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UNIrevista - Vol.

1, n° 2: (abril 2006) ISSN 1809-4651

A construção do ser professor na educação


superior

Janine Bochi do Amaral


Mestranda em Educação
janineba@yahoo.com
Valeska Fortes de Oliveira
Doutora em Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE/UFSM

Resumo

Este trabalho é o recorte de uma pesquisa, para a escrita da minha dissertação de mestrado. Falo sobre a docência
universitária de professoras pedagogas. Utilizo as histórias de vida de quatro professoras pedagogas do Centro de
Educação da UFSM como orientação teórico-metodológica. Para falar sobre/com elas, trago também algumas
lembranças da minha própria história: na escola, na família, na graduação em Pedagogia, no mestrado em
Educação e experiências docentes. Neste trabalho, também tento compreender algumas trilhas que meu imaginário
percorreu para a construção da minha identidade como docente. As histórias de vida, (re)contadas através do uso
da memória, são utilizadas buscando fazer uma aproximação dos imaginários instituído e instituinte sobre o ser
professora na educação superior e os saberes constitutivos da profissão docente. Relaciono, brevemente, a teoria
do imaginário social, os saberes docentes, a memória, a história de vida para mostrar a importância de conhecer
profundamente quem são os profissionais da educação. As histórias de vida analisadas permitem a valorização do
sujeito enquanto possuidor de saberes e construtor de história. É um processo autoformativo, pois através de cada
história escutada, lida, refletida, penso sobre o meu passado para entendê-lo, ressignifico meu presente e projeto o
futuro.

Palavras-chave: Educação superior // pedagogia // imaginários // história de vida

Lembranças na/da escola

(...) nunca nos deveríamos sentir seguros daquilo que pensamos ser, porque,
nesse momento, poderá muito bem suceder que já estejamos a ser coisa
diferente.
-José Saramago-
Enquanto professora em permanente construção é que escrevo este texto e me revelo. E todo texto implica
em um contexto, pois entendo que toda e qualquer formação acontece em tempos e espaços diferentes.
Assim, pretendo falar sobre algumas trilhas percorridas para chegar até aqui e a possibilidade de recomeçar
sempre, através da reflexão sobre tudo aquilo que faço.

Hoje, sou aluna do curso de Mestrado em Educação, na UFSM e trago algumas memórias para serem
ressignificadas. Esse processo memorialístico permite passagem a um outro tempo: fazer uma interlocução
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de os saberes que construí enquanto aluna com os saberes que estou construindo na docência. Segundo
Pimenta (2002, p.27), “memória que, analisada e refletida, contribuirá tanto à elaboração teórica quanto ao
revigoramento e o engendrar de novas práticas”.

Quando era aluna na escola de educação básica, sempre fui muito tímida, muito quietinha. Na sala de aula,
quando falava era para responder o que me perguntavam não como iniciativa, mas por obrigação; não
contestava mesmo que discordasse; não fazia perguntas mesmo que tivesse dúvidas. Apesar de tudo isso,
em casa, com os amigos, sempre fui muito falante e muito curiosa, gostava de desafios e principalmente de
mostrar o meu ponto de vista. Mesmo tendo crescido silenciada na/pela escola, fora do ambiente escolar,
ainda fazia muitas perguntas (que bom): por que isso, por que aquilo? E quase nunca me contentava com
as explicações vagas que me eram dadas.

Lacerda (2002) escreve um belíssimo texto, onde relembra dois alunos que marcaram profundamente sua
docência, denominando-os de O menino do cavalo e a menina que olha. Logo na primeira leitura me
identifiquei com a menina que olha, mas depois pensei na vantagem da menina que olha sobre o quem fui
enquanto aluna: eu não gostava de escrever.

O que a escola, então, fez por mim? Talvez a minha vontade de ser professora e fazer diferente seja uma
das marcas mais importante deixadas pela escola. Penso que se aprendêssemos além de ler e escrever,
realmente a gostar de ler e escrever, a função da escola já estaria, de certa maneira, cumprida.

Lendo o livro Fomos maus alunos, meu passado veio à tona rapidamente. Em uma das passagens da sua
conversa com Rubem, Gilberto diz que sua sobrinha, uma aluna com altas habilidades diz à sua mãe, depois
de trocar várias vezes de escola que espera que a nova escola não atrapalhe sua aprendizagem. Nunca fui
uma aluna com altas habilidades, não aquelas que a escola assim considera, mas meu sonho também
sempre foi que a escola não atrapalhasse o meu querer ser feliz.

