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Direito de

seguro e
resseguro
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Direito de
resseguro
seguro e
Ilan Goldberg

Fechamento desta edição: 03 de agosto de 2012

Edição 2012
© 2012, Elsevier Editora Ltda.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.


Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida,
sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Copidesque: Tania Heglacy


Revisão: Pamela Andrade
Editoração Eletrônica: Mojo Design

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ISBN: 978-85-352-6417-3

Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação,
impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de
Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens,
originados do uso desta publicação.

Cip-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
G564d
Goldberg, Ilan.
Direito de seguro e resseguro / Ilan Goldberg. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2012.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-352-6417-3

1. Seguros - Legislação - Brasil. 2. Responsabilidade das companhias de seguro


- Brasil. I. Título.

12-5203. CDU: 347.764


À minha esposa, Maria;
Aos meus filhos,
Victoria e David;
Aos meus pais, irmão e avô.

À Memória do Professor
Marcos Juruena Villela Souto.
Agradecimentos

I dealizei esta coletânea de artigos como forma de organizar a minha


produção acadêmica ao longo dos últimos 10 (dez) anos.
Neste período, tive o apoio incondicional da minha querida esposa
Maria, sempre ao meu lado, incentivando-me e, também, discutindo as
questões que, tempos depois, acabavam transformando-se em artigos
jurídicos. Registro o meu agradecimento especial aos, sem dúvida, dois
melhores “artigos” da minha vida! Minha filha Victoria, que chegou
em 2009 e meu filho David, que chegou em 2011. Com vocês, a minha
vida é muito mais feliz! Toda a minha cumplicidade aos meus pais,
especialmente à minha querida mãe Anita, inspiração para cada desafio
do dia a dia, ao meu irmão Andre e ao meu avô Zig.
Algumas pessoas e entidades tiveram um papel muito importante
nesse caminho porque, sem restrições, verdadeiramente abriram suas
portas para que me fosse possível publicar, pouco a pouco, os artigos
que fui escrevendo.
Tudo começou em 2002 com o Sr. Antônio Carlos Teixeira, da então
chamada Fundação Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG, hoje
ENS – Escola Nacional de Seguros. O amigo Antônio Carlos, à época,
era o Editor da Revista Cadernos de Seguro e da Revista Brasileira de
Risco e Seguro e, em todas as ocasiões nas quais enviei os meus traba-
lhos, sempre me recebeu da melhor forma possível, submetendo-os ao
Conselho Editorial das Revistas. Posteriormente, tive a oportunidade
de conhecer a Sra. Vera Souza, que assumiu a sua posição e, igualmente,
manteve abertas as portas da Escola.
Por ocasião dos meus estudos em nível de Mestrado em Direito, tive
o privilégio de conviver com o querido Marcos Juruena Villela Souto,

VII
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

um Professor com letra maiúscula. Marcos me ensinou muito, orientou-me em


tudo que precisei e, com toda certeza, foi decisivo para que eu obtivesse o título
de Mestre além da publicação da minha Dissertação – Do Monopólio à Livre
Concorrência – A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro. Infelizmente
e muito prematuramente, o Professor Marcos faleceu em 2.011, deixando um
vazio muito grande para todos os seus alunos, colegas de trabalho e orientandos.
Meu agradecimento ao Sr. João Luis, da Editora Lumen Juris, que acolheu
a minha Dissertação.
Agradeço às diversas Revistas, Periódicos e Boletins Informativos que cederam
seus espaços para os meus trabalhos. São eles: Boletim Informativo do Grupo
Bradesco Seguros, na pessoa do Dr. Ivan Gontijo; Revista de Direito do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do e. Desembargador Luis
Felipe Francisco; Revista de Direito Empresarial do IBMEC; Boletim ADCOAS;
Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, na pessoa de seu I. Presidente, Dr.
Ernesto Tzirulnik e seu I. Vice-Presidente, Dr. Paulo Luiz de Toledo Piza;
Repositório de Doutrina e Jurisprudência Gazeta Júris; Revista do IRB; Revista
Justilex; Jurisprudência comentada IOB – Thomson; Revista Consulex; Revista
Forbes; Revista Pensar Seguro – Instituto Roncarati; Revista Eletrônica da Seção
Brasileira da AIDA; Portal www.complinet.com; Revista El Derecho – Buenos
Aires, especialmente na pessoa do colega Javier Santiere; Lloyd’s e Edwar Elgar
Publishing, especialmente ao colega Kevin Lazarus.
Desde o ano de 2010, em parceria com a Escola de Direito da Fundação
Getulio Vargas – Rio de Janeiro, iniciamos o Curso de Extensão em Direito
do Seguro e Resseguro, voltado às discussões jurídicas de uma área do Direito
tão pouco lembrada no meio acadêmico. Os Doutores Sérgio Guerra, Rodrigo
Dias da Rocha Viana e Rafael Alves de Almeida, desde o princípio, aceitaram
a proposta e, atualmente, muito nos orgulhamos do Curso que representa uma
ótima oportunidade àqueles que desejam se especializar nesta área.
Meu agradecimento aos meus queridos sócios Eduardo Chalfin, Clara
Vainboim e Paulo Maximilian e ao nosso e. Consultor, Desembargador Paulo
Gustavo Rebello Horta, em nome dos quais agradeço a todos os colegas de
escritório. Não fosse a convivência e o trabalho cotidiano com vocês, eu jamais
teria condições para dedicar-me à elaboração dos trabalhos.
Agradeço à Editora Campus, responsável pela presente publicação.
Last but not least, agradeço, profundamente, aos nossos clientes, cujas questões
jurídicas representam um campo fértil à reflexão e à publicação dos trabalhos
apresentados nesta obra.

