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ANO 3 N0 7 2023

datavenia.info

EDIÇÃO COM TODAS AS


www.datavenia.info
ARTICULISTAS MULHERES
R$ 50,00
A DATAVENIA é uma revista do Instituto de Estudos
Jurídicos Aplicados. Ela não publica matéria editorial paga
e não é responsável por opiniões ou conceitos emitidos em
entrevistas, artigos e colunas assinadas.

Publisher CEO: Renato Mello revista.datavenia


Diretor de Arte: Iago Souza, Jânio Silva
Revisão: Jorge Leite de Oliveira
Reportagens: Sheylli Caleffi, Karina Costa (FIOCRUZ
Bahia), Fran Hochmüller e Verônica Bittencourt FALE COM A DATAVENIA
Redação: jornalismo@institutoieja.com.br
Articulistas:
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Adriana Venturini Letícia Gomes Telefone: (61) 3970-5406

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CORRESPONDÊNCIAS, COMENTÁRIOS SOBRE O CONTEÚDO
Alice Carolina Lins e Silva Livia Vaz
EDITORIAL DA REVISTA DATAVENIA, SUGESTÕES E CRÍTICAS:
Ana Carolina Mazzer Louise Caroline Löw
contato@institutoieja.com.br
Ariane Costa Guimarães Luciana Serafim jornalismo@institutoieja.com.br
Benedita da Silva Lucinéia Possar Mensagens devem trazer o nome completo do autor

Daniella Barcellos Luísa Canziani


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CARTA AO LEITOR

É com grande satisfação que dedicamos esta edição da nossa


revista para homenagear o Mês da Mulher. Este é um momento
importante para celebrarmos as conquistas das mulheres ao
longo da história, bem como para reconhecermos os desafios que
ainda precisamos superar.

Trazemos uma série de artigos escritos por mulheres que se


destacam em diversas áreas do mundo jurídico e nos negócios.
São histórias inspiradoras que mostram como as mulheres estão
fazendo a diferença em suas comunidades e contribuindo para
um mundo mais justo e equitativo.

Também abordamos temas importantes como a violência contra


as mulheres (com números que se assemelham a uma epidemia),
a igualdade racial, a de gênero e a diversidade, que ainda são
questões urgentes em nossa sociedade, sem esquecer de tratar
temas do cenário jurídico atual.

Esperamos que esses artigos possam ajudar nossos leitores sobre


esses assuntos, motivá-los a se engajar na luta por uma sociedade
mais igualitária.

Por fim, queremos parabenizar todas as mulheres brasileiras pela


sua força, coragem e determinação. Sabemos que ainda há muito
a ser feito para garantir que as mulheres tenham, além de segu-
rança e proteção, os mesmos direitos e oportunidades que os
homens em nossa sociedade, mas estamos confiantes de que,
juntos, podemos fazer a diferença.

Agradecemos a todas as nossas colaboradoras por tornarem esta


edição possível e desejamos ao nosso público uma ótima leitura.

Atenciosamente, DataVenia.
SUMÁRIO

POLÍTICA JUSTIÇA
NACIONAL RESTAURATIVA
PARA EM PRÁTICA
MULHERES

6 34
LIDERANÇA
FEMININA
NOS ESPAÇOS
DE PODER

16

4
REPORTAGEM:
COMUNICAÇÃO
QUE ENGAJA

66
VIDA DE MULHERES
EMPRESÁRIO EM AÇÃO

40 78

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POLÍTICA NACIONAL PARA MULHERES por Gleisi Hoffmann

Volta da política de
valorização da mulher
renova esperança para
o combate à violência
e maior participação
feminina na política

Gleisi Hoffmann

Presidenta Nacional do Partido dos


Trabalhadores e Deputada Federal pelo
Paraná. Advogada, com especialização
em Gestão de Organizações Públicas e
Administração Financeira. Foi a primeira
mulher a eleger-se Senadora pelo Estado
do Paraná e é Ex-Ministra-Chefe da Casa
Civil da Presidência da República.

6
POLÍTICA NACIONAL PARA MULHERES por Gleisi Hoffmann

O Dia Internacional da Mulher machismo, elevou a violência eleitorado mas muito poucas
de 2023 tem um sabor política e a radicalização. No nos legislativos brasileiros, nos
especial para as brasileiras último ano, foram mais de governos estaduais.
com a retomada, pelo governo 18 milhões de vítimas, sendo
Lula, das políticas de combate mais de 50 mil por dia. Agredir Como deputada federal e
à violência de gênero, de mulheres f icou tão banal presidenta do Partido
proteção e de valorização das que no Dia Internacional, dos Trabalhadores, quero
mulheres. Deixamos para trás assistimos atônitas no plenário ver mais e mais mulheres
quatro anos de misoginia, da Câmara dos Deputados, a nas nossas f ileiras. Há uma
depreciação e discriminação. zombaria e o desrespeito força transformadora das
Em cerimônia no Palácio do contra as mulheres cis e trabalhadoras, das feministas,
Planalto, foi anunciada uma transfobia contra as mulheres das mães, donas de casa, da
série de ações que certamente trans. militância feminina. Vidas
construirão um Brasil mais como a de Rosa Luxemburgo,
justo e menos violento Tudo isso mostra a necessidade f ilósofa e economista
para as mulheres. Juntas, da militância diária, sem marxista conhecida pelo
as medidas representam arredar o pé. O mês de março ativismo revolucionário,
um investimento de R$ 960 marca a concentração de luta Marielle Franco, vereadora
milhões do orçamento público das mulheres como alerta brutalmente assassinada,
apenas este ano, f ruto de para a sociedade sobre o Dandara do Quilombo, mulher
pactuação entre os diversos machismo estrutural que lutadora pela libertação de
ministérios, os bancos públicos atinge as brasileiras. É tempo negras e negros, e tantas
e outros órgãos, assim como de conquistamos a igualdade outras mulheres guerreiras
do diálogo com o movimento de direitos entre mulheres nos inspiram para seguirmos
de mulheres. e homens, combater o juntas e sempre em f rente
preconceito de gênero, contra o ambiente político
O presidente Lula deu o tom lutar pela nossa presença machista e patriarcal.
do seu governo sobre as nos espaços de poder ou em
mulheres: “O Brasil voltou. qualquer lugar onde queremos Costumo dizer que, para uma
Vo l to u p a r a c o m b a te r a estar e pela remuneração mulher na política, falta uma
discriminação, o assédio, igualitária. Os desaf ios são mulher para a família, porque
o estupro, o feminicídio e além da estrutura patriarcal. os homens não assumiram,
todas as formas de violência Na crise com o desemprego e como deveriam, a divisão dos
contras as mulheres. Mas é baixa renda são as mulheres cuidados familiares, do mundo
preciso ir além do combate que mais sofrem. doméstico. Exigem muito
à intolerável violência física. mais de nós do que qualquer
Quando aceitamos que a A participação das mulheres homem, sempre aceito por
mulher ganhe menos que nos espaços de poder, sua condição sexual.
o homem no exercício da em cargos de chef ia, nos
m e s m a f u n ç ã o, e s t a m o s comandos das empresas e As agressões existem, claras
perpetuando uma violência na política é fundamental ou veladas, ofensas ou
histórica”. para superarmos esse cenário desconstrução. A democracia
horroroso, para dizer o plena e a justiça social só
O 8 de março de 2023 chegou mínimo, e mudarmos a nossa acontecerá quando estivermos
como um catalisador da luta sociedade para tornar um presentes em todos espaços
feminina contra a opressão e Brasil mais civilizado, humano públicos de decisão e poder
por direitos. A violência bateu e igualitário para todas. Com a em igualdade de condições.
número inimagináveis, todas redemocratização, os espaços Mulheres, vamos juntas na
as modalidades de agressão para a participação de cada luta sem deixar nenhuma de
aumentaram, feminicídio, vez mais mulheres na política nós para trás.
violência f ísica, psicológica, foram se abrindo, mas ainda
s exu a l , a l é m d o a s s é d i o está muito aquém. Af inal,
sexual, impulsionadas por somos a maioria da população
um governo que empoderou o brasileira, a maioria do

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LIÇÕES DE UM POEMA por Desirée Sousa

Desirée Sousa

Advogada no Congresso Nacional;


Conselheira Seccional na OAB/DF;
Vice-Presidente de Relações
Governamentais da OAB/DF; Secretária
Geral-Adjunta da Fundação de
Assistência Judiciária da OAB/DF e Vice
Presidente de Relações Institucionais e
Governamentais do IEJA.

8
LIÇÕES DE UM POEMA por Desirée Sousa

Segundo porque “Ítaca” é sinônimo de


Ítaca era a ilha natal de vitória, e tal como Odisseu a conquistou,
nós mulheres resistiremos aos assédios,
Odisseu, segundo o épico aniquilaremos os limites artificiais que a
Poema Grego “Viagem à Ítaca” sociedade nos impôs, cruzaremos os céus
mesmo diante de ventos hostis, cruzamos os
de Konstantinos Kavafis. oceanos mesmo diante dos mares revoltos,
e, cedo ou tarde, conquistaremos nossas
Ítacas.
Após a Guerra de Tróia, Odisseu demorou dez Ítaca nos aguarda ansiosamente, Ítaca quer
anos para regressar à sua ilha natal. A volta foi que nos gozemos dos prazeres de Ítaca,
demasiadamente difícil, repleta de obstáculos Ítaca que brindar a nossa chegada em Ítaca
e mazelas proporcionadas pelas águas turvas e Ítaca quer que sejamos felizes em Ítaca.
e túrgidas do Mar Mediterrâneo. Tão dura foi Entretanto, Ítaca quer nos recompensar
que deu origem ao termo “Odisséia” (palavra não somente por auferir Ítaca, mas com a
usada para designar momentos difíceis e sabedoria, experiência e união adquiridas
penumbrantes). A grande quantidade de durante a persecução até Ítaca!
estorvos não representava absolutamente
nada diante do desejo de retornar a Ítaca,
pois Odisseu tinha prometido à sua família
que voltaria após a guerra findar e assim fez.
Todas nós temos nossas Ítacas particulares,
que são figuradas por meio de nossos
sonhos, anseios e desejos, em especial,
de ver os nossos direitos fundamentais.
Nossas Ítacas assim como a de Odisseu são
venustas, deslumbrantes, luxuosas, atrativas
e voluptuosas.
A cobiça por Ítaca também é inigualável, mas
o caminho é árduo e sinuoso, de modo que os
fantasmas do nosso medo e as dificuldades
impostas pela sociedade fazem com que
Ítaca pareça quase inatingível.
As lições extraídas de “Ítaca” se entrelaçam
com o mês das mulheres. Primeiro porque
“Odisseia” trata-se de um adjetivo feminino
cujo sentido possui pertinência com o
processo árduo das conquistas de direitos
já consagrados, bem como dos desafios
presentes que impulsionam os anseios das
mulheres, especialmente, relativo à violência
de gênero – seja no ambiente doméstico e/
ou familiar, seja no ambiente profissional – e
a ocupação de espaços de poder.
Konstantinos Petrou Kavafis via wikipédia

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DIÁLOGOS TRANSFORMATIVOS por Benedita da Silva
Fotografia: Estadão

Benedita da Silva, Deputada Federal pelo Partido dos Trabalhadores. Foi a primeira mulher negra vereadora no município do Rio de Janeiro. Primeira
senadora negra da República. Deputada Federal na Assembleia Constituinte de 1988. Vice-Governadora e Governadora do Estado do Rio de Janeiro. Ministra da
Secretaria Especial de Trabalho e Assistência Social.

O necessário diálogo da
Justiça com a sociedade
O diálogo aberto das institui- de as mulheres escolherem Netflix, “As leis de Lídia Poët”,
ções jurídicas públicas e pri- a prof issão que quiserem mostra a luta da primeira
vadas com a sociedade, como exercer é reconhecido na advogada italiana para exercer
faz agora a revista DATAVE- grande maioria dos países. sua profissão em 1883, o que só
NIA do Instituto de Estudos Entre tais profissões está a do foi conseguir em 1920 quando
Jurídicos Aplicados – IEJA, é exercício do direito, seja como já estava com 65 anos!
o caminho mais construtivo advogada, promotora, juíza,
para o aperfeiçoamento do procurad e também nas ins- Atualmente ninguém se
sistema jurídico e do próprio tâncias superiores do Poder surpreende mais em ver
Poder Judiciário brasileiro Judiciário. a enorme quantidade de
e, consequentemente, do mulheres estudando direito,
regime democrático e a efe- Claro que ainda temos muito fazendo concursos, atuando
tiva realização dos preceitos chão para percorrer no sen- nos tribunais e trabalhando
constitucionais. tido de sermos respeitadas nos escritórios de advocacia,
como profissionais do direito embora a direção destes,
De forma breve gostaria de e principalmente para partici- sobretudo dos grandes escri-
abordar duas questões perti- parmos mais amplamente dos tórios, seja praticamente um
nentes aos interesses maiores órgãos superiores da Justiça. monopólio dos homens.
da Justiça. Refiro-me à neces- Mas certamente já estamos
sidade do empoderamento bem distantes daquela época De todo modo, na base do
jurídico da mulher e à garan- onde quase tudo era vedado exercício do direito, é signi-
tia de maior acesso do povo à à mulher, menos ser dona de f icativa a participação das
Justiça. Atualmente o direito casa e procriadora. A série da mulheres, mas de mulheres

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DIÁLOGOS TRANSFORMATIVOS por Benedita da Silva

brancas e raramente de mulheres negras. do sistema judicial do país. Sabemos que a


Estas (assim como também os homens grande desigualdade social do país é uma
negros) são de famílias pobres e por isso têm das principais causas, senão a principal, que
de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. impede o acesso da maioria da população à
Além disso, o gargalo social não lhes permite Justiça. Há de fato grande déficit de Justiça,
acesso a uma educação de qualidade. como é o caso da justiça gratuita oferecida
pelas Defensorias Públicas da União e dos
Certamente que a causa básica dessa injustiça Estados.
social não é do Direito mas da profunda desi-
gualdade social entrelaçada com o racismo Assim como o povo precisa da Justiça como
estrutural que estão encravados na história do garantia de seus direitos individuais e coletivos,
nosso país. A solução para a superação dessa a Justiça precisa estar aberta à realidade social
dívida social e racial está na política de ascensão do país para aplicar a lei com maior sensibili-
social do povo e no fim da sua discriminação dade social e buscar ampliar cada vez mais.
racial. Soluções óbvias, mas extremamente
difíceis de se realizar dado o conservadorismo Um exemplo positivo da popularização da
reacionário das elites do país que têm grande Justiça, de uma lei que “pegou”, fruto do
influência no Estado e na sociedade, sobretudo aperfeiçoamento e abertura do Direito para a
nas classes médias. sociedade, é a Lei Maria da Penha, que permi-
tiu o acesso à justiça das mulheres vítimas de
Por isso, é tão importante permear o sistema de violências. Outra lei que precisa “pegar” é a Lei
Justiça com a diversidade étnica e social pró- que criminaliza o racismo e injúria racial, para
pria de nossa sociedade, como vem ocorrendo o que depende não apenas de sua denúncia
nas universidades públicas em consequência legal como também da efetiva aplicação da lei
das políticas de cotas. Na medida em que a pelos órgãos do Estado.
Justiça reflita amplamente a diversidade do
Brasil, toda a população sairá ganhando e não O racismo e a violência contra a mulher, prin-
apenas seus segmentos mais privilegiados. cipalmente o feminicídio, são chagas abertas
que se não forem devidamente enfrentados
A outra questão que levanto também diz pelo Estado, manterão a sociedade brasileira
respeito ao que a abertura do diálogo das dividida e distante dos avanços civilizatórios
instituições da Justiça com a sociedade pro- que temos direitos pelo peso que o Brasil tem
picia em termos de conhecimento mútuo no mundo.
que podem resultar no aperfeiçoamento

Fotografia por Vinicius Loures/Câmara dos Deputados


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DIREITO CONSTITUCIONAL por Fabiane Oliveira

Por trás do
Habeas
Corpus
coletivo:
O direito das
mulheres e crianças
presas sob o olhar
do Supremo
Tribunal Federal

Por Fabiane Oliveira


Graduada em Direito pelo UniCeub (2002) e em
Relações Internacionais pela UnB (2003). Mestre e
Doutoranda em Direito pela USP. Secretária-Geral
do STF (2016). Assessora Chefe do Senado para fins
do impeachment da Ex-Presidente da República
Dilma Roussef (2016). Assessora do Ministro do
STF Ricardo Lewandowski (2016-2023). Relatora da
Comissão do Senado do Anteprojeto da Nova Lei
do Impeachment. Professora de Direito, palestrante,
articulista. Fundadora e Presidente do Instituto de
Estudos Jurídicos Aplicados - IEJA

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DIREITO CONSTITUCIONAL por Fabiane Oliveira

Desde que o Supremo Tribunal Federal, em histórico Fazenda Pública de Curitiba


julgamento datado de 20 de fevereiro de 2018, admitiu o que, a pedido da Procuradoria
habeas corpus coletivo - HC 143.641/DF, foram lançadas do Município, proibiu a
diretrizes fundamentais sobre esse novo instrumento, na permanência de pessoas
linha de que o conhecimento de writ coletivo se dará sempre nas proximidades da Justiça
que todos os pacientes se encontrarem na mesma situação Federal da capital paranaense,
processual. Tal visão homenageia nossa tradição jurídica por ocasião do depoimento
de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, do ex-presidente da República
conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. Luiz Inácio Lula da Silva, em
ação penal a que respondia
Os fatos levados ao STF diziam respeito à absoluta incapacidade no âmbito da Operação Lava-
de o Estado assegurar adequadamente cuidados médicos de Jato. O Ministro Relator, com
pré-natal e pós-parto, bem como assistência em berçários base em diversos precedentes
e creches, às encarceradas provisórias grávidas ou mães de do STF, argumentou que a
crianças de até 12 anos, sob sua guarda. Mais do que isso, os impetração buscava amparar
dados concretos presentes nos autos estampavam uma cruel um grupo com indeterminação
realidade: a de que o sistema prisional brasileiro recebia os subjetiva, isto é, pacientes não
bebês e crianças dessas mulheres, que cresciam nesse estado identificados, o que não atendia
de condições degradantes das prisões brasileiras. à exigência prevista no art. 654,
§1°, a, do CPP.
O Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, apresentava à
Corte constitucional desafiador paradigma: a necessidade de Cumpre argumentar, no
superação do entendimento pelo não conhecimento do HC entanto, que, nos dias que
coletivo. Com efeito, a inexistência, em nosso ordenamento correm, as ameaças e ofensas
jurídico, desse instrumento, impusera derrotas anteriores aos direitos vêm assumindo
àqueles que tentaram sua admissão. Nem o art. 5°, LXVIII, um caráter coletivo em
da Carta Magna nem o Código de Processo Penal prevêem razão da massif icação e
a impetração coletiva, muito embora a norma relativa ao burocratização das relações
mandado de segurança, instituto que surgiu posteriormente sociais. Ademais, o aparelho
ao habeas no Brasil, discipline a modalidade coletiva – artigos estatal e suas políticas de
21 e 22 da Lei 12.016/200932. Se o habeas corpus ocupa o status e n c a rce ra m e n to t a m b é m
de posto máximo de proteção ao bem jurídico humano mais geram novas violações
caro depois da vida – a liberdade, é inaceitável o vácuo legal à l i b e r d a d e , q u e ex i g e m
a respeito. respostas atuais.

Aquele artigo constitucional prevê o cabimento do habeas Nesse cenário, poderíamos


corpus quando alguém, frise-se, sofrer ou estiver na iminência citar diversas situações de
de sofrer violência ou coação à sua liberdade de locomoção. violações de direitos individuais
Para a mesma conclusão, o art. 654, §1°, a, do Código de homogêneos que servem para
Processo Penal (CPP) determina que a petição de habeas justif icar a tutela coletiva de
corpus conterá “o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada interesses ou direitos individuais,
de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, como a detenção em presídios
coação ou ameaça”. Assim, sob o ponto de vista hermenêutico superlotados e em condições
da interpretação literal daqueles preceitos normativos, a de verdadeiras masmorras
orientação uniforme do STF, ao longo dos anos, foi a de que medievais – o Estado de Coisas
o paciente da impetração tinha que ser individualizado e Inconstitucional brasileiro,
determinado. conforme reconhecido pelo
STF no julgamento da ADPF
Foi sob esse raciocínio, por exemplo, que o Ministro Celso 347. Indispensável trazer à baila
de Mello, em 12/05/2017, não conheceu do HC 143.704/ o ensinamento de Ruy Barbosa
PR, impetrado pela Defensoria Pública do Paraná, o qual no sentido de que, se existe um
possuía como paciente a coletividade formada por todas as direito fundamental violado,
pessoas que desejavam exercer seu direito de manifestação há de existir no ordenamento
na cidade de Curitiba entre os dias 8 e 10 de maio daquele jurídico um remédio processual
ano. A Defensoria questionava decisão do juízo da 5ª Vara da à altura da lesão.

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DIREITO CONSTITUCIONAL por Fabiane Oliveira

Nas razões daquele histórico writ, argumentou-se que a no país, e às mulheres, grupos
prisão preventiva de mulheres grávidas em estabelecimentos dos mais vulneráveis quando
prisionais precários e a privação dos menores ao seu observadas pelas diversas
desenvolvimento adequado, violam princípios fundamentais camadas da invisibilidade e
da individualização da pena, da vedação de penas cruéis e marginalização social – pretas e
da necessidade de observância à integridade física e moral pobres, foi aberto um novo canal
da presa. Aduziu-se, ainda, ser dever estatal o de garantir para que seus pleitos possam
o acesso à Justiça e o de coibir, em caráter sistemático, no ser tratados de forma conjunta,
Brasil, práticas que resultam em violação de direitos em chegando ao conhecimento da
massa. Ao julgá-lo, o Relator Ministro Ricardo Lewandowski mais alta casa de justiça do país.
entendeu não ser o caso de pacientes indeterminadas,
conforme alegado pela Procuradoria-Geral da República, Nosso órgão máximo do Poder
mas sim o de determináveis, uma vez que o Departamento Judiciário não apenas resgatou
Nacional Penitenciário (DEPEN) e outras autoridades multissecular tradição de
estaduais apresentaram listas com dados das mulheres proteção do direito à liberdade,
presas preventivamente que estavam grávidas ou que como também inovou ao
seriam mães de crianças menores de 12 anos sob sua interagir com outros atores
guarda. Desse modo, cuidava-se de uma situação de relevantes da sociedade em
lesão a direitos individuais homogêneos, perfeitamente geral – os coletivos de direitos
identificáveis e cujo objeto é divisível e cindível. das mulheres e a defensoria
pública - a f im de prestar a
É inegável a importância dessa construção pretoriana para melhor jurisdição constitucional
a concretização dos direitos humanos no Brasil. Como bem consentânea com os novos
colocado por Daniel Sarmento, Ademar Borges e Camilla tempos.
Gomes,“[e]m um país marcado por graves desigualdades
sociais, o acesso real a direitos também continua Do mesmo modo, a compressão
profundamente assimétrico. A carência econômica impõe da real efetividade da sua atuação
obstáculos materiais no acesso ao Judiciário”. A situação é pode ser verificada, sem dúvida,
ainda mais dramática em matéria criminal, onde “o braço no efeito pedagógico de que
penal do Estado tem uma clientela bem definida, dirigindo suas decisões devem orientar
o processo de criminalização para comportamentos típicos os demais órgãos judiciais,
das camadas sociais subalternas e concentrando sua enquanto incentivadora de
atuação repressiva sobre os socialmente marginalizados” mudança de comportamentos
(SARMENTO, Daniel; BORGES, Ademar; GOMES, Camilla. há muito tempo arraigados
O cabimento de habeas corpus na ordem constitucional entre os magistrados brasileiros,
brasileira.16 jun. 2015. Disponível em: uerjdireitos.com. fo rm a d o s s o b u m a c u l t u ra
br/wp-content/uploads/2015/05/uerjdireitos_habeas-corpus- formalista, punitivista e do
coletivo-e-liberdade-re-8558101. pp. 5 e 7. pdf. Acesso em 15 mar superencarceramento, o “que
2023). se evidencia pela exagerada e
irrazoável imposição de prisões
Portanto, a admissão, pela Egrégia Corte, de uma nova provisórias a mulheres pobres
modalidade de ação coletiva penal que proteja um grupo de e vulneráveis, em decorrência
indivíduos, via de regra em situação de alta vulnerabilidade, de excessos na interpretação
é uma efetiva contribuição para a democratização do e aplicação da lei penal, bem
acesso à Justiça ao fortalecer o processo coletivo brasileiro, assim da processual penal,
que vem sendo subutilizado por conta de deficiências em mesmo diante da existência
sua regulamentação (REFOSCO, Helena Campos. Ação de outras soluções, de caráter
coletiva e democratização do acesso à justiça. São Paulo: h u m a n i t á r i o, a b r i g a d a s n o
Ed. Quartier Latin. 2018, p. 31). ordenamento jurídico vigente”
(trecho da ementa do acórdão).
A contextualização supra demonstra que o Supremo
Tribunal Federal tem sido um dos mais importantes atores
pela implementação e efetivação dos direitos humanos

14
LIDERANÇA FEMININA NOS ESPAÇOS DE PODER por Lilian Azevedo

Onde estão
as mulheres?
A liderança feminina nos de interpretar e configurar as
espaços de poder é uma regras da vida em sociedade.
questão complexa que pre-
A lógica de submissão da
cisa de múltiplas abor-
mulher está enraizada no
dagens. Observa-se uma
modelo patriarcal trazendo a
cultura institucional que obs-
ideia simplista de um ser uni-
taculiza a ascensão das mulhe-
versal que acredita possuir
res em ambientes de poder.
todas as respostas quanto ao
Apesar dos reconhecidos certo e o errado nas dimensões
avanços no enfrentamento do do passado, presente e futuro.
machismo, ainda há muito o
Confunde-se o próprio conceito
que fazer na construção de
do que seja “correto”, “moral” e
uma sociedade igualitária.
do que será “tolerado” social-
A realidade é que nos corredores mente na construção do ima-
dos centros de poder são natu- ginário que classifica pessoas
ralizadas as galerias de fotos de como gênero superior ou infe-
ex-presidentes, ex-dirigentes. rior frente às demandas da vida.