E enquanto mãe de um aluno da educação básica é isso que espero da escola: que não destrua a
curiosidade com que as crianças chegam à escola; que não mate a sua habilidade de comunicação; que
respeite as diferenças de cada um; que lembre, a cada momento, que a escola é fundamental e por isso
deve ser um local de prazer, de alegria, de encantamento e também de aprendizagem.

Hoje, enquanto professora, carrego minhas lembranças para não esquecer, quando entro em uma sala de
aula, que talvez mais importante do que falar sem parar seja saber ouvir meus alunos. Ouvir o outro é coisa
muito rara atualmente: queremos falar, revelar nossos problemas, dúvidas, angústias, porém não sabemos
nem queremos ouvir o outro. E ainda segundo Lacerda (2002, p. 83), “dificuldade maior do que a de ouvir o
outro, só mesmo a de ouvir a nós mesmas.”

Esse problema não atinge somente o professor, mas também os próprios alunos: quando um grupo termina
de apresentar um trabalho, sai da sala de aula e vai embora, como se não fosse necessário também ouvir os
colegas para apreender.

Se ouvir é biológico, escutar é social. Penso, assim, que é necessário escutar para apreender e para ensinar.
Claro que não é possível ser professor sem saber o conteúdo, ou sem saber ensinar, ou apenas ouvir sem
falar. O que quero dizer com tudo isso é que o professor deve intervir quando for necessário, dando
possibilidade de os alunos irem construindo seu conhecimento com seus colegas, pois o aluno também
precisa experimentar-se.

E como lembrança puxa lembrança, lembrei de mais uma: quando era acadêmica, no curso de Pedagogia,
não entendia porquê tantos trabalhos em grupo. Pensava que o professor estava com preguiça de “dar” aula

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e simplesmente jogava os textos para serem apresentados pelas alunas. Hoje, vejo que o professor já sabia
(ao menos era assim que deveria ser), e sua intenção era que o aluno apreendesse, devendo falar para
expressar aquilo que entendeu.

Nessa minha trajetória percebo o quanto fui uma aluna que apreendeu ouvindo, muito mais que falando,
lendo ou escrevendo. E como professora é assim que respeito aqueles que também não são muito falantes,
apesar de querer muito que todos possuam todas estas habilidades, diferentemente de mim quando era
aluna.

Algumas inspirações para a docência


A maior riqueza do homem é sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que
olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que
aponta lápis, que vê a uva etc.etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
-Manoel de Barros-
Tinha 17 anos quando chegou a hora de decidir qual a profissão “seguiria”. Mesmo sendo tão nova, já tinha
um filho com quase 02 anos. Estava muito inquieta porque a inscrição para o vestibular se aproximava e eu
ainda não havia decidido que curso fazer. Mas posso afirmar que a escolha da docência como profissão foi se
construindo aos poucos. Mesmo não tendo em meu núcleo familiar nenhum professor, revisitando minha
memória vejo o quanto fui influenciada pelos demais membros da família, uma vez que esta é constituída,
inicialmente, por muitas professoras, e agora também professores, tanto pela parte paterna como a materna.

Minha avó paterna era professora, começou a lecionar em 1937 no interior do município de Santiago/RS,
onde atuou até se aposentar em 1964. Ainda hoje me recordo do anel que ela usou, pelo resto da vida, por
ter exercido o magistério: preto, com uma estrela, símbolo da tradição de uma época em que poucas
mulheres trabalhavam fora de casa e as que saiam era para ser professora. O magistério era uma profissão
quase que exclusivamente feminina, pois suas atividades eram consideradas como uma “extensão do lar”,
do cuidar dos filhos, e que deveria ser exercida por aquelas que eram vistas como um ser frágil, dócil,
sensível, paciente, com o dom da maternidade. Hoje, entendo o quanto essas representações contribuíram
para a construção da identidade profissional das professoras.

