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Mudanga e desenvolvimento durante a idade adulta e a velhice JESUS PALACIOS Jé vai longe o tempo em que as descri- Ges limitavam o desenvolvimento psicolégi- cos mudangas e as transformagées evolutivas que acontecem na infancia e na adolescéncia, Longe também esta a identificagao de infan- cia e adolescéncia como uma subida, a idade adulta como um platé e a velhice como uma descida (evolugao-estabilidade-declinio). Con- forme foi mostrado no Capitulo 1, a década de 1970 marcou o principio do fim dessas descrigdes e dessa identificagdo. A partir des- se momento, a psicologia evolutiva é o estu- do de todo o ciclo vital, e isso, como também foi indicado no Capitulo 1, significou para a disciplina ndo sé uma ampliagdo nas idades de estudo, mas também, e sobretudo, uma ampliagao dos conceitos, dos modelos, da lin- guagem e da metodologia. O certo é que a infancia continua sendo o periodo da vida humana sobre o qual mais se acumulou co- nhecimento na pesquisa psicolégica, mas tam- bém é verdade que € cada vez maior 0 corpo de informagio de que dispomos em relacao ao desenvolvimento apés a adolescéncia. Os préximos trés capitulos abordam de forma detalhada os processos de desenvolvi- mento psicolégico no campo da inteligéncia (Capitulo 21), da personalidade (Capitulo 22) ¢ da socializagao (Capitulo 23). Cabe a nés, neste capitulo, introduzir alguns conceitos e idéias-chave para um melhor conhecimento do significado evolutivo do desenvolvimento pos- terior & adolescéncia, como também para faci litar a compreensio dos contetidos que so expostos nos trés capitulos seguintes. Para isso, em primeiro lugar, vamos analisar o tipo de desenvolvimento que mencionamos ao falar da idade adulta e da velhice mediante uma andli- se que apresenta diferentes abordagens do con- ceito de idade, que é chave para entender es- sas etapas da vida humana, Em segundo lugar, vamos nos referir a varios fatos bioldgicos que adquirem uma particular relevancia na idade adulta e na velhice. Depois, vamos nos centrar em algumas das propostas tedricas gerais que foram feitas a respeito dessas etapas da vida humana, concluindo com varias reflexes so- bre a mudanga e a continuidade apés a ado- lescéncia, reflexdes que serao ilustradas com alguns comentérios sobre o desenvolvimento intelectual, pessoal ¢ social nessas idades. As- pectos que serdo analisados com mais detalhes nos capitulos seguintes. IDADE E INFLUENCIAS NO DESENVOLVIMENTO Quando em psicologia evolutiva se diz que a idade é uma varidvel vazia, estd se des tacando um fato sobre o qual existe um acor- do generalizado: a idade, por si mesma, nao explica nada, e a passagem do tempo, por si 86, ndo fornece elementos que possam nos aju- dar a compreender os processos de desenvol- vimento psicolégico. Conforme foi indicado no Capitulo 1, a idade tem, sem dtivida alguma, um valor descritivo, porque costuma estar as- sociada a uma série de circunstdncias e mu- dangas que realmente possuem uma capacida- de explicativa; mas as relagdes entre idade conduta so de natureza correlacional, nao do 372 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. tipo causal: no processo de desenvolvimento psicolégico existem determinadas mudancas que séo mais caracteristicas de umas idades do que de outras, mas isso nao significa que seja a idade a que produz, por si mesma, as mudangas. Conforme dissemos, a idade tem um in- contestvel valor descritivo e referencial. As- sim, por exemplo, a respeito das etapas de de- senvolvimento que estamos analisando, ¢ co- mum fazer uma fragmentagio da idade adulta e da velhice em agrupamentos de idades que nos permitem falar de idade adulta inicial (ti- picamente, dos 25 aos 40 anos), idade adulta média (tipicamente, dos 40 aos 65 anos), ida- de adulta tardia ou velhice precoce (tipicamen- te, dos 65 aos 75 anos) e de velhice tardia (apés 0s 75 anos). No entanto, o valor dessa frag- mentacao é muito relativo, e outros agrupa- mentos de idades, com outros limites cronolé- ¢gicos e outras denominagées, também sao pos- siveis. Mas, longe de poder resolver a proble- mitica idade-desenvolvimento com as reflexes anteriores, por mais corretas que possam ser, vale a pena nos aprofundarmos um pouco nos diferentes significados do conceito de idade, porque ira nos permitir situar melhor o signifi cado das etapas de desenvolvimento posterio- res & adolescéncia e A juventude. Para isso, uti- lizaremos a diferenciagao proposta por Birren e Renner (1977) entre os diferentes significa- dos da idade: * Idade cronolégica: refere-se ao nime- ro de anos que transcorreram desde © nascimento de uma pessoa. £ mui- to provavel que este seja o indica dor menos titil de todos os que ana- lisaremos a seguir, talvez com a ex- cecdo dos primeiros segmentos do desenvolvimento (vida pré-natal e primeira infancia), porque nesses ca- sos ha uma forte associacao entre a idade cronoldgica e os processos que nos permitem fazer previsdes mais exatas (mas, lembrem-se de que nao 6a idade per se a que permite, por exemplo, aprender a andar aos 12 meses, entre outras coisas, porque se fosse assim todos as criancas come- cariam a andar nessa idade; o que permite aprender a andar tem a ver com a maturagao, a estimulagio e a motivacao). Idade biolégica: 6 uma estimativa do lugar em que uma pessoa se encon- tra em relagio ao seu potencial de vida. Esse conceito se relaciona com a satide bioldgica ¢ ndo tanto com a idade cronolégica: podemos ter duas pessoas de 70 anos com uma idade diolégica muito diferente se uma de- las apresenta uma integridade fisica muito aceitével ¢ a outra tem sérios transtornos da satide. Idade psicolégica: est relacionada com a capacidade de adaptacio de uma pessoa, isto é, com suas possibi- lidades para enfrentar as demandas do ambiente; de novo, duas pessoas com a mesma idade cronolégica po- dem apresentar idades psicolégicas muito diferentes se uma é capaz de utilizar seus recursos psicolégicos (in- telig€ncia, motivacao, emocao, com- petitividade social, etc.) de mancira que responde adequadamente aos desafios da vida cotidiana, enquanto a outra mostra dificuldades em algu- ma ou varias dessas areas (problemas de meméria, falta de motivacio, iso- lamento social, etc.). Idade funcional: integra os conceitos de idade bioldgica e idade psicolégica e se refere 4 capacidade de autono- mia e independéncia; assim, por exem- plo, para viver sozinha em sua casa, uma pessoa deve ter um certo nivel de satide biolégica que Ihe permita sair e entrar, ir de um lugar a outro, etc., € também um determinado nivel de competéncia psicolégica para lembrar, planejar, organizar-se, etc. Idade social: esta relacionada com os papéis e as expectativas sociais asso- ciadas a determinadas idades. Um exemplo disso é que aos 30 anos a so- Ciedade espera que uma pessoa esteja trabalhando, que antes dos 40 tenha tido um filho, que aos 65 consiga a DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 aposentadoria e que, alguns anos mais tarde, tenha netos. A idade social tem importancia, entre outros fatores, por- que as experiéncias que ocorrem