A predominância mascu- Essa concepção adoece e


lina com o mesmo tom de desestrutura toda socie-
pele, denuncia que não há dade atingindo de modo
Lilian Azevedo qualquer constrangimento cruel as mulheres no âmbito
quanto à ausência de repre- doméstico, nas relações
Presidente da Associação Nacional dos Pro- sentação de mulheres como afetivas e na vida laboral.
curadores Municipais
líderes nesses espaços.
Procuradora do Município de Salvador. Espe- Quando se pauta os direitos
cialista em Direito Municipal e Processual.
Foi Vice-Presidente da Associação Nacional Na sabedoria popular, o adá- de mulheres é preciso ques-
dos Procuradores Municipais- ANPM (2021- gio “em terra de cego quem tionar a que mulheres se
2023). Coordenadora das Representações
da Procuradoria-Geral do Município de Salva- tem um olho é rei” é também referem. Segundo ¹Monique
dor (2019-2023). Subsecretária da Secretaria
de Promoção Social e Combate à Pobreza e um alerta quanto a esse privi- Rodrigues do Prado, Grada
Ex-Secretária de Promoção Social e Combate légio. Ressalte-se, quem ocupa Kilomba ao dialogar com a
à Pobreza (2017-2019).
o poder conquista o direito obra “O Segundo Sexo” de

16
LIDERANÇA FEMININA NOS ESPAÇOS DE PODER por Lilian Azevedo

Simone de Beauvoir, apresenta a mulher negra


como “o outro do outro”, pois se para a filó-
sofa francesa a mulher é o outro, para Kilomba a
mulher negra está à margem da mulher branca
Onde
e dos homens, sendo duplamente atingida pelos
efeitos do sexismo e do racismo. Daí ser essencial
enfrentar o problema com um olhar pluriversal.

O problema é grave e transcende a esfera indi-


vidual. O provérbio africano “Uma pessoa é
pessoa através de outra pessoa” enseja uma

estão
visão sistêmica e empática das várias discri-
minações que ocorrem no cenário social, para
que de fato se prestigie os valores humanos.

Nesse contexto, precisamos incitar as instituições a


assumirem sua responsabilidade com a temática,
sobretudo o setor público, pois este tem o dever de
refletir os valores constitucionais ao realizar o múnus
de servir o interesse público. No campo jurídico, há
avanços no arcabouço normativo que promove
a igualdade de gênero. Na prática, o machismo

as
estrutural permeia diversos espaços. São piadas
machistas, assédios em ambiente parlamentar,
julgamentos que relativizam a cultura do estu-
pro, atos administrativos que dificultam o acesso
de mulheres aos espaços de poder, dentre outros.

Precisamos constranger as instituições, pois, o


serviço público de todas as esferas tem o dever
democrático de combater a cultura machista.

As pessoas investidas de poder devem mudar


as atitudes ante os privilégios históricos. Não

Mulheres?
adianta uma instituição adotar discurso antir-
racista, a favor da diversidade e tolerar atos dis-
criminatórios. Por isso, a pergunta que não cala:

¹Prado. Monique Rodrigues do. Neste dia internacional da mulher, de que mulher estamos falando?, 08/03/2021. Disponível em < https://www.jornaljurid.com.br/apoia-
dores/nesse-dia-internacional-da-mulher-de-que-mulheres-estamos-falando> acesso em 23/02/2022

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ADVOCACIA PÚBLICA por Adriana Venturini

Adriana Venturini, atual Procura-


dora Geral Federal, AGU, Procura-
dora Federal desde 2002, iniciou
suas atividades profissionais atu-
ando perante os Tribunais Supe-
riores (PGU e, posteriormente,
PGF). Em 2007, foi responsável
pela atuação nas ações envol-
vendo o PAC; e, em abril de 2008,
assumiu a titularidade da Procu-
radoria Regional Federal da 1a.
Região/AGU, unidade responsá-
vel pela representação judicial
de todas as Autarquias e Funda-
ção Federal e em mais 13 Estados
da Federação, cargo que exerceu
até meados de 2016.

Novos paradigmas
na atuação da
Procuradoria-Geral
Federal

18
ADVOCACIA PÚBLICA por Adriana Venturini

O Brasil vive um novo ciclo cionais norteadores de uma tivas e inovadoras. Para
político, que demanda a sociedade mais justa, livre propiciar a dedicação dos
atuação da Procuradoria- e solidária. Assim a consul- esforços das procuradorias
-Geral Federal (PGF) na toria jurídica identifica pos- especializadas na viabiliza-
concretização do programa síveis obstáculos e propõe ção das atividades finalís-
de governo democratica- soluções legais para supe- ticas das entidades, a PGF
mente escolhido nas urnas. rá-los, de modo a viabilizar promoverá a gradual cen-
Essa atuação se dá tanto a ação estatal. O aprimora- tralização das atividades de
por meio da sua face mais mento dessas atividades é consultoria jurídica da área
visível, qual seja, a repre- imprescindível para reduzir meio, otimizando, assim, os
sentação judicial e extraju- a judicialização. recursos humanos disponí-
dicial das 164 de autarquias veis. Em coordenação com
Para fazer frente aos desa- outras áreas da AGU, a atu-
e fundações públicas fede-
fios dessa missão, recente- ação da PGF nas atividades
rais, quanto por meio das
mente o Decreto Nº 11.328 de consultoria também se
atividades de consultoria
de 1º de janeiro de 2023, pautará pela conciliação,
e assessoramento jurídicos
criou uma nova estrutura mediação e outras técni-
dessas entidades.
da PGF: a Subprocuradoria- cas de autocomposição
Não obstante a relativa invi- -Geral Federal de Consul- para solução dos conflitos
sibilidade para o público toria. Ela tem, entre outras
inerentes a uma sociedade
em geral, o suporte jurídico competências, a função
democrática, de modo a
da PGF aos gestores públi- de coordenar e orientar as
evitar a judicialização e a
cos é indispensável a cada atividades de consultoria
dar celeridade à implemen-
fase das políticas públicas, e assessoramentos jurídi- tação das políticas públicas.
garantindo a conformi- cos das procuradorias das Destaque-se, ainda, nesse
dade com a Constituição autarquias e fundações ponto, o exitoso desempe-
e a legislação. Para exer- públicas federais, promo- nho da PGF em procedi-
cer seu papel na definição vendo a uniformização da mento arbitrais por meio de
de diretrizes e na execu- interpretação das normas uma equipe de procurado-
ção dessas atividades a constitucionais, legais e res federais com formação
PGF demanda capacitação administrativas. específica.
específica, adequada às
Além da proximidade com A PGF, reconhecendo que
necessidades de cada uma
os gestores, é fundamental, a consultoria jurídica é
das autarquias e fundações
ao advogado público, no essencial para garantir a
públicas representadas.
atendimento da demanda legalidade e a sustentabi-
Nesse contexto, a atuação das entidades representa- lidade das políticas públi-
dos procuradores fede- das, o conhecimento mul- cas e evitar a litigiosidade,
rais deve ser pautada pela tidisciplinar, seja por meio busca estabelecer novas
parceria com os gestores, da formação em outras metodologias de trabalho
desde a construção jurídica áreas de conhecimento e práticas condizentes
das políticas públicas até a quanto pela cooperação com uma maior proximi-
dade com o gestor, esti-
sua efetiva implementação de profissionais de diferen-
mulando a resolução
e avaliação dos resultados, tes especializações, a fim
consensual dos conflitos, a
conferindo não só segu- de produzir tecnicamente capacitação específ ica e
rança jurídica, mas assegu- cenários jurídicos adequa- o olhar interdisciplinar na
rando também a coerência dos para a decisão política atividade consultiva.
com os princípios constitu- e possibilitar soluções cria-

19
SISTEMA JURISDICIONAL por Lívia Sant’Anna Vaz

Mulheres
Negras no
Sistema de
Justiça:
É PRECISO DIZER
O QUE SE CALA

Lívia Sant’Anna Vaz

Promotora de justiça do MP-BA, titular


da Promotoria de Justiça de Combate
ao Racismo e à Intolerância Religiosa.
Mestre em Direito Público pela UFBA.
Doutora em Ciências Jurídico-Políticas
pela Universidade de Lisboa. Especialista
em Estudos Afrolatino-americanos e
Caribenhos pelo Conselho Latinoamericano
de Ciências Sociales. Autora dos livros “A
Justiça é Uma Mulher Negra” e “Cotas
Raciais”. Nomeada uma das 100 pessoas
de descendência africana mais influentes
do mundo, na edição Lei & Justiça.

20
SISTEMA JURISDICIONAL por Lívia Sant’Anna Vaz

Este artigo deveria ser iniciado com uma citação de todas as pessoas. Como já dito em outra
qualquer da doutrina ou jurisprudência alemãs, oportunidade, “não são as mulheres negras que
demonstrando minha (quase inevitável) adesão precisam da academia jurídica e do sistema de
aos padrões impostos pelo epistemicídio jurídico justiça”; antes são estas instâncias “que precisam
(Vaz; Ramos, 2021: 258). Mas se trata de artigo das mulheres negras” (Vaz, 2020). Nesse sentido,
escrito por uma jurista negra, o que, por si só, nossa inclusão é medida imprescindível para a
já rompe os padrões brancos cêntricos e andro- abertura à diversidade e, com isso, a perspectivas
cêntricos da academia jurídica e do sistema de epistemológicas e vivenciais necessárias para a
justiça brasileiros. Portanto, escrevo também construção de uma justiça pluriversal (Ramose,
em primeira pessoa, demarcando meu princi- 2011: 10), condizente com um Estado que se pre-
pal lugar de fala (Ribeiro, 2017), na condição de tenda Democrático de Direito.
mulher negra que integra o sistema de justiça.
Sou, desse modo, uma exceção que confirma a RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte:
regra antidemocrática de exclusão de mulheres Letramento: Justificando, 2017. VAZ, Lívia; RAMOS, Chiara.
negras nos espaços de poder e decisão. A Justiça é uma Mulher Negra. Belo Horizonte: Letramento,
2021. VAZ, Lívia. Eu, mulher negra, não sou sujeito universal.
Nós, mulheres negras, somos 28% da população JOTA, 12 ago. 2020.
brasileira e compomos o maior segmento social
do país. Somos apenas 5% da magistratura,
realidade que se repete em outros órgãos ditos
essenciais à justiça. No Supremo Tribunal Fede-
ral, por exemplo, nunca tivemos uma ministra
negra, mesmo após mais de 130 anos de sua Mil nações moldaram a minha cara
instituição. Como produzir justiça apenas com
Minha voz uso pra dizer o que se cala
visões unilaterais sobre igualdade e liberdade?
(...)
Raça e gênero são dois dos principais e mais
imediatos marcos de identificação de um sujeito O meu país é meu lugar de fala
na sociedade, condicionando suas relações
sociais e até mesmo o gozo de seus direitos
fundamentais. Nessa linha de entendimento, as
intersecções entre gênero, raça e classe, como
fatores que, historicamente, aglutinam-se na
potencialização de vulnerabilidades, precisam
ser consideradas também na seara do Direito.

A incontestável – porém, ainda, invisibilizada


– sub-representação das mulheres negras no
sistema de justiça brasileiro é fator que deve ser
reconhecido e debatido, de modo a impulsionar
as instituições a assumirem sua responsabilidade
pela desconstrução do racismo/sexismo entra-
nhado em suas estruturas e, consequentemente,
em suas práticas.

É preciso romper com o pacto narcísico da bran-


quitude (Bento, 2002) – base do racismo patriar-
cal – que também impera no sistema de justiça
brasileiro, impondo silêncios e silenciamentos
sobre o racismo; produzindo visões parciais (ou
unilaterais) e racializadas de justiça, de igual-
dade e de liberdade; convertendo o Direito, em
grande medida, em instrumento de manuten-
ção do status quo e não de efetiva emancipação

21
DIREITO CONSTITUCIONAL por Alessandra Trigo

A acessibilidade
representa a
arquitetura de
proteção dos
direitos
fundamentais
Alessandra Trigo
As questões jurídicas atinentes à de alcance para uti-
disponibilização de acessibilidade lização, individual ou Consultora, Mentora e Palestrante em
para as diversidades humanas assistida, com segu- Diversidade e Inclusão. Sou Pessoa com Deficiência
(osteogênese Imperfeita) com larga atuação na área.
caminham em constante evo- rança e autonomia,
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição
lução. Ao meu sentir, isso se dá dos espaços, mobiliá- Toledo de Ensino de Bauru (2009). Servidora Pública
principalmente pela quebra dos rios e equipamentos Federal. Uma das 100 selecionadas do Programa de
urbanos, das edifica- Aceleração Creators do Linkedin 2022.
vieses inconscientes que nor-
teiam a sociedade e, a partir disso, ções, dos transportes
os cidadãos assumem o seu e dos sistemas e meios
papel de sujeitos de direitos, pas- de comunicação, por pessoa Portanto, formada por
sando a ditar o seu protagonismo com deficiência e/ou com mobi- homens e mulheres, com
e não mais aceitarem a violação lidade reduzida. Nesse contexto, pesos e tamanhos variados;
das normas. de forma sintética, podemos crianças, adultos e idosos; pes-
afirmar que a acessibilidade soas que deambulam sem ajuda
Mas afinal, o que é a representa a facilitação da vida assistiva e outras que dela depen-
acessibilidade? para todas as pessoas, inde- dam (muleta, cadeira de rodas,
pendentemente das diversas etc); que enxergam e são cegas;
De acordo com a Lei nº necessidades que apresen- que escutam e que não ouvem;
10.098/2000 (art. 2º), Decreto tam. e, ainda que tenham uma defi-
nº 5.296/2004 (art. 8º) e NBR ciência intelectual ou possuem
9050:2020 (art. 3º), Lei n° Por oportuno, passou da hora alguma dificuldade de compre-
13.146/2015 (art. 3°, inciso I) a de serem consideradas nas ensão. Mais a mais, observa-se
acessibilidade pode ser definida questões que as envolvam por que todas as ações visando à
como a possibilidade e condição ser nossa sociedade plural. promoção da acessibilidade para

22
DIREITO CONSTITUCIONAL por Alessandra Trigo


pessoas a acessibilidade. Vejamos oportuno, que a Convenção sobre
nossa Constituição Federal. Pode- os Direitos das Pessoas com Defi-
Por um mundo mos afirmar, inicialmente, que o ciência (Decreto nº 6.949/2009),
para todos, com desrespeito à acessibilidade fere lei com status de norma consti-
igualdade e


dois princípios constitucionais tucional, prevê diversos disposi-
basilares do Direito: dignidade da tivos que abordam o tema sob o
dignidade pessoa humana e igualdade (art. mesmo jaez. Em seu preâmbulo,
1º, inciso III e art. 5º), uma vez que traz a inalienabilidade dos direi-
as pessoas com deficiência são
não se pode falar em dignidade e tos fundamentais, a dignidade
divisores de água em favor de
igualdade de oportunidades sem da pessoa humana como valor
uma gama bem maior da nossa
sonho de liberdade, autonomia intrínseco, a igualdade na concre-
população, tais como idosos,
e independência para realizar e tização dos direitos fundamen-
gestantes, mães com carrinhos
executar suas próprias escolhas, tais e o quanto as barreiras são
de bebê, as pessoas temporaria-
em decorrência da improprie- impeditivas para que isso acon-
mente com restrições (acidenta-
dade do meio em que vivem. teça. Elenca, dentre os princípios
dos, doenças, etc). Destaca-se que
Portanto, a recusa de adequa- a serem observados, a acessibi-
a longevidade vem a cada dia se
ção do ambiente para que ele lidade (alínea “f”). Ainda, alude
ampliando e o que se construir
seja acessível impede a obten- em capítulo próprio a obrigato-
hoje fará total diferença em nosso
ção de forma plena dos direitos riedade de se oferecer acessibili-
amanhã. Por conseguinte, insta
fundamentais em toda a sua dade (art. 9º).
esclarecer que se trata a acessibi-
extensão, pois a acessibilidade
lidade do rompimento de todas as Nossa legislação infraconstitu-
consiste na eliminação das
barreiras existentes, sendo elas de cional também foi cirúrgica em
barreiras existentes.
natureza visível e invisível. reconhecer a obrigatoriedade
Ademais, são reconhecidos como de seu cumprimento em diver-
Caracterizam-se estas como as
direitos sociais “a educação, a sas leis e instruções normativas.
barreiras atitudinais, cujas origens
saúde, o trabalho, a moradia, o
estão na falta de conscientização, Destaco: Leis nºs 13.146/2015,
lazer, a segurança, a previdência 1 2 .1 47/ 2 0 1 1 ,1 0.0 9 8 / 2 0 0 0,
por parte da sociedade, da neces-
social, a proteção à maternidade 10.048/2000, Decreto nº
sidade da sua disponibilização;
e à infância, a assistência aos 5.296/2004 NBR 9050:2020, etc
trata-se de uma forma de pre-
desamparados” (art. 6º, caput).
conceito e indiferença. Ao passo
Todavia, somente se tem esses Em remate de raciocínio, pode-
que aquelas se apresentam sob
direitos fundamentais preserva- mos afirmar que dúvidas não
diferentes modalidades, quais
dos quando há disponibilização nos assistem, que acessibilidade
sejam: sistêmicas (relacionadas a
de acessibilidade em seu sentido e inclusão social caminham jun-
políticas formais e informais), físi-
pleno para que as pessoas com tas, dado que aquela é impres-
cas (impedem o direito de ir, vir e
deficiência possam usufruí-los. cindível para que esta aconteça.
permanecer. São elas: urbanísti-
Por fim, destacam-se os artigos Assim, se quisermos uma socie-
cas ou ambientais, arquitetônicas
227, §2º e 244 da CF que trazem dade onde as pessoas com
ou nas edificações e transportes)
regras expressas a respeito. Dessa deficiência sejam respeitadas,
comunicacionais e tecnológicas.
forma, com foros de convicção, precisamos ouvir suas vozes, tor-
Certo é que no que tange à nossa Constituição é de índole nando o meio em que vivem um
legislação vigente, tanto na inclusiva em relação à pessoa lugar com acessibilidade plena.
seara internacional (que não com deficiência, a quem deve ser Afinal, ela é instrumento de con-
será objeto de análise), constitu- assegurada uma vida digna, com cretização de todos os direitos
cional como infraconstitucional, igualdade de oportunidades e fundamentais.
encontramos inúmeros disposi- direitos fundamentais veemente-
tivos que asseguram a todas as mente respeitados. Grifa-se, por
23
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LEGISLAÇÃO E SAÚDE por Luísa Canziani

Cuidados
paliativos
como
política
pública
Luísa Canziani
Deputada Federal pelo PSD-PR.
Advogada formada pela PUC e mestre em
Administração Pública pelo IDP. Deputada
federal pelo Paraná, foi eleita por dois man-
datos consecutivos como a deputada fede-
ral mais jovem do país. Coordena a bancada
feminina da Câmara dos Deputados, foi
presidente da Comissão de Defesa dos
Direitos da Mulher e da Frente Parlamentar
Mista de Economia e Cidadania Digital. É
membro titular do Grupo de Jovens Parla-
mentares da ONU, a primeira parlamentar
brasileira no cargo e a única da América
Latina. Recebeu o prêmio “Embaixadora
Brasil, País Digital” da Associação Brasileira
das Empresas de Software.

26
LEGISLAÇÃO E SAÚDE por Luísa Canziani


A morte é um
excelente motivo
gatória no curso de graduação de Medi-
cina, um importante avanço na formação
dos profissionais. No cotidiano clínico, a
morte está presente e, apesar do avanço
para buscar da geriatria, o envelhecer e a morte ainda
um novo olhar são temas desaf iadores para muitos
para a vida profissionais. Por isso, continuamos tra-
balhando para estender a disciplina para


A frase da médica geriatra Ana Cláudia
Quintana Arantes, especialista em
todos as graduações em saúde.

Pretendemos fomentar a discussão,


esclarecer o significado do termo para a
Cuidados Paliativos, nunca esteve tão população em geral e propor novos pro-
próxima de nós. Durante a pandemia de gramas que contemplem essa aborda-
Covid-19, em que a morte se fez presente gem - que busca resgatar a humanização
quase que diariamente, o apego à vida se do processo de cuidar, sempre respei-
acentuou. Fortalecemos nossos valores, tando a autonomia e os direitos de cada
alteramos compor tamentos, novos paciente. O termo cuidados paliativos foi
conceitos surgiram e, sobretudo, esse definido pela Organização Mundial de
período nos levou à reflexão sobre a Saúde e consiste em uma abordagem que
própria vida, cuidados com a saúde e com defende a qualidade de vida de pacientes
nossos doentes. - e de seus familiares - com doença que
ameaça a continuidade da vida, por meio
Se o sofrimento humano só é intolerável da prevenção e do alívio do sofrimento.
quando não há cuidados, precisamos
encontrar maneiras para atenuar esse O tratamento é feito por uma equipe
sofrimento. E essa é uma discussão de multidisciplinar formada por médicos,
extrema relevância ainda mais se consi- enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionis-
derarmos que nove em cada dez pessoas tas, assistentes sociais, psicólogos, fono-
que estão lendo este texto irão morrer audiólogos e farmacêuticos e tem por
de uma enfermidade crônica. E, por isso, objetivo obter o diagnóstico precoce para
ganhou força na Câmara dos Deputados tratamento da dor e demais sintomas
a importância da adoção dos “cuidados físicos, sociais, psicológicos e até mesmo
paliativos” como procedimento rotineiro espirituais. Em síntese, os cuidados palia-
em hospitais e centros de saúde. tivos pretendem garantir dignidade a
doentes e familiares por meio de um tra-
Infelizmente a política nacional de saúde balho interdisciplinar e interprofissional
e de assistência social não provê os cui- que proporciona o controle dos sintomas
dados paliativos e, por isso, estamos arti- e a prevenção de complicações.
culando a criação de uma frente parla-
mentar específica sobre o tema. A nossa O objetivo é amenizar o sofrimento de
missão será acompanhar e fiscalizar pro- pacientes e familiares não se tratando,
gramas e propor políticas relacionadas ao em hipótese alguma, da prática de euta-
tema, além de influir no processo legisla- násia. Precisamos aceitar e compreender
tivo e, assim, procurar inovar a legislação. a finitude da vida, melhorando o cuidado
Também pretendemos promover debates e a qualidade de vida do paciente em
e eventos pertinentes ao exame da polí- todas as áreas de atuação e especiali-
tica nacional de cuidados paliativos. dades, assim como ampliar a interação
com doentes e familiares com compaixão,
Levamos também a discussão ao Conse- empatia e, sobretudo, respeito.
lho Nacional de Educação e conseguimos
a inclusão do tema como disciplina obri-

27
DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTÁVEL por Louise Caroline

ZDS ABUNÃ-MADEIRA
E A REALIDADE DA
AMAZONIA
Por Louise Caroline Campos Löw | Ex-Superintendente da Sudam -
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e atualmente Diretora Geral da
Educação no Paraná.