A tia Ayda e a tia Amália, tias maternas, que também eram professoras, sempre me fascinaram ao contar
as histórias de sua profissão: como elas ministravam suas aulas, como eram as disciplinas que lecionavam,
a escola, a faculdade, a sala de aula, os acontecimentos extraclasse, a ótima relação que tinham com os
alunos, as festas que organizavam, as homenagens que recebiam. Durante as reuniões em família, elas
sempre tinham histórias muito interessantes para contar. Acredito que todos esses símbolos contribuíram
para o meu imaginário em relação à profissão docente.

Talvez o interesse que tenho hoje, em pesquisar os professores universitários, também tenha influências da
família, uma vez que as mesmas tias, que antes eram professoras primárias, tenham ido “ensinar” na

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Faculdade . Hoje, além delas, tenho vários primos, que formados em diferentes áreas, já iniciaram a sua
vida de professor na Universidade.

Lembro, ainda, que na época que morei em São Vicente do Sul/RS (1983-1986), ia passar as férias em
Santiago e passava muitas tardes na Faculdade, esperando a tia Ayda. A biblioteca, cheia de livros
realmente me encantava. Hoje a biblioteca tem o nome do meu avô materno Perceverando Bochi: um
homem bastante humilde, amante da vida e dos livros e que incentivou suas filhas à docência.

Identidade profissional: construção permanente

Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade


não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa
síntese das contradições nossas de cada dia.
–Eduardo Galeano-
Segundo Tardif (2002, p.20) “antes mesmo de ensinarem, os futuros professores vivem nas salas de aula e
nas escolas- e portanto, em seu futuro local de trabalho- durante aproximadamente 16 anos (ou seja, em
torno de 15.000 horas).” Por esse motivo é que ressignificar as marcas que foram deixadas por professores
se faz necessária na construção do ser professor. Se não formos capazes de superar as lembranças
negativas, certamente poderemos estar reproduzindo aquilo que vivemos enquanto alunos.

Para que essas imagens possam ser ressignificadas é que atualmente pesquisas com os professores estão
sendo construídas. Não podemos mais continuar falando nos professores como responsáveis pela educação
sem “dar voz2” aos seus sujeitos. E eu diria ainda que, além de dar voz aos professores, devemos permitir
que se ouçam e se façam ouvir.

Para entender como essa rede, essa trama de significações em relação à profissão professor vem se
constituindo, penso que a Teoria do Imaginário Social é a mais adequada, pois as pesquisas do imaginário,
começam onde as outras pesquisas terminam. Assim, se entendermos o imaginário como criação, nos
aproximaremos do pensamento humano na sua profundidade, complexidade.

O que é o Imaginário? Há uma definição para o que é Imaginário? Segundo Ruiz “(...) o imaginário e a
imaginação, por princípio, são indefiníveis, isto é, nenhuma explicação racional por muito densa ou extensa
que se pretenda poderá exaurir o imaginário. O imaginário sempre deverá ser descrito pelos seus efeitos,
pois nunca poderá ser explicado por meio de definições conclusivas” (2003, p.30).

Segundo Ferreira e Eizirik (1994, p.10), “investigar o Imaginário Social de um grupo é propor-se a dialogar
com seu mistério”. É preciso compreender também, que não basta ter conhecimentos apenas sobre a
educação. Para fazer uma aproximação com o imaginário de um grupo são necessários múltiplos olhares,
adentrar em outras áreas do conhecimento, interagir com outros saberes.

As ciências sociais e humanas nasceram num momento em que se privilegiava a investigação quantitativa,
pois as ciências exatas priorizavam esse tipo de abordagem. Para tal ciência, o verdadeiro, o científico era
aquilo que poderia ser quantificado. Aí perdemos o mais significativo nas ciências humanas: a capacidade de
imaginar, de sonhar, de fantasiar, de criar.

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Coloco aqui Faculdade ao me referir a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIS), atualmente URI- Campus
de Santiago. A partir de 1994 a FAFIS foi incorporada a URI-Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões(URI)
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Expressão utilizada por Ivor Goodson, no texto Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional, que está no livro organizado por António Nóvoa: Vidas de professores.

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Hoje, devemos rever aquilo que ficou esquecido, enquanto valorizamos o racionalismo cartesiano ou o
positivismo como sendo válidos para as ciências humanas e sociais. Então voltamos a pensar que, para
entender a essência do homem, devemos voltar as coisas simples: escutar o próprio sujeito.