fora das margens habituais — particular- mente quando se distanciam muito delas — costumam ser uma fonte de estresse e de dificuldades, como acon- tece quando uma jovem é mie aos 16 anos ou quando uma pessoa se apo- senta com 50 anos. No entanto, as mu- dangas nos costumes e expectativas a que estamos assistindo no ocidente nos Liltimos anos exigem que sejamos mui- tos flexiveis no momento de estabele- cer 0s limites da idade social, embora talvez ndo até o extremo que alguns chegam quando dizem que a idade social passou a ser irrelevante. ‘Além das distingdes anteriores, devemos acrescentar uma diferenciagao da relagao que ha entre a idade e as influéncias que moldam © desenvolvimento, distingao que foi aponta- Influéncias normativas @ | relacionadas com a histéria = Influéncias normativas 8 relacionadas com a idade 373 da rapidamente no Capitulo 1 e que agora é a hora de analisar com mais profundidade. fa distingao proposta por Baltes, Reese e Lipsitt (1980) entre influéncias normativas relaciona- das com a idade, influéncias normativas rela- cionadas com a histéria e influéncias nao-nor- mativas. A distingao corresponde ao grafico da Figura 20.1 As influéncias normativas relacionadas com a idade estao ligadas a fatores que afetam o desenvolvimento psicolégico com um vinculo muito forte com a idade, permitindo que, ao conhecer a idade de uma pessoa, tenhamos condigées de fazer previsdes razoavelmente certas sobre alguns de seus processos evoluti- vos. Por exemplo, pelo fato de sabermos que um bebé tem entre seis e nove meses, pode- mos prever que ele est em plena formacao dos sistemas de apego e de cautela diante de estra- nhos (tema ja abordado no Capitulo 5). Pelo fato de sabermos que uma crianca tem entre seis oito anos, podemos prever que ela é ca- paz de raciocinar logicamente e que tem um determinado controle emocional, como tam- Influ’ncias ndo-normativas Infancia Adolescéncia FIGURA 20.1 Infiuéncias normativas, associadas com a idade e a histéria, Fonte: Baltes ot al., 1980. dade aduita Vethice fluéncias nao-normativas, 374 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. bém supor que as relag6es com outras crian- gas da mesma idade tém muita importancia (conforme foi analisado nos respectivos capi- tulos). A medida que nos distanciamos da in- fancia, esse tipo de influéncias vai diminuindo em magnitude, porque a maturac’o associada a idade vai impondo menos e permitindo mais Assim, outras fontes de influéncias vao trans- formar-se em predominantes, especialmente a partir da adolescéncia. Conforme se observa na Figura 20.1, a curva que representa de maneira gréfica esse tipo de influéncias tem um certo movimento de recuperacao no final da vida, o que se rela- ciona com a influéncia que exercem as mudan- as bioldgicas do Ultimo trecho da vida sobre 0 aspectos psicolégicos (menos reflexos, mais lentidao em determinados processamentos, etc.). Esse tema serd abordado no préximo ca- pitulo, No entanto, vale a pena notar que, na velhice, a magnitude da influéncia desse tipo de fatores € muito mais fraca do que foi na infancia. Podemos ilustrar o que acabamos de afirmar com dois exemplos bem simples: sa- ber que um bebé tem entre seis e nove meses nos permite fazer previsdes evolutivas muito mais certas em relagao ao apego do que saber que um senhor tem entre 75 e 80 anos, e saber que uma menina tem nove anos nos permite fazer previsdes evolutivas mais certeiras de suas capacidades de meméria do que em relagio a uma senhora que tem 70 anos. Apesar disso, devemos reconhecer que, em termos evoluti- vos, ndo é muito exagerado supor que o siste- ma de apego do senhor que tem entre 75 e 80 anos e a meméria da senhora de 70 anos te- nham passado por algumas alteragdes em re- lagao ao que havia sido caracteristico em am- bos na etapa da idade adulta. As influéncias normativas relacionadas com a histéria afetam todas as pessoas que vi- vem em uma determinada época e sociedade, mas no aqueles que tenham vivido ou venham a viver em outra época e outra sociedade. Es- sas influéncias apresentam um perfil inverso 0s das relacionadas com a idade, tal como po- demos observar na Figura 20.1, na qual as in- fluéncias normativas relacionadas com a ida- de apresentam um perfil de fraca influéncia, as relacionadas com a histéria apresentam-no forte e vice-versa. Quando a légica biolégica da maturaco ou do envelhecimento impée sua lei, as diferencas vinculadas com o ambiente em que se vive podem ser muito menos nota- das, como acontece com a maturacao do eére- bro que permite & crianca aprender a caminhar sozinha em idades semelhantes entre criangas criadas em sociedades com praticas de criagdo muito diferentes. Outro exemplo € 0 que acon- tece com as dificuldades que tém os contetidos da meméria de curto prazo para ascender & me- méria de longo prazo quando ha transtornos neurolégicos relacionados com o envelhecimen- to (muito embora, tal como temos sustentado, a magnitude da influéneia de ambos os fatos seja muito diferente). No entanto, durante a maior parte da nossa existéncia, desde o final da infancia até a chegada — se é que ocorre de determinados transtornos funcionais no cérebro perto do fim da vida, as influéncias normativas relacionadas com a histéria exercem uma in- fluéncia muito importante. O conceito de geragao é o mais estreita- mente associado a essas influéncias normati- vas relacionadas com a histéria. No Capitulo 1 este conceito foi analisado com detalhe. Na Espanha, por exemplo, h4 uma geracao que viveu a Guerra Civil (1936-1939) e suas con- seqiiéncias, enquanto outras geracées nao pas- saram por isso. Também nao é a mesma coisa ter nascido em 1918 e pertencer a um dos ban- dos que lutaram na guerra do que ter nascido em 1930 e ter vivido essa experiéncia como crianga, Nao é a mesma coisa ter se formado na universidade na década de 1970, quando acontecida a expansio econémica e havia mui- tas possibilidades de conseguir emprego, do que se formar na primeira parte da década de 1990, quando havia recessio e o mercado de trabalho era muito reduzido. Nao ¢ igual, nos dias de hoje, ser uma pessoa idosa do que té-lo sido em outra época em que nao existiam mui- tos tratamentos médicos para atenuar algumas de suas dificuldades sensoriais. As pesquisas realizadas por Elder (1998), que foram resu- midas no Capitulo 1, séo uma excelente ilus- tragao dos fatos que estamos comentando. Po- demos encontrar um exemplo da influéncia dos fatores geracionais na populagao espanhola no estudo do Centro de Investigagées Sociolégi- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 cas sobre as atitudes e condutas afetivas dos espanhdis (CIS, 1995). Diante da pergunta se um relacionamento amoroso deve perdurar a vida toda, houve poucas diferencas nas respos- tas de homens e mulheres. Entretanto, a dife- renga foi muito significativa entre as geragées: responderam afirmativamente 86% das pes- soas entre 55 e 66 anos; 74% entre 45 e 54 anos; 64% entre 35 e 44 anos e 57% entre os que tinham menos de 35 anos. fato de diminuir, na velhice, a curva de influéncias normativas relacionadas com a his- téria estd