Não se trata apenas de núme- excluir as pessoas da proteção a


ros, por trás das estatísticas esse conceito de meio ambiente
estão pessoas de verdade, crian- tão deliciosamente difundido e
ças, jovens, idosos que vivem à comentado em todas as rodas de
margem do acesso aos direitos conversa? Por que ao encarar-
fundamentais. O gap de desen- mos a Amazônia não enxergamos
volvimento entre a Amazônia e o seu povo? Pior, enxergamos
42,84%. Esse é o percen- as demais regiões do Brasil não é apenas uma parcela dele, eli-
tual de crianças com até 14 anos novo, persiste por décadas. minando do debate os milhões
de idade extremamente pobres de habitantes que também se
Porém, parece ser invisível aos
(2010) no município de Lábrea, encontram em situação de vul-
olhos daqueles que pensam a
no Amazonas. Em Canutama, nerabilidade e que querem ape-
Amazônia de forma reducio-
também amazonense, 31,94% de nas o que lhes é de direito: serem
nista, sem entendê-la como real-
adolescentes de 15 a 17 anos tive- reconhecidos como integrantes
mente é: uma região complexa
ram filhos (2017) e em Cujubim, do próprio território e das dis-
e composta por vários elemen-
no estado de Rondônia, 3,83% cussões sobre o que lhes cerca.
tos. Além da Floresta, há o ser
de meninas entre 10 e 14 anos de Quando o olhar para a Amazônia
humano, o patrimônio histórico-
idade deram à luz outras crian- é despido de estratégias, narrati-
-cultural e a forma como as pes-
ças em 2017. A taxa de mortali- vas falaciosas e vazias (e interes-
soas interagem com os demais
dade infantil no Brasil é de 11,9%, ses outros), quando se enxerga
componentes dessa região tão
sendo que em Canutama é de a realidade sob a perspectiva e
emblemática. A dinâmica entre
46,88% (2019). Todos os muni- a íris de quem vive aqui é que
todos os elementos é que faz,
cípios citados compõem a área genuinamente se compreende a
per si, o que chamamos de “meio
de ataque de um projeto inova- Amazônia. Não basta conhecer,
ambiente”.
dor: a Zona de Desenvolvimento é preciso entender. Compreen-
Sustentável Abunã-Madeira. A ONU, na Conferência de Esto- der a forma de ocupação histó-
colmo em 1972, definiu o meio rica do território e de seu povo.
Infelizmente os dados dessa
ambiente como “o conjunto de
região da Amazônia se agluti- E para isso uma ida a Manaus ou
componentes físicos, químicos,
nam ao flagelo social: 44% dos a Belém em férias, um passeio por
biológicos e sociais capazes de
municípios da ZDS apresentam nossas praias e uma visita rápida
causar efeitos diretos ou indi-
Índice de Desenvolvimento pela Floresta não são suficientes.
retos, em um prazo curto ou
Humano-IDH baixo e cerca de Entender a Amazônia requer se
longo, sobre os seres vivos e as
66%, taxas de mortalidade infan- embrenhar, extrapolar os limites
atividades humanas”.
til superiores à taxa nacional (11,9 da selva verde e transmutar pela
em 2019). Floresta, pessoas, cultura, terri- selva de pedra. Caminhar pelas
tório, todas as coisas com vida ruas das cidades, dos peque-
Os índices escancaram a neces- nos municípios e das metrópoles
e sem vida que estão no pla-
sidade de políticas públicas com seus bolsões de miséria, com
neta são abarcadas pela defini-
específicas para aquela região. esgoto a céu aberto; ir no famoso
ção. Mas afinal, onde erramos ao

28
DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTÁVEL por Louise Caroline

“centro”, no comércio, conversar denotando-se a responsabili- Regional-PNDR: o Desenvolvi-


com os feirantes, os ribeirinhos, os dade de gestores públicos, forma- mento Produtivo (Agronegócio,
empresários, os jovens, homens dores de opinião, setor privado e Indústria, Bioeconomia, Turismo)
e mulheres comuns. Encarar três sociedade civil quanto à necessi- e a Infraestrutura Econômica e
ou cinco dias em um barco para dade de agirem rapidamente, sob Urbana (Logística e Transporte,
tentar ter acesso àquilo que está pena de agravamento dos pro- Energia, Telecomunicações).
à disposição dos demais brasilei- blemas de modo irreversível.
A ideia é potencializar as voca-
ros há muito tempo. É vivenciar e
Com o intuito de criar um cintu- ções locais com circuitos pro-
sentir na pele as dificuldades de
rão de proteção para a floresta dutivos agro sustentável,
logística, de falta de saneamento,
com alternativas à população, biotecnologia, capacitação e TIC,
de custos elevados e de distâncias
mediante quatro modelos de além de proporcionar a verti-
intransponíveis.
intervenção customizados às calização dos produtos, execu-
Crianças balseiras prostituídas peculiaridades das áreas antro- tar projetos de infraestrutura e
em troca de óleo de cozinha no pizadas, preservadas, em logística e incentivar o turismo
Marajó. A realidade velada que expansão e de cidades interme- na região. Tudo debaixo do
quem abraça apenas a floresta diárias, foi criado o projeto da grande guarda-chuva da susten-
não quer de fato assumir e des- ZDS Abunã-Madeira. tabilidade ambiental. Todas as
vendar. Mas está aí e precisa ser ações da ZDS observam o Plano
Antes conhecida como AMACRO Regional de Desenvolvimento
enfrentada, de forma emergen-
(acrônimo das iniciais dos três da Amazônia-PRDA e estão ali-
cial. Tarefa que pela complexi-
estados), tomou outros rumos nhadas aos Objetivos do Desen-
dade dos desafios associada
e nova forma: com a coorde- volvimento Sustentável-ODS e à
a perenidade de problemas
nação da Superintendência do Agenda 2030.
estruturantes empurrados por
Desenvolvimento da Amazô-
décadas para baixo do tapete
nia-Sudam, em conjunto com É um projeto que olhou a região
requer ações em conjunto e sis-
a Superintendência da Zona com base em metodologia bem
têmicas. Não se faz nada sozi-
Franca de Manaus- Suframa, definida, diagnóstico validado e
nho, muito menos na Amazônia.
e mais partícipes, nasceu novo ouvindo os participantes locais
A superação dos entraves exige
projeto, mais amplo, multisseto- sobre os principais desafios e
a transversalidade de medidas
rial e completamente alinhado à potencialidades. É de dentro
multissetoriais. E aí é que entra
sustentabilidade ambiental. pra fora. Enfrenta a realidade
a ZDS Abunã-Madeira. Pensada
posta mas aposta nas vantagens
em ser uma resposta para parte Daí também o novo nome: Zona comparativas da nossa região. E
dos problemas socioeconômi- de Desenvolvimento Sustentá- nisso a Amazônia nada de bra-
cos da região a que se destina, vel. E os pioneiros, idealizadores çada. Muitas boas oportunidades
na qual 44% dos municípios primeiros do projeto, atentos ao estão aqui e, por meio da Zona
possuem IDH baixo, a Zona de fato de que os problemas estru- de Desenvolvimento Sustentá-
Desenvolvimento Sustentável turantes daquela região reque- vel, serão retiradas da vitrine para
apresenta projetos exequíveis rem uma iniciativa mais robusta a composição do mundo real.
com a articulação de diversos e alinhada ao desenvolvimento Não se trata de tábua de salva-
atores locais. Na região – que sustentável, apoiaram a ZDS, ção, mas uma resposta factível e
engloba inicialmente 32 muni- que conta com a participação customizada; projeto-piloto que
cípios ao leste do Acre, sul do da Embrapa, Federações, os três exitoso será implementado em
Amazonas e noroeste de Ron- Governos estaduais, Ministério outras regiões emblemáticas da
dônia – além dos problemas do Desenvolvimento Regional Amazônia. Vale a pena conhecer,
socioeconômicos, há o arco do e outras pastas federais, Conse- entender e se apropriar da ZDS
povoamento adensado e grande lho Nacional da Amazônia Legal- Abunã-Madeira. O convite está
pressão sobre a Floresta, espe- -CNAL, sociedade civil, além feito!
cialmente ao sul do estado do de parceiros do setor privado.
Amazonas. Ambas as questões Trabalha dois pilares da Política
precisam de ações urgentes Nacional do Desenvolvimento

29
MULHERES NA TECNOLOGIA por Gardênia Cavalcanti

Como ser
uma mulher
digital
no mundo
atual?
USAR A TECNOLOGIA A SEU FAVOR
E CORRER CONTRA O TEMPO
Artigo por Gardênia Cavalcanti, O Dia Internacional da Mulher
alagoana, nasceu no sertão de merece ser celebrado com
Alagoas no dia 03 de agosto
e foi criada em Paulo Afonso, ações efetivas que produzam
interior da Bahia. Jornalista, em nós momentos de satisfa-
empresária, apresentadora de ção capazes de criar memórias
TV, colunista do jornal “ O Dia”,
assina diariamente a coluna
afetivas dignas de serem eter-
“D Mulher”. É digital influencer, nizadas com muito amor – sen-
madrinha das ações sociais timento que a mulher conhece
do Santuário Cristo Redentor.
tão bem e nunca sai de moda.
São mais de 15 atividades para
mulheres e crianças, em situação As mulheres podem ser defini-
de vulnerabilidade social, que
inclui doação de cestas básicas,
das com incontáveis adjetivos
distribuição de pães, até pela força e determinação, pela
casamento comunitário. Durante busca por reconhecimento e
a pandemia, o projeto em parceria
conquistas expressivas. Mas
com a “Tarde de Maria”. Comanda
um dos programas de maior será que existem termos sufi-
sucesso da TV Band Rio, o “Vem cientes para descrever a mon-
com a Gente”, exibido ao vivo tanha russa de emoções que
diariamente.
sentimos ao longo da vida?
A lista de demandas é grande
e as responsabilidades maiores
ainda. Uma cobrança contínua,

30
MULHERES NA TECNOLOGIA por Gardênia Cavalcanti

imposta por padrões de beleza,


A jornalista Glória Maria,
que exigem uma aparência que nos deixou este ano, nunca
impecável em tempo integral. revelou a idade, e ai de quem
Como administrar um dia que ousasse desvendar tamanho
segredo. Para esse enigma,
só tem vinte e quatro horas?
ela usava a seguinte resposta:
Dar atenção ao companhei-
“escondo a idade, para que ela
ro(a), manter uma casa organi- não me esconda”. Será que
zada, com disciplina e horários diante de tudo isso ainda dá
para tarefas básicas e corriquei- tempo de sonhar? Sim, pre-
ras? E os filhos... Mas espera cisamos nos dar esse tempo
um pouco, tudo isso tem um e sermos protagonistas das
custo e quem paga a conta? nossas próprias histórias. Preci-
Aí vem o mercado e cobra o samos muito e com urgência
- como diz a letra da música do
posicionamento da mulher
Lulu Santos: “...vamos nos per-
bem sucedida, dona de uma
mitir”! Vamos celebrar o nosso
carreira sólida e duradoura. dia com plenitude, porque
Uma profissional atualizada, o futuro é incerto e costuma
conectada com a tecno- ser misterioso. Por isso, vamos
logia que saiba decifrar as usufruir de momentos, que
novas gírias digitais. Saber não custam nada, e de luxos
por exemplo o que é crush, que custam, sim! Por que não?
o que antigamente, tinha o De que adianta cumprir uma
nome de paquera. Entender lista tão extensa de tarefas,
o que é um encontro flopado, se não tivermos como alvo
ou quando não alcançou as o nosso tão sonhado pote
expectativas, saber a defini- de ouro? Vamos em frente,
ção da palavra cringe – vergo- com a certeza de que esta-
nha alheia na linguagem dos mos fazendo a nossa parte ao
internautas. Para não ficar colocar pelo menos um tijoli-
de fora, precisamos apren- nho, nos sonhos das próximas
der essa nova linguagem, e gerações. Vamos em busca
nos popularizar com essa da diversidade, da inclusão e
nova forma de comunicação. convivência harmoniosa dos
Fácil não é, mas somos capa- gostos e desgostos, amores e
zes de aprender a fazer dessa desamores, porque afinal nada
forma avançada de tecno- é perfeito, nem no mundo
logia, um meio capaz de digital e cada uma sabe a dor
fazer render o tempo dessa e a delícia de ser MULHER!
mulher multitarefas. Para
algumas, o corpo vai se can-
sando mais rápido, para
outras a idade passa a ser
apenas um número que não
corresponde ao vigor e a dis-
posição; mesmo assim, gos-
tamos de esconder a idade.

31
DIREITOS DAS MULHERES por Kone Prieto

FALAR SOBRE
EMPODERAMENTO
FEMININO É UMA
QUESTÃO DE JUSTIÇA
Kone Prieto Furtunato Cesário é
professora de Direito Comercial
e Propriedade Intelectual na
Faculdade Nacional de Direito
da UFRJ e na Academia de
Propriedade Intelectual, Inovação
e Desenvolvimento do INPI.

32
DIREITOS DAS MULHERES por Kone Prieto

Daqui a dois anos completamos Pública. O aumento foi de 3,2% volvimento econômico e social.
um quarto do século XXI e, no em relação ao primeiro semestre Iniciativas assim geram empatia
Brasil, ainda é preciso discutir as de 2021. das empresas junto aos clientes
discriminações, desigualdade, e podem trazer vantagens finan-
abusos e agressões sofridas pelas Como cruzar os braços nunca ceiras no momento de atração de
mulheres. Nas universidades é é solução, surgiram, separada- investimentos nacionais e inter-
rotina esse debate, mas ainda é mente, mas com um vínculo con- nacionais, como bem demonstra
difícil saírem soluções práticas ceitual único, as duas propostas a resolução n° 59/21 da Comissão
dos cursos de direito para atender citadas na abertura deste texto. de Valores Mobiliários (CVM), em
aos problemas da Justiça, como O Maria da Penha Virtual é um vigor desde 2 de janeiro e que
foi o caso do app Maria da Penha aplicativo criado por alunos da criou um novo regime de divul-
Virtual e mais recentemente, a UFRJ que facilita os pedidos de gação de informações para que
criação de um selo da igualdade medidas protetivas em casos de as empresas de capital aberto
de gênero, desenvolvido por mim violência doméstica. No Rio de apresentem aos investidores
e a professora Ana Lúcia Sabadell Janeiro, onde o aplicativo está informações claras, precisas e
da Universidade Federal do Rio de em pleno funcionamento, foram padronizadas sobre os pilares
Janeiro e a professora Soraya Gas- 2.744 pedidos de medidas prote- ESG, dentre eles igualdade de
paretto da Universidade Estadual tivas até dezembro de 2022, de gênero, muito prestigiada por
Paulista e nossa equipe de alunos. acordo com dados coletados no investidores europeus.
Observatório Judicial da Violência
Isso tudo é importante em um Contra a Mulher do TJRJ e, nesse O Judiciário faz sua parte, além
país no qual a maioria são mulhe- ano, iniciou o funcionamento no da representação feminina das
res. A população residente esti- TJPB. Ministras Rosa Weber e Cármen
mada no Brasil, em 2021, era de Lúcia no STF, esta última capa
212,7 milhões de pessoas. Desse Mas, as mulheres não querem deste número da Revista. O CNJ
total, 108,7 milhões (51,1%) são só segurança, mas, também, criou uma ouvidoria especiali-
mulheres e 103,9 milhões (48,9%) mais igualdade no mercado de zada para as mulheres e o Censo
são homens. A vantagem femi- trabalho. Daí nasceu o Sigala que do Poder Judiciário de 2019, que
nina acaba por aí, porque no é uma certificação de igualdade apontou os números de que 38,8%
mercado de trabalho os homens de gênero, concedida pelo Ins- dos magistrados e 56,6% dos ser-
são maioria e o desemprego femi- tituto Nacional de Propriedade vidores no Poder Judiciário eram
nino é maior que o masculino, Industrial (INPI) e seu objetivo é mulheres. O Censo, também,
segundo uma pesquisa divulgada conceder às empresas um selo de mostrou que as mulheres servido-
pela Fundação Getúlio Vargas que avaliação sobre o cumprimento ras estão ocupando mais funções
mostrou que desde 2012, a taxa de leis nacionais e internacionais, de confiança e chefia. Todavia, o
de desemprego das mulheres além de auxiliar na implemen- Censo demonstra que os homens
é superior à dos homens, como tação de planos e políticas de ainda ocupam 61,2% dos cargos
exemplo em 2021, onde esse gênero pelas empresas e institui- de juízes, e que o percentual de
percentual de desempregadas ções públicas. desembargadoras, corregedoras,
atingiu 16,45% (7,5 milhões), com vice-Presidentes e presidentes
a mulheres ganhando em média É algo similar a um selo verde, dos tribunais, ainda permanecem
20% a menos, que eles quando de boas práticas ambientais, tão no patamar de 25% à 30% e que
exercem cargos semelhantes. difundido em tempos de ESG. ocorreu uma pequena retração
Um termo cunhado em 2004, nas convocações de juízas para
Pode piorar, se deixarmos o mer- em uma publicação do Pacto atuar nos tribunais (de 32,9% para
cado de trabalho e formos ver Global da ONU em parceria com 31,1% nos últimos 10 anos).
os índices de crimes contra as o Banco Mundial, que trata de
mulheres. No primeiro semestre práticas institucionais relacionada Estamos iniciando o ano de 2023.
de 2022, 699 mulheres foram às 17 ODS da ONU, lembrando Já passou da hora de mudarmos
vítimas de feminicídio no Brasil, que a ODS 5 é justamente àquela um cenário que era comum há
média de quatro mulheres por que visa alcançar a igualdade de dois séculos. A questão de gênero
dia, de acordo com dados do gênero e empoderar as mulheres é, sim, uma questão de Justiça!
Fórum Brasileiro de Segurança como meio de alcançar o desen-

33
JUSTIÇA RESTAURATIVA por Mayara de Carvalho

JUSTIÇA
RESTAURATIVA
EM PRÁTICA

Mayara de
Carvalho Siqueira
Doutora em Direito pela UFMG. Pesquisadora de pós-doutorado pela UERJ.
Professora do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Estácio de Sá.
Co-fundadora do Instituto Pazes. Facilitadora de justiça e práticas restaurativas
e comunicação não-violenta.

34
JUSTIÇA RESTAURATIVA por Mayara de Carvalho

A Justiça Restaurativa (JR) pro- Certa vez, presenciei um conflito acolhesse melhor seus mem-
põe uma visão de justiça diferen- entre dois garotos com cerca de bros. Os diretamente envolvidos
ciada, novas lentes através das sete ou oito anos. Um deles havia também puderam falar sobre
quais enxergaremos conflitos, feito uma “brincadeira” desa- como foram impactados e do
violências e conexões. Isso quer gradável sobre a voz do outro que precisavam.
dizer que não se trata de um durante a aula. Outros dois estu-
método adequado para traba- dantes da turma imediatamente Em poucos minutos, não só a
lhar conflitos. sugeriram que fosse feito um situação havia sido resolvida,
círculo para que todos tivessem como os vínculos daquele grupo
A visão restaurativa de justiça a oportunidade de falar sobre haviam se fortalecido. Signifi-
volta-se a construir intencio- como se sentiam a respeito. cado e pertencimento volta-
nalmente espaços seguros e ram a ser elementos presentes
cooperativos, pautados priori- Embora o conflito tenha ocorrido naquele espaço. A turma havia
tariamente em narratividade e diretamente entre os dois guris, aprendido algo novo sobre si
contação de histórias pessoais, o ponto de vista da JR entende e buscado transformar seus
para a) desenvolver e aprofundar que toda a sala tem alguma valores e relações. Em seguida,
conexão com pertencimento e parcela de responsabilidade e o conteúdo programado voltou
significado; b) satisfazer necessi- envolvimento nele. a ser ensinado; agora com mais
dades humanas básicas dos par- atenção dos estudantes.
ticipantes; c) quando for o caso, Se a estrutura mental daquele
reparar danos e oferecer cuidado garoto o autorizou a ser violento Compartilhado esse exemplo,
em relação a traumas indivi- com seu colega é porque os códi- queria terminar esse texto com
duais ou coletivos; d) resolver e gos comuns de conduta daquela um apelo: o de que lembremos
transformar conflitos, relações e comunidade possibilitam esse do potencial restaurativo nas
comunidades; e) quando apro- comportamento, ainda que para situações mais simples e mais
priado, garantir a construção condená-lo. Não só: se a voz do habituais. É possível – e desejado
de um espaço seguro em que menino foi objeto de demérito, – que as práticas restaurativas
seja possível identificar impac- é porque algum valor presente sejam utilizadas antes mesmo
tos causados pelo ato, bem naquele espaço avalia positiva ou de qualquer violência ou conflito.
como aqueles pré-existentes negativamente pessoas a partir
que foram revelados por ele; f) dessa característica. Podemos fazer uso da visão res-
trabalhar os impactos, sejam eles taurativa de justiça como uma
intencionais ou não, de ações dos Nesse caso, o ensino do conte- forma de aprofundar vínculos
participantes em situações de údo programado para a aula foi que já estão bem; de aproximar
interdependência; g) prevenir e interrompido diante da insur- ainda mais pessoas que já con-
dar fim a violências, sejam elas gência do fato novo. Todos os vivem em harmonia; de reforçar
individuais ou coletivas, físicas presentes – estudantes e pro- vínculos de pertencimento e
ou psicológicas, verbais ou não- fessora – participaram do cír- significado em grupos de traba-
-verbais, pontuais ou estruturais, culo, uma vez que, em alguma lho; de aproximar a comunidade
motivadas ou imotivadas. medida, todos foram afetados escolar de um espaço de apoio
pelo ocorrido. O ambiente influi e segurança socioemocional;
Ufa! Muita coisa, né? E, ainda diretamente no pertencimento e de possibilitar que familiares ou
assim, fui a mais sucinta que na sensação de estar-se em um sujeitos comunitários se conhe-
consegui, mas tentei te dar uma espaço seguro e respeitoso. Era çam melhor e estejam mais
boa ideia das possibilidades de importante para cada um deles próximos; dentre tantas outras
materialização da Justiça Res- que aquela sala de aula fosse possibilidades.
taurativa. um local de interdependência e
cooperação. Se sedimentarmos as bases da
Para te ajudar a entender o Justiça Restaurativa na conexão,
potencial da Justiça Restaura- No círculo, cada participante é provável que teremos menos
tiva, vou contar uma história. No teve a oportunidade de falar bre- violências e mais acolhimento
tempo em que vivi na Palestina, vemente como se sentia sobre nos nossos vínculos sociais.
tive a oportunidade de trabalhar o ocorrido e como acreditava
com a The Friends School, em que poderia contribuir para a
Ramallah. construção de uma turma que

35
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DIREITO PENAL por Érica Babini

A legalidade
penal no Brasil
e permanências
coloniais
REPENSANDO AS
CIÊNCIAS CRIMINAIS COM
PENSADORAS MULHERES.
por Érica Babini

O princípio da legalidade agências estatais atuam facilitada pelo Código de


é o ponto fulcral do saber aquém e além da legali- Processo Criminal de 1832
jurídico penal, fruto de um dade por meio de controles que autorizava juízes de
processo de racionalização informais (CASTRO, 1983). paz, nomeados pelas elites
do controle e do poder de locais, aplicá-las para con-
punir originado no Ilumi- Neste contexto, este escrito trole dos escravos.
nismo. visa refletir a importância
da produção de pensadoras O Código Penal de 1890
Este, porém, é um padrão mulheres na produção das manteve a intenção liberal.
eminente europeu, cujo ciências criminais. Porém o tensionamento
m o d e l o g e ra n a rra t i va s do positivismo crimino-
apar tadas da realidade. Discutir racionalidade do lógico e da pós-abolição
Assim, a capacidade técnica poder punitivo somente é com os medos das elites da
do conceito é ambígua, possível a partir do Código sublevação de ex-escravos,
uma porque no Brasil as de 1830, cujos pressupostos leis especiais se impuse-
permanências da colonia- liberais de justiça e equi- ram e assim, a narrativa da
lidade naturalizam mortes dade derivam da Consti- inferioridade jurídica foi
da população estratificada tuição do Império de 1824. substituída pela biológica
à zona do não ser (CAR- Entretanto, o modelo con- (SCHWARCZ, 1987).
NEIRO, 2005); duas porque vivia com o escravism o
se opera um Direito Penal patriarcal, com a manu- O esforço do Código de 1940
Subterrâneo em que as tenção da pena de morte, de romper com as bases da

38
DIREITO PENAL por Érica Babini

etiologia e do próprio perí- lação carcerária do mundo, Penal (CASTRO, 1983). Quem
odo ditatorial de Vargas, foi cuja maioria é composta sabe se, no dia em que se
o mais significativo. Porém, por homens e mulheres discutir nas cadeiras das
a Doutrina da Segurança pretas de periferia (FLAU- ciências criminais estas
Nacional fez com que da ZINA, 2008). autoras aqui homenagea-
legalidade uma simples das, teremos perspectivas
ornamentação, materiali- Como se vê, o racismo orien- plurais e juristas poderão
zada no subsistema policial tou a narrativa da legalidade vir a saber melhor o legado
DOPS/DOI-CODI com a exe- para continuidades de um da escravatura e seus siste-
cução sumária de suspeitos. projeto colonial neurótico mas difusos de privilégios e
(GONZÁLEZ, 1988), de modo desigualdades, orientando
Mesmo após trinta anos que foi e é meramente for- a prática de uma legalidade
da Constituição Federal de malista a capacidade téc- material, reparadora e não
1988, prevalece o raciocí- nica do conceito. A supera- discriminatória.
nio com o modelo político ção deste pacto histórico da
criminal atuarial, em que branquitude (BENTO, 2002) Quiçá, um saber assim
novas tecnologias pautam demanda vários rompimen- orientado saberá lidar com
metas de eficiência e con- tos políticos (DAVIS, 2018), os efeitos perversos do que
trole de resultados pelo dentre eles a imposição de Carolina Maria de Jesus,
aparelho estatal para o um modelo de ciências cri- na década de 1950, ouviu
controle do risco, razão pela minais integrado. dos diretores a quem apre-
qual é preciso identif icar, sentava e recusava seus
classif icar e gerir grupos Este modelo coloca a reali- escritos: “ – É pena você ser
perigosos. Não por acaso o dade ao lado das abstrações preta” (2014, p. 65).
gerencialismo faz o Brasil dogmáticas, questionando
ter a terceira maior popu- as funções reais do Direito

Érica Babini
Doutora e Mestre em Direito pela UFPE. Professora da
Universidade Católica de PE e Universidade de Pernambuco.
Advogada Autárquica Municipal - EMLUR

Érica Babini
DOUTORA E MESTRE EM DIREITO PELA UFPE.
PROFESSORA DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PE
E UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO. ADVOGADA
AUTÁRQUICA MUNICIPAL - EMLURB

39
DIREITO EMPRESARIAL por Martha Deliberador

VIDA DE
EMPRESÁRIO
A U DÁ C I A E DE TERMINAÇ Ã O
S Ã O FATO R E S DEC ISIVOS
POR MART HA D ELIBER AD OR
A D V O G A DA , S Ó CI A DE D& F ADVOC AC IA EM PR E SA RI AL ( D ELI BERAD OR.AD V.BR)

O ano de 2023 iniciou com inúmeras mudanças de


rota, na política e na economia do país, o que trouxe
incerteza ainda maiores aos pequenos e médios
empresários.

