de Matus, ¢ aquele que busca o “intercémbio favordvel de problemas” (Matus, 1991: 30), ou seja, “atacar e resolver” (Matus, 1991: 30) um pro- bblema mais dramatico e se deparar com um novo problema de menor gravi- dade mais adiante. Dessa forma, 0 PES ¢ um método de planejamento baseado em problemas. A solugio do problema nao esté na sua eliminagao, mas sim na sua mudanga. Quando atacamos um problema, na verdade, estamos apenas alte- rando-o ¢ criando outro com menor ou maior risco, A baixa expectativa de vida ‘a0 nascer constituia um grave problema de satide piblica nas décadas de 1930 © 1940, As medidas de diferentes ordens implementadas pelo Estado brasilet- 172 NOTAS SOBRE © PLANEJAMENTO EM SAUDE ro, como as de saneamento bisico, campanhas de imunizagio e investimentos em diferentes setores da sociedade, resultaram na mudanga deste problema, Atualmente, so as doencas erdnicas degenerativas néo-transmissiveis e © envelhecimento da populace que constituem um grave problema de saiide. Atacamos 0 problema e praduzimos outros. Para o PES, ha virios tipos de problemas que séo classificados como bem-estruturados, de solugio conhecida e universalmente aceita, e 08 que so mal-estruturados ou no possuem uma solugio universalmente aceita e, na maioria das vezes, so explicados de maneira muito complexa. Ha problemas que sao denominados problemas finalisticos, porque incidem diretamente sobre 08 resultados da equipe de saiide, ou seja, envolvem questées ligadas & assis: ‘2ncia. Hé ainda os que néo se relacionam diretamente com o ato da praducéo com o usuério. S80 08 problemas intermediérios e néo incidem diretamente no ato do cuidado. Na classificagdo do PES, encontramos os problemas potenciais, que nao se configuram como um problema no momento da anélise, mas que possuem poténcia para se conformarem como tal em pouco tempo. Os proble- mas atuais so 0s problemas que serdo enfrentados. Nesta légica, 0 tipo de problema determina o métado de planejamento a ser empregado. Assim, problemas bemn-estruturados costumam ser abordados « tratados na légica do planejamento normativo, 6 que a sua solugao é univer- selmente conhecida, J os problemas mal-estruturados, que exigem uma ané- lise da conjuntura, sao foco do PES. No cotidiano das equipes de saiide, os problemas sao de diferentes or- dens. Na maioria das vezes, so problemas mal-estruturados e relacionados diretamente com a prestagio do cuidado, Sao, portato. finalisticas e reque- remo auxilio de outros setores da sociedade, como nos casos em que a familia ‘uum de sous membros 6 vitima de violéncia doméstica, Abre-se, nestes ca- 0s, um leque amplo e complexo de problemas que passam a fazer parte da anélise da sitvagao de saide da familia, em que cada detalhe por vezes torna- se um problema, Assim, podemos identificar a violéncia doméstica como um problema mal-estruturado finalistico para as equipes de saide da familia® ‘TSobreoprocssso de trabalho na side da fami, ver Ribeiro, Pres @ Blank est A tomsticn do procesto de trabalho em saude como intumental para anélise do trabalho em sade", no lwo 0 Processo Mitérico do Trabalho em Sade, nesta colegio (N. E) 173 POLITICAS DE SAUDE Outros problemas, como o uso inadequade do refrigerador que acon- diciona os imunobildgicos, constituem um sério risco no controle e combate as doengas, em sua maioria, comuns na inféncia. Este é um tipo de prablema de cordem intermedisria, pois ndo incide diretamente na produgao do cuidado, mas estabelece uma relacdo muito préxima com o pracesso de trabalho em sade sendo, neste caso, classificado também como secundario. A solugéo para esta questdo remete ao cumprimento de uma norma estabelecida pelo Programa Nacional de Imunizacdo (PND. Esta norma & reconhecidamente aceita, com- provada cientificamente e consiste tanto na retirada de qualquer outro produto do refrigerador quanto na manutengao das vacinas em prateleiras diferenciadas de acordo com 0 produto e sua origem. As vacinas virais s80 acondicionadas em prateleiras diferentes das vacinas bacterianas, por exemplo. Percebemos que na identificagio e classificagéo de problemas