relacionado com o aumento da cur- va das influéncias normativas vinculadas a ida- de: quando a légica biolégica impée as regras, as influéncias de geracdes se enfraquecem. Isso se torna muito evidente quando se trata de in- fluéncias biolégicas para as quais nao ha res- postas terapéuticas, como, por exemplo, no mal de Alzheimer, para 0 qual até hoje nao temos um tratamento eficiente. Por isso, duas pessoas afetadas gravemente por tal doenca serao mui- to parecidas, independentemente da geracao a que pertencam. Por iiltimo, as influéncias ndo-normativas se referem As experiéncias de cardter idiossin- crdsico ou quase-idiossincrdsico. Em todo caso, séo experiéncias ndo-normativas, isto é, expe- rigncias pelas quais se sabe que ndo passam todos aqueles que pertencem a uma determi- nada geracao ou que tém uma determinada ida- de. Se um adolescente tiver um acidente de moto que deixa seqiielas das quais necessitaré de varios anos para se recuperar, é um fato nao- normativo. Se uma mulher adolescente é mae, é um fato nao-normativo; se um adulto ganhar um prémio alto em um jogo de azar, tem uma experiéncia nao-normativa; ficar vitivo aos 40 anos de idade é um acontecimento nao- normativo. Na verdade, o que faz com que um fato seja ndo-normativo é, por um lado, a con- digao de afetar um ou mais individuos, mas nao a todos ¢, por outro lado, que esse fato seja impossivel de ser previsto em um momen- to determinado. E exatamente o contrario do que acontece com as influéncias normativas, que sao previsiveis em termos biolégicos e de geracdo. A curva que representa as influéncias ndo-normativas na Figura 20.1 nao deixa de aumentar com o passar do tempo, porque se 375 supée que os acontecimentos de que estamos falando vao sendo acrescentados uns aos ou- tros, acumulando uma histéria pessoal cada vez mais diferenciada. Um bom exemplo de influéncias ndo- normativas é 0 dos chamados “encontros ca- suais” de pessoas desconhecidas (Bandura, 1982), que se transformam em importantes do ponto de vista evolutivo quando tém re- percussées relevantes para a pessoa. A pro- fessora que influencia decisivamente na to- mada de decisdes vocacionais dos alunos; um desconhecido que nos é apresentado, e por meio dele conseguimos um trabalho; o encon- tro casual com uma pessoa, mediante apre- sentagdo feita por um amigo, que se transfor- mard em nosso(a) namorado(a); todos esses so encontros casuais, que nao se podem pre- ver, ndo-normativos, que exercem uma influ- éncia relevante em nossas vidas. No estudo realizado pelo CIS antes citado, 21% dos adul- tos entrevistados afirmou ter conhecido seu (sua) companheiro (a) de forma totalmente casual, ¢ 19% o fez mediante apresentacao por familiares ou amigos, 0 que também pos- sui um importante fator de acaso, Se olharmos novamente a Figura 20.1, po- deremos tirar a conclusdo de que 0 desenvol- vimento a partir da adolescéncia est muito pouco determinado pela idade cronolégica muito mais pela idade psicolégica e pela idade social. Se falarmos de idade biolégica, pode ‘mos afirmar que enquanto o organismo manti ver niveis de funcionamento que permitam uma correta adaptacao, a sua influéncia nao serd decisiva na maior parte dos casos; ela se con- verterd em relevante quando a idade compro- meter a adaptacdo, ai incidird causalmente na idade funcional. Idade adulta e velhice séo etapas da vida que esto abertas a mudangas, sensiveis as di- versas fontes de influéncia das quais estivemos falando. Muitas das mudangas sao totalmente evolutivas, pois se apresentam em uma deter- minada seqiiéncia e possuem uma certa orga- nizagdo que se relaciona com o conjunto de caracteristicas que a pessoa tem em cada mo- mento da vida. Na idade adulta e na velhice, ha, efetivamente, perdas ¢ declinios, tal como sustentavam os velhos estereétipos, mas tam- 376 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. bém ha ganhos, aquisicdes, conquistas, acrés- cimos e reorganizades que contrariam essas velhas crengas. Portanto, so etapas to evolu- tivas quanto podem ser a infancia ou adoles- céncia, muito embora tenham caracteristicas bem peculiares. MUDANGAS BIOLOGICAS NA IDADE ADULTA E NA VELHICE Muito embora nao seja a proposta deste trabalho se aprofundar, minuciosamente, nas mudancas fisicas que acontecem quando ter- mina o proceso de maturagéo biolégica e as pessoas se convertem em adultos do ponto de vista maturativo, consideramos muito impor- tante que uma anélise do significado evolutivo da idade adulta e da velhice nao fique sem al- ‘gumas referéncias vinculadas com as mudan- ‘sas fisicas, especialmente para distinguir entre 08 diversos processos envolvidos no envelheci- ‘mento e para mencionar algumas das mudan- {as fisicas de relevancia do ponto de vista do funcionamento psicolégico. Envelhecimento primario e secundario © corpo humano atinge sua maturidade entre os 25 e os 30 anos, etapa que se conside- ra caracterizada pelos maiores indices de vita lidade e satide. Uma vez determinado esse fato, 6 dificil dizer quando comega o envelhecimen- to bioldgico, entre outras coisas porque nao é um proceso unitdrio que acontega de modo simultaneo em todo o organismo, mas ao con- trario, é um processo muito assincronicamente distribuido entre as diferentes fungdes biolégi- cas e os diferentes érgiios corporais. Mesmo dentro de um mesmo érgio, como o cérebro, distintas partes seguem padrées muito diferen- tes de envelhecimento. Além disso, é um pro- cesso que permite grandes diferengas entre ‘umas pessoas e outras como, por exemplo, na idade média de 40 anos hd muitas pessoas que necessitam usar éculos para compensar as per- das de capacidade visual, mas ha outras que podem prescindir desse tipo de ajuda durante a vida toda. Na verdade, podemos afirmar que apesar da existéncia do processo de envelheci- mento, nosso corpo e os diversos érgaos sao potencialmente capazes de manter um correto funcionamento biolégico até idades muito avancadas, permitindo a adaptagao as deman- das do ambiente. Nao ha um consenso total sobre o que é, realmente, 0 processo de envelhecimento e quais so as causas que o provocam, Entretan- to, existe um amplo consenso na hora de dis- tinguir entre o envelhecimento primério e 0 secundério. envelhecimento primério consiste em processos de deterioragao biolégica, genetica- mente programados, que acontecem inclusive nas pessoas que tém muita satide e que ndo passaram por doengas graves na vida. Fica cla- ro que parte do processo de envelhecimento estd programada pelo nosso sistema biolgi- co, isto &, é inevitavel sob quaisquer circuns- tncias individuais e ambientais. As células do nosso organismo esto, por exemplo, progra- madas para envelhecer. Isso est4 demonstrado no fato de que nao podem se dividir infinita- mente para produzir novas células, porque a capacidade de regeneracao é limitada, Outros indices do que acabamos de afirmar sao: com © tempo, diminui a capacidade para enfrentar os problemas que resultam da deterioragdo das cadeias de DNA; as células sao afetadas, de ma- neira crescente, pelos radicais livres produzi- dos como conseqiiéncia do metabolismo e da resposta as influéncias ambientais como a ali- mentagao, os raios solares e a poluicao atmos- férica, desencadeando uma série de reagées quimicas que provocam danos moleculares ir- remediaveis, que se acumulam com a idade. 