Circularam comentários que sugerem pouco caso das


autoridades com o tratamento das despesas públicas,
confundindo, os políticos, despesas públicas com
investimentos; as consequências são mais tributos e
mais fraudes fiscais, a dificultar decisões privadas de
investimentos.

Falou-se em flexibilizar a lei das estatais para reduzir


as restrições de acesso de políticos nas companhias,
com risco de transformá-las em cabides de empregos
para acomodar louvaminheiros mal sucedidos.

Queixou-se da insensibilidade do mercado financeiro


e falou-se em aumentar a carga tributária dos ricos,
quando o Estado brasileiro historicamente tem se
revelado ineficiente na entrega de valor à sociedade.

Diante dessa desconfortante narrativa, o mercado


tende a se recusar a pagar a conta da irresponsa-
bilidade de governos. Como lidar com a pressão
decorrente das incertezas?

As dicas seguintes orientam as decisões de negócio:

40
DIREITO EMPRESARIAL por Martha Deliberador

1 – Questões políticas. Separar incerteza ou pressão, trabalhe significado aos negócios. A reso-
as questões políticas das do com o melhor e o pior cenário lução de um problema específico,
mercado para se ocupar somente para o seu negócio. Busque que pode ser a dor do cliente,
das últimas. Não é aceitável cenários alternativos para cons- poderá ser facilitada na vivência
misturarem-se ações de política truir estratégias. No espectro de do propósito na cadeia de valor,
partidária com ações empresa- opções, faça a sua escolha, uma algo bom para todos.
riais. Os relacionamentos institu- opção que faça sentido mesmo
cionais e políticos, no exclusivo no ambiente de incerteza. Uma 7 – Ninguém é perfeito. Cometer
interesse setorial, devem ficar vez definido o caminho a trilhar, erros é normal; um dos erros é
a cargo de pessoas ou órgãos seja o primeiro – dentre os seus o empreendedor imaginar que
especializados. concorrentes -- a atacar a incer- é perfeito. “Se quer algo novo,
teza, com confiança e coragem, você precisa parar de fazer algo
2 – Fonte da pressão. Entender capaz de oferecer algo novo que velho”, é outra máxima atribu-
a origem da pressão e avaliar a abale a estrutura conhecida de ída a Peter Drucker (loc. Cit).
sua gravidade ajuda a enfrentá-la. mercado. O ambiente de incerteza exige
Medir a força e a fonte da pres- pensar fora da caixa, ainda que o
são é uma tarefa indispensável. 5 – Criando o futuro. Criar o resultado não seja perfeito.
A pressão, de regra, está rela- futuro é parte do desafio de
cionada a compromissos: para todo empreendedor. As lições 8 – Intuição. Não desprezar a
muitos empresários, quebrar ou do passado são importantes, sua intuição. Preparar-se para o
manter compromisso é quase mas não devem limitar a capaci- imprevisto é sempre recomen-
desesperador. É possível contor- dade de criar o futuro. É de Peter dado. Mas pode ser que uma
nar a pressão sem algum prejuízo, Drucker a frase “Não podemos solução imprevisível surja de
sem afetar, por exemplo, a quali- prever o futuro, mas podemos impacto ao se revelar eficiente
dade do produto ou serviço ou a criá-lo” (https://donuz.com.br/ na exploração de um mundo de
reputação? É preciso fazer uma blog/frases-de-peter-drucker/). oportunidades.
avaliação de custo e benefício. Pode-se tirar pelo menos duas
lições dessa máxima: enfrentar 9 – O empresário não está só.
3 - Ética e compliance. Reforçar incerteza é da vida do empresá- Envolver as pessoas no enfrenta-
os compromissos de ética e com- rio; diante da incerteza, o empre- mento de incertezas, sobretudo
pliance dos seus funcionários. sário não pode cruzar os braços, as mais próximas, colaboradores
Toda empresa tem a sua política mas tomar uma decisão criativa, diretos, ajuda a fortalecer a con-
de ética e compliance como parte ainda que venha a errar. fiança no ambiente de negócio.
da sua estratégia para alcançar O líder tem o dever de criar um
os objetivos do negócio. No 6 – Sobre propósito. Conhecer ambiente de harmonia, empatia
momento de incerteza, os fun- o propósito do parceiro pode e confiança.
cionários estão cumprindo com iluminar a sua decisão. O seu
os seus regulamentos e códigos? negócio é, por exemplo, um 10 – Um conselho ativo a seu
A liderança da empresa não deve supermercado de porte médio ou favor. Buscar o suporte de um
jogar fora os seus valores na hora pequeno, uma empresa do ramo conselho (de administração ou
de enfrentar incertezas, mas dis- de autopeças ou de produtos consultivo) revela sabedoria e
cutir com os seus colaboradores de beleza. Consulte o propósito pode se constituir no melhor
eventual impacto das suas boas dos seus fornecedores e discuta caminho para reduzir os níveis
práticas. com eles apoio para campanhas de estresse, assegurar trans-
promocionais inspiradas nos res- parência e responsabilidade no
4 – Oportunidade. Transfor- pectivos propósitos. Propósito é tratamento do negócio; inovar.
mar a situação de pressão em um compromisso ético com pes-
oportunidade é uma questão de soas e revela a preocupação do
tempo, recurso e criatividade. mercado em propiciar resolução
Para ajudar a descobrir e traba- de necessidades de segmento
lhar com os fatores que geram populacional específico, dando

41
ADVOCACIA por Alice Carolina

BREVES CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS PRERROGATIVAS DA
ADVOCACIA
POR ALICE CAROLINA
ADVOGADA E SÓCIA FUNDADORA DA SOCIEDADE RODRIGUES FIGUEIREDO, MAIA BEZERRA, LINS E SILVA ADVOGADOS ASSOCIADOS.
PROCURADORA NACIONAL ADJUNTA DE DEFESA DAS PRERROGATIVAS DO CONSELHO FEDERAL DA OAB (GESTÃO 2022-2025).

O art. 133 da Constituição Federal 2) a liberdade do exercício profis- centando-se ao seu texto o art.
dispõe que a advocacia “é indis- sional; 7°-A que trata especificamente
pensável à administração da dos direitos da mulher advogada
3) a inviolabilidade do escritório,
Justiça”. gestante, lactante e adotante.
de seus instrumentos de trabalho
Este status constitucional e das correspondências relativas O art. 7°-A da Lei n° 8.906/1994
demonstra a importância da ao exercício profissional; garantiu à mulher advogada ges-
advocacia e a necessidade de tante não ser submetida a detec-
4) o direito da advocacia de se
proteção das suas respecti- tores de metais ou aparelhos de
comunicar com clientes presos,
vas prerrogativas profissionais, raios X e a reserva de vagas nos
detidos ou recolhidos;
que são verdadeiras garantias à fóruns.
independência e à autonomia 5) presença de representante da
A inovação legislativa também
no exercício da profissão e na OAB quando houver prisão de
garantiu para as mulheres advo-
defesa dos cidadãos. advogado(a) no exercício da pro-
gadas lactantes ou adotantes o
fissão;
É de suma importância que os seguinte:
operadores do direito conheçam, 6) em caso de prisão, o advogado
1) acesso a creche, ou local ade-
respeitem e exijam o cumpri- deve ser recolhido em Sala de
quado ao atendimento do bebê;
mento das prerrogativas previstas Estado Maior;
na Lei Federal n° 8.906/1994 (Esta- 2) preferência na ordem das sus-
tuto da Advocacia e da Ordem 7) livre acesso da advocacia aos tri-
tentações orais e audiências e;
dos Advogados do Brasil). bunais, salas ou edifícios forenses;
3) suspensão dos prazos proces-
Com efeito, as prerrogativas da 8) o livre uso da palavra e de
suais quando for a única patrona
advocacia estão previstas princi- acesso aos autos;
da causa.
palmente nos arts. 6° e 7° da Lei n°
9) o desagravo público e o sigilo
8.906/1994, que resumidamente Todas essas garantias são funda-
profissional.
são as seguintes: 1) inexistência mentais para o exercício livre e
de hierarquia nem subordinação Com o advento da Lei n°13.363/2016 pleno da advocacia, independen-
entre advogados, magistrados e (chamada “Lei Júlia de Matos”), a temente de gênero. A defesa das
membros do Ministério Público; Lei 8.906/1994 foi alterada, acres- prerrogativas da advocacia cabe,

42
ADVOCACIA por Alice Carolina

Conforme se verifica, agora a


violação de escritórios, a falta
de acesso a comunicação entre
cliente preso e advogado(a), a
falta de representante da OAB,
quando da prisão em flagrante
de advogado(a) e o não recolhi-
mento de advogado(a) preso(a)
em sala de Estado Maior confi-
gura CRIME, passível de deten-
ção e multa.

Por fim, é importante destacar


as alterações ao texto do Esta-
tuto da OAB, trazidas pela Lei
nº 14.365/2022, relacionadas à
medida cautelar que importe
em violação de escritório de
advocacia, que deve ser excep-
cional e com base em funda-
mento em indício pelo órgão
acusatório (art. 7°, § 6°-A, da Lei
n° 8906/1994) e a quebra da
inviolabilidade de escritório e
em um primeiro momento, ao Prerrogativas da advocacia são
de documentos com o acom-
próprio advogado e advogada um tema tão importante que
panhamento de representante
no exercício diário de seu mister após muitos anos de luta e enga-
da OAB que deve zelar pelo
nos tribunais, delegacias ou em jamento da Ordem dos Advoga-
fiel cumprimento do objeto da
qualquer espaço, onde possam dos do Brasil, a Lei n° 13.869/2019
investigação (art. 7°, § 6°-C e ss,
requerer e exigir, para qualquer entrou em vigor e alterou o Esta-
da Lei n° 8906/1994).
autoridade ou servidor público, tuto da OAB para acrescentar o
o respeito às suas prerrogativas art. 7°-B, que considera algumas Portanto, a defesa das prer-
previstas em lei federal. violações de prerrogativas crime, rogativas previstas na Lei n°
nos seguintes termos: “Art. 7º-B 8.906/1994 deve ser perma-
De outro passo, a defesa das
Constitui crime violar direito ou nente e de todos os operado-
prerrogativas também é exer-
prerrogativa de advogado pre- res do Direito, para garantir a
cida de forma institucional, pela
vistos nos incisos II, III, IV e V do efetividade do art. 133 da Cons-
Ordem dos Advogados do Bra-
caput do art. 7º desta Lei: (Inclu- tituição, tendo em vista que a
sil, por meio das Comissões de
ído pela Lei nº 13.869. de 2019). advocacia possui fundamen-
Defesa das Prerrogativas e Pro-
tal importância na Defesa do
curadorias de Prerrogativas do Pena - detenção, de 2 (dois) a 4
Estado Democrático de Direito
Conselho Federal da OAB e das (quatro) anos, e multa. (Redação
e da ordem jurídica.
Seccionais. dada pela Lei nº 14.365, de 2022).

43
DIREITO ADMINISTRATIVO por Luciana Serafim

COMPLIANCE NA NOVA LEI


DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
Por Luciana Serafim da Silva Oliveira, advogada, sócia da Olianz Compliance e Proteção de Dados, e Presidente
da Comissão Nacional de Compliance do CFOAB.

O modelo de gestão
no Brasil ainda é forte-
mente patrimonialista,
onde há confusão entre
o público e o privado, o
que nos leva a encon-
trar diariamente casos
de f raudes em licita-
ções, conluios, direcio-
namento de processos
licitatórios e nepotis-
mos, os quais acabam
por facilitar ou benef i-
ciar certos licitantes.
A nossa legislação tem
por base um modelo
burocrático, e a Lei nº
14.133/2021, também
chamada de Nova Lei
de Licitações, também
carrega um pouco disso,
apesar de poder ser
considerada uma buro-
cracia positiva de legiti-
mação do interesse, da troles externos, o que pode bam se escondendo atrás
vontade do Estado. gerar conflito. de procedimentos, exclusi-
vamente para atuar dentro
A burocracia, por sua vez, Extrai-se disso uma Admi-
de critérios previamente
pode ocultar atos ilegais nistração Pública que não
previstos em lei.
sob a cortina dos seus pro- funciona pelo medo de
cedimentos, ainda mais atuar, porque os super A Nova Lei das Licitações
considerando que existe controles tendem a ser nada mais fez do que tra-
uma indefinição muito super sancionadores. Os zer o compliance e a ges-
grande quanto aos con- propósitos positivos aca- tão de riscos como um

44
DIREITO ADMINISTRATIVO por Luciana Serafim

movimento de diálogo A lei permite que a estru- rando a união, estados e


entre o privado e a Admi- turação do compliance municípios.
nistração Pública. No possa ocorrer no prazo de
6 meses da celebração do Portanto, é preciso que se
parágrafo único, do artigo estabeleça um sistema de
11, estabelece que alta contrato, o qual é extrema-
mente exíguo, para não integridade com medição
administração do órgão universal, com a mesma
ou entidade é responsá- se dizer impossível, ainda
mais quando se busca sua estrutura e metodolo-
vel pela governança das gia de forma objetiva, sob
contratações, devendo efetividade.
pena de não satisfazer
implementar processos Todavia, para se exigir o todas as espécies.
e estruturas para avaliar, compliance para fins de
direcionar e monitorar os habilitação, há a neces- Percebe-se, então, que a
processos licitatórios e os sidade de alteração do Nova Lei de Licitações e
respectivos contratos. artigo 37, inciso XXI, da Contratos traz avanços,
Constituição Federal, que especialmente no que se
Deve, ainda, promover um refere a observância do
ambiente íntegro e con- diz não ser possível esta-
belecer condições restri- compliance, mas ainda
fiável, trazendo a lógica carece da definição de
de que, uma vez pautada tivas de competitividade
que não aquelas técnicas diretrizes objetivas e que
na ética, é possível que a permitam maior segu-
relação entre o público e e econômico-financeiras
necessárias à consecução rança, eficácia e efetivi-
o privado exista de forma dade na sua aplicação.
lícita, sem que haja pro- do objeto do contrato.
blema. Outra questão que não
É preciso que se busque pode ser desprezada, tam-
cada vez mais a relação e bém, é a forma e os meca-
menos o contrato, e com nismos de medição dos
isso reduzir a assimetria; programas de compliance
e a Nova Lei de Licitações para fins de desempate.
traz o diálogo, reconhe- E este é um grande pro-
cendo que ele é possível. blema.

E isso é extremamente A Nova Lei de Licitações


positivo, vez que o particu- traz não só o programa de
lar não é necessariamente integridade como atenu-
um inimigo, não podendo ante, como também crité-
ser pré-rotulado como um rio de desempate ou como
potencial fraudador do obrigatoriedade.
processo competitivo. Diz, ainda, que os órgãos de
Algo que ainda deve ser controle irão regulamen-
definido, contudo, é se a tar a forma da verificação
implantação, a estrutu- dos sistemas de integri-
ração, do programa de dade, sem apontar uma
compliance pelo licitante linha mestre a ser seguida,
vencedor deve estar pre- o que resultará, por certo,
vista obrigatoriamente no em uma vasta diversidade
edital. de orientações, conside-
45
DIREITO EMPRESARIAL por Paula Lôbo e Julia de Baére

LIMITES NA
ATUAÇÃO
JURISDICIONAL NA
RECUPERAÇÃO
JUDICIAL
Paula SEGURANÇA
Lôbo JURÍDICA EM FOCO
Naslavsky O processo de Recuperação poder neutra para organizar
Advogada; Pós-graduada em Judicial, no sistema jurídico as relações envolvidas e
Direito Empresarial pela Escola brasileiro, é um suporte que garantir a tutela do inte-
da Magistratura de Pernam- se dá à empresa para supe- resse público, assegurando
buco; Administradora Judicial; ração de um momento de que tão importante decisão
Integrante da Comissão de dificuldade. seja tomada com amparo
Recuperação Judicial e Falên- nos critérios legais e sem
cias da CAMARB – Câmara de Nele é viabilizado ambiente abusos.¹
Mediação e Arbitragem Empre- favorável a uma grande
sarial – Brasil. negociação entre a deve- Nesse ponto, destaca-se
dora e seus credores, de a abordagem de Daniel
forma transparente, bus- Sarmento ao aduzir que
cando a manutenção da “não há dois ordenamentos
atividade empresarial. distintos e incomu cáveis,
referentes ao direito público
O acordo entre devedor e e ao direito privado”, mas,
credor, contudo, deve ser s i m , “ex i s te u m a ú n i c a
tutelado como qualquer ordem jurídica, que tem no
outro negócio jurídico, não seu cimo uma Constituição
bastando o consenso e a cujos princípios e valores
aprovação da maioria para devem informar a resolução
validação do plano de recu- de conflitos surgidos em
peração judicial, pois não qualquer seara”.²
envolve apenas interesses
privados, há um amplo Tal assertiva leva à con-
interesse público na pre- clusão de que, ainda que
servação da empresa, com devidamente constitu-
repercussão social e eco- ída, a decisão tomada pela
nômica. Por isso, é impres- assembleia de credores
cindível uma instância de não pode ser considerada

46
DIREITO EMPRESARIAL por Paula Lôbo e Julia de Baére

soberana ao ponto de se Isso porque, por mais que


sobrepor ao ordenamento o papel dos credores seja
jurídico pátrio. crucial para a manutenção
das atividades do devedor,
Sendo assim, não obstante orientando o desfecho do
a impossibilidade de aná- pedido, todas as decisões
lise da viabilidade econô- tomadas no âmbito do
mico-f inanceira da recu- processo de recuperação
peração judicial, o controle judicial devem ser subme-
judicial das deliberações tidas ao crivo judicial, a fim
assembleares é necessário de verificar a sua conformi-
em razão da relevância da dade com a ordem jurídica.
matéria e da divergência
de interesses envolvidos, Em outras palavras, para
o que justifica a existência garantir a estabilidade e
de um processo judicial a previsibilidade das rela-
para auxiliar as empresas ções jurídicas, a atuação
em crise. jurisdicional na Recupera-
ção Judicial deverá sempre Julia de
Há muito, o Superior Tri-
bunal de Justiça vem sedi-
observar com muito foco
o princípio da segurança Baére C. d´
mentando seus enten-
dimentos ao enf rentar
jurídica.
Albuquerque
discussões entre delibe- Af inal, quanto mais pre-
rações assembleares e o visibilidade no controle Advogada; Mestre pelo Instituto
necessário controle da jurisdicional no que tange Brasileiro de Ensino, Desenvol-
legalidade. São bons exem- à aplicação da legislação vimento e Pesquisa (IDP);
plos, as homologações de vigente, mais segurança Vice-Presidente da Associação
Planos com disposições jurídica terá o jurisdicio- Elas Pedem Vista.
sobre: (I) deságios e carên- nado e o mercado como
cia para pagamento5, (II) um todo, o que viabiliza
criação de subclasses de mais investimentos e
credores6, (III) liberação de desenvolvimento para o
garantias após a novação País.
do crédito\ , entre outros.

¹CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por


ações e o princípio da preservação da empresa na lei de recuperação e falência.
Malheiros Editores Ltda, 2012, p. 361.
²SARMENTO, Daniel. Interesses públicos versus interesses privados na
perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Coord.).
Interesses públicos versus interesse privados: desconstruindo o princípio da
supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 50.

47
RECUPERAÇÃO JUDICIAL E INSOLVÊNCIA por Patrícia Fudo e Nadime Meinberg

DESAFIOS ATUAIS
DO MERCADO DE
REESTRUTURAÇÃO
EMPRESARIAL
Patrícia Fudo, Mestre em Direito
Tributário pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Sócia
responsável pela área tributária
do escritório Maluf e Geraigire
Advogados.

Nadime Meinberg Geraige,


Mestre em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo
- USP. Sócia responsável
pelo contencioso cível e
empresarial do Escritório
Maluf e Geraigire
Advogados. Autora de
diversos artigos e membro
dos institutos TMA Brasil,
IBAJU e CMR.

48
RECUPERAÇÃO JUDICIAL E INSOLVÊNCIA por por Patrícia Fudo e Nadime Meinberg

Passados 3 anos do início da dos pela celeridade e eficácia, tamento da nova posição do
pandemia mundial Covid 19, na medida em que, alcançada Fisco neste processo. Com o
todos os impactos econômi- a composição, pacífica-se o advento da Lei 14.112/2021, o
cos daí decorrentes, verificou- litígio por manifestação das que verificamos foi uma alte-
-se grande movimentação no partes e não por imposição ração de postura do Fisco. Isto
mercado de reestruturação e judicial. A própria medida porque, não obstante a previ-
insolvência empresarial. cautelar introduzida também são legal desde 2015 acerca da
pela Lei 14.112, em espelho necessidade de instituição de
O volume de recuperações
ao regramento do artigo 300 programas de renegociação
judiciais requeridas em janeiro
do Código de Processo Civil, de dívidas fiscais, o Fisco Fede-
desde ano foi o maior para o
teve como principal intenção ral somente disponibilizou a
mês em três anos, de acordo
do legislador, ao antecipar os denominada transação tribu-
com dados da Serasa Experian.
efeitos do processamento da tária com condições viáveis
Ou seja, a onda de recupera- recuperação judicial, preservar às empresas em recuperação
ções judiciais esperada para o ambiente de tranquilidade judicial nos últimos 3 anos.
2020 por conta das restrições e incentivar a utilização da
Com a instituição de progra-
da pandemia parece ter che- mediação antecedente.
mas viáveis de regularização
gado com quase três anos de
Por outro lado, as alterações fiscal, percebeu-se alterações
atraso.
introduzidas pela Lei 14.112/2021 jurisprudenciais importantes.
Contudo, temos outro marco aprimoraram o instituto da Dentre elas, a continuidade
importante que é o da reforma recuperação extrajudicial, tor- das execuções fiscais, inclu-
da Lei 11.101/2005 – Lei de Recu- nando-a mais atrativa, célere sive com os atos constritivos e
peração Judicial e Falência, e eficiente. Entre as principais a exigibilidade das certidões
pela Lei 14.112/2020, cujas alte- alterações que tornam a Recu- negativas de débitos fiscais,
rações que já vinham sendo peração Extrajudicial mais bem como a interposição de
experimentadas pelos ope- atrativa é a inclusão do crédito recursos por parte da Fazenda
radores de reestruturação trabalhista ao procedimento, a Pública questionando a apro-
empresarial, agora, com o possibilidade de aplicação do vação do plano sem a apre-
aumento de casos, serão ver- stay period e da alienação de sentação das mencionadas
dadeiramente testadas. ativos sem sucessão. certidões.
Ao nosso ver, as principais Neste aspecto percebe-se que, Finalmente, acreditamos que
alterações experimentadas da pouca adesão até 2020, a muitas empresas ficarão pelo
e testadas neste momento recuperação extrajudicial vem caminho, e, com isto, a par-
são: possibilidade de media- ganhando campo como ferra- tir de agora iremos verificar a
ção e arbitragem; a utilização menta válida a conferir valor aceitação e consolidação das
da recuperação extrajudicial, jurídico às práticas vivenciadas alterações da Lei 11.101/2005 no
até então deixada em desuso; pelo empresário brasileiro, na processo falimentar, tais como
a nova posição do Fisco e a medida em que confere maior como facilitação e desburocra-
falência como uma forma de autonomia à empresa e aos tização para venda de ativos,
solução definitiva para a crise credores. delimitação de 3 anos para
empresarial. extinção das obrigações do
Por outro lado, não há dúvida
falido e tramitação prioritária
A conciliação e mediação são de que o grande desafio do
do processo falimentar.
meios alternativos de solu- Poder Judiciário, Advogados,
ção de conflitos que vêm Consultores e empresários em Contrário do que ocorre com
sendo fortemente incentiva- reestruturação será o enfren- a recuperação judicial e extra-

49
DIREITO CONCORRENCIAL por por Patrícia Fudo e Nadime Meinberg

judicial, cujo objetivo é a décadas se destacou ao Competência Empresarial e de


continuidade da atividade, a comercializar chocolates em Conflitos Relacionados à Arbi-
falência, como um processo formato de cigarros e moedas, tragem da 1ª Região Adminis-
estruturado e organizado, viu no requerimento de falên- trativa Judiciária (RAJ) de São
busca obter a maximização cia a melhor solução para a Paulo.
dos ativos existente com a crise empresarial. No pedido
Neste sentido, o que se espera
finalidade de saldar o máximo de falência, os advogados da
é a aplicação dos novos concei-
possível de credores, sejam Pan declaram a insuficiência
tos como o fresh start – rápida
trabalhistas, fiscais, financei- de caixa e a impossibilidade de
solução e recomeço, como um
ros ou fornecedores, de acordo regularização do passivo, fato
incentivo ao empreendedo-
com a ordem legal estabele- que compromete, irremedia-
rismo e não uma punição!
cida na Lei 11.101/2005. velmente, seu soerguimento.
Recentemente, a tradicional Assim, no último dia 28 de
empresa Chocolates Pan, fun- fevereiro a falência foi decre-
dada em 1935 e que durante tada pela 1ª Vara Regional de

50
DIREITO TRIBUTÁRIO por Isabella Dantas

PINK TAX E A
DESIGUALDADE DE
GÊNERO
POR ISABELLA DANTAS
GRADUADA EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA EM 2020 E MESTRE EM DIREITO PELA MESMA
INSTITUIÇÃO EM FEVEREIRO DE 2023, DEFENDEU DISSERTAÇÃO COM O TEMA “PINK TAX: CAMINHOS PARA O ENFRENTAMENTO
DA DESIGUALDADE DE GÊNERO.” ADVOGADA DESDE 2020.

