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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000265902

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1006296-23.2020.8.26.0001, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelada T.
M. (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado/apelante F. S. P. C. (JUSTIÇA GRATUITA).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento em parte aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ CARLOS


FERREIRA ALVES (Presidente) E JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.

São Paulo, 11 de abril de 2022.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

AH
Voto nº 5824
Apelação nº 1006296-23.2020.8.26.0001 Processo Digital
Apelante / Apelado: T. M.
Apelante / Apelado: F. S. P. C.
Comarca: Foro Regional de Santana
Juiz prolator: Luiz Rogério Monteiro de Oliveira

AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA E


DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA
DE BENS E GUARDA ANIMAL. Sentença de parcial
procedência. APELAÇÃO. Insurgência quanto ao
período da união estável e compartilhamento dos
cuidados com o animal de estimação. RECURSO
ADESIVO. Parte autora que alega a inexistência de
pedido de justiça gratuita pela ré e reforma do
ônus sucumbenciais. JUSTIÇA GRATUITA. Parte
ré que não requereu a benesse. Necessidade de
exclusão do benefício da justiça gratuita. UNIÃO
ESTÁVEL. Documentos que dão indícios do
período da união estável. Declaração emitida pelo
síndico do condomínio, indicando a data de
cadastro do autor como morador do local.
FIXAÇÃO DE VISITAS À ANIMAL DE ESTIMAÇÃO.
Animal que foi adquirido exclusivamente pela ré
antes da união estância. Ré que comprovou que é
única responsável pelos cuidados/manutenção,
alimentação, saúde e higiene veterinária. ÔNUS
SUCUMBENCIAIS. Parte autora que decaiu de
parte de seus pedidos. Sentença reformada em
parte. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

A r. sentença (fls. 434/439), cujo relatório se adota,


JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE a demanda proposta por F. S.
P. C. em face de T. M., para reconhecer expressamente a união estável

Apelação Cível nº 1006296-23.2020.8.26.0001 -Voto nº 5824 2


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entre as partes, pelo período compreendido entre março de 2018 até 28 de


junho de 2019, determinando a partilha dos bens. “Ante a sucumbência
recíproca experimentada, cada parte arcará com as custas e despesas
processuais a que deu causa, bem como com os honorários do seu
respectivo patrono, observando-se que ambas são beneficiárias da
gratuidade judiciária”.

Inconformada, recorre a parte ré aduzindo, em


síntese, 1) a necessidade de concessão de efeito suspensivo ao recurso,
posto que o bem semovente, animal de estimação, foi adquirido antes da
união estável e o Apelado já ameaçou sumir com a cachorra ou devolve-la
machucada ou doente; 2) a ausência de comprovação do termo inicial da
união estável; 3) o documento somente foi subscrito pelo síndico, que
esclareceu que o Apelado há anos estava registrado como frequentador do
condomínio e que não utilizaria o termo 'morador', pois não conhece a
intimidade do casal; 4) de fato, o Apelado ajudou financeiramente a
Apelante, devendo ser considerado a data de 26 de abril de 2018 como
início da união; 5) os áudios transcritos apontam que, em 16/11/2018, o
Apelado necessitou de ajuda para utilizar a máquina de lavar roupas,
corroborando que a união estável iniciou no mínimo, naquela data; 6) o
Apelado estava registrado como genro da proprietária do imóvel há muitos
anos; 7) o bem semovente foi adquirido pela Apelante em 28/02/2018,
“APELADO conviveu esporadicamente com a cachorra por um curto
período, 1 um ano, e depois conviveu diariamente por 3 meses, e já se
encontra a mais de 2 anos afastado da cachorra Maya, ou seja, não foram
anos de convivência, que formou um amor incondicional entre as partes”; 8)
o valor gasto pelo Apelado é irrisório se comparado aos gastos da Apelante,
que custeia ração, medicação, creche, adestrador, plano de saúde, banho,
tosa, etc. Requereu, em decorrência, a reforma da r. sentença para “•
Reconhecer e declarar a união estável entre as partes, no período de 07 de
março de 2019 até 28 de junho de 2019; • Caso o entendimento seja a data
dos comprovantes de ajuda financeira, que seja reconhecida a união estável