0 sistema imunolégico humano também est pro- gramado para envelhecer. Com o tempo, dimi- nui a capacidade para se defender das infec- des e aumentam os transtornos auto-imunes, © que acontece quando o sistema imunolégico ataca células sadias do préprio corpo, muito provavelmente por errar na sua identificagao € achar que sdo patolégicas. O nosso sistema endécrino, que controla tantas fungdes corpo- rajs, também envelhece. Quando comeca o pro- cesso de deterioracao dele e dos centros cere- brais que o controlam (hipotélamo e pituitéria) tanto o funcionamento biolégico quanto a sai- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 de se ressentem do desgaste e ficam ameaga- dos. Em resumo, 0 corpo humano esté feito ¢ programado para morrer; muito provavelmen- te, como conseqiiéncia dos fatores antes men- cionados, o organismo humano tem um poten- cial de vida muito importante, mas limitado no tempo: estima-se que 0 potencial maximo esta entre os 110 e os 120 anos. Nao nos dife- renciamos dos outros animais mamiferos que também possuem um potencial de vida, mas na maioria das espécies é muito menor do que nos humanos. O envelhecimento primério é, pois, inevitavel, universal e, até onde sabemos, também irreversfvel. Oenvelhecimento secundério, por sua vez, refere-se a processos de deterioragéio que au- mentam com a idade e se relacionam com fa- tores que podem ser controlados, como, por exemplo, a alimentacao, a atividade fisica, os habitos de vida (inclufdo o tabagismo) e as in- fluéncias ambientais. E evidente que hd pes- soas que podem viver sem passar por todos ou alguns dos efeitos desse tipo de envelhecimen- to, Entéo, podemos afirmar que pode ser pre- venido, é evitavel e ndo-universal. Ficar expos- to aos raios solares sem nenhum tipo de prote- gio, por exemplo, provoca o envelhecimento das células da pele e é um fator de risco de cAncer dermatolégico. Maus habitos alimenta- res, auséncia de exercicios fisicos regulares, consumo de tabaco e excesso de dleool, con- dutas de risco sexual, contaminagao ambiental (incluida a poluigdo actistica), todos esses so fatores relacionados estreitamente com 0 en- velhecimento secundério. Muitas vezes, os fa- tores enunciados se agrupam para formar uma verdadeira ecologia envelhecedora. Muitos dos transtornos e das doencas que observamos nos adultos e nos idosos nao sao conseqiiéncia do processo de envelhecimento primério, mas des- se tipo de envelhecimento secundério evitavel e nao-universal. Alguns autores propéem a existéncia de um envelhecimento tercidrio, relacionado a hi- pétese do conhecido como “queda terminal”. De acordo com os resultados de numerosas pesqui- sas longitudinais sobre os diversos contetidos psicolégicos, parece que, 4 medida que se apro- xima a morte de um ser humano, vdo ocorren- do declinios generalizados nas fungdes psicolé- 377 gicas, Se forem analisados retrospectivamente, a deterioragao parece ser muito mais clara quan- to mais préximo da morte estiver o idoso. A ca- pacidade de se adaptar diminui, todas as habi- lidades cognitivas se deterioram, a personali- dade fica desestabilizada e mais vulnerével. Os trés tipos de envelhecimento interagem € acrescentam, mutuamente, seus efeitos. Por isso, Biren e Cunningham (1985) propdem a metéfora do envelhecimento em cascata: 0 en- velhecimento primario provoca uma avancada lentidao do processamento da informagiio; o en- velhecimento secundario (especialmente no caso das doengas cardiovasculares e em algu- mas doengas crénicas) faz com que as perdas sejam mais intensas, e tanto mais quanto maior for a idade, e, por ultimo, o envelhecimento terciério implica declinios generalizados que afetam todos os processos psicolégicos. Finalmente, néo podemos nos esquecer de mencionar a importincia das diferengas in- terindividuais que sao o resultado tanto de fa- tores genéticos quanto ambientais. Essas dife- rengas se acumulam com 0 tempo, por isso duas pessoas que, quando tinham 35 anos, por exemplo, eram muito parecidas nos hébitos que tinham, quando atingem os 50 anos podem ter diferentes niveis de satide, mesmo que tenham continuado a ter estilos de vida semelhantes. Quando tiverem 70 anos, as diferencas entre elas terao se acentuado e uma delas poderd viver muito mais anos do que a outra. Confor- me foi mencionado anteriormente, duas pes- soas com a mesma idade cronolégica podem ter uma idade biolégica muito diferente, e isso fica mais evidente quanto mais entramos nos anos da velhice. ‘As mudangas e sua repercusso no funcionamento psicolégico Considerando tudo © que foi dito ante- riormente, pela acumulagao dos efeitos do en- velhecimento primario e do secundario, nosso organismo envelhece. Envelhece, por exemplo, nosso cérebro, cujo tamanho e peso diminuem & medida que passam os anos. O peso médio do cérebro, aos 20 anos, é de 1.400 gramas; entre os 50 e 60 anos de idade o peso médio 378 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. de 1.337 gramas. Entre 70 e 80 anos, 0 cére- bro pesard 1.266 gramas ¢ entre 80 e 90 anos, 1.180 gramas. Envelhecem os neurdnios, re- duzindo-se em niimero, deteriorando-se na sua arquitetura e na capacidade de conectividade através da sinapse (ver Quadro 20.1 sobre a perda dos neurénios). Além disso, alteram-se 08 ritmos da atividade elétrica do cérebro, tan- to os ritmos alfa que estdo relacionados com estado de alerta (0 ritmo mais lento se relacio- na com uma menor ativacio) quanto os esta- dos delta, relacionados com o sono (a altera ‘so dos ritmos faz com que o sono profundo diminua ¢ 0s padrées do sono se tornem mais inregulares). As diversas partes do cérebro apre- sentam diferentes padrées de envelhecimen- to, Pela repercussao na conduta, so muito im- portantes os processos de envelhecimento que acontecem nos Iébulos frontais (relacionados com 0 controle dos processos cognitivos e mo- tores mais finos) ¢ no hipocampo (relaciona do com a meméria). No caso de algumas do- engas, como Alzheimer, a deterioragéo do cértex cerebral e do hipocampo muito in- tensa, 0 que produz um acentuado e acelera do envelhecimento do cérebro e ocasiona sin- tomas como perda de meméria, incapacidade de desenvolver tarefas rotineiras, dificuldades para aprender, falta de senso de orientacao, mudangas de personalidade e perda de habi- lidades lingiiisticas. Muito embora a doenca possa aparecer em idades anteriores, a maio- ria das pessoas com Alzheimer tem mais de 65 anos, aumentando o risco quanto mais a pes- soa viver, o que talvez explique a maior inci- déncia da doenca entre as mulheres, devido a sua maior longevidade Entretanto, no processo normal de enve- Ihecimento, o declinio das fungoes nao tem ra- zo para ser um obstaculo para o normal fun- cionamento e desempenho psicolégico. Um eé- rebro velho, mas sadio, é capaz de servir de suporte para um funcionamento psicolégico normal, permitindo um adequado desenvolvi- mento das atividades