A sociedade brasileira, bem como outras em desfavor da submissão feminina. Diante disto,
semelhantemente colonizadas, se desenvolveu o desenho social que se impõe é este em que as
sobre um paradigma eurocêntrico dualista que mulheres não são alçadas ao mesmo patamar que
pautou diversas relações, como trabalho, religião os homens em infindáveis contextos, repercutindo
e, principalmente, gênero. mais oportunidades e privilégios masculinos
que, entre tantos malefícios, reverberam também
A dicotomia homem/mulher foi construída com consideráveis desvantagens econômicas para as
base em conceitos exarados pelo colonizador mulheres.
e que não necessariamente faziam parte
da cultura originária, em grande medida Além do menor domínio do mercado de trabalho,
inspirados pelas tradições judaico-cristãs que principalmente em cargos de gestão, dos salários mais
foram forçosamente implantadas nas colônias, baixos, da preponderância na realização do trabalho
deste modo introduzindo a hierarquização das doméstico e do cuidado com os filhos, de maiores
relações de gênero pela opressão masculina gastos comparativamente com a manutenção da

52
DIREITO TRIBUTÁRIO por Isabella Dantas

própria aparência a fim de que resultado dessa acareação escolher uma lâmina de barbear
sejam aceitas pelo mercado foi a comprovação de que cor de rosa, ou um desodorante
de trabalho, as mulheres os produtos direcionados com fragrâncias florais, à
enfrentam ainda um mal ao público feminino eram despeito de uma possível
invisível, embutido em muitos inexplicavelmente mais caros diferença de preços orientada
dos produtos e serviços que do que os voltados para o pelo mercado. Entretanto, a
consomem: a pink tax. masculino. O coletivo então discriminação de gênero existe
encaminhou uma petição quando, na mesma situação
Em português, a chamada “taxa com mais de quarenta mil descrita acima, se um homem
rosa” trata-se de uma variação assinaturas a uma das maiores comprasse uma lâmina de
de preços entre produtos ou redes de supermercados barbear azul e um desodorante
serviços iguais ou semelhantes da França, reivindicando a masculino, ele poderia pagar
disponíveis no mercado, cuja igualdade de preços entre os mais barato por essa compra.
principal diferença reside no bens de consumo ofertados.
fato de que o produto ou serviço Na ocasião, foi quando os Deste modo, fica evidente
mais caro é aquele direcionado termos pink tax e woman tax que a existência da pink tax se
ao público feminino. Embora a começaram a ser cunhados baseia, entre tantos fatores,
taxa rosa não seja propriamente com o objetivo de dar nome à na exploração financeira
uma taxa, tampouco um antiga prática de mercado de das mulheres a partir de
imposto, nos sentidos tributários encarecer produtos feitos para características inerentes ao
dos termos, o enfrentamento e mulheres. (GODOI; GÜNTHER, ser humano como a formação
regulação da prática devem ser 2020, p. 107) de identidade e o senso de
observados pelo mundo jurídico, pertencimento, que por sua
a fim de que sua proibição Um dos pontos que justificam vez impactam nas escolhas
seja positivada e coibida pelo a eficácia da pink tax junto aos de consumo dos indivíduos.
ordenamento legal. Afinal, um lucros das empresas advém A taxação baseada no gênero
valor adicional injustificado, da pressão em seguir normas é uma prática de mercado
e que vise prejudicar as estereotipadas de gênero discriminatória e colabora com
consumidoras simplesmente de maneira a se adequar na a perpetuação da desigualdade
apoiado em uma premissa de sociedade, em uma construção de gênero na sociedade, e deve
gênero, aponta para uma direta iniciada desde o nascimento. ser abolida por todos os meios
e ilegal discriminação contra as Isto, pois justamente a partir que lhe alcançarem, como a
mulheres. da necessidade de estar em publicização de sua existência
conformidade com os padrões na academia e em veículos
Há alguns anos a precificação estabelecidos, as mulheres públicos de comunicação, além
orientada pelo gênero vem são impelidas a comprar da vedação legal da prática.
sendo questionada por produtos que são direcionados Todas as formas de prejuízo às
diversos grupos de mulheres. especificamente para o seu mulheres, em especial quanto
Segundo a pesquisadora turca gênero (seja em relação a ao aspecto financeiro, devem
Alara Yazicioglu (YAZICIOGLU, cor, estampa, fragrância, ser enfrentadas, a fim de que
2018) um dos primeiros formato, etc.) em detrimento possamos caminhar enquanto
coletivos a identificar a prática de um artigo neutro ou outro sociedade sobre as diretrizes
de mercado e se posicionar notadamente masculino, do próprio texto constitucional,
publicamente foi a associação mesmo que aquele produto quando garantiu a todos os
francesa Georgette Sand, que, seja mais caro. É este processo brasileiros o direito à igualdade.
no ano de 2014, confeccionou de socialização subjetivo que
um documento comparando faz com que uma mulher, em
preços de produtos femininos geral inconscientemente, tenda
e masculinos similares. O a entrar em uma drogaria e

53
PROPRIEDADE INTELECTUAL por Gracemerce Camboim

Acordos Pay-For-Delay
e suas implicações para
o direito concorrencial
e propriedade
intelectual

Gracemerce Camboim
Advogada, Professora, Mestre
em Comércio Exterior e Relações
Internacionais pela UFPE.

54
PROPRIEDADE INTELECTUAL por Gracemerce Camboim

Os acordos pay-for-delay consistem em acordos de autonomia privada das partes. No entanto, alguns
celebrados entre empresas de medicamentos acordos celebrados neste contexto, em virtude das
de referência e empresas de medicamentos suas particularidades, suscitam questões jurídicas
genéricos, tendo como objetivo específico atrasar relevantes.
a entrada no mercado de determinado País as
versões genéricas dos medicamentos no mercado. São estes os acordos nos quais, por exemplo, uma
empresa de medicamentos genéricos se obriga a
Estes acordos podem ser pactuados em diferentes não colocar os seus produtos no mercado, ao passo
formas: podem ser celebrados no âmbito de litígios que a empresa de medicamentos de referência se
judiciais relativos à validade das patentes relativas compromete a efetuar determinado pagamento a
aos medicamentos de referência, constituindo favor da empresa de genéricos.
verdadeiras transações judiciais; podem surgir
no âmbito de disputas pré-contenciosas, como Ora, uma vez que a empresa de medicamentos
modo de evitar o recurso aos tribunais; como de referência é titular de direitos de patente que
também podem ser pactuados como contratos lhe permite excluir a empresa de genéricos do
de co-promoção, parceria comercial ou até mesmo mercado, sem o pagamento de qualquer montante,
de distribuição. o comportamento de ambas as empresas revela-se
ilógico.
As negociações tendentes à celebração de acordos
pay-for-delay surgem geralmente na preparação É necessário averiguar quais as motivações que estão
da colocação no mercado da versão genérica de subentendidas na celebração destes acordos, na
um determinado medicamento. medida em que os mesmos são por vezes celebrados
para evitar a apreciação judicial da validade das
A empresa titular de patentes sobre o medicamento patentes sobre os medicamentos de referência.
de referência no qual detém o monopólio da
comercialização, tendo conhecimento das Quando celebrados com este propósito, os acordos
pretensões da empresa de genéricos, busca reagir são efetivamente pay-for-delay, ou seja, são usados
por diversas formas contra a comercialização do pelas empresas de medicamentos de referência para
genérico, a qual alegadamente viola o direito de atrasar a colocação dos genéricos no mercado, e,
exclusividade conferido pelos direitos de patente assim, manter elevados os seus lucros.
sobre o medicamento.
Normalmente a celebração dos acordos pay-for-delay
O meio de reação contra a comercialização de está diretamente relacionada com o impacto da
produtos genéricos que violem os direitos de introdução de medicamentos genéricos no mercado:
patente das empresas farmacêuticas considerado efetivamente, a comercialização de genéricos origina
como normal será o recurso à via judicial, para uma redução, por vezes drástica, dos níveis de preços
obtenção da execução exclusiva da patente e a dos medicamentos em questão.
salvaguarda dos direitos.
Mantendo-se vigente, no ordenamento jurídico, um
Com efeito, o direito de patente garante ao direito de patente inválido, o seu titular pode continuar
seu titular a utilização exclusiva da exploração a excluir os concorrentes do mercado, o que em
econômica da invenção, pelo que se demonstra contrapartida manterá os preços elevados.
fácil efetivar a tutela pela via da invocação do
direito de patente. Por este motivo, os acordos pay-for-delay têm efeitos
socioeconômicos adversos, particularmente no que
Por este motivo, as situações nas quais as respeita aos consumidores, aos Estados, e a todas as
empresas de medicamentos de referência, quando entidades que necessitam adquirir medicamentos:
confrontadas com a violação das suas patentes, em vez de beneficiarem-se da redução dos preços em
optam por celebrar acordos com as empresas de virtude da introdução dos genéricos imediatamente
genéricos merecem especial atenção. após a caducidade das patentes principais (caso os
medicamentos constituam invenções suscetíveis
A maioria dos acordos ou transações relativas de proteção), são obrigados a suportar preços mais
a litígios sobre patentes não traduz qualquer elevados, a fim de preservar os lucros das empresas.
comportamento ilícito, situando-se na margem

55
DIREITO DE FAMÍLIA por Letícia Gomes Freitas

“MAS A CULPA
TAMBÉM FOI MINHA!”
Este é o pensamento de muitas mulheres que, ao optarem por cuidar dos
filhos, da casa e do marido, colocam a carreira profissional em segundo
plano e se imergem no sonho do projeto da vida em família.

Letícia Gomes Freitas: Advogada Familiarista,


Graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB),
Pós-Graduada em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP), Pós-Graduada Lato Sensu pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(FESMPDFT)

56
DIREITO DE FAMÍLIA por Letícia Gomes Freitas

É curioso pensar que existe ausência de uma mulher em mulheres é que, independen-
um sentimento de culpa por casa. As crianças vão estudar temente de ter sido uma esco-
parte das mulheres quando, em escola pública ou parti- lha (da família) ou a melhor
em milhares de casos de cular? O turno de estudo será opção no momento, há farta
divórcio e dissolução de união parcial ou integral? Se for jurisprudência no sentido de
estável, na maioria das vezes parcial, quem vai buscar na ampará-las quanto ao direito
o maior prejuízo tanto social escola? Preparar o almoço? de recebimento de pensão ali-
quanto f inanceiro é sof rido Acompanhar enquanto estão mentícia vitalícia, pois quando
por elas. E mesmo assim, se em casa? E se fizerem ativi- a dissolução do casamento ou
sentem responsabilizadas dade extracurricular? Nata- da união estável acontece em
pelas próprias escolhas em ção, ballet, inglês... Quem idade avançada, as consequ-
relação aos danos causados leva? Quem busca? Quanto ências não devem ser supor-
ao seu futuro. custa um transporte escolar? tadas somente pela mulher.
Quanto ganharia a mãe se
Quem não conhece alguém estivesse trabalhando? Obviamente, a pensão ali-
ou já ouviu de perto uma his- mentícia de ex-cônjuge é
tória de mulher que estudou, No intuito de promover melhor apenas uma solução paliativa
trabalhou no início da vida qualidade de vida, proporcio- para um problema social e
adulta, mas quando vieram os nar oportunidades, e acompa- estrutural enorme, que dia-
filhos, achou por bem abraçar nhar de perto a vida dos filhos, riamente tentamos combater.
a maternidade e renunciar noto que mulheres das classes Hoje, a mulher ainda se sente
(ainda que temporariamente) B e C, ao fazerem a compa- responsabilizada pela con-
sua carreira?! ração de custo-benefício, de dução e tomada de decisões,
quanto ela receberia de salário estando encoberta pela névoa
Tra ba l h a n d o n a á rea d e e quais os custos de estar tra- do patriarcado que passa a
direito de família, vejo que balhando fora, a melhor opção mensagem de que o homem
muitas mulheres, se pudes- parece ser que ela fique em provê f inanceiramente e a
sem, se desdobrariam em casa. Entretanto, essa escolha mulher assume grande parte
duas para acompanhar de tem um elevado custo para a das obrigações com a casa e
perto cada suspiro, cada sor- aposentadoria desta mulher, com os f ilhos, restando-lhe
riso, cada descoberta dos se não for feito um planeja- pouca disponibilidade de
f ilhos. Mas não existe nada mento de previdência pública tempo e consequentemente,
mais democrático do que o ou privada. oportunidades.
tempo, que passa na mesma
velocidade para todos. Diante D i f i c i l m e n te a s p e s s o a s Concluo que a culpa sentida
disso, vivenciam o dilema de entram em uma relação para pela mulher vem do encontro
investir seu tempo na volta constituir família, pensando das águas. Existe um enorme
ao trabalho com uma rotina em como se dará o f im. E rio cultural e histórico de des-
exaustiva de múltiplas fun- quando a escolha de ficar em valorização e diminuição femi-
ções ou se dedicar exclusiva- casa é um capítulo longo da nina. Em contrapartida, há um
mente à rotina dos f ilhos e história, o f inal é bastante forte oceano que luta pela sua
das demandas da casa. infeliz, já que as mulheres se emancipação e vem dia após
deparam com a idade avan- dia ganhando poder, espaço
Para a maioria das mulheres çada, pouca ou nenhuma e visibilidade. A mulher que
no Brasil, renunciar à vida pro- contribuição previdenciária e se sente culpada está perdida
fissional não é uma escolha. É dificuldades para reingressar no estuário, ainda tentando
uma necessidade diante das no mercado de trabalho. encontrar o percurso que leva
disparidades de salário entre ao mar para seguir o caminho
homens e mulheres e do É claro que cada caso tem de independência, igualdade
elevado custo em sustentar suas peculiaridades, mas o e valorização.
as despesas geradas com a que eu posso dizer para essas

57
DIREITO TRIBUTÁRIO por Thaís de Laurentiis

Para entender
o CARF :
a natureza
do processo
administrativo
fiscal

Thais de Laurentiis
Conselheira Titular da
Primeira Seção do Conselho
Administrativo de Recursos
Fiscais. Vice-presidente da
1ª Turma, 2ª Câmara da 1ª
Seção do CARF. Árbitra no
Centro Brasileiro de Mediação
e Arbitragem. Doutora
em Direito Tributário pela
Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco (USP).
Mestre em Direito Tributário
pela USP, parcialmente
cursado no Master de Direito
Econômico no Institut
D`Études Politiques de Paris
(Sciences Po). Especialista em
Direito Tributário pelo IBET.

58
DIREITO TRIBUTÁRIO por Thaís de Laurentiis

Em 2023 o papel do CARF O PA F, é ri c a m e n te d i s - tário; e ii) à Fazenda Pública,


deixou de ser matéria exclu- ciplinado pelo Decreto n. um julgamento preciso a
siva dos tributaristas. Isto 70. 235/ 1972 , que m esm o respeito da validade dos atos
porque a MP n. 1.160/2023, ao sendo anterior à CF/1988, é exarados pela Administração
trazer mudanças relaciona- capaz de assegurar aos con- Fiscal.
das ao rito e sistema de jul- tribuintes o contraditório e a
gamento do órgão, fez com ampla defesa determinados Isso sempre tendo como
que sua função fosse posta pelo seu artigo 5º, LV. Embora norte o interesse público, por
em xeque pelos mais diver- tal diploma normativo seja todos os envolvidos nessa
sos meios de comunicação. passível de melhorias, supre importante forma de solu-
a falta de um regramento ção de litígios, que, se tão
Neste breve artigo, busco sistematizado em nível de singular quanto dizem as
mostrar a natureza jurídica legislação complementar. inflamadas notícias de jornal,
do processo administrativo pode servir de modelo para
fiscal (“PAF”), no intuito de Mas não é só. O PAF é regido outros países que, como o
trazer luz sobre a impor- pelo Decreto n. 70.235/1972 Brasil, vivam num sistema
tância desse órgão, que se e, no que lhe complementa, jurídico tributário notavel-
encontra no vértice do sis- pela Lei n. 9.784/1999. Ambos mente bélico, complexo e
tema do contencioso admi- os regimes, especial e geral, inseguro.
nistrativo tributário. respectivamente, são com-
plementares e merecem
O processo administrativo leitura e interpretação con-
é um instrumento de con- jugada.
cretização do princípio da
legalidade, servindo para o Desta leitura conjugada,
controle dos atos praticados conclui-se que o PAF bra-
pela Administração Fiscal. sileiro possui, na realidade,
natureza híbrida.
Contempla, assim, o con-
junto de normas que dis- Isso porque, ao mesmo
ciplinam o regime jurídico tempo que se trata de uma
processual administrativo sucessã o de atos culmi-
aplicável às lides tributárias nando em decisão final de
deduzidas perante a Admi- órgão judicante, é processo
nistração Pública. Tudo na que ocorre no seio da Admi-
“concretização do princípio nistração Pública, tendo
da legitimidade do poder, na sempre como ponto funda-
medida em que se esclare- mental de origem um ato
cem e se afirmam os motivos administrativo (seja ele de
das decisões administrati- lançamento tributário ou
vas.” despacho decisório sobre
pedido de crédito), cujo con-
Vê-se o poder administrativo trole de legalidade é imposto
exercendo atividade jurisdi- pela própria lei (art. 53 da Lei
cional de maneira atípica, n. 9.784/99).
sendo um dos instrumentos
de solução de conflitos em Nesse contexto atua o CARF,
matéria tributária disponí- garantindo: i) aos contribuin-
veis no ordenamento jurídico tes, uma seara técnica e não
brasileiro, facultado ao con- onerosa para discutirem a
tribuinte. procedência do crédito tribu-

59
DIREITO ELEITORAL por Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro

EM HOMENAGEM ÀS JURISTAS E
CONGRESSISTAS MULHERES, EM ESPECIAL A
MULHER NEGRA, TRAZEMOS UM RESGATE ÀS
SUFRAGISTAS BRASILEIRAS, REVIVENDO A
HISTÓRIA DE ALMERINDA FARIAS GAMA

Por Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro


Ministra do TSE, Vice-Diretora da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral e coordenadora institucional da Comissão
Gestora de Política de Gênero do Tribunal Superior Eleitoral. Mestra em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo e
Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra. Secretária Geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e
Político; membro do IBRADE; membro da Comissão de Direito Eleitoral do IAB; membro da Comissão de Assuntos Constitucionais
do CFOAB. Vice-Presidente da ABLIRC.

Não é que a Constituição Ocorre que, a despeito de doméstico, devendo se ocu-


Federal de 1891 terminante- o plural poder muito bem par das tarefas indispensáveis
mente proibisse as mulheres abarcar cidadãos e cidadãs, à reprodução e à manuten-
de votar – não ao menos pela a interpretação predomi- ção da vida humana.
literalidade do caput do seu nante à época era a de que
artigo 70, a determinar que cidadãos compreenderia tão Com isso, as mulheres eram
“são eleitores os cidadãos somente os homens, o que impedidas de exercer ade-
maiores de 21 anos que se consequentemente excluiria quadamente sua cidadania.
alistarem na forma da lei”. as mulheres do rol de alistá-
veis e elegíveis. O voto apenas seria con-
Tampouco era proibido ter- quistado – e não concedido
minantemente que fossem A leitura convenientemente – pelas mulheres em 1932 ao
eleitas, pois, de maneira idên- restritiva dos dispositivos final de um longo percurso
tica, o parágrafo segundo do constitucionais e legais era que pode ser dividido em
artigo 70 mencionava que secundada pela concep- duas fases. A primeira esten-
eram inelegíveis só os “cida- ção de que, na sociedade, à de-se das primeiras cobran-
dãos” não alistáveis. mulher cabia só o ambiente ças, veiculadas na imprensa

60
DIREITO ELEITORAL por Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro

feminista ao longo do século e pertencentes às classes às narrativas e vivências das


XIX, por participação política, elevadas. Contudo, é certo mulheres negras”. Infeliz-
passando pelos debates na que há um brilho especial mente, até entre suas suces-
Assembleia Constituinte e na história daquelas que não soras, sua história é des-
pela fundação da primeira compartilhavam dos mes- conhecida: na Marcha das
associação feminina que viria mos privilégios – para Laila Mulheres Negras, que reuniu
a cobrar o suf rágio efetiva- Maia Galvão, “muita das vezes milhares em Brasília/DF para
mente universal – a saber, o essa distinção de origem protestar contra intolerância
Partido Republicano Femi- social possibilitava um dis- religiosa e racismo, o nome
nino, fundado por Leolinda curso feminino mais radical de Almerinda era desconhe-
de Figueiredo Daltro em 1910. em relação à educação” . cido. Almerinda nasceu em 16
Em 1920, a primeira fase che- de maio de 1889 em Maceió,
gou a seu fim com a criação É o caso de Almerinda Farias em uma família que, ainda
da Liga para Emancipação Gama, mulher negra, nor- que não fosse propriamente
Intelectual da Mulher por destina e trabalhadora. Ser rica, desfrutava de condições
Bertha Lutz em 1920. m u l h e r j á é u m a co n d i- financeiras suficientes para
ção suf iciente para ter sua que Almerinda estudasse em
Em 1922, no que a Liga se memória esquecida. Ao longo escola particular. O precoce
transformou na Frente Bra- da história, a presença das falecimento de seu pai em
sileira pelo Progresso Femi- mulheres na esfera pública 1907 fez com que Almerinda
nino, teve início a segunda vem sendo obliterada como fosse para Belém morar com
fase do movimento suf ra- se sua participação fosse de sua avó e sua tia. Por lá, con-
gista, que terminaria com o menor importância. tinuou com os estudos, mas
Código Eleitoral de 1932. já em escola pública.
Não eram protagonistas per
A exemplo de Leolinda e Ber- se, mas tão somente coadju- Almerinda passou por toda a
tha, as mulheres que se enga- vantes: eram mães, esposas aprendizagem que, à época,
jaram no bom combate pelo ou irmãs de um homem. Ao era preparação para que as
voto feminino eram geral- fim desta operação, resta a moças de classe média vies-
mente brancas, instruídas e imagem de que o mundo foi sem a desempenhar bem o
pertencentes à classe média concebido e construído por papel de esposa e de mãe.
e à alta da sociedade brasi- personagens masculinos. Ainda que letrada, esperava-
leira. De acordo com Laila Almerinda tem sua memó- -se que a moça casada per-
Maia Galvão, “a presença em ria apagada não só pelo fato manecesse dentro de casa.
ambientes educacionais e a de ser mulher, mas também No máximo, se imprescindí-
possibilidade de uma renda por ser uma mulher negra – vel à subsistência da família,
por parte de suas famílias e sujeita, portanto, a um duplo trabalharia de dentro do lar.
pelo trabalho realizado nas fardo. Desta maneira, suas atribui-
escolas teria impulsionado ções domésticas não sairiam
a entrada no debate político Assim confirma a documen- comprometidas.
predominado por homens”. tação reunida no Centro de
A íntima ligação das suf ra- Pesquisa e Documentação Faltou, todavia, combinar
gistas com a educação, inclu- de História Contemporânea com Almerinda, que, desde
sive, fez com que a luta pelo do Brasil – CPDOC/FGV. Dos tenra idade, alimentava um
voto feminino estivesse for- 230 arquivos no acervo, só 16 sentimento de indignação
temente imbricada com a são de mulheres. E, destes 16 contra a diferença entre
luta pelo acesso à educação. arquivos, só o de Almerinda homens e mulheres: Lembro-
A circunstância de serem é de uma mulher negra, o -me de que, quando criança,
“bem-nascidas” não ofusca que inevitavelmente “nos brincava com um primo (...).
a trajetória das suf ragistas convida a refletir sobre o Nós éramos crianças – talvez
que eram brancas, instruídas silenciamento que se impõe com 10, 11 anos – e dessa dis-

