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Unid Iii - o Processo de Urbanização No Brasil
Unid Iii - o Processo de Urbanização No Brasil
e Ambientais
Material teórico
O Processo de Urbanização no Brasil
Revisão Textual:
Profa. Dr. Patricia Silvestre Leite Di Iorio
O Processo de Urbanização no Brasil
Atenção
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar
as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.
Contextualização
Você sabia que o modelo de urbanização das cidades brasileiras, onde vivem
atualmente 80% da população, segue um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e
econômico? Procure nos textos como isso ocorre e avalie como um modo de vida
considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais é complexo no mundo atual.
Entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX várias cidades brasileiras receberam
intervenções importantes. Muitas destas obras tinham caráter saneador e embelezador, como
as reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro e a maciça reforma proposta para a cidade
de Santos, um dos exemplos mais significativos dessa época.
Na virada do século, Santos era atingida por epidemias sucessivas de febre amarela e a
população sofria com as condições precárias de vida e a ausência de sistemas de saneamento
básico. Saturnino de Brito, engenheiro sanitarista, propôs então um plano de construção de
um sistema de canais para o escoamento de águas pluviais. O sistema de canais tornou-se
também a base para a reconstrução do sistema viário santista. Passados mais de cem anos
desde sua construção, o sistema proposto por Saturnino de Brito continua funcionando e
reduzindo o impacto dos alagamentos na planície santista, outrora um manguezal de
condições precárias para o escoamento das águas das chuvas.
Fig. 2 — Esquema geral do Plano de Avenidas, de Prestes Maia, para a cidade de São Paulo.
Fig. 3 — Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, RJ, poucos anos após sua inauguração, ocorrida
em 1941.
Em escala regional, estes movimentos são do interior dos Estados para suas respectivas
capitais, o que inclusive deu origem à formação das regiões metropolitanas (a Grande São
Paulo é um exemplo típico).
A maioria dos problemas urbanos começa nesse período de intensa migração, como a
periferização e a favelização e os diversos problemas estruturais associados a estes dois
fenômenos, como veremos em seguida.
Fig. 4 — Automóveis, arranha-céus, publicidade: já na década de 1950 São Paulo é o retrato da metrópole
perfeitamente adaptada à globalização e à sociedade de consumo.
Como já vimos, a globalização já vinha acontecendo no Brasil e em todo o mundo
desde o colonialismo. Isto se expressa, por exemplo, nas relações comerciais entre o Brasil
Colônia e Portugal, o país colonizador, inicialmente com o pau-brasil, depois com o açúcar e
o ouro. Posteriormente, mesmo com a Independência, a economia brasileira segue conectada
à economia mundial (isto é, dependente dela) através da exportação de produtos agrícolas,
como o açúcar e o café. Como é fácil notar, a industrialização no Brasil não permaneceu
alheio a este processo de globalização crescente. Com efeito, a partir da década de 1950,
indústrias estrangeiras começam a se estabelecer no Brasil, ao mesmo tempo para atender a
demanda por bens de consumo e para ampliar as possibilidades de consumo. Isto, é claro,
ampliou a influência do capital internacional sobre o Brasil.
Isto explica, por exemplo, o processo de periferização das cidades. Periferização, como
o nome indica, é o processo pelo qual parcelas importantes da população são levadas a fixar
moradia nas periferias, isto é, fora do perímetro urbanizado das cidades. No Brasil, isto se nota
principalmente a partir da década de 1940, como consequência da incapacidade tanto do
poder público como da iniciativa privada de oferecer boas condições de vida às pessoas que
cada vez mais se deslocavam para as cidades atraídas pela crescente oferta de emprego.
Fig. 5 — Vista parcial da Avenida Paulista no início do séc. XX. Região onde se concentrava a maioria das casas
da elite paulistana da época.
Fig. 6 — Casario no bairro do Bixiga em 1920, bairro ocupado majoritariamente por operários. O nome do
bairro está relacionado às epidemias de varíola, doença que era conhecida popularmente de «bexiga».
