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4.

O humanismo científico Iluminista


Conforme visto no capítulo anterior, a consequência do fascínio que o cristianismo
produziu em seu início foi romper com a ideia estoica da filosofia clássica. O valor do
homem dependia de sua força natural ou moral adquirida pelas virtudes perdeu sua força,
na medida em que Judeus, Romanos, estrangeiros, coxos, cegos, aleijados, pecadores e
santos, passaram a ser potencialmente iguais perante Deus.

Muitos séculos depois e por muitos motivos, mas principalmente devidos as grandes
navegações, em especial no século XVI, nasce a celeuma em torno dos indivíduos
encontrados nas terras d’além mar.

Nesta altura da história as relações começam a ganhar uma complexidade ainda não
experimentada, o dogmatismo cristão e o domínio papal começam a ser questionados. A
subordinação ao rei (poder temporal) e ao papa (poder divino) era posta em dúvida, com
ela, surge a possibilidade do crescimento de uma ideia ainda embrionária. A ideia de um
Estado independe de Deus, ou mesmo em lugar de Deus.

Mas o que garantia a legitimidade da Igreja era que ela e seus dogmas representavam
verdades divinas em vigor por muitos séculos. Sobre elas pesou a crítica dos Iluministas,
um movimento que emergiu para desmistificar os assim considerados dogmas verdadeiros.

Segundo Júlio Cesar Pompeu (2012, p. 50), com Maquiavel (1496-1527), aquelas verdades
divinas começam a ser desmascaradas enquanto conceito, ele intuiu que a verdade não seria
tão evidente como queria fazer crer a Igreja.

Uma delas por exemplo, a natureza naturalmente pecaminosa do homem, não fazia sentido
para Maquiavel. Argumentava ele, que não se poderia atribuir a ela nada de efetivamente
genuína, pois essa qualidade pecaminosa, essa aparência, é fruto da perspectiva de alguém,
um observador, no caso, a igreja, que lhe impunha uma série de dogmas como forma de
dominar essa suposta característica pecaminosa.

A repetição da perspectiva desse primeiro observador é que pautaria a verdade. O desejo


seguir essa perspectiva torna-se a causa da verossimilhança; a natureza percebida é corrupta
e sujeita ao desejo do observador, no caso, a igreja, que impunha uma série de dogmas
como forma de domar essa natureza pecaminosa.
Para Maquiavel, todos seriam capazes de voluntariamente agir em conformidade com o
bem, esse agir conforme o bem, seria um ato racional que, consagrara a razão como
método, assim, na razão iluminista, o bem não dependeria mais de estar de acordo com uma
suposta e eventual vontade de Deus, mas de uma voluntariedade para o bem.

Separa-se assim a teologia dos preceitos do bem e da verdade. O Iluminista Hugo Grocio
(1583-1645) por exemplo, admite a racionalidade para o bem, como m atributo humano
independente de Deus. Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704) por sua
vez, passaram a descrever a alma como um papel em branco onde eram impressas as
experiências humanas talhadas pela razão, a consequência disso foi a libertação da natureza
humana do pecado original. (p. 78).”

Mas Hobbes recupera o naturalismo (descrito no item 1) para concluir que naturalmente os
homens viviam em Estado de violência e beligerância. Ocorre que, contra esse estado
natural, há um instinto igualmente natural de auto conservação, e com ele, a pretensão de
negar aquela beligerância natural. Desta dicotomia surge a razão, como método capaz de
produzir o equilíbrio entre o estado natural (belicoso) e o instinto (de auto conservação).

Ao tempo de René Descartes (1596-1650), filósofo cristão, se propõe a algo que naquela
época era uma loucura, provar racionalmente a existência de Deus, para isso rompe com a
Igreja, mas não com a fé, para repelir seus dogmatismos.

Aqui um parêntese, quando se refere a Descartes é quase automática a conexão com o dito
popular consolidado em nossa cultura “penso logo existo” (cogito ergo sun em latim).
Entretanto, segundo Heidegger (1991), essa é uma conclusão precipitada, pois essa
expressão coloca o pensar como pressuposto ou condição da existência do Ser, e não se
trata disso, pois a expressão afirma que: ser e pensar tem seu lugar “no mesmo”, é uma
relação de reciprocidade, portanto significa dizer que ser pertence com o pensar ao mesmo
ente, mas não quer dizer que sua existência dependa do pensar.

