Você está na página 1de 6

Trabalho de Filosofia

REFLETINDO SOBRE A ÉTICA EM TEMPOS DE GUERRA:


AS IMPLICAÇÕES DOS CONFLITOS NA REFLEXÃO DO
QUE É FAZER A COISA CERTA.

Colégio Zerohum
Aluna: Lívia Bonifácio Pimentel
Professor: Juan Acácio
9ºANO
1. Como os conflitos bélicos podem contribuir para pensar a ética?
A ética é um ramo da filosofia que estuda a conduta humana responsável e, por
isso, imputável pelo resultado de nossos atos. De acordo com Orts e Martinez (2009), a
ética é um tipo de saber normativo, ou seja, um saber que pretende orientar as ações dos
seres humanos. Embora a moral também se proponha a oferecer orientações para as
ações, a ética trata da essência das ações e a moral seria a conduta prática assumida
através da escolha ética. Sendo assim, a ética precede a moral e lhe serve de bússola,
indicando o caminho a seguir.
Outra definição de ética é dada por Abbagnano (2000), que explica que a ética
estuda “os motivos ou causas da conduta humana, ou as ‘forças’ que a determinam,
pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos”, sendo que há a busca por orientar-se
pela noção de fazer o bem. No entanto, o autor enfatiza que “o bem” pode significar ou
o que é (pelo fato de que é) ou o que é objeto de desejo, de aspiração etc.
Portanto, sendo a guerra um ato político responsável pela destruição de cidades,
de países e por mortes violentas, podemos dizer que é válida a discussão sobre se há
limites que devem ser observados durante conflitos bélicos ou mesmo se seria adequado
considerarmos a guerra como uma opção aceitável para a resolução de divergências.

2. Quais as principais reflexões éticas originadas em decorrência de guerras?


Como as guerras sempre estiveram presentes na história da humanidade, muitos
foram os filósofos que se dedicaram a pensar quais bases éticas poderiam justificar o
uso da guerra na resolução de conflitos entre povos ou nações. O filósofo e político
romano Cícero (1913), por exemplo, considerava que a violência somente poderia ser
aceita e justificada caso fosse indispensável seu uso para que se pudesse viver em paz
no futuro. Desta forma, a guerra só poderia ocorrer depois de esgotadas outras
possibilidades de acordo, havendo ainda a necessidade de uma declaração formal de
guerra para que as partes envolvidas tivessem tempo de se prepararem para o conflito.
Ainda, segundo suas palavras, “cumpre ponderar muito a respeito das cidades que
mereçam ser destruídas e saqueadas, para nada se fazer precipitada ou cruelmente”
(CÍCERO, 1999, p. 41.)
A doutrina jurídica ocidental é baseada no conjunto de princípios e preceitos do
Direito Romano. Por isso, a ideia de que haveria situações em que o uso da violência
poderia ser justificado (contanto que certas obrigações jurídicas fossem seguidas antes
da declaração de guerra) esteve presente, desde sempre, no pensamento filosófico
ocidental.
O filósofo eclesiástico Santo Agostinho (1996) defendeu que as guerras romanas
provocaram muita destruição, mas que conflitos bélicos poderiam ser justificados se
fossem declarados em nome de Deus. Em sua visão, aqueles que estivessem “movidos
por Deus” comportavam-se como “seu instrumento” e não violariam o preceito bíblico
de não matar outros seres humanos. Haveria uma razão “justíssima” e uma obrigação de
punir com a morte os “criminosos”.
Em Suma Teológica, Tomás de Aquino (2018) afirmou que o soberano (príncipe)
seria um ministro de Deus e estaria imbuído de poder para fazer justiça e castigar aquele
que faz o mal. Aquino declarou que “entre os verdadeiros adoradores de Deus até
mesmo as guerras são pacíficas, pois não são feitas por cobiça ou crueldade”. Haveria
uma justa intenção daqueles que declaram a guerra, pois, segundo suas palavras,
pretenderiam “reprimir os maus e socorrer os bons”.
Grande crítico do uso da violência e da política de sua época, Jean-Jacques
Rousseau, filósofo iluminista, declarou que “Não se tem o direito de matar, mesmo para
exemplo, senão aquele que se não pode conservar sem perigo” (ROUSSEAU, 2000, p.
48). Com essa declaração, Rousseau pretendeu esclarecer que apenas se poderia exercer
a violência contra um assassino, pois, ao romper o contrato social cometendo um
assassinato e violando a lei, o criminoso deixaria de ser um membro do Estado. Nesta
linha de raciocínio, Rousseau continuou explicando que a sobrevivência do Estado
passaria a ser incompatível com a manutenção da vida do criminoso. Nessas
circunstâncias, a violência da guerra poderia se justificar em caso de autodefesa do
Estado e da vida de seus cidadãos.