Em São Paulo estas diferenças eram visíveis desde as primeiras décadas do séc. XX,
em bairros operários, como Mooca, Bexiga, Brás e Lapa, e em bairros especialmente
planejados para as elites, como o Pacaembu, o entorno do Parque Trianon e das avenidas
Paulista e Higienópolis. Décadas mais tarde, esta hierarquia na ordenação do espaço levou ao
surgimento de favelas e de outras formas importantes de ocupação urbana.
Outro aspecto importante das transformações pelas quais as cidades brasileiras têm
passado desde a industrialização nas primeiras décadas do século XX é o descuido ao lidar
com questões ambientais.
Como já vimos, a ideia do ambiente natural como palco das ações antrópicas remonta
a uma época anterior aos primeiros passos da industrialização no mundo. A Revolução
Industrial cristaliza esta ideia e a transforma em base conceitual de praticamente todas as
ações humanas realizadas até hoje. Podemos contar, portanto, pelo menos um século e meio
de intensas transformações do ambiente natural e produção industrial crescente sem qualquer
tipo de discussão a respeito das consequências dessas ações, tanto para o homem como para
o meio ambiente como um todo. As exceções são bastante raras e apenas confirmam o
predomínio da regra desenvolvimentista pelo menos até a década de 1970.
É útil recorrermos mais uma vez ao exemplo da capital paulista, mais especificamente
do rio Tietê.
Até a década de 1930, o Tietê era um rio limpo e utilizado inclusive com fins
recreativos. Com a industrialização e com o crescimento da cidade, as margens do rio
começaram a ser ocupadas — sempre de forma desordenada — e então o rio tornou-se
completamente poluído, sem vida. A destruição do rio Tietê foi o resultado da articulação de
diversos personagens e de omissões e ações históricas do poder público e da iniciativa
privada.
A tensa relação entre a cidade de São Paulo e seus rios começa nas primeiras décadas
do século XX, quando foram instaladas olarias em algumas várzeas da capital — áreas onde
era possível obter água e matéria-prima em abundância. O crescimento da população e o
aumento das construções fez crescer a demanda por tijolos e pelos demais produtos das
fábricas instaladas nas margens dos rios paulistanos. Não demorou até que a poluição gerada
por essas fábricas se tornasse um problema tão importante quanto a intensa exploração dos
recursos naturais.
Fig. 7 — Atividades esportivas no Clube de Regatas Tietê no início do séc. XX.
Rio de águas limpas, adequadamente integrado à vida da cidade, com freqüência
utilizado com área de lazer e recreação.
Fig. 8 — Rio Tietê em imagem recente. Rio poluído, cercado de avenidas e construções, desprovido de vida.
Fig. 9 — Plano de Saturnino de Brito para retificação do Rio Tietê, 1924-1925. Diferentemente do que foi feito
em Santos, onde foram criados canais artificiais para facilitar o escoamento de águas pluviais e para organizar o
sistema viário, em São Paulo Saturnino propõe usar o rio existente com esse mesmo objetivo. Embora não tenha
sido executada, a proposta de Saturnino de Brito inspirou as intervenções posteriores realizadas nos principais
rios que cortam a cidade de São Paulo.
É claro que o alto custo social e ambiental do desenvolvimento industrial e urbano não
se limitou à cidade São Paulo. Embora vários indicadores socioeconômicos tenham
apresentado melhoras significativas entre as décadas 1940 e 1980, estas mudanças sempre
trouxeram prejuízos socioambientais notáveis. Mesmo com o PIB crescendo à ordem de mais
de 7% ao ano (compare este número com os 2,7% de crescimento do PIB em 2011), o
crescimento econômico não foi distribuído de forma homogênea, tampouco privilegiou
regiões mais carentes. Repetindo a tendência que já se observava desde o início do séc. XX,
os investimentos públicos concentravam-se quase exclusivamente nos pólos produtores.
Fig. 10 — O bairro dos «candangos»: Cidade Livre em 1958, hoje conhecida como Núcleo Bandeirante. O
fenômeno da periferização no Distrito Federal começou antes mesmo da inauguração de Brasília.
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Fig. 10 — Brasília e seu entorno: hoje o rigoroso Plano Piloto perde-se em meio ao tecido intrincado das
cidades-satélite. Ceilândia (1), Taguatinga (2), Núcleo Bandeirante (3), Candangolândia (4), Plano Piloto (5).
Fig. 11 — Panorama geral da cidade de Santos na década de 1950. Poucos edifícios na orla.