cotidianas e a aquisi¢ao de novos conhecimentos e habilidades. Além disso, a manutengdo da atividade intelectual contribui decisivamente para manter a boa ca- pacidade do funcionamento cerebral. A partir de uma determinada fase do envelhecimento, a maior lentidao na transmissio da informa- 40 no interior do sistema nervoso pode ocasio- nar tempos de reacao mais longos, uma dimi- nuigdo dos reflexos, uma execugao psicomoto- ra mais lenta ¢ um funcionamento psicolégico geral que, talvez, nao tenha a rapidez e flexibi- lidade de idades anteriores. O envelhecimento do hipocampo, por exemplo, pode produzir al- gumas dificuldades tipicas para passar a infor- macao da meméria de curto prazo para a me- méria de longo prazo, e, por isso, nao lembram bem onde deixaram os objetos ou se fizeram ou no alguma coisa (no préximo capitulo, ire- mos nos aprofundar no tema). A rapidez ¢ a flexibilidade que caracterizavam o funciona- mento da meméria nos jovens e nos adultos agora ser afetada, porque, a partir de um de- terminado nivel de envelhecimento do cére- [OLULEY 20.1 Neurdnios e envelhecimento Para Scheibel (1996) nao existem provas para afitmar que perdemos cem mil neurénios por dia. E muito provavel que a maior perda de neurénios acontega na primeira infancia (ver Capitulo 2). Nés, humanos, tems uma produgao inicial de neurdnios ¢ de sinapses superabundante, de maneira que muitas reas do cérebro come¢am com 150% do que depois serdo os valores adultos, que se estabiliza em 100% nos primeiros meses e anos de vida, Posteriormente, perdem-se neurdnios, isso esta claro, mas nao em quantidades tao grandes come nos primeiros anos de vida, Mesulam (1987) assinala com exatidao que somente os habituais esteredtipos sobre a velhice justificam que a incrivel diminui- ‘940 de neurénios na primeira infancia soja classificada como “evolutiva’, enquanto a diminuigao — muito menos sign ficativa — na velhice soja classificada como “involutiva’. problema que afeta os neurdnios no envelhecimento nao se relaciona tanto com a redueao do nimero quanto com a perda da conectividade com outros neurénios, como também com a lentidao progressiva da transmissao dos impulsos. O que muda mais & a arquitetura e a funcionalidade dos neurénios do que o numero deles. DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 bro, haverd, por exemplo, menor rapidez para decidir que estratégia de meméria é a mais ade- quada em uma certa situagao e para um deter- minado contetido. No préximo capitulo se ana- lisa, com maior intensidade, as mudancas pro- duzidas na meméria apés a meia-idade. Mesmo assim, uma pessoa pode atingir uma idade avangada sem que aparecam as di- ficuldades que acabamos de mencionar ou, pelo menos, sem que afetem o desempenho cotidi- ano e 0 equilfbrio das potencialidades psicolé- gicas. Na verdade, o que realmente afeta esse ajuste psicolégico nao é tanto o envelhecimen- to quanto a doenca do cérebro. Quando os transtornos cardiovasculares e a arteriosclero- se fazem diminuir 0 fluxo sangiiineo no cére- bro e o aporte de oxigénio, algumas das difi- culdades mencionadas anteriormente se inten- sificam e podem atrapalhar o funcionamento das fungGes psicoldgicas superiores. Mas, como esses processos se relacionam mais & satide cerebral do que & idade cronolégica, esses pro- cessos seguem mais a légica da doenga do que a do envelhecimento. Naturalmente, algumas dessas enfermidades aumentam um pouco as probabilidades de se apresentarem com o pas- sar dos anos, mas outras se relacionam tao es- treitamente com o estilo de vida da pessoa ou com fatores individuais de risco que nao seria adequado vinculd-las de forma direta com 0 envelhecimento. O envelhecimento fisico nao afeta somen- te o sistema nervoso central. No préximo capi- tulo falaremos de como os érgaos dos sentidos tém uma deterioragao relacionada estreitamen- te com o passar do tempo, Em seguida, exami naremos minuciosamente esses temas. Por en- quanto, limitamo-nos a dizer que alguns dos Srgéos sensoriais comecam a envelhecer nas décadas dos 40 e 50 anos, enquanto outros so- mente comecam a declinar em idades muito mais avancadas, e outros, ainda, podem se manter bastante intactos ao longo da vida, como, por exemplo, o sentido do paladar. Os detalhes dessas mudancas e as conseqiiéncias que produzem sero analisados mais adiante. Uma area onde ocorrem mudangas signi- ficativas é no aparelho reprodutor. Em termos fisiolégicos, o envelhecimento sexual comeca a partir dos 30 a 35 anos ¢ continua em um 379 processo muito lento e gradativo no qual ha importantes diferencas interindividuais. Talvez um dos aspectos que mais chame a atencao nesse proceso esteja ligado as diferencas en- tre o homem e a mulher. Por isso, referiremo- nos a ambos separadamente. Muito embora se- jam muito complexas as causas do processo de deterioracao que acompanha a idade (naque- les aspectos em que realmente ocorre), nao cabem dtividas de que existem fatores hormo- nais envolvidos. No trabalho de Lépez e Olazébal (1998), encontramos uma detalhada andlise da sexualidade na velhice, incluida nela as mudancas fisicas que acontecem no apare- Iho reprodutor humano a partir dos 30 anos. ‘Na mulher, a partir dos 30 a 35 anos, a capacidade de fertilidade diminui (no é que a mulher depois seja infértil, simplesmente a gra- videz costuma acontecer com menor facilida- de); aumenta o risco de aborto espontaneo e a possibilidade de complicacées na gravidez.e no feto. Os ovarios perdem, aos poucos, a capaci- dade funcional, e os niveis de estrégeno no san- gue comecam a se reduzir. Por isso, entre os 40 e os 45 anos de idade aparecem os ciclos sem ovulacao. Fa etapa chamada de climatério, que incluem mudangas que acontecem antes, durante e apés a menopausa, Em média, o fim da menstruagdo ou menopausa acontece en- tre os 48 e os 50 anos, muito embora o critério clinico geral seja esperar um ano completo sem menstruagio para falar do fim definitivo dos ciclos menstruais. Ha sintomas caracteristicos que acompanham o processo da menopausa, como 0 sufoco, calor e transpiraco abundan- te que afetam 80% das mulheres nesse perio- do. Também nesse caso, hd grandes variacdes entre mulheres, ou seja, enquanto umas apre- sentam queixas por freqiiente sensacao de su- foco, outras manifestam sentir esse sintoma de maneira mais ocasional, em algumas duram se- gundos e em outras minutos; ha as que sentem esse mal-estar durante meses, enquanto outras tém de suportar isso por anos a fio. Além dis- so, a diminuicao dos estrogénios ir produzir mudangas na estrutura interna dos ovarios, do titero, da vagina e da vulva, e esta tiltima tera uma tendéncia a perder a sua elasticidade e durante o ato sexual tera uma lubrificagdo me- nor. Por tudo isso, as mulheres terao uma maior 380 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. suscetibilidade diante de problemas como ata- ques do coracao e a osteoporose, doenca que comentaremos mais tarde. Sea mulher tem, em geral, um bom nivel de satide, a atividade sexual poderd se manter até idades avancadas, isto é, além dos 80 anos. Mas, segundo Lépez e Olazabal (1998), cerca de 50% das