61
DIREITO ELEITORAL por Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro

cussão amigável surgiu uma deparou-se com a desigual- tados para a Assembleia
dúvida: eu dizia que no casa- dade entre homens e mulhe- Constituinte que redigiriam
mento o homem e a mulher res no mercado de trabalho. a Carta de 1934, a fundação
tinham direitos iguais e igual Diante da proposta de rece- do sindicato foi concebida
autoridade, que na casa, no ber menos como datilógrafa por Bertha e Almerinda para
casal, o direito era igual. Ele unicamente por ser mulher, que a Federação contasse
dizia que era do homem. Eu, Almerinda decidiu, em feve- com uma integrante sua na
não me conformando com reiro de 1929, deixar Belém e escolha de um dos quarentas
aquilo, achei que devia servir ir para o Rio de Janeiro, onde assentos classistas na Assem-
de árbitro a nossa avó, que veio a se empenhar na luta bleia Constituinte:
era considerada uma mulher pela emancipação política
sábia e que de fato era (...) Ela das mulheres. Com poucos Deslocar as lutas feministas
com certo tato, com muito meses no Rio de Janeiro, per- para o âmbito do movimento
jeito, disse que deveria haver cebendo que entre as falas sindical permitiria à federa-
harmonia, mas a autoridade de Almerinda e os discursos ção criar um instrumento
do casal era do homem. Isso sufragistas existia uma fina para ter um de seus nomes
me deixou convencida da sintonia em favor da igual- numa competição eleitoral
injustiça dos fatos, mais revol- dade de tratamento jurídico, e, consequentemente, em
tada com isso. de tratamento político e tam- um espaço de representação
bém de tratamento prof is- política. Furar esse bloqueio e
A o s 2 0 a n o s , A l m e ri n d a sional, as colegas de pensão estar nos lugares de tomada
ingressou na Escola Prática convidaram-na a frequentar de decisão, mais do que um
de Belém, quando conquis- as reuniões da Federação ato simbólico, permitiria ao
tou seu primeiro emprego Brasileira pelo Progresso movimento de mulheres
como secretária e passou Feminino e não tardou para ampliar os atores no jogo polí-
a contribuir com crônicas que Almerinda caísse nas tico: além da eleição regular,
para o jornal A Província. graças de Bertha Lutz: “Ela também poderiam ter um
Logo após, graduou-se dati- [Bertha], sabendo da minha nome do seu grupo entre os
lógrafa, um trabalho então atitude, tomou-me como, representantes classistas.
considerado “feminino” e, aos quer dizer, normalmente,
23 anos, casou-se. Contudo, sem uma maneira oficiosa, Sendo ocupante de um cargo
continuou trabalhando, o ela foi me transformando ocupado majoritariamente
que não era comum para num dos baluartes ou num por mulheres e dispondo de
seu tempo. Mas, com nem dos esteios para ela”. contatos na área, Almerinda
três anos de casamento, foi a responsável por mobili-
Almerinda perdeu seu filho Bertha logo fez de Almerinda zar datilógrafas, taquígrafas
e, pouco tempo depois, seu assessora de imprensa e e secretárias. Conta a própria
marido. Em triste coincidên- relações públicas da FBPF, Almerinda que o trabalho de
cia, casou-se mais uma vez passando rapidamente a mobilização não foi fácil, pois
em 1935, e, mais uma vez, seu atribuir-lhe funções extras, a “eram pessoas avulsas que eu
marido e seu filho termina- exemplo da realização de dis- consegui com esforço para
ram por falecer num breve cursos, da representação em fazer o número” . ]
intervalo de tempo. eventos e da participação em
movimentos de outras natu- Foi por meio da criação de
Sozinha e decidida a manter- rezas. Entre tais movimentos um sindicato que Almerinda,
-se independente, cogitando sociais, estava o pioneiro uma mulher engajada na
possibilidades outras que Sindicato de Datilógrafos e luta pela emancipação das
arranjar um novo marido, não Taquígrafos. mulheres, pôde participar do
lhe restou saída senão buscar processo eleitoral que esco-
um emprego que lhe ren- Diante da possibilidade de lheria os responsáveis pela
desse um soldo melhor que representantes dos traba- redação da nova Constituição
o de secretária. Nesta busca, lhadores elegerem depu- brasileira e, assim, pôde con-

62
DIREITO ELEITORAL por Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro

tribuir à expansão dos direi- tendo recebido votação sig- Almerinda Farias Gama (1899-1999)
tos das brasileiras. Mas sua nificativa, não saiu sufragada POR: Cpdoc/Fundação Getúlio Vargas (FGV)

participação, entretanto, não pelas urnas, vindo a se retirar


se limitou ao inédito exercício da vida político-partidária até
da capacidade eleitoral ativa falecer em 1999.
na escolha dos representan-
tes classistas. Seu exemplo, contudo, esten-
de-se para além da sua morte.
De última hora e por conta Enfrentando as dificuldades
própria, Almerinda lançou- que a vida lhe impôs desde
-se candidata à suplente cedo, Almerinda “ marcou
de deputado no intuito de com sua tenacidade um
levar adiante os programas lugar na história da constru-
defendidas pela Federação ção da cidadania feminina,
nas eleições: equiparação abrindo espaço para a mulher
de direitos dos dois sexos, negra participar do cenário
sem quaisquer restrições, político nacional”. E, neste
a obrigação do governo de processo, contribuiu com
prestar assistência à infân- a emancipação da mulher,
cia, à velhice e à invalidez garantindo a participação
e a instrução gratuita em feminina no processo de elei-
todos os níveis. Embora não ção dos deputados responsá-
tenha sido eleita, não nutriu veis pelo texto constitucional
o sentimento de derrota, brasileiro de 1934.
porque “fiz-me candidata a
deputada avulsamente, por Mas o espaço da mulher
mim mesma, sem me aliar a negra na política brasileira,
ninguém, embora com a cer- conquistado por Almerinda a
teza de derrota. Uma simples duras penas, ainda está longe
experiência”. de ser justo. Mulheres negras
ainda são sub representadas
Tanto Almerinda não se aba- nos espaços de poder: Em
lou que, em 1934, logo depois, 2022, as mulheres negras,
lançou-se candidata a depu- que representam 28% da
tada federal pelo Distrito população brasileira, respon-
Federal, resumindo assim sua dem por 7% das cadeiras nas
plataforma: Assembleias Estaduais, 5% na
Câmara dos Deputados e 1%
Lutando pela independência no Senado Federal. São ape-
econômica na mulher, pela nas 74 deputadas estaduais
garantia legal do trabalhador ou distritais, 29 deputadas
e pelo ensino obrigatório e federais e 01 senadora da
gratuito de todos os bra- República.
sileiros em todos os graus,
Almerinda Farias Gama se Mudar o quadro de sub -
recomenda pelo seu passado -representação política da
e pelo seu presente aos que mulher negra no Brasil é
lhe vão suf ragar o nome. seguir adiante com a batalha
Destaque a cédula anexa e de Almerinda Farias Gama,
lance-a na urna no próximo mantendo, assim, viva sua
dia 14. Almerinda, embora memória.

63
REPORTAGEM por Karina Costa (FIOCRUZ Bahia)

Bolsa Família gera fator


de proteção de até 31%
para Morte Materna
Estudo publicado na Jamma Network avalia óbitos de 2004 a 2015 e mostra que programa
teve papel crucial no Brasil

Reporter: Karina Costa / Cidacs / Fiocruz Bahia

Andresa tinha 21 anos, morava fruto da tese de doutorado da saúde, mostra que mulheres
em Simões Filho, na Bahia, epidemiologista Flávia Jôse que até o dia do parto tinham
estava na 34ª semana de ges- Alves, pesquisadora asso- entre um e quatro anos rece-
tação, ainda havia uma con- ciada ao Centro de Integração bendo Bolsa Família tiveram
sulta do pré-natal, mas che- de Dados e Conhecimentos taxa de proteção de 15 % para
gou ao serviço e não houve a para Saúde (Cidacs/Fiocruz morte materna, já aquelas
consulta. Em menos de três Bahia) e pesquisadora na Har- cobertas entre cinco e oito
semanas ela foi internada vard Medical School, quanti- anos tiveram um fator de pro-
com problemas hipertensivos, fica esse risco de morte em teção de 30% . Mostrando que
não sobreviveu ao parto, nem mulheres mais vulnerabiliza- o recebimento do PBF atua
ela e nem o bebê. O ano era das e aponta como programa na construção de uma con-
2002 e realizar as consultas social tem papel crucial na dição de vida melhor para as
já era entendido como parte saúde materno-infantil. mulheres aumentando suas
dos cuidados da gravidez, chances de sobrevivência.
mas e se Andresa estivesse A pesquisa observa 7.912.067
condicionada a realizar esta milhões de mulheres que A morte materna, bem como
consulta para receber bene- tiveram um parto entre 2004 a mortalidade infantil, são
fícios sociais? O que poderia a 2015, e com isso tem-se indicadores de fatores socio-
ter mudado nessa história? que 4.056 foram a óbito, econômicos, explica a pesqui-
Um estudo recente, publicado segundo o cruzamento do sadora Flávia Alves. Embora
no Journal of the American Sistema. Nacional de Nas- o Brasil tenha alcançado os
Medical Association (Jamma) cidos Vivos (Sinasc) com o objetivos na redução da mor-
Network, aponta uma taxa Sistema de Informação sobre talidade infantil, e reduzido
geral de proteção de 18% em Mortalidade (SIM). A este cru- a mortalidade das mulheres
mulheres benef iciárias do zamento, dá-se o nome de nessas condições, ainda falta
Programa Bolsa Família (PBF) linkage por similaridades e muito. “Há situações em que
para morte materna. essa técnica, aliada a outras o risco é semelhantes países
estratégias estatísticas, revela em condições de pobreza
Em 1990 a cada 100 mil nas- que quanto maior o tempo de maior que o Brasil. Isso diz
cidos vivos, 120 mães iam a recebimento do programa, muito de como as mulheres
óbito. Em 2013, esse número já maior proteção, gerando uma são tratadas”, comenta a pes-
era de 69 vivos, segundo rela- taxa de proteção de até 31% quisadora, que doutora em
tório da Organização Mundial quando o benefício se deu por Saúde Pública pelo Instituto
da Saúde (OMS). Em 2019, tempo maior ou igual a nove de Saúde Coletiva da Univer-
esse número chegou a 57 e anos antes até a gestação. sidade Federal da Bahia (ISC/
retrocendo a 107 em 2022. E UFBA). A morte materna é
passados 21 anos desde a his- Nessa análise sobre o tempo aquela que acontece durante
tória relatada, uma pesquisa, de cobertura e o impacto na a gestação ou até 42 dias após

64
REPORTAGEM por Karina Costa (FIOCRUZ Bahia)

o parto. A análise observa O Bolsa Família condiciona as declarada, todas essas vari-
mulheres que vivem em con- mulheres a realizarem exatas áveis, ou seja, aspectos que
dições de renda, escolaridade, consultas, fazendo com que conformam as condições de
etnia, localidade semelhantes elas estejam mais expostas vida de uma.
e mostra que o programa aos cuidados ofertados nos

Aumento na
social afeta diretamente nos serviços de saúde, aponta a
desfechos, reduzindo os riscos pesquisadora.

Pandemia
para as mulheres benef ici-
árias. Além da análise indi- O Bolsa Família é um pro-
viduada, a pesquisa revela grama de benefício condicio-
maior proteção para mulhe- nado e exige das mulheres a
res quando o município tem realização de uma quanti- A luta pela redução da morta-
uma alta taxa de cobertura, dade mínima de consultas lidade sofreu bruscas perdas
ou seja, quando os órgãos pré-natal, que as crianças nos anos de pandemia. Se
públicos conseguem cadas- inscritas tenham f requên- em 2019 as taxas estavam
trar a quantidade próxima cia escolar e sejam acom- acima do preconizado pelos
da população estimada que panhadas dos serviços de órgãos de saúde internacio-
teria direito ao benefício na saúde, obedeçam ao calen- nais e eram 57 mortes para
localidade.Na investigação, a dário vacinal e não existia em cada 100 mil nascidos vivos,
pesquisa compara grupo de 2002, foi criado em 2003 e foi quatro vezes mais do que a
mulheres que passaram por retomado agora em 2023. O média dos países desenvol-
mais ou menos de quatro estudo observou mulheres vidos (12/100 mil), o contexto
consultas de pré-natal. O que que receberam o benef ício mais recente não foi favorável
a gente sabe é que as princi- condicionado durante toda a para as mulheres. Em 2020, o
pais causas de morte estão gestação e que os filhos nas- número de mortes materna
associadas a morbidades ceram vivos. Acesso a água chegou a 71 para cada 100
como hipertensão e diabetes tratada, viver em zona rural ou mil e chegou a 107 em 2021
gestacional, fatores podem urbana, ter serviço de coleta reaproximando o país de uma
ser devidamente controlados de lixo, morar em uma casa realidade de 30 anos atrás. Os
com intervenção adequada com muitas pessoas, os anos dados mostram que embora
durante a gestação. de escolaridade, a cor da pele o Brasil tenha avançado no
combate à morte materna,
com a implementação de
políticas sociais e melho-
ria das condições de vida, o
país ainda encontra na redu-
ção da mortalidade materna
um objetivo não alcançado.
“Isso diz muito de como as
mulheres são tratadas, por-
que tivemos muitos avanços
no combate a mortalidade
infantil, mas com as mulheres
ainda temos esses resulta-
dos”, comenta a pesquisadora
Flávia Jôse.

Alves FJO, Ramos D, Paixão ES, et al. Associação das Transferências Condicionadas de
Renda com a Mortalidade Materna na Coorte de 100 Milhões de Brasileiros. JAMA Netw
Open. 2023;6(2):e230070

65
REPORTAGEM por Sheylli Caleffi

*Sheylli entrevistando pais nas ruas de São Paulo

A comunicação
que engaja
Você deixaria
uma criança
sozinha no meio
da Avenida
Paulista, uma
das mais
movimentadas do
país?
Na capital do estado de São Paulo temos
12.33 milhões de pessoas e eu caminhei por
esta rua perguntando a pessoas que têm
filhos ou convivem com crianças se deixariam
elas sozinhas ali.

Todas unanimemente responderam que não.


Então fiz uma segunda pergunta: você deixa-
ria pessoas estranhas entrarem em sua casa,
brincarem com seus filhos e irem embora
sem você saber quem são? Novamente e
sem dificuldade todos responderam que
jamais permitiriam isso, nem viam sentido
na minha pergunta… a não ser uma mãe que
respondeu:

Meu filho já faz isso, online. Ele joga com


pessoas que não conhece presencialmente. E
era exatamente aí que eu queria chegar. Pes-
quisas já comprovam que, diferentemente do
que a maioria dos cuidadores acredita, a rua
é um lugar mais seguro do que o ambiente
online para as crianças. Te recomendo o filme
Childhood 2.0 disponível no youtube com
dados muito atualizados sobre os diversos
âmbitos desse problema: bullying, golpes,
exploração sexual de crianças e suicídio
infantil.

66
REPORTAGEM Sheylli Caleffi

Por que comecei a falar


disso? Sou professora de
comunicação e oratória com
foco em lideranças e atendo
principalmente empresas,
além de dar aulas em cursos
e universidades e atender
individualmente. Comunicar
é papel fundamental dos
líderes e eles estão se
dedicando cada vez mais a
fazer isso com excelência
- seja presencialmente ou
em frente às câmeras. Já
treinei colaboradores das
maiores empresas brasileiras e
internacionais, especialmente
do sistema financeiro. É
i m p o s s í ve l l i d e r a r u m a
transformação ou um grupo
de pessoas sem comunicar de
forma eficiente e inspiradora.
Eu uso o meu trabalho e
pesquisa sobre engajar
audiências, pares, liderados
e líderes para divulgar causas
que me parecem urgentes.
Em relação à violência sexual,
a casa nunca foi um lugar Trabalho voluntariamente doença atinge tantas pessoas
seguro no Brasil onde 1 em para a erradicação da violên- no país nem as cardiovascu-
cada 4 mulheres sofrerá cia sexual há muitos anos. Já lares - já me dei ao trabalho
violencia antes dos 13 anos de sofri violência sexual na infan- de comparar - e ao mesmo
idade por pessoas conhecidas, cia e quando comecei a falar tempo nenhuma campanha
só que com a internet isso desse assunto tão tabu nas estruturada de apoio à vítima
foi ampliado ao infinito, ou redes sociais e recebi inúme- ou orientação nas escolas. É
melhor, aos 4.66 bilhões de ros relatos e criei um grupo de um silêncio ensurdecedor. Se
usuários da rede. Se o centro apoio à vítimas hoje com mais você conhece 40 mulheres,
da sua cidade parece um lugar de 4 mil pessoas, chamado conhece em média 10 que já
perigoso para uma criança “As incríveis mulheres que vão foram estupradas e 40 que
desacompanhada imagina morrer duas vezes”. Dei esse foram assediadas sexual-
se lá estivessem todas essas nome porque o estupro é uma mente em algum momento.
pessoas. morte. Não seremos mais as
mesmas, se é que sobrevi-
veremos. Muitas sobrevivem
no sentido literal porém se
tornam adictas, vivem com
medo, não conseguem se
relacionar, isso afeta suas
famílias, seus filhos, atuais e
futuras companhias amorosas.
Tudo vira do avesso no pior
aspecto possível. E não temos
apoio institucional. Nenhuma

67
REPORTAGEM por Sheylli Caleffi

Essa discussão sobre violência sexual nas redes se intensificou agorinha no carnaval de 2023
quando recebi o link de um perfil pornográfico no instagram. Outra ativista me enviou para
que juntas fizéssemos denúncias na tentativa de derrubá-lo - o que levou 2 semanas e só
depois que eu consegui falar com alguém diretamente na Meta. Mas o mais chocante nem
foi isso porque esses perfis se proliferam como a covid 19. O problema foi ver que no meio
do material pornográfico mais “tradicional” digamos assim: mulheres de pernas abertas, em
poses eróticas que evidenciam seios e nádegas, haviam centenas de vídeos de crianças que
estão na moda agora. Vídeos de dancinhas que os próprios cuidadores filmam e postam nas
redes. Nas suas próprias e na das crianças mesmo havendo recomendação das plataformas
de que apenas maiores de 13 anos as acessem. O que qualquer pai sabe que é impossível.
Mesmo que você restrinja o acesso, algum amigo vai ter e seu filho será impactado.

68
REPORTAGEM Sheylli Caleffi

Uma cliente, executiva do mercado financeiro, me contou


chocada que a filha de 6 anos chegou em casa e pediu pra
gravar um vídeo de dança para o tiktok. Ela estava pasma:
Como ela sabe o que é o tiktok? Eu levo e vou buscar na
escola de período integral onde celular é proibido.

Em casa ela não tem acesso às redes, nunca mostrei o


tiktok pra ela e nem tenho… Como?Pois é, eles terão algum
tipo de acesso. A média mundial de idade de contato com
pornografia é 9 anos para os meninos. Se seu filho tem 11
anos ele já sabe COM CERTEZA o que é isso e se vc nunca
teve uma conversa está bem atrasado.

Quais os tipos de vídeo, além de dancinhas


que encontrei nesses perfis:

Em primeiro lugar estão as danças sensuais, com movimentos e coreografias que evidenciam
o corpo em posições que não são infantis

*Imagens retiradas dos perfis que associam infância e pornografia

Em segundo lugar estão as danças em casa, com músicas infantis. Muitas pessoas acreditam
que o problema são as músicas de teor erótico porém o que eu vejo é que não importa, quanto
mais infantil melhor porque esse é o fetiche. O problema não é o tipo de música mas a imagem
de crianças disponibilizadas na rede

Em terceiro lugar estão a ginástica e os esportes. Algumas crianças com habilidades incríveis
que são deturpadas por criminosos

69
REPORTAGEM por Sheylli Caleffi

E em quarto lugar estão crianças fazendo nada. Tomando sorvete, assistindo televisão, falando
algo pra câmera.

E não se enganem porque existem muitos vídeos de meninos, mas como a sociedade produz mais
imagens de meninas, especialmente em danças e com menos roupa, elas são mais fáceis de encontrar.
E estou falando aqui de um perfil público em uma rede pública. Não estou falando do submundo
da internet.

Muitas dúvidas dos pais vieram


à tona depois dos vídeos e
comecei a fazer tutoriais
- Como deixar uma conta capazes de transformá-lo. Isso responsável direto por elas;
privada? começa com acolhimento - Evite mostrar a criança sozi-
- Como fazer uma lista de para podermos compreender nha, nunca encontro vídeos
melhores amigos e disponibi- esse problema multifatorial em sites obscenos onde as
lizar algumas imagens apenas da violência sexual e com crianças estão acompanha-
para essa lista (como a família, educação! das;
por exemplo)? - Observe roupa, local e movi-
Este é um assunto complexo mentos que podem ser tira-
- Como ver quem segue seus que envolve os responsáveis dos de contexto;
filhos e identificar perfis fal- pela criança, as leis, as pla- - Faça contas e postagens
sos? taformas e redes sociais, a com acesso restrito onde
- Como começar uma con- indústria da pornograf ia e apenas pessoas escolhidas
versa sobre os riscos internet? toda a sociedade. Especial- por você podem acessar o
mente agora se discute a conteúdo;
Eu trabalho muito com ino- regulação das mídias para -Use controles parentais em
vação, aliás escrevo esse texto que também sejam respon- celulares e tablets;
aqui de Austin, no Texas, par- sabilizados pelos conteúdos, - Evite hashtags que auxiliam
ticipando do maior festival o que é fundamental. Não a busca por crianças nas redes
de inovação e educação do podemos ser ingênuos na como #criança #child #kids
mundo, o SXSW (South by internet. #horadobanho #fralda
Southwest). Acredito que -Exija e fortaleça a educação
não adianta colonizar Marte Aqui vão algumas dicas bási- sexual nas escolas;
se continuarmos agredindo cas caso você também tenha - Converse com as crianças,
e explorando pessoas. Nós se preocupado: elas merecem informação;
criamos o mundo como ele - Evite postar vídeos ou fotos - Mantenha um diálogo franco
está e somos totalmente de crianças se você não é o e aberto com suas crianças,

70
REPORTAGEM por Sheylli Caleffi

essa conexão e conf iança


entre vocês faz parte da pre-
venção de crimes, inclusive
digitais. Se ela sentir medo
de você, não vai te trazer os
problemas;

-Avise seus amigos se eles


estiverem expondo crianças,
muitas pessoas não compre-
endem esses riscos;
-Denuncie posts, páginas e
sites que exponham crianças
em contextos impróprios.
Cada rede tem seu canal de
denúncia e podemos acessar
a Safernet.org ou mesmo o
Disque 100.

Lembre-se: a criança é um
ser humano com direitos
e não uma propriedade da
família.


Quero aproveitar esse espaço para
agradecer a todas as mulheres
incansáveis que além de cuidarem
de si, dedicam tempo e recursos
para cuidar de sua comunidade. Se
não fossem por mulheres incríveis
e inspiradoras eu não estaria aqui.

Reportagem por
Sheylli Caleffi
Nas redes, ela é educadora voluntária pela erradicação
da violência sexual e também nos ensina a comunicar
melhor. Bacharel em Artes Cênicas - Direção, pela
Faculdade de Artes do Paraná, Sheylli começou no teatro
em 1991 onde trabalhou em mais de 60 espetáculos
antes de agregar a arte ao mundo corporativo treinando
quem precisa falar em público ou em frente às câmeras.
Sua especialidade é o AO VIVO. Como diretora artística,
roteirista e apresentadora atua em Eventos, Lives,
Convenções, e Palestras, focando sempre em como
compartilhar da melhor forma uma mensagem. Ela
acredita que a comunicação é capaz de transformar
relações e anfitriar conflitos.

71
SEMINÁRIO IEJA

Primeira edição do
Seminário Saúde
Suplementar debate
Jurisprudência e
Perspectivas do setor

Os planos de saúde tiveram, em apresentados no último 27 de o uso de medicamentos e a


2022, um reembolso recorde de março, em Brasília, durante a garantia de acesso à Unidade
despesas médicas aos usuários. primeira edição do seminário de Terapia Intensiva (UTI). De
As empresas repassaram R$ Saúde Suplementar, promovido acordo com o magistrado, essa
10,9 bilhões, aumenttto de 21,1% pelo Instituto de Estudos demanda cresceu 123% em 10
em relação a 2021, quando Jurídicos Aplicados (IEJA). anos, num contexto mitigado
os repasses totalizaram R$ 9 pela criação do Núcleo de
bilhões. Para o setor, o aumento Um dos palestrantes do evento, Apoio Técnico ao Judiciário
progressivo de reembolsos o ministro do Superior Tribunal para a Saúde (Nat-Jus). “O
está ligado a fraudes. Por de Justiça (STJ), Marcos Buzzi Nat-Jus é um ambiente de
essa razão as empresas de destacou ao menos 523 mil evidências científicas, com
saúde suplementar buscam ações abordando questões profissionais de saúde para
criar mecanismos de combate da saúde que tramitam no fornecer respaldo técnico para
aos golpes aplicados contra Judiciário brasileiro. Entre as atestar emergências e embasar
o sistema. Os dados foram principais reivindicações estão decisões”, explicou Buzzi.