Pensar é da essência do humano, mas não é pressuposto de sua existência, pensar qualifica
o homem, mas não produz sua existência, pode-se existir sem pensar. Existência e essência
são independentes, conforme já vimos em Parmênides no cap. 1. Fecha-se o parêntese.
De acordo com Liz Beatriz Sass (2008, p. 52) Descartes, desenvolve um método1 que é
essencialmente prático para se alcançar a um conhecimento racional, ele dúvida e questiona
qualquer dogma tido como verdadeiro e o submete a um processo de desconstrução.

O que é fundamental no método cartesiano, é que afeta profundamente a relação homem x


natureza, na medida em que desconsidera o pensamento orgânico da filosofia tradicional,
na medida em que prevê a necessária separação entre sujeito e objeto, humano e natureza.

A natureza deixa de ser “um todo” para ser “uma parte” (com)-parti-mento, dividida,
numerada e classificada. Há uma desqualificação ontológica da natureza, na medida em
que, deixa de existir a partir de si mesmo, da matéria, para ser um “objeto” da razão.

Todas as certezas naturais ou divinas, passam a ser postas em dúvidas, e, se podem ser
questionadas, só por isso existem, daí a expressão: penso logo existo (cogito ergo sun).

A ciência passa a ser uma instância que homologa a verdade existencial, isso lhe conferira
poderes somente reconhecidos aos deuses ou aos entes sobrenaturais. Estabelecerá um novo
vinculo do homem com a natureza que expresso por Descartes nos seguintes termos
(DESCARTES, p. 55):

“[...] é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida, e que, em
vez dessa filosofia especulativa, que se ensina nas escolas, se pode encontrar uma
outra prática, pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar,
dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão
distantemente como conhecermos os diversos misteres de nossos artífices,
poderíamos emprega-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são
próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza”.
Com Jean Jaques Rousseau (1712-1778), como as ideias não eram mais próprias e de
acordo com a natureza, mas deveriam ser escritas pela razão, fixando assim, as bases do
que seria o oposto ao dogmatismo, a liberdade do agir e as condições para o surgimento do
contrato social.

1
O método cartesiano consiste basicamente em quatro passos:
- O primeiro passo consiste em não aceitar por verdadeira coisa alguma, com isso evitar a precipitação,
somente se pode admitir uma premissa que esteja absoluta e evidentemente clara. Mas mesmo assim deve-se
questioná-la.
- O segundo passo, é dividir a premissa em unidades de medida, iguais e comparáveis, de modo que, ao
dividi-las em tantas parcelas quantas sejam necessárias para sua compreensão.
- O terceiro, se refere a ordenar e deduzir, visando conduzir os pensamentos em ordem, dos mais fáceis e mais
simples para os mais complexos.
- Finalmente, fazer enumerações completas e revisões a exaustão até nada mais haver de omisso.
O refinamento das teses de todos esses iluministas, se dá com Immanuel Kant (1724-1804),
não é exagero dizer que todos os iluministas levaram a ele. Sua obra Razão pura (1787),
que buscava uma razão livre de dogmas e preceitos anteriores, fossem naturais ou
religiosos, portanto, pura.

Entretanto, segundo Costas Douzinas (2009, p. 76) apesar trabalharem contra o


dogmatismo religioso, a influência teológica ainda estava evidente na obra de todos os
grandes filósofos do século XVII. Um deísmo laicizado substituiu Cristo/Deus por um
Homem racional e livre da autoridade teocrática.

Esse homem racional passa a ser o objeto filosófico a ser compreendido, e esse novo objeto
filosófico agora é europeu e não mais grego. Prova disso é que a razão em Kant é algo
novo, não é só uma experiência corporal, ligada à experiência como em Aristóteles, ao
conhecimento de si mesmo como em Sócrates.

Com Kant, o sujeito é livre para decidir, ele desvinculado do destino natural propugnado
pela ontologia, de sua própria natureza pecaminosa como admitido em todo o período
medieval. Antes, cria seu modo próprio de bem viver.

Essa perspectiva deixa de levar em consideração o Ser, para se transmutar em como deve
ser, esse “dever ser” é fruto de uma organização social, verificada a partir de uma razão
prática, que promova boas práticas a todos, com o objetivo de atingir um bem estar social.