Apelação Cível nº 1006296-23.2020.8.26.0001 -Voto nº 5824 3


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no período de 26 de abril de 2018 até 28 de junho 2019; • Após seja


decretada a sua dissolução, com a partilha dos bens do casal adquiridos
durante o período da união estável, conforme comprovado pela APELANTE,
no percentual de 50% para cada parte; • Que seja reconhecido que o bem
semovente foi adquirido antes da constância da união estável, com recursos
próprios da APELANTE, sendo assim este bem pertencente exclusivamente
a APELANTE, julgando assim a total improcedência do pedido de guarda
compartilhada e fixação de regras mínimas de convivência de Maya
pleiteadas pelo APELADO; • Que seja o APELADO condenado ao
pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios,
por ter sucumbido na maior parte dos pedidos e por não fazer jus ao
benefício da Justiça Gratuita”.

Contrarrazões às fls. 467/506.

Também inconformada, recorre a parte


adesivamente autora (fls. 507/516) aduzindo, em síntese, que 1) a sentença
foi extra petita, posto não ter sido requerido o benefício da justiça gratuita
pela parte ré; 2) a parte autora foi vencedora na maioria de seus pedidos,
devendo ser modificado os ônus sucumbenciais; 3) a concessão da tutela
antecipada para “deferimento de períodos de convivência com Maya, nos
moldes fixados na r. sentença, fls. 438, seja com amparo no instituto da
guarda compartilhada e regras de convivência ou seja pelo direito da
propriedade (posse periódica do bem) e preservação da fauna e da flora,
para que sejam fixados os períodos mínimos de convivência ou
compartilhamento da posse, fixado as regras de convivência nos moldes do
item 38, fls. 11”.

Contrarrazões ao recurso adesivo às fls. 520/537.

Petição de não oposição ao julgamento virtual


protocolada às fls. 541 e 543.

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É o relatório.

Inicialmente, analiso a preliminar arguida no recurso


adesivo quanto à inexistência de pedido de concessão de justiça gratuita à
parte ré.

A parte ré se habilitou nos autos às fls. 73/76, bem


como apresentou contestação às fls. 89/106, não tendo requerido a
concessão da benesse.

Além disso, também não houve requerimento da


concessão do benefício no recurso de apelação da parte ré, que recolheu as
custas de preparo (fls. 461/462).

Assim, inexistindo pedido de concessão do benefício


da justiça gratuita à parte ré, que deve ser excluído da r. sentença.

Passo a análise do mérito.

Cuidam os autos de Ação Declaratória de União


Estável c/c Dissolução e Partilha de Bens.

Narra a exordial que “Após 8 anos de namoro, o


autor convivera, “more uxório”, com a ré por quase 02 anos, ou seja,
06/03/2018 até 28/06/2019”. Na constância da união estável, as partes
adotaram uma cachorra de estimação, tratada como membro da família.
Após a separação, alega que o autor tem convivido com o animal sem que
haja divisão igualitária do tempo.

Pois bem.

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As partes não divergem quanto à partilha de bens


determinada pela r. sentença.

O artigo 1.723 do Código Civil estabelece os


requisitos para constituição da união estável, sendo eles: convivência
pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família.

No caso dos autos, é incontroversa a existência de


união estável, divergindo as partes quanto ao seu início.

Sustenta a parte ré que a união estável teria se


iniciado em 07 de março de 2019 ou, se considerado o auxílio financeiro do
autor, o início teria ocorrido em 26 de abril de 2018.

A declaração de fls. 176, assinada pelo sr. I. S. G.,


síndico do Condomínio Edifício Brasília Everest, constou que o autor “foi
morador do condomínio no apartamento nº 184, marido da moradora T. M”,
devidamente cadastrado em março/2018, informando que ambos se
mudaram em março/2019.

O autor juntou aos autos extratos bancários (fls.


274/285) indicando que a partir de abril/2018, foi responsável pelo
pagamento de algumas contas mensais, tais como condomínio, gás,
telefone, etc.