O imaginário permite a compreensão de que o homem é um ser ambíguo: ao mesmo tempo múltiplo e
singular, rodeado pela incerteza. Assim, quando utilizamos o imaginário nas pesquisas educacionais,
devemos acreditar que o caminho não está pronto, é preciso construí-lo.

Acredito que a Teoria do Imaginário Social permite uma nova forma de ver o mundo, partindo daquilo que
existe, pois o homem cria a sua própria história. E essa criação não acontece somente através de sua
racionalidade, mas também naquilo que está escondido, ou seja, que ele não diz, mas simboliza.

Conhecer uma realidade é, portanto, reconhecê-la como historicamente


determinada, constituída por sujeitos que a representam, a simbolizam. Sob
a forma de percepção, de intuição, de sensações, de concepções, a realidade
é sempre uma realidade para um indivíduo ou grupo de indivíduos que
compartem entre si o sentido dessa realidade. (Teves 1992, p. 7)
Como se aproximar do imaginário social? Para investigar como é instituído e qual o imaginário instituinte dos
professores, penso que a história de vida é uma orientação teórico-metodológica bastante adequada.
Ninguém mais importante para falar sobre o ser professor do que ele próprio.

Se o Imaginário Social é uma teoria que permite conhecer como o homem cria, como ele se constitui, então
a história de vida é o meio capaz de captar esse imaginário. A história de vida é ressignificada através da
linguagem, falada ou escrita e até mesmo gestualizada, permitindo ao sujeito expressar esse imaginário.

Conforme Baczko (1985, p.311), “o imaginário social torna-se inteligível e comunicável através da produção
dos ‘discursos’ nos quais e pelos quais se efectua a reunião das representações colectivas numa linguagem”.

Lygia Fagundes Telles, no livro Verão no Aquário, mostra poeticamente o quão é importante ouvir o outro:
“O que eles fazem é ouvir as historinhas que a gente vai contando, o que já é muito. Afinal, não tenho
ninguém disposto a me dar atenção quando quero falar sobre mim mesma. E às vezes quero falar sobre
mim mesma”. Nossas pesquisas permitem que isso aconteça.

A história de vida pode ser (re)contada através da história oral e das escritas autobiográficas. A história oral
pode ser obtida utilizando a entrevista semi-estruturada, que é um recurso bastante viável, pois permite aos
sujeitos relatarem suas experiências. A escrita autobiográfica poder ser obtida através da sugestão de um
tema, dependendo dos objetivos a serem pesquisados. Não esquecendo que qualquer pesquisa, que se
propõe a fazer uma aproximação com a realidade existente, é uma construção, onde não há uma receita a
seguir.

A história de vida é relatada usando como recurso a memória. E vale registrar que essa memória não é
neutra, mas que é ressignificada com as vivências de hoje.

Conforme nos coloca Bosi:

Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes,


misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra,
“desloca” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória
aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e
penetrante, oculta e invasora (1994, p. 47).
A memória, às vezes, não diz exatamente o que aconteceu, mas projeta o que era desejado. Dessa maneira,
“é fundamental lembrar que em história oral não existe mentira no sentido moral do termo. Toda mentira

em história oral decorre de intenções, e é isso que merece ser compreendido” (Meihy, 1996, p. 48). Esse

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pensamento deve ser esclarecido porque ainda há quem pense que esse tipo de pesquisa, que trabalha com

a subjetividade não merece credibilidade, pois estamos lidando com algo que não há como comprovar a
veracidade do que foi dito.

Através da memória o sujeito percebe que possui saberes, que ele é o construtor da sua própria história. “A

memória deve ser uma interlocução entre o próprio processo de formação e a construção dos conhecimentos
sobre essa formação” (Benincá 2002, p.121).