mulheres apresentam um declinio da sexualidade apés a menopausa (redugao do desejo, coitos menos freqiientes e pior orgas- mo). Os autores mencionam que hé 25% de mulheres com quem acontece o contrario, isto 6, melhoram a atividade sexual (talvez.seja con- seqiiéncia de ficarem despreocupadas em ficar gravidas e pela menor urgéncia ejaculatéria do homem, que também est envelhecendo). De todo modo, a sexualidade apés a menopausa est muito vinculada com a qualidade de vida sexual anterior 4 menopausa. Muitas das difi- culdades fisicas que se apresentam podem ser resolvidas com facilidade. No caso do homem, as mudangas sao mais paulatinas e nao esto marcadas por um acon- tecimento semelhante & menopausa. Os fato- res hormonais esto também envolvidos, nes- te caso, hd uma reducao nos niveis de testoste- rona no sangue. Muito embora as mudancas comecem entre os 30 € os 40 anos, progridem muito devagar, sempre com fortes diferencas interindividuais. A resposta sexual se torna mais lenta a medida que a idade avanca. Se- gundo os dados coletados por Lépez e Olazébal (1998, p. 38), um homem de 18 anos pode atingir uma erecao completa em trés se- gundos; quando fizer 45 anos, demorara uns 20 segundos, podendo necessitar até de cinco minutos aos 75 anos de idade. Outras mudan- as incluem a diminuigéo no niimero de ere- Ges involuntarias, a demora na ejaculagao, 0 menor volume de esperma ejaculado, a menor quantidade e intensidade das contragdes orgés- ticas e o aumento do periodo para atingir uma nova eregdo apés ter ejaculado. Como no caso da mulher, todas essas mu- dangas no impedem uma atividade sexual satisfatéria. Provavelmente seré uma sexuali- dade menos urgente e vivida de outra manei- ra, Mas, é verdade que o envelhecimento nao deve ser associado necessariamente com im- poténcia nem com desaparecimento do desejo e da atividade sexuais. Tanto no homem quan- to na mulher, os esteredtipos sociais existentes sobre o tema da sexualidade na velhice consti- tuem um obstdculo nao sé para uma sexuali- dade satisfatéria como também para as mu- dancas, das quais j4 temos falado. No Quadro 20.2, com informagées coletadas por Lépez e Olazabal (1998), apresentamos um resumo com os dados mencionados anteriormente. Embora muito mais breve, é necessdrio fazer uma referéncia as mudancas corporais que afetam os outros componentes de nossos organismos, por exemplo, os mtisculos ¢ os os- sos. O tecido muscular tende a diminuir na ida- de adulta, com um declinio mais répido a par- tir dos 50 anos. Como conseqiiéncia, a forca muscular ird diminuir com o passar dos anos. Muito embora seja dificil estabelecer qual a parte dessa perda que pode ser ocasionada pela diminuigdo da atividade e o exercicio, essas di- minuigées so inevitaveis inclusive para as pes- soas que se mantém ativas e que possuem um bom nivel de satide. Quanto aos ossos, 0 pro- cesso normal mediante © qual parte do osso velho é reabsorvida e trocada por um osso novo comeca a mostrar mudancas a partir dos 30 anos. Nessa época, a quantidade de osso ab- sorvido comega a ser maior do que a quantida- de de osso novo sintetizado. Muito embora a importancia das perdas de massa éssea depen- da muito de qual era a massa inicial, geralmente os ossos ficam mais frdgeis e porosos & medida que envelhecemos. Quando a perda da massa € 0 vigor dsseo atingem limites patolégicos, aparece a osteoporose, que representa um exa- gero do processo normal de perda que se aca- ba de descrever e que aumenta o risco de fra- turas dsseas. A osteoporose afeta muito mais as mulheres (especialmente apés a menopau- sa) do que os homens. Por tiltimo, devemos mencionar, embora muito rapidamente, as mudangas que ocorrem no sistema cardiovascular. As mudangas estru- turais s4o poucos importantes na medida em que a pessoa possa se manter sadia. E certo que as doengas cardiovasculares so uma das mais importantes causas de mortalidade, mas isso estd relacionado com doencas que afetam © sistema, nao com o processo normal de en- velhecimento. Entre as doencas, devemos men- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 381 = 20.2 Mudangas na resposta sexual humana como conseqiiéncia do processo de envelhecimento Desejo Excitagio Orgasmo Resolugio Pode ser menor, por | Necessita de mais. | Menor volume Evidente razées psicossociais | estimulos. do ejaculado. prolongamento no = | ov hormonais. E mais lenta Menos contragses, | tempo necessério para a ‘As mudangas sao | menos vigor nas ter uma nova eregao & menos vigorosas. contragées, = Pode haver dificuldades na erepao Habitualmente & menor, | Necessita de mais | Menos contragdes, | Nao afetada c_ | Pot razées psicossociis | estimulos Menor vigor nas claramente. | ou hormonais. E mais lenta contragses. 5 ‘As mudangas sto | Mantém a capacidade 2 menos vigorosas. muttorgastioa Pode haver dor durante o coit Nenhuma dificuldade fisiolégica impede o prazer sexual pleno. Nao ha razées para que diminua © prazer subjetivo da resposta orgastica. A resposta sexual esta afetada por fatores afetivos @ cognitivos: fantasias, valorizagao do relacionamento, grau de intimidade, paixao sexual, etc. Ha uma grande vatiabilidade de uma pessoa idosa para outta Fonte: Lépez e Olazibal, 1998, p. 41 cionar especialmente a arteriosclerose, que pro- voca um estreitamento das paredes arteriais ¢ uma conseqiiente reducao do fluxo sangiiineo, Dois comentarios finais séo relevantes an- tes de dedicarmos nossa atengdo a outras ques- tdes. O primeiro deles para indicar que, em muitas das mudangas ¢ alteragdes que temos examinado neste trabalho, é muito dificil dife- renciar o papel do envelhecimento primario do envelhecimento secundario. Por exemplo, no caso do envelhecimento cardiovascular ou da redugio da massa dssea, existem muitos fato- res envolvidos que sao, talvez, até inevitaveis, mas cuja magnitude e conseqiiéncias depen- dem estreitamente dos habitos de vida do in- dividuo, da alimentacao e da atividade fisica. Ou, por exemplo, peguemos 0 caso das mu- dangas nas condutas sexuais, parte das quais se relacionam com fatores estritamente hormo- nais, mas outra parte tem a ver com atitudes, esteredtipos, satide sexual prévia, ete. Em con- junto, o quadro que nos deixa a revisio que antecede é muito menos sombrio do que o que pintavam as concepcées tradicionais; um qua- dro, por outro lado, em que a satide aparece como um capital que a pessoa pode acrescen- tar durante a juventude e nos primeiros anos da idade adulta mediante um estilo de vida saudavel, exercicios fisicos habituais, boa ali- mentacao, etc., ou que a pessoa pode compro- meter ¢ por em risco com hébitos sedentarios, dieta inadequada, consumo de tabaco, exces sos de dlcool, ete. Os fatores psicolégicos nao podem ser dei- xados de lado diante das consideragdes feitas. A satide e 0 bem-estar psicolégico estao rela cionados com a satide e o bem-estar fisico, Por exemplo, conhecemos bem como o estresse abala o sistema imunolégico. Um outro exem- plo para ilustrar o que acabamos de dizer so as conexes entre a satide psicolégica e as doen- gas do coracao. Freqiientemente as pessoas Classificadas com a personalidade ‘A’ (compe- as, aceleradas, impacientes, um pouco hos- 382 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. tis, etc.) eram consideradas como as mais pro- pensas a ter doencas coronétias. O estudo rea- lizado por Booth-Kewley e Friedman (1987) sugere que, realmente, o estilo da personali- dade ‘A’ tem uma estreita relagdo com a pre- senga dessas doengas, é necessdrio corrigir al- guns dos tragos deste tipo de personalidade, tais como: pessoas deprimidas, agressivamen- te competitivas, facilmente frustraveis, muito ansiosas ¢ irritadigas. Entretanto, as doencas do coragéo também esto vinculadas a uma sé- rie de fatores de risco, como dietas inadequa- das, tabagismo, obesidade e histérico familiar com esse tipo de doengas. Expectativa de vida e fatores relacionados Mais cedo ou mais tarde, o corpo huma- no detém seu funcionamento. Esse é um fato biolégico objeto de multiplas andlises demo- graficas. Nossa andlise, neste capitulo, é estri- tamente seletiva e vamos ressaltar os fatos es- Homens 5432 1 2000 senciais para uma melhor compreensao da Fi- gura 20.2. Se nos limitarmos a realizar uma andlise dos dados a partir dos 30 anos de idade, pode- remos comprovar que a piramide de popula- cao se alonga até aproximadamente os 60 anos. A pantir dai, comeca a se estreitar e o estreita- mento se torna mais evidente a partir dos 70 anos, chegando ao ponto maximo nos 80 anos Como podemos ver na Figura 20.2, as mulhe- res apresentam uma taxa maior de sobrevivén- cia se comparadas com os homens, especial- mente se levarmos em conta as estimativas para © ano 2010. Enquanto a porcentagem de ho- mens que atingem o vértice mais alto da pird- mide quase néo muda desde 1998, a das mu- Iheres se amplia consideravelmente. Parte das diferencas de populacao que po- dem ser observadas na Figura 20.2 se relacio- na com 0 fato de que em determinadas épocas se produzem menos nascimentos do que em outras. Por isso, 0 estreitamento da piramide na parte baixa nao se deve a uma elevada mor- Grupos de idade 85 ou mais 80-84 75-79 70-74 65-69 60-64 55-59 50-54 45-49 40-44 95-39 30-34 25-29 20-24 15-19 10-14 6 Mulheres % A 2005 13 45 mm 2010 FIGURA 20,2 Pirdmides de populagdo com projegao para os anos 2000, 2005 e 2010, Fonte: INE, 1998. DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 talidade infantil, mas a uma reduzida taxa de natalidade. Para ter uma idéia do que signifi- cam os dados da figura que correspondem as idades mais avancadas, ¢ util considerar outro dado estatistico muito interessante: a expecta- tiva de vida na época do nascimento, isto é, 0 niimero de anos que, em média, as pessoas vi vem. O Quadro 20.3 mostra os dados da ex- pectativa de vida no momento de nascer, nos paises da Unido Européia, no ano de1995. Como podemos ver, no caso dos homens, a ex- pectativa de vida é de 74 anos enquanto a das mulheres é de 80 anos, 0 que, de novo, mostra a maior sobrevivéncia das mulheres em rela- gio a dos homens. Para situar essas cifras em uma perspectiva histérica, diante dos dados de expectativa de vida ao nascer em 1995 para a populacao espanhola (homens, 74,4 anos ¢ mulheres 81,6), a média no ano de 1930 era de 48,3 anos para eles e 51,6 para elas; os da- dos de 1960 eram de 67,4 para eles e de 72,1 para elas; a estimativa para o ano 2010 é de 75,3 e 82,9, respectivamente, enquanto para 0 ano 2020 é de 76,0 e 83,7, sempre de acordo com os dados e as estimativas do Instituto Na- cional de Estatisticas do Governo Espanhol. [ULWLT] 20.3 Expectativa de vida ao nascer na Uniao Européia em 1995 Homens Mulheres ‘Alemanha 73,3 79,7 Austria 73.8 80,1 Bélgica 73.4 80.2 Dinamarca 72,7 78 Espanha 744 816 Finlandia 72.8 80.2 Franga 73.9 81,9 Grécia 75.0 819 Wanda 72.9 78,4 halla 746 81,0 Luxemburgo 73,0 80.2 Paises Baixos 746 80,4 Portugal 712 78,6 Reino Unido 740 79.2 Suécia 762 aia Fonte: INE, 1998 383 Por que as pessoas morrem? Segundo os dados do INE, referentes & populacao espanho- la e ao ano de 1995, 38% das mortes foram provocadas por doengas do aparelho circula- tério (isquemia cardiaca, doengas cardiovas- culares, insuficiéncia cardiaca). No caso dos homens, logo em seguida esto as doengas re- lacionadas com o aparelho respiratério (c cer nos brénquios ¢ nos pulmées, doengas pul- monares crénicas), 0 cancer de préstata, a AIDS € os acidentes de transito. No caso das mulhe- res, apés as doencas do aparelho circulatério esto: cancer de mama, deméncia senil e pré- senil ¢ 0 diabete. E importante salientar que, de acordo com essas estatisticas, a AIDS é a principal causa de morte nos homens na faixa etdria de 25 a 29 anos, ¢ os acidentes de tran- sito sao a principal causa de morte nos homens entre os 15 e os 24 anos e a segunda, apés a AIDS, entre os 25 e 29 anos. O ntimero de mortes por transtornos mentais é muito rele- vante, especialmente no caso das mulheres, fato que esta em parte vinculado com o aumento da doenga de Alzheimer. Tal como foi assinala- do anteriormente, esse fato se relaciona com 0 aumento da expectativa de vida entre as mu- Iheres e, por isso, ficam mais susceptiveis a doengas senis avancadas. MODELOS EVOLUTIVOS DA IDADE ADULTA E DO ENVELHECIMENTO De forma sintética, os diferentes mode- los evolutivos propostos para mostrar as mu- dangas que acontecem durante a idade adulta eno envelhecimento podem ser agrupados em duas grandes tendéncias: a daqueles que des- creveram essas mudancas como fazendo parte de uma seqiténcia de estdgios e a dos que de- fenderam um modelo de mudanga evolutiva sem estdgios. Como tipico representante do primeiro grupo est Erikson (1980), e do se- gundo, Baltes (1987), que servirdo como exem- plo para nosso estudo. A descrigao do modelo evolutivo de Erikson foi apresentada nos capitulos relacio- nados com a infancia e & adolescéncia (Capi- 384 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. tulos 9, 13 ¢ 18). Esse modelo propde uma sé- rie de estagios ou etapas nas quais hd uma di- mensio psicolégica basica: se o desenvolvimen- to psicossocial funciona de forma satisfatéria, desenvolve-se o pélo positive dessa dimensao (a seguranga em si mesmo e nos outros, por exemplo). Entretanto, se as coisas nao dao cer- to, desenvolve-se 0 pélo negativo (por exem- plo, inseguranca e desconfianga a respeito de sie dos outros). Quanto ao desenvolvimento adulto ea velhice, ele afirma que, uma vez pas- sada a adolescéncia - etapa em que esteve em jogo uma identidade clara ou uma difusa -, os primeiros anos de juventude e da idade adulta precoce sao decisivos para estabelecer relacies de intimidade (ou, se nao der certo, para de- senvolver sentimentos de isolamento). Nos outros periodos da idade adulta, sera decidi- do se a pessoa desenvolve um sentimento de generatividade relacionado com ter filhos, ser criativo ¢ produtivo ou se, de maneira contré ria, os sentimentos que vao prevalecer serao de improdutividade, falta de capacidade de agir e de se comprometer. O ultimo estdgio descrito por Erikson est situado apés os 65 anos de idade e nele a pessoa trabalha o senti- mento de integridade do eu e suas experién- cias vitais, ou, ao contrario, um sentimento de desesperanga