72
SEMINÁRIO IEJA

“A judicialização de questões O superintendente médico o prévio desembolso, os


de saúde é um dos efeitos da Abramge (Associação prestadores não credenciados
esperados pela derrubada do Brasileira de Planos de Saúde), têm cometido crimes ainda
rol taxativo, no ano passado, Cassio Ide Alves fez um alerta mais graves. Esses crimes são
no Congresso Nacional. O sobre reembolso recorde de lavagem de dinheiro, com a
Senado aprovou, em agosto, despesas médicas. Para o ocultação do real depositante,
um projeto de lei que obriga setor, o aumento progressivo além de crime financeiro”,
planos de saúde a cobrirem de reembolsos está ligado destacou o especialista durante
tratamentos não previstos pela a fraudes. “Essas fraudes sua participação no seminário.
Agência Nacional de Saúde co r r e s p o n d e m a e ve n t o s
Suplementar (ANS), colocando assistenciais. Como o reembolso No caso de fraudes financeiras,
fim ao chamado ‘rol taxativo’”, se dá por um evento assistencial, a tecnologia é um dos
concluiu. deveria seguir a variação que fatores críticos. “Neste caso,
os eventos tiveram. Só que uma empresa se faz passar
Rogério Scarabel, ex-presidente reembolsos subiram 34% além por ‘fintech’ e emite um
da Agência Nacional de Saúde do aumento das despesas comprovante supostamente
Suplementar (ANS) declarou assistenciais gerais. Justamente bancário, simulando que o
que “tudo o que se foi construído aí, acreditamos que se encontra paciente desembolsou o preço.
nos últimos anos está sendo a grande quantidade da fraude”, Mas se trata de documento
jogado fora por interferência explicou. ideologicamente falso porque
de outros poderes”. Ele não se trata de banco e,
destacou ainda, que o índice Para o advogado Rodrigo de fato, o paciente nunca
de sinistralidade registrada Fragoso, professor na pós- pagou pelo serviço. É uma
pelos planos de saúde já chega graduação da PUC Rio, simulação documental para
a 90%. Isso significa que o o processo fraudulento se induzir a seguradora a liberar o
montante pago pelos pacientes aprimorou. Não se restringe reembolso”, lembrou Fragoso.
aos planos é utilizado quase mais a planos individuais
que na sua totalidade. “O Brasil e afeta também os planos A ministra do Superior Tribunal
é o oitavo maior mercado de coletivos. São frequentes, de Justiça (STJ), Isabel Galotti
saúde do mundo. Remunerar casos de prestadores não afirmou neste contexto da
por quantidade e não pela credenciados que enganam saúde suplementar, que os
qualidade não tem mais espaço o segurado. “A fim de burlar reajustes aplicados aos planos
no mundo”, ressaltou Scarabel. a exigência de comprovar

73
SEMINÁRIO IEJA

d e s a ú d e n ã o s ã o ” m e ro
índice de inflação”. Para a
magistrada esse reajuste
contempla a evolução dos
custos assistenciais no período,
levando em conta também
a i n co r p o r a ç ã o d e n ova s
tecnologias e insumos, além
da variação da frequência de
utilização dos serviços.

Galotti considerou este fator


como um agente aleatório
relevante, tendo em vista
a evolução exponencial da
ciência médica. ”Eu penso
que a previsão legal de um rol
da ANS era importante para
diminuir essa insegurança no
cálculo atuarial desse prêmio,
dessas prestações cobradas
dos usuários do plano, porque
se podia fazer uma análise
estatística da incidência dos
tratamentos previstos naquele
rol e do que se podia esperar
naquela população de utilização
do plano em face de cada
tratamento previsto”, indicou.

Também esteve presente


entre as palestrantes a gerente
atuarial da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS),
Daniele Rodrigues. Para ela,
se o reajuste não é realizado,
o preço de entrada não se
mantém a longo prazo, o que
ocasiona o risco de não ser
possível pagar a assistência
médica hospitalar, seja em
valor, em aumento dos custos
ou aumento de utilização dos
planos. ”Então, os reajustes
devem necessariamente estar
atrelados à dinâmica observada
do próprio setor”, disse.

Rodrigues esclareceu que


a ANS vem utilizando uma
metodologia que permite ao

74 Humberto Martins. Ministro do STJ


SEMINÁRIO IEJA

setor de saúde suplementar Ana Frazão, e a advogada exemplificativo, você tira essa
obter transparência no reajuste e especialista em Saúde mínima previsibilidade de um
dos preços dos planos. Ela ainda Suplementar, Marina Fontes mercado já incerto”, ressaltou.
comentou que atualmente a também debateram no Neste caso, a especialista
Agência possui vários painéis mesmo painel. Para Frazão, as explica que a solução natural
dinâmicos, sendo um deles o modificações no cenário alteram para essa problemática seria
RPC, voltado ao reajuste de totalmente o equilíbrio dos manter o fundo mutuário maior
planos coletivos, que permite planos de saúde, o que impacta que o inicialmente previsto.
a filtragem dos planos por diretamente sua precificação.
tipo de contratação e época. ”Nós estamos falando de Entretanto, para Fontes, tornar
Além do RPC, a ANS também um mercado com grandes esse fundo mais robusto traria
opera com o portal de dados conflitos de agência, até porque consequências, uma delas
abertos, em que é possível normalmente pacientes e sendo a exclusão das pessoas
verificar o reajuste contrato médicos não suportam o risco que mais necessitam dos
por contrato de cada plano econômico das decisões que planos, o que tornaria o Brasil
coletivo. Em seu quinto ano tomam na utilização desses ”ainda mais desigual na saúde”.
de aplicação, Daniele afirmou serviços”, afirmou. Na ocasião, a especialista
que a metodologia aplicada promoveu o lançamento do
trouxe ”avanços consideráveis Já para Marina Fontes, a seu livro, ‘Doença Preexistente
com relação à metodologia questão da taxatividade e nos Planos de Saúde’.
anterior”. exemplificatividade do rol
da ANS é o pilar na saúde
A advogada e professora da suplementar. “Quando você
Universidade de Brasília (UnB) trata o rol da ANS como um rol

Matéria por Fran Hochmüller, profissional multifuncional que já atuou em várias áreas da comunicação, como apresentadora de programas de TV
e de rádio no Brasil, além de ter atuado como repórter de jornal e colunista de revistas. Hoje ela comanda uma equipe de experientes jornalistas
que atendem clientes com enfoque em variados segmentos como negócios, tecnologia, hotelaria, beleza & saúde, gastronomia, turismo, moda,
comunicação e entretenimento. E por Verônica Bittencourt, Jornalista, com vivência de 21 anos como assessora de imprensa e relações públicas
em empresas de comunicação e branding do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Experiência em revisão, gestão de conteúdo multiplataforma,
avaliação do posicionamento da marca, imagem institucional e uso da comunicação para atender aos objetivos estratégicos da organização. Já
atendeu clientes nos segmentos de finanças, ESG, direito, cultura, entretenimento, esportes, negócios, educação, moda, varejo, logística, tecnologia.
Atuou como repórter em jornais do RJ e revistas de SP, colaborou para portais de finanças e tecnologia, além de produção e roteiro para TV em
Buenos Aires, Argentina.
Fotografias por IEJA/Iago Souza e Rafael Dória

75
DIREITOS HUMANOS por Mariana Lôbo Espiñera

A busca pela
efetivação
do Direito
Humano à
alimentação
adequada.

Mariana Lôbo Espiñera.


Assessora Jurídica da CONJUR
na Secretaria Geral da
Presidência da República

76
DIREITOS HUMANOS por Mariana Lôbo Espiñera

O Direito Humano à Alimentação, desse direito é recente, pois apenas diagnosticando-se casos de fome
encontra-se assegurado em nossa em 2010 se fez consignar em nossa extrema, mortes de crianças e
Constituição Federal, em seus Constituição Federal, o DHAA, no adultos por desnutrição grave
artigos 6º e 227 e foi consagrado seu artigo 6º, como direito social. e outras doenças associadas,
em um importante sistema, criado revelando uma crise humanitária
pela Lei Orgânica de Segurança Apesar dessa conquista, que colossal enfrentada pela população
Alimentar e Nutricional (LOSAN) - f o i f r u to d e m u i t a l u t a d o s brasileira. Em 2022, 33,1 milhões
Lei nº 11.346, de 15/09/2006, que criou movimentos sociais, entidades de brasileiros não possuíam suas
o Sistema Nacional de Segurança públicas e diversos segmentos necessidades básicas alimentares
Alimentar e Nutricional – SISAN, da sociedade civil, infelizmente, atendidas, signif icando dizer
objetivando assegurar o Direito apenas a positivação em nossa que passam fome, e 6 (seis) em
Humano à Alimentação Adequada Carta Magna não é suficiente para cada 10 (dez) brasileiros (58,7% da
(DHAA). A rede de proteção ao redor garantir esse direito. O governo que população) convivia com algum
do direito humano à alimentação se encerrou em dezembro de 2022, grau de insegurança alimentar,
adequada, se robustece com o promoveu uma deliberada política o que foi revelado pela pesquisa
Pacto Internacional de Direitos de destruição e desativação das realizada pela Rede Brasileira de
Econômicos, Sociais e Culturais, em estruturas de participação social Pesquisa em Soberania e Segurança
que tal direito social, fundamental no âmbito do Governo Federal, Alimentar e Nutricional (Rede
do ser humano, de cada pessoa com o Decreto nº 9.759/2019, que PENSSAN). É importante que se
ter acesso f ísico e econômico, extinguiu as conferências nacionais, destaque que o quadro dramático
constantemente, à alimentação limitou os colegiados e esvaziou aqui tratado, se instalou apenas
adequada ou aos meios para obtê-la, qualquer tipo de participação social oito anos após o Brasil sair do Mapa
sem que comprometa recursos para na elaboração e no monitoramento da Fome da ONU, em 2014, depois
obter outros direitos fundamentais dos instrumentos de planejamento de reduzir em 82% a população de
é o referencial humano que orçamentário. brasileiros considerados em situação
não poderá jamais comportar de subalimentação, de acordo
retrocessos que comprometem o Tal política de desmonte inativou o com relatório das Nações Unidas
equilíbrio civilizatório. Consea, órgão de assessoramento para a Alimentação e Agricultura
consultivo imediato da Presidência (FAO), referido reconhecimento
A alimentação adequada tem da República, em todas as áreas de internacional foi resultado de
como pilar, práticas alimentares de atuação do Poder Executivo Federal, políticas públicas adotadas, desde
fomento da saúde que observem no que tange à segurança alimentar 2003, pelos governos Lula e Dilma
a diversidade cultural e que e nutricional do país, na formulação Rousseff, com forte atuação do
sejam ambiental, econômica e de políticas e na def inição de Consea. No último dia 28 de
socialmente sustentáveis. diretrizes para a garantia do direito fevereiro, foi assinado o decreto nº
humano à alimentação, e integrar 11.421/23, que reinstala o Consea. Tal
O DHAA significa que as pessoas as ações governamentais básicas, medida reafirma o compromisso do
deveriam estar livres da fome e da em especial o combate à fome. atual Governo Federal no combate
desnutrição, que terão alimentos Como consequência do referido à fome e demonstra que garantir
em quantidade e qualidade na desmonte das políticas públicas uma alimentação saudável para
mesa. Ao positivar-se esse direito, o promovido nos últimos quatro todos as brasileiras e brasileiros é
Estado passa a ser o responsável por anos, o Brasil retornou ao mapa da uma agenda prioritária do governo.
garantir, proteger, promover, prover, fome, regredindo para um patamar
informar, monitorar, f iscalizar a equivalente ao da década de 1990. O desaf io é enorme mas a
efetivação desse direito humano disposição, vontade e empenho do
essencial. Vem se tornando pública a extrema atual Governo Federal em efetivar
gravidade do cenário atual, quando o direito humano à alimentação
O alimento saudável na mesa, devidamente mapeadas em vários adequada é ainda maior. O presente
portanto, deve ser tratado como segmentos da sociedade brasileira, artigo foi elaborado mediante
direito social e não como mercadoria, co m o o q u e ve m o co rre n d o pesquisa nas bases de dados e
da qual apenas uma seleta classe de entre os povos indígenas na Terra informações do Governo Federal.
brasileiros terá acesso. A conquista Yanomami, localizada em Roraima,

77
SEMINÁRIO IEJA

LIDERANÇAS FEMININAS
DIALOGAM SOBRE
DESIGUALDADE E VIOLÊNCIA
CONTRA MULHERES
No dia 29 de março de 2023,
autoridades públicas e lideranças
do setor privado reuniram-se em
Brasília para promover o diálogo
entre os Poderes e Políticas
para as mulheres. O encontro
foi organizado pelo Instituto
de Estudos Jurídicos Aplicados
(IEJA). No evento, mulheres
ligadas à política e gestão
pública defenderam políticas de
enfrentamento à violência contra
a mulher, desigualdades racial, de
gênero e no mercado de trabalho.

O encontro foi aberto por


Fabiane Oliveira, fundadora e
presidente do IEJA, que destacou
a necessidade do despertar da cultura indígena, em vez digno, essa é a essência do ser
de posicionamento da força de falar sobre lutas dos povos feminino”, enfatizou. A deputada
feminina. Já a Ministra dos que representa.“Eu não sei pediu mais união, ainda que com
Povos Indígenas Sônia Guajajara cantar mas eu quis falar. Como 91 mulheres presentes hoje na
ressaltou o preconceito, racismo mulheres indígenas, nos olham Câmara, o que é um número
e machismo na sociedade, que a como incapazes”. pequeno para a diversidade
todo momento tem questionado feminina no Brasil.
a capacidade feminina, sobretudo Em sua fala, a deputada federal
da mulher indígena. “Precisamos Maria do Rosário destacou a Maria do Rosário citou a hostilidade
superar a barreira cultural, onde violência política de gênero e o existente pelo fato de os alvos
mulheres possam alcançar lugares atual período de transformação. serem mulheres. “Observam a
de poder. Eu como ministra sou “Nosso desafio é imenso. nossa condição como limitada
um exemplo. Após 90 anos de Não estamos apenas por nós, para a política, quando não há
luta, hoje temos mulheres no queremos que o mundo seja limites, na realidade. Participamos
judiciário e também conquistamos
um ministério. Enquanto liderança
indígena é preciso se juntar e se
fortalecer para ser reconhecida.
Só a luta muda a vida, pois ainda
há um número desigual na política
no nosso país”, reforçou.

Sônia também lembrou de um


episódio em que foi convidada
para subir ao palco de um
evento e cantar uma canção

78
SEMINÁRIO IEJA

de processos eleitorais que nos a democracia e respeito pelas A deputada federal Benedita
tratam de forma violenta. A mulheres”. da Silva ressaltou a luta pela
violência não está só dentro igualdade, o movimento racial
das instituições, está quando as Cida ainda reforçou o envio do e feminista como mulher negra,
candidaturas são apresentadas, Pacto Nacional de Enfrentamento vinda da favela, que no início
na forma com que são tratadas, ao Feminicídio ao Congresso da sua vida pública como
nas fake news espalhadas. Então, Nacional. E pediu a quebra da vereadora no Rio de Janeiro foi
a violência política de gênero no resistência do Judiciário para ter muitas vezes imposto que ela
Brasil não pode nos definir”. o monitoramento de agressores não poderia chegar a Brasília.
com tornozeleiras eletrônicas.
No painel sobre vio l ência “Não podemos colocar a mulher Hoje, em meio a tantos desafios,
contra a mulher, a ministra para apertar o botão, quando vê Benedita reforçou seu trabalho
das Mulheres Cida Gonçalves o agressor. na causa das minorias e mulheres
destacou a epidemia de negras. “Necessitamos de um
violência contra as mulheres no O Estado é quem tem que novo ordenamento jurídico. A
país, chamando a sociedade monitorar o agressor. A polícia lei Maria da Penha ainda não
para esse co mbate. “O monitora a tornozeleira eletrônica. é suficiente, dado o nível de
ministério tem como prioridade No celular da mulher, vai ter um feminicídio atual”, lembrou. Como
o enfrentamento ao feminicídio dispositivo para avisar: ‘desvie o assistente social, a parlamentar
e m isog i n ia, precisa m os caminho que ele está chegando pediu que o Judiciário observe a
fazer uma marcha em prol perto, e a viatura também, em dignidade da mulher encarcerada.
da paridade e promover o busca dele, porque será prisão em “No nosso sistema prisional, as
debate público, pois o ódio flagrante por descumprimento pessoas devem se sentir quase
não cabe mais, mas somente de medida protetiva”, disse. mortas porque há o isolamento.

Patrocinador Realização

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SEMINÁRIO IEJA

Não vai ressocializar. É preciso negras. “É raro uma travesti que 80% delas eram travestis. “Eu
que, no ordenamento jurídico, esteja no mercado formal de quero que, daqui a alguns anos,
haja garantia tanto para esta trabalho”, pontuou Salabert, que a gente comece a perceber que
mulher quanto para suas crianças. como professora, fez questão de não somos mais a primeira nem
Na situação de condenada por dizer que “está” como deputada a única, mas, sim, várias nesse
qualquer crime, não podemos federal, justamente para construir lugar. Dói dizer que somos as
criminalizar de forma nenhuma uma plataforma para vocalizar aos primeiras”, falou.
toda uma família”, afirmou parlamentares e criar consciência
Benedita. na sociedade. Sobre a decisão do STF de
criminalização da chamada
Para dialogar sobre a desigualdade Symmy Larrat, Secretária Nacional homotransfobia, Symmy destacou
de gênero, a deputada federal dos direitos da população que a secretaria trabalha com o
Duda Salabert trouxe ao debate LGBTQIA+ citou as estatísticas Ministério da Justiça para pensar
dados impactantes sobre os sobre violência e suicídio, segundo normas no campo da segurança
mapas subnotificados por relatórios e estudos produzidos pública para implementação,
entidades privadas, uma vez que pela Associação Nacional de de fato, da decisão judicial. “As
o Estado não coleta dados por Travestis e Transexuais (Antra). decisões do STF foram as mais
não haver interesse. “Nós, trans, Conforme a Antra, entre os anos importantes a ocorrer dentro
não conquistamos a categoria de 2017 e 2022 ocorreram um total do último governo, que era
de humanidade, ainda somos de 912 assassinatos de pessoas representado pelo ódio e se
‘coisificadas´”, exemplificou. O trans e não binárias brasileiras, colocou contra, não fez o dever
Brasil é o país que mais mata sendo 131 casos somente em de casa. Então, não temos um
trans no planeta há 14 anos. 2022. Segundo a secretária, a regramento, um entendimento
Sendo que 80% dos assassinatos, maioria dessas pessoas foram sobre como aplicar essa decisão
categorizados como violência assassinadas no exercício do STF”, acrescentou.
hiperbolizada e 83% contra trans profissional e aproximadamente

Matéria por Fran Hochmüller, profissional multifuncional que já atuou em várias áreas da comunicação, como apresentadora de programas de TV e de rádio no Brasil, além de ter atuado como repórter

de jornal e colunista de revistas. Hoje ela comanda uma equipe de experientes jornalistas que atendem clientes com enfoque em variados segmentos como negócios, tecnologia, hotelaria, beleza &

saúde, gastronomia, turismo, moda, comunicação e entretenimento. E por Verônica Bittencourt, Jornalista, com vivência de 21 anos como assessora de imprensa e relações públicas em empresas

de comunicação e branding do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Experiência em revisão, gestão de conteúdo multiplataforma, avaliação do posicionamento da marca, imagem institucional e uso

da comunicação para atender aos objetivos estratégicos da organização. Já atendeu clientes nos segmentos de finanças, ESG, direito, cultura, entretenimento, esportes, negócios, educação, moda,

varejo, logística, tecnologia. Atuou como repórter em jornais do RJ e revistas de SP, colaborou para portais de finanças e tecnologia, além de produção e roteiro para TV em Buenos Aires, Argentina.

Fotografias por IEJA/Iago Souza e Rafael Dória.

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Ensinar é o que fazemos Direito

Brasília • São Paulo • Rio de Janeiro • Paraná


Rio Grande do Sul • Minas Gerais • Alagoas

INSTITUTOIEJA.COM.BR
DIREITO TRIBUTÁRIO por Ariane Costa Guimarães

POR QUE AINDA INSISTIR NA


MODULAÇÃO DE EFEITOS DA
DECISÃO DO STF QUE DEFINE A
LIMITAÇÃO DA COISA JULGADA

Por Ariane Costa Guimarães, Sócia do Mattos Filho Advogados, Co-fundadora do Elas Pedem Vista, Mestre e Doutora
em Direito e Políticas Públicas Fiscais, Professora de Direito Tributário no UniCeub, foi visiting researcher em Georgetown,
Vice-presidente da Comissão de Reforma Tributária da OAB/DF, Vice-presidente do Comitê de Legislação da Câmara
Americana de Comércio (AMCHAM), Vice-presidente da ABATDF.

O STF def iniu uma impor- que se pretendeu atribuir às bilidade de um julgamento
tante diretriz no dia 8 de feve- decisões do STF, esta dire- do STF quebrar automati-
reiro. Decisões em controle triz era, em alguma medida, camente a eficácia da coisa
concentrado e em repercus- esperada. julgada.
são geral têm efeito imediato
em todas as relações jurí- C a u s a p e r p l ex i d a d e , n o E a decisão, na oportunidade,
dicas regidas pelas normas entanto, essa consequência foi pela inviabilidade de inter-
objeto de deliberação, ainda – quebra automática da coisa rupção automática (RESP
que haja coisa julgada em julgada – ser aplicada para 1.118.893, em 2011): “o fato de
processo individual em sen- situações pretéritas. o Supremo Tribunal Federal
tido contrário. Para quem posteriormente manifestar-se
acompanha as discussões É que o STJ já havia enfren- em sentido oposto à decisão
acadêmicas sobre a força tado a questão – a impossi- judicial transitada em jul-

82
DIREITO TRIBUTÁRIO por Ariane Costa Guimarães

gado em nada pode alterar a do judiciário, reconhecendo garantia que a prevalência da


relação jurídica estabilizada a coisa julgada para os anos coisa julgada era mandatória,
pela coisa julgada, sob pena subsequentes de CSLL até inclusive f rente ao julga-
de negar validade ao próprio então, mesmo após 2007 mento da ADI 15 (2007).
controle difuso de constitu- (ADI 15) e 2) a definição pelo
cionalidade”. STF hoje, em 2023, de que Inúmeros contribuintes com
a coisa julgada tem efeitos decisões transitadas em jul-
Por mais que se pretendesse encerrados imediatamente, gado vinham conduzindo
atribuir eficácia automática é inequívoca a mudança de suas operações e seu coti-
às decisões do STF, preserva- jurisprudência. E, havendo diano corporativo conside-
va-se a coisa julgada até que mudança de jurisprudência rando que a coisa julgada
uma ação rescisória fosse pro- do STJ definida em Repeti- os protegia da cobrança de
posta e julgada procedente. tivo, é mandatória a modu- tributos tidos por incons-
lação de efeitos para impedir titucionais em seus casos
Com base nessa decisão, que a exigência de tributos no concretos. Receber a notícia
o CARF cancelou autos de passado se dê para períodos de que nada do que fora dito
infração de CSLL, com base anteriores a 2023. pelo Judiciário, em especial o
no fato de que a constituição Superior Tribunal de Justiça,
dos débitos violava a coisa Esta é uma diretriz consa- até então, é aniquilar qual-
julgada, a despeito do que grada no STF. A exemplo do quer percepção mínima de
decidido pelo STF na ADI nº que foi julgado nos Embargos segurança jurídica.
15/DF, em que declarada a de Declaração da Fazenda
validade da CSLL. N a c i o n a l n o R E 574 .70 6 Em momentos de alta ten-
(exclusão do ICMS da base são, a maior contribuição do
O próprio STF entendeu dessa de cálculo de PIS/COFINS). Judiciário à sociedade é a de
maneira em 2015: “o acórdão Naquele caso, a existência de reforço da credibilidade das
recorrido está em conformi- Recurso Repetitivo no STJ em decisões judiciais e da pre-
dade com a jurisprudência sentido contrário ao que o STF visibilidade. E isso se dá pela
da Corte no sentido de que acabara de definir foi motivo garantia da coisa julgada.
a coisa soberanamente jul- suf iciente para modulação Trata-se da defesa do Estado
gada, como proteção máxima de efeitos: “a modulação de Direito, algo que, conside-
da segurança jurídica e da também pode ser aplicada a rando o momento vivido no
certeza do direito, como ins- casos em que a modificação País, nunca se mostrou tão
trumento de estabilidade da na orientação jurispruden- necessário e significativo.
ordem jurídica, é insuscetí- cial ocorre em desfavor da
vel de ulterior modificação, Fazenda Pública, como na Se, por um lado, vemos as
ainda que o Supremo Tribu- espécie vertente. pretensões arrecadatórias
nal Federal venha a conso- da União diante das dificul-
lidar seu entendimento em O planejamento fazendário dades em relação às contas
sentido contrário à decisão deu-se dentro de legítimas públicas, igualmente assis-
transitada em julgado” (ARE expectativas traçadas de timos a violência contra as
nº 864.746, Rel. Min. Dias Tof- acordo com a interpretação instituições, nunca antes per-
foli, 2ª Turma, DJ 11/12/2015). até então consolidada pelo petrada; a força do Direito é
Superior Tribunal de Justiça, fundamental, especialmente
A PGFN, no Parecer n° 492/11, inclusive em sede de recurso no momento que vivemos:
reconhece, expressamente, repetitivo”. (RE 574706, Rela- preservar a coisa julgada é
que só a partir desse Parecer tora: CÁRMEN LÚCIA, Tribunal imperativo e representará
as decisões do STF deveriam Pleno, 02-10-2017) mais uma manifestação de
rescindir coisa julgada, por- que, apesar de todas as ame-
que nunca havia sido dito por Aqui, na coisa julgada, tam- aças, o Estado de Direito pre-
quaisquer das instituições bém houve planejamentos valece no País.
brasileiras. de todos os contribuintes que
acreditavam na higidez do
Considerando 1) a orientação recurso repetitivo emanado
unânime de todos os órgãos do STJ, o qual expressamente

83
LIDERANÇA E EQUIDADE DE GÊNERO por Lucinéia Possar

LUCINÉIA
POSSAR
Diretora Jurídica do Banco do
Brasil S.A. Presidente do Conselho
Fiscal da BB Seguridade Partici-
pações S.A. Membro do Conselho
de Administração da Alelo S.A.
Diretora Setorial do Comitê de
Assuntos Jurídicos da Febraban
Membro do Comitê Transações
Partes Relacionadas do Banco
Votorantim S.A. Presidente do
Instituto Brasiliense de Advocacia
Empresarial (IADE). Graduada em
Direito pela Pontifícia Universi-
dade Católica do Paraná. MESTRE
em Direito pelo Centro Universitá-
rio de Brasília (UniCEUB). Pós-Gra-
duada em Direito Econômico e das
Empresas pela Fundação Getúlio
Vargas. Curso de Extensão em
Gestão de Serviços Jurídicos (FGV).
Professora de Direito Empresarial
no UniCEUB.