na légica do PES podemos fazer uma combinagao dos problemas, pois um mesmo pro- bbloma pode ser classificado em tipos diferentes, como finalistico © mal- estruturado. A classificagio do problema implica a melhor opgao de planeja- mento a ser empregado. Assim, podemos identificar os tipos de problemas © associé-los ao método de planejamento proposto. Quadro 1 ~ Classificagdo de problemas de acordo com o tipo de planejamento THROLOGIA BOS PROBLENIAS Teo DE PLANEIAENTO PROROSTO Finalsicosebem-estaturados ntemnediros¢Ben-esirturdo Nounativo Aun ben-estruturados ntemed asta a Ais malesrtrados Poteciis Fonte: O'Dwyer, De Seta & Oliveira, 2002. ‘Além de no ser igual para todas as pessoas, o problema é sempre algo que nos leva a agir, buscando a sua superagéo @ néo um mal-estar ou um vago desconforte imprecise. Por isso, diz-se que, para o planejamento estratégico, 0 problema ou a oportunidade sempre referido a alguém, ou melhor, a um ator social 174 NOTAS SOBRE 0 PLANEJAMENTO EM SAUDE ‘Ator social é um conceito importante para o PES, pois se rafere a um individuo, um grupo ou a uma organizagao. Na légica do PES, um ator social do se restringe a uma pessoa. Considera-se ator social aquele grupo, institut 80 ou individuo que articule simultaneamente trés critérios. Assim, um ator social deve possuir + Projeto politico; * Controle de algum recurso relevante ou variével importante para @ solugo do problema que é alvo do planejamento: * Capacidade para enfrentaro problema O conceite de ator social & vilido em diferentes circunsténcias no pla- nejamento, permitindo a andlise da viabilidade de estratégias. Podem ser reali- zadas 'leituras’ do projeto que © ator social defende ¢ avaliagées, tanto dos recursos que ele possui quanto da capacidade de ele enfrentar o problema, Em outras palavras, verifica-se se ha disposicéo por parte deste autor de entrar no Jogo. De acordo com estes itens, & possivel tracarmos um mapeamento da Intenclonalidade dos atores envolvides com 0 problema. Recurso é um elemento também fundamental para o PES. E de acordo: com a andlise dos recursos envelvidos na solugéo do problema que estabelece- mos estratégias e planos para a viablidade da planejamento, Podemos elencar alguns tipos de recursos trabalhados no PES: a) o cogritivo, rel cimento @ possibilitador do saber-fazer; b) 0 organizativo, relative ao modo ‘coma a organizaglo se estrutura; c) 0 econémico, que inclui o Financeiro; d) 0 politico, relacionado a categoria poder. A combinacdo desses recursos & sempre referida a um at sos necessérios também é de fundamental importancia. Assim, os recursos que so trabalhados pelo PES sao: * Cognitivos + Organizativos; * Econémicos; ivo ao conhe: social. No enfrentamento do problema, a anélise dos recur *Paliticas. No momento de planejar, 0 ator, por exemplo, na equipe de satide, deve possuirum quantitativo signfcativo de recursos que serdo necessrios na solu {G20 do problema. O ator que planeja pode ser ainda capaz de mobilizar ages que fardo com que 3 equipe possa acumular os recursos necessérios na mplementacao da plano. 175 POLITICAS DE SAUDE Na légica matusiano ha ainda trés conceites trabalhados pelo PES que configuram o chamado triéngulo de governo. Para Matus, 0 ato de governar raquer a mobilizagbo.eo intercémbio da ‘governabilidade’, da ‘ca- Pacidade de govern’ « de um plan’ para yovernar. ‘A ‘qovernabilidade' trata do controle de recursos e/ou das variéveis que possam interfer na condugéo de um determinade proceso ou plano. € também arelagho existente entre as veridvels que sie controladas e aque- las que néo s8o controladas pelo ator. Portanto,o ator que governa precisa deter uma parte considerivel dos recursos para aviabilizagao do plano, ou, pelo menos. ter durante o processo de planejamento habilidade de acumu- lar os recursos necessérios na construgio do plano. ‘Capacidade de governo' significa hablidade para a agao; & 0 saber fazer. A capacidade de governo diz respeito a0 dominio de métodos, técni- cas @ habilidades necessérios para a implementagao do plano ou projeto Na maioria das vezes, este item é desconsiderado