A própria ré reconhece que recebeu auxílio


financeiro do autor, alegando que tal suporte seria um empréstimo, ocorrido,
esporadicamente, a partir de abril/2018.

O autor juntou diversas declarações de pessoas


conhecidas do ex-casal, indicando que visitaram as partes quando foram

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morar juntas em 2018, sem especificar a exata data.

Conclui-se, desta forma, que a data mais provável


para início da união estável foi àquela fixada pela r. sentença, qual seja,
março/2018, coincidindo com a data em que o autor foi cadastrado como
morador do condomínio.

No mais, observo que não houve impugnação


específica das partes quanto à partilha de bens adquiridos na constância da
união estável, razão pela qual fica mantida.

Em relação ao bem semovente, a r. sentença


determinou:

Em relação ao pedido feito na inicial, para compartilhamento da


guarda do animal de estimação nomeado Maya, considerando
que este foi recebido pelas partes em 06/03/2018, conforme
alegado pelo autor, não tendo a ré impugnado a data da chegada
do animal, tendo em vista que não existe regulamentação jurídica
específica da matéria, deve-se assim ser dado tratamento
peculiar ao caso, diante do vínculo afetivo estabelecido entre ele
e seus coproprietários.
Buscando atingir os fins sociais, entendendo que o Direito é uma
ciência dinâmica em constante transformação,
independentemente do nomen iuris a ser adotado, deve ser
verificado o caso concreto. Assim, diante da farta documentação
juntada aos autos, reconheço que ficou demonstrada a relação de
afeto entre o autor e o animal de estimação, comprado durante a
convivência em comum com a ré, dessa forma acolho o pedido
feito na inicial para fixar a custódia compartilhada do animal, com
regime de convivência a ser exercido pelo autor, nos exatos
termos propostos no item 48 das fls. 11.

Há indícios de que a cadela Maya nasceu em


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janeiro/2018 (fls. 37).

O recibo de compra do animal (fls. 109), datado de


28/02/2018, comprova que o bem semovente foi adquirido exclusivamente
pela ré, antes da constituição da união estável.

Assim, independentemente de o animal ter sido


entregue aos cuidados das partes em março/2018, a sua aquisição foi
realizada anteriormente somente pela ré, a ela pertencendo de forma
exclusiva.

Ademais, verifica-se da declaração de fls. 127,


emitida pela creche de animais, indica que “Maia da raça Golden retriever é
nossa aluna desde setembro 2018 até o período atual [setembro/2020],
tendo sempre a presença de sua tutora Thamires como responsável pelos
pagamentos de sua mensalidade e seu transporte até nosso local, raras
exceções sendo trazida por outra pessoa”.

Além disso, a parte ré também juntou declarações


emitidas por terceiros, no sentido de que seria a responsável pelos cuidados
com o animal.

Desta forma, tem-se que a responsabilidade do


animal, assim entendida pela criação/manutenção diária, cuidados
veterinários, passeios diários, bem como os encargos financeiros ficaram
aos cuidados exclusivos da parte ré, tutora do animal.

Após a separação das partes, a parte ré permitia,


por mera liberalidade, as visitas do autor.

Outrossim, observo que a aquisição de itens


destinados aos cuidados do animal pelo autor somente ocorreu no início da

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união estável entre as partes, inexistindo provas de que após o rompimento


o autor permaneceu auxiliando nos cuidados veterinários e auxiliando nas
despesas com a criação do animal.

Assim, sendo o bem semovente de propriedade da


ré, as visitas do autor poderão ser realizadas, desde que haja a permissão
daquela, ao seu critério.

Por fim, nada há que modificar quanto a pedido de


reforma dos ônus sucumbenciais, posto que o autor decaiu de parte de seus
pedidos, devendo ser mantida a repartição do ônus.

Destarte deve a r. sentença ser parcialmente


reformada para 1) afastar a concessão do benefício da justiça gratuita à
parte ré; 2) declarar que a cadela Maya é de propriedade exclusiva da ré,
que poderá, a seu critério, permitir as visitas do autor ao animal.

Diante do exposto, pelo meu voto DOU PARCIAL


PROVIMENTO aos recursos, nos termos da fundamentação supra.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS


RELATORA

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