Sua originalidade está em inverter o processo tradicional de busca do bem, na medida em


que, antes dele, o bem era concebido ontológica ou teologicamente, e após; a ação moral é
descoberta pelo livre e racional agir do agente autônomo, o sujeito de direitos.

O dever ser passa a ter uma dimensão universal, uma forma de agir que seja prioritária e
que deve ser imposta a todos categoricamente. O imperativo categórico foi sintetizado por
Kant, por meio da seguinte expressão:

AGE SÓ, SEGUNDO UMA MÁXIMA TAL QUE POSSAS QUERER AO MESMO
TEMPO QUE SE TORNE LEI UNIVERSAL.

Dessa forma, o bem e o justo passa a ser verificado a partir desse imperativo categórico, o
Ser que tem domínio de si, deve agir de acordo com ele, mesmo em detrimento de seus
próprios desejos, experiências, inclinações. Pronto! Estão aí os requisitos mentais
(racionais) para o surgimento do Estado, como alternativa aos dogmatismos religiosos.

A ideia de Estado nessa quadra histórica é o pressuposto da libertação, a ferramenta para a


construção de uma nova cultura a ser disseminada pelo acordo voluntário dos povos, que
buscará uma “paz perpétua” (obra de Kant destinada a uma reflexão filosófica dos conflitos
internacionais de sua época), obtida racionalmente pelo imperativo categórico kantiano.

Essa é base da construção do edifício teórico que fará surgir no plano político internacional
um método capaz de administrar o mundo a partir de preceitos minimamente éticos em
busca de uma paz perpétua e que faz surgir, no século XX a Liga das Nações e a
Organização das Nações Unidas.

4.1 O Materialismo x Humanismo Iluminista

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é crítico tanto da metafísica clássica quanto
de Kant, pois não crê nem no agir ético e desinteressado nem na pureza racional. Para ele,
segundo Bittar e Almeida (2015, p.365) “[...] isso é uma abstração tão grande que não
corresponde à realidade, isso seria um idealismo perfeccionista, faltam na análise, por
exemplo, as considerações sobre o patológico, o irracional, o passional e o carnal.

Hegel acredita que no “mundo real” os limites do justo são impostos a partir de um artificio
externo ao homem, qual seja, a lei. Os juízos interno de valor, as convicções de certo ou
errado da ideologia humanista, pouco importam.

Ele tem os pés no chão e utiliza o estado de beligerância (guerra) como exemplo, a guerra
sempre foi considerada, desde os gregos como um evento natural, todo mundo guerreia,
nunca houve um dia de paz na sociedade, mas, para ele (2015, p. 379) a guerra não depende
de fatores metafísicos, dogmáticos ou de imanências, é a razão humana e os interesses que
a ordenam, o sujeito é construtor da realidade beligerante.

Ele até admite a guerra por motivos irracionais ou convicções interiores, mas
principalmente por fatores externos, como por exemplo, o temor da sanção, o desejo de se
manter afastado de repreensões, desgastes inúteis, o temor de escândalos ou exposições
desnecessárias, o respeito a autoridades públicas.
Para Hegel (2015, p.386) “[...] o divino não opera na realidade, e o justo é um instrumento
da realidade, e o real é categorizado no direito, sem ufanismos ou romantismos, portanto, o
direito é o existir (Ser) de vontade livre e autônoma sob o direito”.

Nesta medida, a liberdade referida por Hegel (2015, p. 390), é livre do “querer abstrato”
que era o fundamento dos dogmas religiosos, é livre do “querer caótico” que é fruto dos
desejos imanentes, e ainda, livre do “querer arbitrário” fruto do uso da força.

A liberdade é um existir fora do “estado natural”, fora de um destino contra o qual não se
pode desvincular, da dominação do forte sobre o fraco.

Logo o sistema jurídico na formulação hegeliana é racional e imparcial, ou seja, liberto de


paixões e desejos e criado pelo Estado através do direito, substituindo, de certa forma a
natureza e a Deus. Sendo assim, aqui se realizaram as condições mentais para o surgimento
do Estado enquanto órgão regulador (pela lei) das liberdades (direitos) e desejos pessoais.