3. Quais os principais filósofos influenciados pelos terríveis eventos da 2º Guerra


Mundial? Quais foram as suas principais ideias?
Os principais filósofos influenciados pela Segunda Guerra Mundial foram:

1. Carl Schmitt (1888 - 1985)

Nascido na Alemanha, Carl Schmitt afiliou-se ao Partido Nacional-Socialista dos


Trabalhadores Alemães. A obra mais importante de sua vida foi O Conceito do Político,
publicada em 1932, na qual defende a tese sobre a existência do inimigo e a rivalidade
imposta por essa própria existência, ainda antes de a guerra ser declarada.
Schmitt (2008) teorizou que uma vez que o inimigo existe, ainda que ele não
tenha me forçado à guerra, a possibilidade real de extermínio é constante e a violência é
certa. Em sua visão, a guerra nega a existência em si do inimigo e, portanto, poderíamos
empregar a violência de forma aberta, pois o outro não é um outro como eu, mas sim,
um ser inferiorizado, um inimigo no verdadeiro sentido da palavra.
O autor ainda argumentou que a unidade política, ou seja, a formação de grupos
políticos organizados pressupõe a existência real do inimigo. Desse modo, aquele que
está fora do meu grupo político ou estatal é um outro fora de mim e potencial inimigo.
Se assim não fosse, haveria somente uma única concepção de mundo, de cultura, de
civilização, de Direito, de arte etc. Schmitt concluiu que o conceito de humanidade em
seu sentido amplo é utópico, pois se realmente fosse praticado não existiria guerra. Para
ele, o conceito de humanidade exclui o de inimigo, caso contrário, não haveria nenhuma
diferenciação específica entre os lados em franca oposição. Portanto, uma guerra
somente é possível quando o olhar do meu grupo desumaniza o outro.
Humanidade seria então, de acordo com Schmitt, um conceito construído por
doutrinas liberais, envolvendo uma construção social de cunho universal, instrumento
ideológico de expansão econômico-imperialista. Tal ideia teria como objetivo unir
povos e nações em torno de uma situação ideal apolítica, a formação de uma “liga das
nações”, considerada assim a sociedade universal chamada “humanidade”. A
universalidade precisaria pressupor a completa despolitização e a consequente redução
da importância (ou mesmo ausência) dos Estados.
Por fim, Schmitt alegou que não haveria nenhuma justificativa ética, legal ou
racional que poderia fundamentar o ato de pessoas matarem-se mutuamente. A única
justificativa seria de cunho existencial, ou seja, a partir da afirmação de ser da própria
forma de existência frente a uma negação também de ser. O único sentido para a guerra
estaria no campo da política, uma vez que pode ser politicamente necessário repelir
fisicamente e lutar contra o inimigo, considerando este no sentido existencial do termo.

2. Emmanuel Levinas (1906 - 1995)

Judeu nascido na Lituânia, Emmanuel Levinas imigrou em 1923, aos 18 anos,


para a França com o objetivo de cursar filosofia na Universidade de Estrasburgo. Em
1928, transferiu-se para a Universidade de Freiburg, na Alemanha, para estudar dois
semestres de fenomenologia com Edmund Husserl. Também foi aluno de Martin
Heidegger durante um semestre.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Levinas apresentou-se para o serviço militar
e trabalhou como tradutor de russo e francês para a coalizão dos Aliados. Em 1940, sua
unidade militar foi cercada pelo exército alemão e o filósofo foi aprisionado em Stalag
XI-D, um campo nazista para prisioneiros comuns de guerra, em Fallingbostel, na
Alemanha. Após o fim da guerra, voltou à França em 1945 e passou a exercer o cargo
de diretor da École Normale Israélite Orientale. A partir de 1967, tornou-se professor na
Universidade Paris-Nanterre e, em 1973, foi contratado pela Universidade Paris-
Sorbonne.
Em sua obra Totalidade e Infinito, Levinas (1988) apresenta a noção do “outro”
apenas como algo diferente de si. O outro é uma transcendência absoluta, surge do nada,
possui suas diferenças com relação a mim, mas elas não o transformam em meu
inimigo. Justamente por haver reconhecimento das diferenças é que há necessidade de
se impor uma relação ética entre os indivíduos.
Ainda na mesma obra, Levinas afirma que o estado de guerra tira o poder das
instituições, projeta sua sombra sobre as ações humanas e faz da moral algo
insignificante. Para o filósofo, a violência da guerra não implica em apenas ferir
pessoas, mas também em interromper a continuidade delas, levando-as a trair sua
própria substância. A ordem instaurada pela guerra seria algo do qual ninguém
conseguiria escapar. O evento da guerra não manifesta o outro como o outro, mas, pelo
contrário, a guerra destrói a identidade do outro. “A paz dos impérios saídos da guerra
(...) não devolve aos seres alienados a sua identidade perdida” (LEVINAS, 1988, p. 10).