e de fracasso. Embora a proposta de Erikson seja a mais conhecida, nao é a tinica que defende um mo- delo de desenvolvimento adulto seguindo uma seqiiéncia de estgios fixos e relacionados com a idade. Apesar disso, uma significativa quan- tidade de propostas existentes est relaciona- da com o modelo proposto por Erikson, embo- ra isso seja muito mais pela énfase dada aos processos de tipo psicossocial do que pelos es- tritamente psicolégicos. No entanto, todas as propostas supdem a existéncia de uma seqiién- cia de mudangas ordenada, previsivel e seqtien- cial, que so os tracos caracteristicos de todas as propostas do desenvolvimento em estagios. Mas ha outra forma de se referir as mu- dangas que acontecem na idade adulta e na velhice sem necessidade de postular a existén- cia de estagios. As propostas realizadas pela psicologia evolutiva do ciclo vital vao nessa di- rego, tal como podemos ver nas idéias de Baltes (1987), um dos tipicos representantes dessa visao. Algumas das idéias centrais da proposta de Baltes estao vinculadas aos con- ceitos de: + Multidimensionalidade (os contetidos psicossociais de que fala Erikson, por exemplo, so uma parte do desenvol- vimento, mas hd muitos outros, e nem todos seguem a mesma légica inter- ha nem sequer a mesma seqiiéncia evolutiva). + Multidirecionalidade (nem todos os contetidos psicolégicos evoluem na mesma diregao, mas alguns aumen- tam, outros se deterioram, uns progri- dem rapidamente no comego e lenta- mente no final, enquanto com outros acontece exatamente 0 contrario). + Combinagio de ganhos e perdas (evo- lugdo nem sempre significa um inere- mento como tampouco envelhecimen- to significa, em todos os casos, perdas; em todas as idades ha processos de ganhos e de perdas, induida a velhice). + Plasticidade (mesmo as pessoas de muita idade, sem doengas que as in- capacitem, conservam a habilidade para as mudancas e para o proceso de adaptaco). + Contextualidade (os diversos contex- tos em que se desenvolve a vida das pessoas e o diferente ecossistema em que ela transcorre exercem uma gran- de influéncia nos processos evo- lutivos). Conforme foi mostrado no Capitulo 1, os modelos evolutivos em que o desenvolvimen- to é descrito como uma seqiiéncia de etapas ou de estgios tiveram seu auge na psicologia evolutiva antes de 1970. Na medida em que a reflexao sobre as fontes de influéncia vai am- pliando o foco da nossa andlise, as descricées em termos de etapas nos vao parecendo cada vez mais problematicas. A discussdo que reali- zamos na primeira parte deste capitulo sobre 0s diferentes tipos de influéncia no desenvol- vimento é uma prova do que acabamos de afir- mar, Mostra claramente a forma como se estu- da o problema hoje em dia. A enorme impor- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 tncia que, com o passar do tempo, vao tendo as experiéncias nao-normativas como também sua acumulacao, légica com a idade, e 0 fato de que diminua a pressio canalizadora das for- as normativas relacionadas com a idade nao estaria muito de acordo com uma concepcao em termos de seqiténcias evolutivas necessari- as, ordenadas, organizadas e orientadas em um determinado sentido. Isso nao significa que 0 desenvolvimento durante a idade adulta e a velhice seja desregrado, caético e impossivel de ser previsto. Somente significa que as im- portantes mudangas que acontecem nessas eta- pas da vida nao se acomodam as rigidas exi- géncias do conceito de etapa ou de estadio. Se a utilidade desse conceito para descrever as mudangas na primeira parte da vida foi recen- temente muito questionada, e se durante os primeiros anos de vida a pressio normativa de amadurecimento tende a impor uma determi- nada homogeneidade em relagao a idade, é totalmente evidente que a utilidade do concei- to seja ainda mais questiondvel nas fases da vida humana em que essa pressio normativa apresenta niveis mais reduzidos. Isso ndo im- pede, por exemplo, que o tema da generati- vidade seja importante na idade adulta, sim- plesmente serve para questionar a existéncia de uma etapa de generatividade com as cono- tages que supde o conceito de estagio. MUDANGAS E CONTINUIDADE Para concluir este capitulo, refletiremos sobre os processos de mudanca e de continui- dade que caracterizam o desenvolvimento du- rante a idade adulta e durante a velhice. O ar- gumento central das reflexdes é que, durante estas etapas da vida humana, ha elementos de estabilidade, tal como sustentavam os velhos esteredtipos, mas também ha muitos elemen- tos de mudancas. Essas costumam se apresen- tar em uma linha de continuidade com todo 0 desenvolvimento anterior e nao como uma rup- tura ou desintegragdo dos ganhos preceden- tes, Para sermos mais claros, ilustraremos com alguns dados de trés ambitos diferentes: o de- senvolvimento intelectual, as transformagées no sistema de eu (autoconceito e auto-estima) 385 ¢ as mudangas no processo do apego. Nos trés capitulos seguintes sao analisados, de manei- ra mais detalhada, os aspectos mais concretos que estdo vinculados ao desenvolvimento cog- nitivo, da personalidade e social, sendo neces- sario nos remetermos a eles para uma andlise evolutiva de maior profundidade. Tal como enunciamos no Capitulo 17, a operacées formais ndo so o ponto final do nos so desenvolvimento intelectual, nem também seu maior objetivo. Alguns tragos tipicos do que se chama pensamento pés-formal esto liga- dos a um maior relativismo, & aceitacao da con- tradigéo como um traco da realidade, ao uso de um tipo de intuigao que procede do actmulo de experigncia, a uma maior capacidade para sintetizar e para encontrar férmulas de com- prometimento, a uma maior flexibilidade e abertura para diversas fontes de informacao, a uma maior convivéncia com a incerteza, a uma favordvel disposigao diante do novo e do des- conhecido. Como se pode ver, é um conjunto de mudangas que pode ser qualquer coisa, menos algo irrelevante. Além disso, os adultos adquirem, pelo menos em alguns ambitos do conhecimento, a categoria de especialistas. Claro que ser perito em alguma coisa nao é exclusivo da idade adul- ta, tal como foi mostrado em varias partes des- te livro, especialmente quando se comparou 0 desempenho de criangas peritas no jogo de xa- drez e adultos desconhecedores desse jogo. No entanto, nao hé diivida de que, parafraseando Freud, a crianga, em geral, € uma novata polimorfa, enquanto 0 adulto desenvolveu ex- periéncia e conhecimentos que o transformam em perito em alguma drea. Segundo Flavell (1985), o que caracteriza as redes conceituais dos especialistas é que nelas ha estradas multi- plas que comunicam um conceito com outros, € por isso cada um dos conceitos da lugar a inimeras referéncias cruzadas em um dicio- nario mental muito denso e heterogéneo. Como se fossem poucas as mudangas que estamos apresentando, ainda podemos falar de uma forma de conhecimento que freqiiente- mente é considerada peculiar dos tiltimos anos da vida e que tem sido nomeada como sabedo- ria, Esse € um conceito que abrange um leque de habilidades e recursos cognitivos, mas que

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