Assim se para Kant a razão é uma abstração, em Hegel a razão é um instrumento da


realidade, um racionalismo que pode ser expresso na frase “o que é real é racional”, pois
precisa ser reconhecido por um homem racional e real, que ordena todas as coisas.

E assim, considerada a justiça como um instrumento de realidade a partir de um


comportamento racional e não metafísico nem oriundo da divindade, conclui-se que Deus
não pode ser Justo, pois a crença nele é um dogma.

Se é assim, volta-se à estaca zero. E o que seria a Justiça Real de Hegel? – É aquela
realizada pelo Estado através da positivação do direito.

Por isso para Hegel (2015, p.396, notas 27,28) nada estaria acima do Estado, sua obra é
uma verdadeira apologia ao Estado, sendo este uma “evolução das corporações humanas”
do Ser, por meio do “Império da Razão”.

Dessa forma, culturas que não tivessem adquirido este estofo não poderiam ser
consideradas evoluídas.

Daí o ditado: “cada povo tem o governo que merece”. Finalmente, o Imperativo categórico
kantiano é transformado pelo direito como instrumento para compatibilizar diversos
Estados nacionais (racionais e reais), dando azo ao surgimento do direito internacional, bem
como ao jus congens.
4.2 O materialismo anti-humanista “Marxista” x Ideal Iluminista

O Iluminismo é a consagração do antropocentrismo como ideal, mas é também, a


consagração da ciência como método, como paradigma doutrinário e oposição ao
dogmatismo religioso.

Esses critérios são elaborados a partir de uma racionalidade, sob a lógica da razão. Isso
representa um ideal, ou seja, um modo de ser na vida ideal, é o que se denomina idealismo,
logo, um dever ser considerado primeiramente em teoria, e em seguida posto em prática.

Maior exemplo desta forma idealizada de como viver é o liberalismo que, a partir dos já
citados princípios da igualdade e fraternidade imaginam um mundo a ser vivido de maneira
universal.

Mas em paralelo, surgirá outra perspectiva, igualmente a partir de critérios científicos, mas
fundamentada a partir de um mundo concreto, obtido nas relações sociais e nem tanto nos
personalismos, é o que se denominará de materialismo.

O mais festejado autor desta então tendência, Karl Marx (1818-1883), em sua fase jovem,
em sua obra Manuscritos de 1844, é referenciado como o pai do materialismo histórico2. A
referência ao materialismo se dá em oposição a noção de ideologia.

Nas raízes do antropocentrismo há um ideal, qual seja, essencialmente a história deve ser
vista a partir da perspectiva humana. Por isso até ali a história contada seria a história do
homem. Isso por si só representaria uma ideologia, vez que, considera o homem como
estrutura essencial da história. Notadamente a história do homem burguês.

Na perspectiva o jovem Marx, a história deve ser contata a partir de uma lente mais distante
do homem, a partir da luta de classes na sociedade humana, ou seja, dos fenômenos que
produzem o domínio de uma classe social sobre outra. Pouco importando os conteúdos
éticos e morais para se chegar a esse estado de coisas.

2
O materialismo histórico é definido por Louis Althusser (1967, p.13) como é a ciência da história. Pode ser
definido ainda com maior precisão como a ciência dos modos de produção, de sua própria história, de sua
constituição e de seu funcionamento, e das formas de transição que fazem passar de um modo de produção a
outro. O Capital representa a teoria científica do modo de produção capitalista.
ALTHUSSER, Louis. Marxismo, Ciência e Ideologia. In: Marxismo Segundo Althusser. Sinal, 1967.
Para Louis Althusser (1918-1990), um dos maiores comentadores das obras de Marx, “o
marxismo é, do ponto de vista de seus conceitos científicos e filosóficos um anti-
humanismo” (1978, pg.46). Isso porque, o ideal ético-humanista da filosofia iluminista,
estaria enraizado em todos os modos de produção, de consumo, nas estruturas e
superestruturas que governam a economia, e que suprimem a possibilidade de o homem Ser
em essência alguma coisa, e que, essa louvada liberdade capitalista, seria apenas uma
possibilidade ideologizada, mas não factível em função do abismo entre as classes sociais
dominantes e dominadas.

Segundo o mesmo autor, “a ideia do homem ideal e autônomo é apenas um fetiche, uma
construção eminentemente burguesa, já que o par pessoa/coisa está na base de toda
ideologia jurídico burguesa, que seria um mecanismo de ilusão social” (1978, pg.29).