pelos atores que estéo ‘em situagio de governo, néo se reconhecendo aimporténcia do saber fazer no enfrentamento dos problemas. O 'projeto’ consiste nas finalidades desenhadas para alterar 0 pro- blema, ou seja, o plano, Essa ferramenta, muitas vezes, nao é reconhecida ov nao esté bem definida para a maioria dos governos, Assumir a geréncia de uma equipe de satide é possuir um plano, ter capacidade de governo e governabilidade, elementos estes que constantemente passam ao largo das discusses quando pensamos nos atores sociais que conduzem as unidades de saide, Estes trésiltimos conceitos configuram o chamado trdngulo de fer- r0.de Carlos Matus (1993), Segundo ele, para governar, é necessério tra- balhar sobre estas trésvertentes, “quanto melhor a qualidade de um plano. maior a governabilidade de um dado ator social para a execugéo de seu projeto. Quanto maior a capacidade de governo, maior a governabilidade, visto que ha um maior dominio dos recursos, por exemplo, cogntives” (Matus apud O'Dwyer, De Seta & Oliveira, 2002: 34) 176 NOTAS SOBRE © PLANEJAMENTO EM SAUDE Figura 1 - Triéngulo de Governe de Carlos Matus fa de Goraree Fonte: Matus, 1993:60, Como um tringulo, 6 interessante perceber a necessidade de equilibrio {dos elementos que o compdem, em que o intercémbio dos mesmos é funda mental e necessério para 0 ator em posicéo de governo, Vale ressaltar que todos 08 sujeitos planejam e possuem governabllidade sobre uma parte do pro blema a ser enfrentado, A proposta metodolégica trazida pelo PES consiste em uma forma de pensar @ conceber 0 planejamento mediante o desenvolimento de um Conjunto de categorias centrais com suas inter-relagSes, capazes de re presentar as relagées girecionais © causais de uma tipologia de proble ‘mas passives de intervengio socal por parte de um ator.O ‘métade’, por sua ver, ¢0 desenvolvimente de um enfoque metadologico até adequé-lo ‘em seus pricinais procedimentos operacionais. Desta exslicado dedu: zom-se duas conseqUéncias: a) Que o método pods tor validade mais, restrita que o enfoque metodolégico; b) Que. método éum procedimen- to operacional. (Matus, 1993: 199-200) (© método é um procedimento operacional que nos permite materia lizar © plano, destacar as estratégias etc. Todavia, é importante nao nos apegarmos demasiadamente a ele, agarrando-nos a estrutura formal do método e omitindo a validade de operar com o enfoque. Em sintese, é fun: damental consideramos em nossas agées cotidianas 0 emprego de todos os 7 POLITICAS DE SAUDE conceitos que o PES aponta, possibilitando um caminhar mais amplo na con- dugao das aces de saide. Operar sobre a realidade do setor satide no nivel local consiste no dese- inho de varios cenérios que s2o tragados no decorrer do processo de planeja- mento, Nos diferentes planos e incertezas, necessitamos do célculo de viebili- dade, sem que isso signifique o engessamento do método. Planejamento Estratégico Situacional na Sadde— atuacae local 2 planejamento toma protensdo do se tomer um método de opera sobro 2 realdade na busca de efeitos previemente colacados: o que permite tratélo coma meio teonalégico, campo de saberes epraticas que busca operarfnalisicamente sobre prticas soias .).(Merhy, 1995: 119) No inicio da década de 1960, em meio a iniciativas de planificacao © programagéo do sotor sade na América Latina, surge uma demanda pela pro- dugéo de um método de programagio sanitrialocalizada no Centro Nacional e Desarrollo-Cendes, da Universidade Central da Venezusla, Fruto de articu- lagdo entre os profissionais deste centro e técricos da Cepal foi produzido um ‘método baseado na critica a0 planejamento econémico centrado no aspecto quantitative e na eficiéncia da utilizagéo de recursos. Esse movimento contou com o apoio da Organizagdo Pan-Americana da Saide (Opas),cujo resultado {oi a produgéo de um documento denominado “Problemas Conceptuales y Metodologicos de la Programacién de la Salud” (OPS-OMS, 1966), também conhecide come Método Cendes-Opas. Segundo Paim (1983), 0 planejamento na América Latina apresenta quatro

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