Os estudos sobre os saberes docentes são um novo campo de pesquisa em educação, talvez por isso, não
sabemos como definir exatamente o que são saberes. Porém Tardif (2002, p.198) nos esclarece que:

Saber alguma coisa ou fazer alguma coisa de maneira racional é ser capaz de
responder às perguntas “por que você diz isso?” e “por que você faz isso?”,
oferecendo razões, motivos, justificativas susceptíveis de servir de validação
para o discurso ou para a ação. Nessa perspectiva, não basta fazer bem
alguma coisa para falar de “saber-fazer”: é preciso que o ator saiba por que
faz as coisas de uma certa maneira. Nessa mesma perspectiva, não basta
dizer bem alguma coisa para saber do que se fala.
Revisitando nossa memória é possível perceber que temos saberes. Somos formados por uma pluralidade de
saberes. Nosso ser professor é composto por saberes que nos construíram como profissionais desde muito

antes de uma formação inicial intencional/institucional. Tudo aquilo que aprendemos dentro ou fora da
escola nos forma como professores e irá influenciar nossas atitudes.

Uma vez que somos a somatória de saberes é importante pensar em uma formação que privilegie os

conhecimentos trazidos pela nossa história de vida, crenças, valores. Segundo Pimenta (2002, p.29) esse

processo de formação é “na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes
iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares”.

A educação superior: questões de pesquisa

Se procura bem, você acaba encontrando

Não a explicação (duvidosa) da vida,

Mas a poesia (inexplicável) da vida.

-Carlos Drummond de Andrade-

Como aluna no mestrado, estou realizando uma pesquisa com os professores formadores de professores no

curso de Pedagogia. Algumas questões que me desassossegam desde a minha graduação no curso de

pedagogia são as seguintes: como acontece a formação das professoras pedagogas que atuam na educação

superior? Como é o imaginário instituído e instituinte dessas professoras sobre o ser professora na educação

superior? Na concepção dessas professoras, quais os saberes constitutivos da sua profissão? Como os
saberes pessoais contribuem para que os professores se tornem o profissional que é/ deseja ser?

Neste trabalho, tento fazer uma aproximação com os imaginários instituídos e instituinte das professoras

pedagogas sobre o ser professora universitária e os saberes constitutivos de sua profissão; ressignificar,
através da história de vida oral e das escritas autobiográficas, a trajetória percorrida pelas professoras em

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seu processo formativo; investigar a formação das professoras buscando compreender como esse processo
repercute na prática e no espaço onde estas profissionais estão inseridas.

Assim, trago a seguinte questão: Será que as instituições de ensino superior estão pensando a formação de

seus professores nessas dimensões que não podem ser quantificadas? Penso que a formação do professor

certamente deverá ser tema obrigatório para/nas instituições de ensino superior, porque apenas a boa
vontade dos professores em buscar formação não é suficiente. É preciso apoio institucional, principalmente

na questão do tempo, porque formação exige estudo, discussões, e o professor, que já é tão sobrecarregado,
deve ter auxílio nesse sentido.

Para Fernandes (2003, p.109) é muito mais eficiente tratar a formação de professores quando há um
projeto institucional que dá direção ao trabalho. E diz ainda:

Há muito que fazer, mas é necessário começar por um esforço intencional e


sistemático para responsabilizar a instituição pela formação pedagógica de
seus professores, ao mesmo tempo, investindo na produção de um
conhecimento sobre essa formação e a diferença que ela pode fazer nos
processos de ensinar e aprender para formar cidadãos deste país- uma
grande tarefa (2003, p.111).

Uma reflexão para não concluir

Neste texto, procurei trazer algumas imagens e reflexões de como estou me construindo professora. Falei
também sobre algumas questões que me propus pesquisar. Penso que sempre que falo sobre professores e
a história de suas vidas, devo começar falando sobre a minha, pois para entender o outro é preciso entender
a mim mesma.

Segundo Lya Luft (2004, p.22)

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações


corremos de um lado a outro achando que somos grande cumpridores de
tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar:
quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores.
Se a profissão de professor é singular porque exige flexibilidade, alteração constante de planejamentos,
imprevisibilidade, a formação desses profissionais deveria contemplar muito mais o seu próprio
autoconhecimento. Não pretendo fazer análise detalhada sobre tudo aquilo que penso, falo, escrevo, mas
concordo com Boaventura Santos (2002), quando ele nos diz que todo conhecimento é autoconhecimento e,
portanto, todo desconhecimento é também autodesconhecimento.

Enfim, as histórias de vida permitem a valorização do sujeito enquanto possuidor de saberes e construtor de
história. É um processo autoformativo, pois através de cada história escutada, lida, refletida, penso sobre o
meu passado para entendê-lo, ressignifico meu presente e projeto o futuro.

Referências

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