Isso não quer dizer que Althusser não reconhecesse certos méritos do humanismo, em seu
dizer,

No caso do anti-humanismo teórico de Marx, desejo aclarar de que, está longe de


mim a ideia de denegrir a grande tradição humanista cujo mérito histórico é o de
haver dado ao homem uma dignidade. Os grandes humanistas burgueses que
proclamavam que o homem que faz a história, estavam lutando do ponto de vista
burguês – então revolucionário – contra a tese religiosa de ideologia feudal que
sustentava que Deus é quem faria a história. (1988, p.80)
A luta entres as classes sociais que deveriam constituir a perspectiva histórica, é essa luta
que daria materialidade a vida e a política. A luta travada no campo ideológico, no campo
das ideias não teria correspondência no mundo vivido.

Na dizer de Juliana Paula Magalhães (2018, p.125) o homem naturalmente livre, premissa
maior do humanismo na verdade seria uma quimera, já que, efetivamente, essa liberdade
seria sempre limitada pelas condições sociais concretas e que os argumentos dos liberais
em favor desse ideal libertário, seriam apenas astutos argumentos para desviar o homem
daquilo que realmente interessaria, a luta de classes.

O humanismo seria, portanto, uma ideologia específica do ramo do direito, na medida em


que, na base de todo e qualquer direito haveria um sujeito de direitos que, em tese, seria
capaz de expressar sua vontade livre e consentida, ou seja, um humano capaz de exercer
sua vontade, novamente um homem idealmente livre.
Portanto, as ideias iluministas de evolução da natureza humana, contrato social e
pacificação social, são capazes de produzir apenas o modo de produção capitalista.

Esse é o ponto nodal da divergência do materialismo histórico com a ideologia humanista,


ou para alguns, “romantismo”. O humano jaz mergulhado num mundo, numa sociedade já
estruturada, e que se impõem à suposta livre consciência dos homens de tal maneira a
constrange-los a aderir, e reconhecer as verdades ali carreadas, subordinando-o e garantindo
a reprodução dessas práticas. Como se vestir, qual religião professar, gênero e tantos outros
rituais mundanos são exemplos de construções sociais já impostas ao Sujeito de direito ao
nascer. Para Arthusser,

Assim como Copérnico retirou a terra do centro do Universo, Marx


retirou o humano do centro da História revelando a concretude das
relações sociais, por sua vez, Freud demonstrou que o sujeito não
tem um ego centrado na consciência, ao revelar o inconsciente.
Assim, a ideologia do homem como sujeito consciente, seria uma
forma típica da ideologia burguesa que se espraia em muitos setores
como a psicologia, a moral, o direito e a economia (1991, p.84)

Entre os comentadores de Marx, há uma séria divergência, no que diz respeito de serem as
superestruturas econômicas capazes de limitarem ou /até sufocarem as subjetividades dos
homens, ignorando suas potencialidades, suas lutas e sua capacidade de transcender e criar
sua própria história.

Há mesmo entre os comunistas, aqueles que admitem no Marxismo um Humanismo


peculiar, na medida em que, o maior objetivo do comunismo, a destruição das
superestruturas sociais, possibilitaria ao homem, a chance de serem efetivamente
protagonistas da história, e realizar o homem.

Este humanismo é diferente daquele de Descartes, Rousseau o Kant, pois não trabalha com
uma noção ideal, nem individual e muito menos metafísica de essência do homem, mas
comunista, ou seja, a realização humana por força de uma luta comum, coletiva e que
transforma as condições materiais estabelecidas.

A isso denomina-se materialismo dialético, no qual a partir de Marx, o trabalho do homem


e a conexão entre o pensar e o mundo material, a ligação entre o ideal e a prática. A
expressão dialética se justifica pelo fato de que coloca em dialogo, verdade relativas e
absolutas.

4.2.1 O existencialismo e o materialismo

O Celebre Jean-Paul Sartre (1905-1980) apesar de confessadamente comunista, é


conhecido por sua doutrina denominada existencialismo, coloca o em primeiro lugar
sempre as subjetividades humanas, na medida em que, essas subjetividades que vão lança-
lo para além de suas características individuais, e nesse arremesso gera efeitos gerais em
toda humanidade, para ele não há um determinismo universal.