84
LIDERANÇA E EQUIDADE DE GÊNERO por Lucinéia Possar

EQUIDADE DE GÊNERO
NA LIDERANÇA: Maria Said, assumiu a Diretoria de
Gestão de Pessoas.

UMA TRAJETÓRIA NO Nos estudos mais avançados na


academia, fui influenciada por
CONGLOMERADO referências teóricas e professores
majoritariamente homens. Após a
DO BANCO DO BRASIL conclusão da faculdade de Direito,
em 1994 iniciei a jornada como
A igualdade entre homens e cargos decisórios não reflete advogada do jurídico do Banco do
mulheres é pauta das principais a proporção das mulheres no Brasil. Já em Brasília (1998), exerci
agendas políticas, econômicas e Brasil. Em empresas de diversos cargos de gerente de equipe
sociais da atualidade. A centrali- ramos e lugares, as mulheres não jurídica (2007) e de gerente exe-
dade é verificável em pesquisas são representadas nos órgãos cutiva jurídica (2013), e ingressei
que sugerem os benefícios para deliberativos, o que expõe de na docência do curso de direito
as pessoas, organizações e socie- maneira crítica os fundamentos do Centro Universitário de Brasília
dade. Um dos muitos exemplos da democracia representativa, – UniCEUB (2006). Em 03.07.2017
da transmutação do direito funda- especialmente nos cargos de fui a primeira mulher nomeada
mental como ideal teórico-jurídico maior envergadura estratégica: Diretora Jurídica do Banco do
para o campo material é o Plano uma dívida social histórica a ser Brasil, instituição bicentenária que
de Ação Universal da Organização resolvida. completaria 209 anos no mês de
das Nações Unidas (ONU), lançado outubro daquele ano.
em setembro de 2015 para ser As oportunidades que surgiram
implementado por todos os países em minha trajetória profissional Um olhar para o passado revela os
do mundo até 2030, que estabe- desenvolveram-se paralelamente desafios superados e as conquis-
lece a igualdade de gênero como ao fortalecimento da cidadania tas da liderança feminina. Neste
5º Objetivo de Desenvolvimento feminina. Ingressei no mercado de ano, o Banco do Brasil, para além
Sustentável (ODS). trabalho em 1984 e, desde então, do simbolismo histórico, pela
acompanho os debates sobre as primeira vez tem uma mulher
A ONU pretende alcançar, no perspectivas de gênero e a linha presidente, Tarciana Medeiros,
período de 15 anos, a equidade de evolutiva da presença feminina três vice-presidentes, a chairman
gênero em posições gerenciais nos órgãos públicos e corpora- e duas conselheiras mulheres. O
no legislativo, altos funcionários, ções. Aos poucos as mulheres novo contexto reflete o engaja-
gerentes corporativos e gerentes começaram a executar atividades mento da liderança e da socie-
de produção e serviços especia- que antes eram exclusivas de dade, mas ainda há muito espaço
lizados. Trata-se de um desafio homens, e ocuparam espaços de para inclusão nos variados níveis
de muita relevância. A paridade liderança com jornadas autênticas hierárquicos. A diversidade nas
e a representatividade almejadas e exitosas. instâncias decisórias potencializa
podem inspirar outras mulheres a novas ações justas e sustentáveis.
ocuparem os espaços conquista- A minha história no Banco do E para alavancar as transforma-
dos e incentivar novas ações para Brasil teve início em 1986, tra- ções necessárias com dinamismo,
a manutenção do equilíbrio. balhando em diversas agências convém que se definam três áre-
com financiamento agrícola, car- as-chave para atuar de maneira
Desde a promulgação da Carta teira de crédito, caixa executivo e afirmativa: cultura, política pública
Constitucional de 1988 (art. 5º, I) outras atividades, período que se e corporações.
constata-se o amadurecimento estendeu até o início de 1994. À
do direito das mulheres e o avanço época não havia representação Há ainda muito trabalho para que
das suas participações nas instân- feminina nos órgãos deliberativos o curso ascendente da inserção
cias decisórias das organizações da empresa. O marco histórico da mulher adquira consistência
públicas e privadas. Apesar do remonta a 17 de fevereiro de 2003, e reafirme a sua importância em
progresso, a representação nos quando a primeira mulher, Rosa diferentes espaços da sociedade.

85
DIREITO DO AGRONEGÓCIO por Ana Carolina Mazzer

Perspectivas tal, social e governança, e é o administração das empresas

de Integridade
marco mais importante e atual agropecuárias nacionais, pelos
de gestão de mercado, tendo seus colaboradores e fornece-
sido responsável por conduzir dores e, assim, impactar toda
para o as organizações a criarem e
observarem políticas de estru-
a cadeia de sua indústria.

Agronegócio turação sustentável das suas


atividades, em todos os seus
Quando uma organização
decide implementar boas prá-

brasileiro múltiplos aspectos. ticas de ESG, todos e cada um


de seus pilares passam a ser
Ao contrário do que possa trabalhados de forma minu-
parecer, introduzir as premis- ciosa. Em relação aos aspec-
sas de ESG nos processos do tos ambientais, por exemplo,
agronegócio brasileiro não é as empresas não devem só
um grande obstáculo. A gui- respeitar as normas e legisla-
nada rumo à sustentabilidade ções atinentes ao tema como,
(propriamente dita) do negó- também, incentivar a pre-
cio representa, na verdade, servação e a diversidade do
uma enorme oportunidade ecossistema, mantendo-se
para que os produtores e a atentas para que a interação
agroindústria brasileira desen- homem-natureza se dê com
volvam soluções, atraiam olha- o menor nível de interferência
res, investimentos e, também, possível, sem esquecer, é claro,
possam competir em razão de da necessidade de se produzir
igualdade com os seus concor- um resultado eficiente - e por-
rentes buscando o acesso ao tanto, lucrativo - aos acionistas.
mercado internacional. Sem
falar nos próprios consumido- Por outro lado, sabemos que
Por Ana Carolina Mazzer res nacionais, também ávidos o caminho para a integridade
por alimentos sustentáveis. nos negócios pode ser menos
Advogada associada ao suave quando ocorre a partir
escritório Trench, Rossi e A boa notícia é que grande dos desdobramentos relativos
Watanabe parte das empresas do agro à responsabilização adminis-
já possuem atividades com- trativa de pessoas jurídicas
patíveis com as práticas pre- - pela prática de atos contra
São inúmeros os desaf ios conizadas pela agenda ESG, a administração pública, que
existentes na adesão e no ainda que algumas delas não estabelece a instituição de
monitoramento contínuo das tenham efetiva consciência programas de integridades
boas práticas de ética, integri- disso. É nesse sentido que por parte das empresas como
dade, responsabilidade social assessorias especializadas um dos fatores a ser conside-
e sustentabilidade ambiental podem ajudar as empresas rado na dosimetria da sanção
aplicadas ao agronegócio bra- do setor, compilando, iden- administrativa aplicada, a
sileiro, que insere suas empre- tif icando e/ou construindo partir do que preconiza o novo
sas e cooperativas nessa cons- ações que promovam as boas Decreto nº 11.129/22, que regu-
tante busca pela conexão práticas em relação aos seus lamenta a Lei Anticorrupção
entre “ser”, “fazer” e “parecer” três pilares, o que certamente brasileira. Assim, é possível
íntegro. Essa tríade, bastante resultará na elaboração de concluir que foi “outorgada”
sutil, encontrou uma recente e políticas e procedimentos que ao Estado, a competência
poderosa aliada pelo caminho poderão se tornar verdadei- não só de garantir com que
- a agenda ESG, sigla que pode ros norteadores das decisões as empresas assumam as
ser traduzida como ambien- a serem tomadas pela alta responsabilidades estabe-

86
DIREITO DO AGRONEGÓCIO por Ana Carolina Mazzer

lecidas a f im de reparar o petentes para a celebração nhecimento e, por que não,


dano causado e contribuam de acordo de leniência, por o aumento do próprio valor
com as investigações, mas exemplo. Dessa forma, inicia- concorrencial da empresa
também pelo compromisso -se um próspero caminho para perante o mercado e o incen-
com a integridade, conside- reconciliar-se com o passado tivo ao setor para a adoção dos
rando seu latente potencial de e encontrar novas formas de mesmos parâmetros, pois eles
fomento às políticas públicas, olhar para frente e superar a não se exaurem no âmbito
na criação de incentivos à inte- pauta da corrupção. individual.
gridade pública-privada e ao
desenvolvimento de mecanis- Consciente dessa responsa- Assim, o que poderia ser con-
mos internos de averiguação bilidade, temos o exemplo siderado uma falha no pro-
e controle de irregularidades. do Ministério da Agricultura, grama de integridade, sob a
Pecuária e Abastecimento perspectiva da necessidade de
Os mais pessimistas afirmam (MAPA), que instituiu em 2017, celebração do acordo de leni-
que, a implementação de um o selo setorial denominado ência, é na verdade, uma boa
programa de integridade, “Selo Mais Integridade”, com oportunidade para rever dire-
após o cometimento do ilícito o objetivo de reconhecer e trizes e promover a formata-
é uma solução de curto prazo premiar empresas e coope- ção mais adequada na estru-
que induz o comportamento rativas agropecuárias que turação interna das empresas,
empresarial e se torna conse- reconhecidamente adotem antecipando os problemas de
quência de incentivos públi- boas práticas de integridade, maneira efetiva e impedindo
cos, sem que haja o efetivo ética, responsabilidade social ou minimizando os efeitos
comprometimento da alta e sustentabilidade ambiental. deles decorrentes, antes que
direção, seguindo na contra- sejam irreversíveis.
mão do autocontrole e da O objetivo, sobretudo, é
efetiva mudança de cultura. fomentar a adequação das Importante consignar que,
práticas internas das empre- não estamos falando de uma
Mas o cenário pode ser melhor sas e cooperativas aos pilares fórmula a ser perpétua e cega-
e mais próspero se olharmos de integridade e garantir uma mente repetida, ao contrário,
sob outra perspectiva. O que efetiva mudança na postura e estamos tratando da neces-
acontece com o funcionário na cultura de seus colabora- sária instauração de uma per-
de uma empresa que pratica dores e dirigentes. A avaliação, manente vigilância. A era da
um ato ilícito, tendo “ao seu para fins de recebimento da reconciliação entre os setores
dispor” um programa de inte- premiação, consiste em um público e privado chegou e
gridade onde é possível iden- formulário dividido sob três todos precisam sentar-se à
tif icar os principais riscos a enfoques: (i) anticorrupção; mesma mesa, para, compar-
ilícitos e instituir mecanismos (ii) trabalhista e de (iii) susten- tilhando responsabilidades e
eficazes para se prevenir riscos tabilidade. desenvolvendo atividade eco-
futuros de práticas indevidas? nômica de inegável importân-
Ainda que não haja a pro- cia ao país, reconhecerem-se
A resposta é tão simples messa de privilégio a ser con- como parceiros verdadeira-
quanto parece, nesse caso, cedido pelo MAPA e/ou pela mente confiáveis.
além de identif icar os fun- CGU às empresas e coopera-
cionários ou dirigentes que tivas premiadas, os benefícios
praticaram o ilícito, a empresa são óbvios. Primeiro, há a
pode decidir interromper sua questão da segurança de ter
participação, lançar mão de um programa avaliado pelo
medidas mitigadoras que próprio governo, uma espécie
impeçam a recorrência do ato de “auditoria externa gratuita”,
e, tão logo, iniciar as negocia- mas, além disso, existem tam-
ções com as autoridades com- bém a publicidade, o reco-

87
OPEN FINANCE por Letícia Becker

Letícia Becker Tavares


Gerente de Privacidade de
Informação Certificado (CIPM)
e Profissional de Privacidade de
Informação Certificado/Europe
(CIPP/E) com a Associação
Internacional de Profissionais
de Privacidade (IAPP). Sou
mestranda em Direito Privado
pela Universidade de São Paulo.
Obtive L.L.B pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
especialização em Direito
Contratual e Direito Digital na
FGV-SP.

O Open Finance tem sido o precur-


sor de uma maior integração entre
os setores bancário, pagamentos,
de seguros, energia e telecomu-
nicações e, até mesmo, de saúde.
A democratização das interfaces
de programação de aplicações

BREVES
(APIs) tem como objetivo esti-
mular a competição em setores
tradicionalmente concentrados,

CONSIDERAÇÕES ao permitir a ampliação da oferta


de produtos e serviços.

SOBRE O FUTURO DA A saber, foram iniciadas discus-


sões iniciais a respeito de um

REGULAÇÃO DO Open Health, que abriria dados de


pacientes com empresas de planos

OPEN FINANCE
de saúde para a oferta de serviços
padronizados, com inspiração no
mercado de saúde da Austrália.

NO BRASIL A iniciativa pode depender de


Medida Provisória que resultaria
em uma união do BC e da Agência
Nacional de Saúde (ANS). Tratan-
do-se de dados de saúde, o assunto
poderá ter maiores complexidades
uma vez que serão envolvidos
dados considerados sensíveis pela
Lei Geral de Proteção de Dados

88
OPEN FINANCE por Letícia Becker

(“LGPD”). Considerando os con- Economy no Brasil. Outro desafio gência desenvolvida a partir deles.
ceitos acima apresentados, bem que precisa ser endereçado pelos Nesse sentido, o tratamento regu-
como a compreensão mais ampla juristas em uma regulação “Open” latório do Open Finance deve se
da criação de um sistema único são as nomenclaturas em contra- refletir em normativos específicos
de compartilhamento de informa- posição com a prática técnica. Na e setoriais, assim como a regulação
ções, tais iniciativas, sob o recorte RC/01, bem como na regulação do direito à portabilidade de dados
de dados pessoais, parecem con- do Open Insurance, a autorização pode fornecer maior segurança às
figurar na operacionalização do que permite o compartilhamento partes envolvidas. A questão não é
direito à portabilidade de dados, de dados é o “consentimento”. A impedir a livre circulação de dados,
prevista no artigo 18, inciso V, da princípio, o conceito se assemelha mas definir recursos para fiscali-
LGPD. Assim, seria possível defen- à definição de consentimento da zação ampla, aplicação de penali-
der que a construção de sistemas LGPD – o que gera confusão. Para dades e enrijecimento de padrões
interoperáveis por meio das APIs reforçar a diferença na natureza, de segurança e privacidade das
do Open Finance pode auxiliar na para além de englobar informa- informações.
regulação do direito à portabili- ções de titulares de dados, pessoas
dade da LGPD. naturais, também há informações A respeito da regulação do direito
referentes a pessoas jurídicas. Do à portabilidade de dados da LGPD,
Nesse sentido, encontra-se um ponto de vista técnico, o “consenti- uma vez definidos os padrões de
fio condutor que poderá permi- mento” é registrado como um ciclo segurança, tecnológicos, opera-
tir a portabilidade e um sistema de vida de jornada de comparti- cionais e o tipo de dado que pode
amplo de interoperabilidade. A lhamento. Nele, o consentimento ser portável pelo usuário, é pos-
implementação de infraestrutura é uma das etapas e uma das infor- sível defender que haverá maior
“Open” (e interoperável), bem mações registradas nas interfaces segurança em iniciativas de livre
como a regulação do direito à de aplicação. Nesse sentido, para circulação de informações entre
portabilidade que contempla o compatibilizar a LGPD com regu- empresas de diversos setores. A
necessário amadurecimento sobre lações setoriais de portabilidade ANPD, em conjunto com os órgãos
o conceito de “segredo comercial de informações, como no Open reguladores que estão desenvol-
e industrial’’, podem definir uma Finance, é necessário ir além das vendo projetos de Open Data,
série de novos produtos/serviços obrigações do consentimento, que deve fiscalizar e definir regras de
e trazer segurança jurídica aos podem gerar fricções na jornada segurança, privacidade e tecno-
participantes. A regulação envolve, do usuário. Uma abordagem que logia para o desenvolvimento de
em grande medida, uma análise permita a inovação “responsável” sistemas interoperáveis benéficos
de propriedade intelectual em seria considerar os princípios, a ao consumidor final - o Open Data
cima dos dados que as instituições accountability, os direitos dos titu- Economy.
disponibilizam O grande desafio é lares e aspectos de segurança (que,
definir até que ponto o dado é por- no caso regulado pelo BC, seriam Em último aspecto, para o desen-
tável sob a exigência de autoriza- as regras de segurança cibernética) volvimento de produtos e/ou servi-
ção expressa do usuário (chamado nos produtos e/ou serviços desen- ços a partir do compartilhamento
na RC/01 de “consentimento”). volvidos e/ou oferecidos em razão das informações, seja no Open
do Open Finance. Finance, no Open Insurance ou em
A portabilidade tem como objetivo, outros sistemas abertos setoriais,
da mesma forma que as iniciativas CONSIDERAÇÕES FINAIS: Impor- quando se trata de dados pessoais,
“Open”, permitir o controle dos tante esclarecer que o sistema devem ser respeitados os preceitos
dados pelos seus proprietários, o interoperável que, em geral, se dá fundamentais da LGPD que tem
usuário/consumidor, bem como por meio da padronização de inter- como objetivo garantir a privaci-
garantir o acesso a esses dados faces de programação (APIs), que dade dos dados, quando pessoais,
por concorrentes, servindo, assim, seria o “meio” pelo qual os dados que vão além da definição do con-
como um remédio concorrencial. podem trafegar entre diferentes sentimento. Nesse caso, devolver
Nesse sentido, cabe à Autori- instituições - é apenas uma infra- o controle dos dados ao usuário
dade Nacional de Proteção de estrutura. O Open Finance não é final por meio da concretização
Dados, em conjunto com os órgãos um fim em si mesmo, mas uma da autodeterminação informativa.
reguladores setoriais, estimular possibilidade do desenvolvimento
e fomentar padrões de intero- de novos produtos e serviços mais
perabilidade para permitir uma customizáveis a partir da circu-
segura e inovadora Open Data lação de informações e da inteli-

89
CONEXÕES INTERNACIONAIS por Adriana Cristina e Daniela Silva

AS PAUTAS FEMININAS
INTERNACIONAIS E SUA
IMPLEMENTAÇÃO NO
CONTEXTO DA JUSTIÇA
As pautas femininas interna- mesmo depois da consoli-
cionais têm impulsionado o dação de suas lesões, razão
reconhecimento dos direitos pela qual precisou recorrer ao

Adriana das mulheres no Brasil, bem


como colaboram para a cria-
plano internacional para que
seus direitos fundamentais

Cristina ção das políticas públicas do


Poder Judiciário.
fossem respeitados (CIDH.
Relatório Nº 54/01, Caso Maria

Dullius Inicialmente, cabe destacar a


da Penha Maia Fernandes.
Disponível em: <https://cidh.oas.
instituição do Dia Internacio- org/annualrep/2000port/12051.htm>.
Mestre em Direito Comercial nal das Mulheres pela Orga- Acesso em: 28.fev.2023).
pela USP, com MBA em Finanças nização das Nações Unidas
pelo IBMEC-RJ e graduada em (ONU), no ano de 1975. Desde Ainda nesse sentido, o Poder
Direito pela UFRGS. Atualmente, então, mais de 100 países, Legislativo atuou na edi-
é Procuradora Federal no Sub- incluindo o Brasil, utilizam ção de diversas normas que
núcleo de Ações Prioritárias o dia 8 de março tanto para atendem a reivindicações
junto aos Tribunais Superiores celebrar as conquistas femi- antigas, e importantes, para
da Procuradoria-Geral Federal, ninas como para enf rentar a implementação de novas
tendo sido Presidente do Con- as pautas nas quais precisam políticas públicas de proteção
selho Federal Gestor do Fundo avançar. à mulher. Dentre elas, desta-
de Defesa de Direitos Difusos, ca-se a a alteração do Código
Diretora de Projetos e Políticas Em 2001, o Brasil foi con- Penal que reconheceu o
de Direitos Coletivos e Difusos denado pela Comissão crime de feminicídio, com
do MJSP e Conselheira do Con- Interamericana de Direitos tipificação mais adequada e
selho de Recursos do Sistema Humanos por não atuar no com previsão de penas mais
Financeiro Nacional - CRSFN, enf rentamento à violência gravosas para os criminosos.
representando a Comissão de doméstica, o que provocou a
Valores Mobiliários. edição da Lei n. 11.340/2006, Ainda no plano legal, o Código
conhecida como ”Lei Maria Civil foi reformado, em 2019,
da Penha”. O caso versava para alterar o Art. 1.520 e,
sobre as agressões no con- com isso, proibir o casa-
texto da violência doméstica mento infantil (lembrando
sof ridas pela farmacêutica que a maioria esmagadora
cearense Maria da Penha das crianças que se casa-
Maia Fernandes que, após vam antes dos 16 anos era
uma tentativa de homicídio composta por meninas). .
que a deixou paraplégica, não Finalmente, a Lei 14.143, de
obteve o adequado amparo 2022, diminuiu a idade para a
pelo Estado Brasileiro, que laqueadura de trompas para
não a protegeu do agressor 21 anos e aboliu a necessidade

90
CONEXÕES INTERNACIONAIS por Adriana Cristina e Daniela Silva

de se recorrer a uma autoriza- de incentivo à Participação


ção marital para a realização Feminina no Poder Judiciário.
do procedimento. Destas políticas resultaram
duas medidas concretas: a
A influência internacional, no criação da Ouvidoria Nacional
âmbito do Poder Judiciário, da Mulher do Poder Judiciário
se dá através da Agenda 2030 e o Repositório Feminino de
para o Desenvolvimento Sus- Mulheres Juristas do CNJ. No
tentável da ONU. O Brasil foi ano de 2021, o CNJ instituiu
pioneiro em institucionalizar o Protocolo para julgamento
os 17 Objetivos de Desenvol- com perspectiva de gênero,
vimento Sustentável (ODS) através da Portaria n. 27, de
previstos na Agenda 2030. 2 de fevereiro de 2021. Desde
O Poder Judiciário incorpo- então, o CNJ vem tomando
rou, no seu plano de metas, a frente do Poder Judiciário
a meta 9 que consiste em na elaboração de ações para
promover “a integração da a promoção da igualdade de
Agenda 2030 ao Poder Judi- gênero e para o aumento das
ciário (STJ, Justiça Estadual,
Justiça Federal, Justiça do
mulheres nas posições de
comando. Daniela
Trabalho e Justiça Militar da
União e dos Estados” Com Neste março de 2023, é ine- Silva Fontoura
de Barcellos
esta medida, dentre outras gável avanço no reconheci-
ações, o Judiciário passou mento e na institucionaliza-
a realizar políticas públicas ção de direitos das mulheres
no tema da igualdade de nos planos legal e judicial. No Doutora em Ciência Política pela
gênero, em consonância com entanto, muito ainda se deve UFRGS, com estágio doutoral
a ODS n.º 5 da Agenda 2030 avançar para que o Brasil na École Normale Supérieure
cujo mote é “alcançar a igual- deixe de ocupar o desonroso de Paris. Mestre em Direito Civil
dade de gênero e empoderar 5º lugar no ranking mundial pela UFRGS e graduada em
todas as mulheres e meninas”. de países onde mais mulhe- Direito pela mesma instituição.
res são mortas. E além do Atualmente, é professora da
Na esteira da incorporação combate a todas as formas UFRJ, onde exerce o cargo de
dos objetivos da Agenda de violência - f ísica, sexual, coordenadora adjunta do Pro-
2030, especialmente em rela- psicológica - contra a mulher, grama de Pós-Graduação em
ção à igualdade de gênero, devemos enf rentar outros Direito. Dedica-se aos estudos
o Conselho Nacional de Jus- problemas relativos à promo- sobre os direitos do vulneráveis
tiça está promovendo polí- ção da igualdade e de reco- e às questões femininas.
ticas públicas que visam à nhecimento das peculiarida-
implementação do reco- des femininas, especialmente
nhecimento e do aumento em relação a seus direitos
da representação feminina, sexuais e reprodutivos.
fortalecendo as conquistas
das mulheres em relação à Vencidas essas questões,
autonomia nas esferas física poderemos nos concentrar
e econômica, bem como em pautas que refletem a
na tomada de decisões nas pluralidade dos diversos gru-
esferas pessoal e profissional. pos de mulheres tendo em
vista outros fatores tais como
Neste sentido, exarou duas classe social, religião e etnia.
Resoluções da mais alta rele- Comemoremos avanços e
vância: a Resolução CNJ nº aceitemos os demais desafios
254/2020, de enfrentamento que nos esperam para os pró-
à Violência contra as Mulhe- ximos dias 8 de março.
res pelo Poder Judiciário, e a
Resolução CNJ nº 255/2020,
91

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