3. Hannah Arendt (1906-1975)

Judia nascida em Linden, no reino da Prússia, atual Alemanha, Arendt foi uma das
teóricas políticas mais influentes do século XX. Ingressou na universidade de Marburg
em 1924, onde estudou filosofia com Nicolai Hartmann e Martin Heidegger, além de
línguas clássicas e literatura alemã com Rudolf Bultmann. Em 1925, estudou durante
um semestre na Universidade de Freiburg, onde foi aluna de Edmond Husserl.
Transferiu-se para a Universidade de Heidelberg em 1926, vindo a concluir o curso em
1929, tendo Karl Jaspers como orientador.
Em 1933, foi aprisionada pelo regime nazista por realizar pesquisas sobre
antissemitismo. Depois de ser libertada, fugiu para a Suíça e depois para a França, onde
trabalhou para a Youth Aliyah, ajudando jovens judeus a fugirem para o Mandato
Britânico da Palestina. Teve sua cidadania cassada pelo governo nazista alemão em
1937. Em 1941, imigrou para os Estados Unidos, onde obteve cidadania em 1950.
Em sua obra Sobre a Violência, Arendt (2001) argumentou que o
desenvolvimento técnico das armas violentas, em especial com a criação da bomba
atômica, levou a guerra a um novo patamar, no qual nenhum objetivo político poderia
corresponder ao potencial de destruição. A partir da Segunda Guerra Mundial, qualquer
conflito armado entre as nações mais poderosas poderia levar ao extermínio de toda a
humanidade e isso estaria próximo de tornar as guerras obsoletas. De acordo com a
filósofa, a única razão pela qual a ameaça da guerra permanece entre nós é que a
política ainda não encontrou um substituto à altura para atuar como árbitro em situações
extremas, nas quais a diplomacia falhou.
Em Origens do Totalitarismo, obra publicada em 1951, Arendt (1989) abordou a
questão da violência e o estado de guerra que é imposto pelos regimes totalitários, tanto
de orientação política de direita quanto de esquerda, representados no livro
respectivamente pelo nazismo e pelo socialismo stalinista. A filósofa enxergou no
imperialismo europeu as origens de males como o racismo e o parasitismo político, sem
os quais ela acredita que não teriam surgido os precedentes que permitiram a existência
dos campos de extermínio nazistas, fábricas da morte completamente desprovidas de
piedade e de qualquer senso de humanidade.
Para Arendt, o totalitarismo é o estágio político mais destrutivo a que uma nação
pode chegar, pois o Estado totalitário precisa adotar uma postura de guerra permanente
contra sua própria população. Afinal, a sobrevivência do totalitarismo depende da
aplicação do terror. No pensamento totalitário, a finalidade do terror seria a “fabricação
da humanidade”, “indivíduos seriam eliminados pelo bem da espécie, sacrificam-se as
partes em benefício do todo” (ARENDT, 2013, p.395).

4. O que significa a ideia de “banalidade do mal” elaborada pela filósofa Hannah


Arendt?

Em seu livro Eichmann em Jerusálem, publicado em 1963, Arendt (1999)


sugeriu que ações malignas não são necessariamente cometidas por indivíduos
extraordinários guiados pela maldade, mas, ao invés disso, são postas em prática por
pessoas comuns que participam de sistemas burocráticos e apenas seguem ordens sem
questionar a moralidade de suas ações. A filósofa desenvolveu este conceito ao assistir
ao julgamento de Adolf Eichmann, um oficial nazista de alta patente responsável por
organizar o holocausto.

Referências:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 2000.

AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus. Volume I. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1996.
AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2018. v. 9.

ARENDT, Hannah. Eichmman em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

_____. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

_____. Sobre a violência. 3ª ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

CÍCERO, Marco Túlio. De oficiis. London: William Heinemann/New York: The


Macmillan co. 1913.

_____. Dos deveres. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (Clássicos).

LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1988.

ORTS, Adela C.; MARTINEZ, Emílio. Ética. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2009.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Editora Escala, 2000.

SCHIMITT, Carl. O Conceito do Político. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

Você também pode gostar