Em torno deste paradoxo criado entre as possibilidades humanistas e a formatação


produzida pelas superestruturas hegemônicas capitalistas, gravitarão as principais disputas
políticas que protagonizarão os próximos séculos.

O socialismo seria a transição para superar esse paradoxo, ou seja, a ocupação dos espaços
públicos por parte das minorias oprimidas com objetivo de, tomados os aparelhos
produtivos, transformar a realidade social capitalista por meio do direito e da constituição.

5- A Fenomenologia

Esta ideia de que existem direitos inerentes à condição humana, que colocam o humano no
centro gravitacional do universo (antropocentrismo) e que produzem um verdadeiro
fascínio desde os primórdios filosóficos, nos tempos atuais é fomentada pelas novas
dimensões de direitos que vão surgindo, em particular os de natureza difusa e ambiental
(ecocentricos), revigorando o debate em torno da centralidade do humano em relação aos
conceitos éticos e multiculturais.

De acordo com Vicente de Paula Barreto (2011, p. 234), seu conteúdo universalizante é
“[...] um recurso facilitador de diálogos, não um pressuposto teórico [e, ainda] um marco
zero linguístico que indica não o início, mas a divisão entre a positividade e a inexistência
formal”.

E nessa perspectiva complexa a partir da linguagem que se consolidam as declarações de


direitos humanos, na busca de uma forma comum de se comunicar, na busca de um uma
universalidade conceitual, se é assim, se, o humano só acontece após a linguagem, seria
razoável pensar que esse humano só poderia nascer quando se autonomeasse.

A linguagem, como elemento construtor desse novo humanismo que se propõe como
paradigma de status singular entre os demais direitos tradicionais, submerge desse “mar de
direitos” como espécie. Para Giuseppe Tosi (2010, p. 66), “[...] cada linguagem cria seu
próprio mundo, a linguagem dos direitos humanos cria o mundo dos direitos humanos,
enquanto ideia reguladora e horizonte a ser perseguido”

Para a fenomenologia (descrição daquilo que é dado), desconstrói-se o objeto para se


examinar o não dito, o encoberto, para que possa acontecer a partir daí uma nova produção
de sentidos, uma estratégia de nova compreensão hermenêutica do justo a partir da redução,
destruição e construção de novos sentidos. No dizer de Lênio Streck, citando Heidegger
(2009, p. 288, nota n. 11):

[...] somente quando se encontrou a palavra para a coisa, é esta uma


coisa; somente então é, uma vez que a palavra é que proporciona o
ser à coisa. Sem palavra, sem linguagem, não há existência. Não
falamos sobre aquilo que vemos, mas sim o contrário, vê-se o que
se fala sobre as coisas.
A ciência analisará a partir daí a verdade, e o primeiro passo é estabelecer as condições nas
quais um conhecimento científico é verdadeiro. Expoente dessa linha segundo Virgínia
Kastrup (1999, p.30), Auguste Comte buscava na ciência a possibilidade de superar a
metafísica e a filosofia, através da busca de “[...] condições invariáveis do processo
cognitivo sob a forma de leis repetitivas”.

Sua evolução foi perceber, que, não se tratava efetivamente da busca da verdade, mas do
processo cognitivo, ou seja, o problema não seria a verdade em si absoluta, mas como ela é
percebida, uma teoria da percepção, ou por outra, de sua validação, não necessariamente
verdadeira.

A isso denomina-se Gnosiologia, ou seja, a, a análise da verdade a partir do método ou da


linguagem de maneira específica e sob o domínio do sujeito, mas que devam ser universais
e invariáveis.

Descartes, René. Discurso do método. Traduzido por J. Guinsburg e Bento Prado Junior.
São Paulo: Abril, 1973. v. XV, Coleção Os Pensadores.
SASS, Liz Beatriz. Direito e natureza – (re)construindo vínculos a partir da ecocidadania./
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HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein.
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LEITE, Flamarion Tavares. Manual de filosofia geral e jurídica das origens a Kant. Rio de
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Oksala, Johanna / Como ler Foucault; tradução Maria Luiza X. de A. Borges; Rio de
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MAGALHÃES, Juliana Paula. Marxismo, humanismo e direito: Althusser e Garaudy. São


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ALTHUSSER, Louis. Resposta a John Lewis. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. In:
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