Como sabemos, em 1964 iniciou-se o período dos governos militares no Brasil, que só
se encerraria em 1985. Entre 1968 e 1978 vigorou o AI-5, que institui o período de maior
centralização do poder político e de maior repressão. Neste período, mais especificamente em
1971, é aprovado o primeiro Plano Diretor da cidade de São Paulo. Tratava-se, porém, de
um documento desligado das necessidades reais da população daquela cidade, visto que
durante os governos militares — em especial durante o período do AI-5 — os Governos
Estaduais e as Prefeituras tornaram-se meros repetidores das determinações do Governo
Federal. Assim, instrumentos que poderiam auxiliar a ordenação espacial e a preservação
ambiental, eram propostos com o objetivo de perpetuar o modelo desenvolvimentista que
vigorava desde a década de 1950.
Com efeito, o período dos governos militares trouxe também um aumento brutal da
decadência ambiental na maioria das cidades brasileiras. Um dos símbolos deste período é a
cidade de Cubatão, na Baixada Santista.
Cubatão nasce como ponto de parada imediatamente anterior à subida da serra, por
sua localização estratégica entre o planalto (isto é, a cidade de São Paulo) e o porto de Santos.
Essa condição determinou a instalação de um polo industrial nessa região a partir da década
de 1950. Em 1953, a Petrobrás estabelece em Cubatão a Refinaria Presidente Bernardes, que
inicia suas atividades em 1955. Em 1963, é criada a COSIPA (Companhia Siderúrgia Paulista)
e em 1965, já sob governo militar, Cubatão é classificada como área de segurança nacional,
dada sua importância como polo industrial.
Fig. 13 — Polo industrial de Cubatão no início dos anos 80. Níveis de poluição altíssimos praticamente
inviabilizavam a vida na cidade.
Lembremos ainda que Cubatão não era apenas um polo industrial, mas uma cidade
como qualquer outra, onde viviam pessoas. Os altos níveis de poluição trouxeram inúmeros
problemas de saúde para essas pessoas, desde problemas respiratórios agudos ou crônicos até
câncer e nascimentos de crianças anencéfalas. O principal rio da cidade, o rio Cubatão, era
um rio morto. As encostas da Serra do Mar mostravam sinais evidentes do impacto da
poluição sobre a vegetação nativa.
Com a poluição em níveis alarmantes e os problemas de saúde pública cada vez mais
severos, empresas e poder público uniram-se para reverter este quadro. Em 1983, tiveram
início ações de recuperação e regulação ambiental. Em 1992, com a redução de 98% dos
níveis de poluição, a cidade recebeu da ONU o título de «cidade-símbolo da recuperação
ambiental».
Em linhas gerais, foi este o processo que permitiu que a recuperação da qualidade
ambiental de Cubatão e que fixou definitivamente as questões ambientais como parte de
nossa cultura e como critério para o planejamento e para a ordenação das cidades.
Material Complementar
Como complemento aos seus estudos, apresento dois textos importantes para fixar os
conteúdos desta unidade.
O segundo texto chama-se «A lógica da desordem», de Raquel Rolnik. Este texto explica alguns
elementos do modelo de exclusão territorial que predomina nas cidades brasileiras. Segundo Rolnik, o
modelo funciona como uma «espécie de engrenagem da máquina de crescimento que, ao produzir as
cidades, reproduz as desigualdades».
Em «A lógica da desordem», Raquel Rolnik propõe que as cidades brasileiras passaram nas
últimas décadas por um rápido processo de urbanização. Em menos de 40 anos, a população
brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana. Este cenário refletiu em
desigualdades sociais e espaciais e é analisado pela autora segundo as condições de ascensão da
população diante da forma de distribuição e ocupação do espaço pelas diversas classes sociais. Para
Rolnik, nosso modelo urbanístico é profundamente excludente: a qualidade urbanística dos espaços
acumula-se em setores restritos, deixando as «sobras» com valores econômicos precários e carente de
políticas urbanas adequadas, pois são consideradas áreas de risco à ocupação (áreas ambientalmente
frágeis, fundos de vale, áreas sem infraestrutura ou distantes do lazer e cultura) para a maioria da
população nas grandes metrópoles.
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