VIII
O autor

I lan Goldberg é Mestre em Regulação e Concorrência pela


Universidade Cândido Mendes. Coordenador do curso de Direito do
Seguro e Resseguro da FGV Direito Rio. Sócio de Chalfin, Goldberg
e Vainboim Advogados Associados. E-mail: ilan@cgvadvogados.com.br.

IX
Prefácio

F oi com muita honra que recebi o convite para fazer a apresentação da


coleção dos trabalhos do querido amigo e Professor Ilan Goldberg
sobre temas do Direito do Seguro.
A obra é o resultado de mais de uma década de atividade jurídi-
ca do autor no ramo do direito do seguro e tem como norte incur-
sões nos pontos mais relevantes e atuais do direito do seguro, como
estão a demonstrar os temas: Panorama do Cosseguro e Resseguro;
Habilitação e Cobertura Securitária; A Ação de Hackers e Repercussões
para o Mercado Segurador; A Boa-fé Objetiva como Elemento Essencial
ao Contrato de Seguro; Cláusulas Restritivas x Cláusulas Abusivas –
Panorama com Enfoque no Direito do Seguro; Breves Considerações
com relação à Aplicação Prática do Estatuto do Idoso; A Prescrição e o
Contrato de Seguro; Considerações a respeito da Aceitação do Seguro
Garantia Judicial perante o Poder Judiciário Brasileiro; Uma Visão
Realista da Boa-fé no Contrato de Seguro; A Realistic View of Good
Faith in Insurance Contracts; A Violação ao Mutualismo no Contrato
de Seguro e a Consequente Repercussão Geral; A Empresa Brasileira de
Seguros – Necessidade? Empresa Brasileira de Seguros – Is It Necessary?; Os
Riscos do Século XXI e as Coberturas Securitárias do Século XX – Um
Estudo Acerca das Coberturas Securitárias para os Riscos Eletrônicos.
A publicação do presente livro, dentre outras matizes, revela o rigor
científico e a profundidade do autor na análise de temas cuja atualidade
é o foco da dedicação e dos seus estudos. Certamente, será uma obra
indispensável ao operador do direito do seguro, sobretudo pela aborda-
gem desses temas, notadamente os que estão relacionados com os hackers,
com os aspectos restritivos do Código de Defesa do Consumidor, com

XI
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

a prevalência do estatuto do idoso, com a adoção da boa fé objetiva e com os


riscos eletrônicos.
Não resta, pois, qualquer dúvida a respeito da importância da obra que temos
a satisfação de prefaciar e ficamos todos nós, operadores do direito do seguro,
na expectativa de que novos estudos sejam em breve lançados.
Logo se vê que Ilan Goldberg trouxe para nosso deleite temas instigantes à
meditação e se houve com muito acerto ao discorrer sobre questões decorrentes
da atualidade do direito de seguros, apresentando-se de forma a estimular uma
análise doutrinária aprofundada sem se descurar de incursões na mais abalizada
jurisprudência dominante dos nossos tribunais.
A obra com certeza será um sucesso.

Paulo Gustavo Rebello Horta


Desembargador aposentado do TJRJ

XII
I
Cosseguro e resseguro.
Uma breve análise

C osseguro e resseguro são meios utilizados pelas seguradoras para


pulverizar os riscos às quais estejam vinculadas. Noutras palavras,
caso estas não disponham de reserva técnica suficiente para garan-
tir os riscos para os quais pretendam oferecer cobertura, utilizar-se-ão de
resseguros e cosseguros com o escopo de alcançar as reservas necessárias.
Têm-se então que tanto o cosseguro quanto o resseguro prestam-se
para distribuir riscos, qualificando-se como seguros de ordem múltipla.
A disciplina legal para o cosseguro encontra-se no art. 761 do Código
Civil, ao passo que o resseguro foi objeto da Lei Complementar nº 126,
de 15/01/2007, e de diversas Resoluções Normativas elaboradas pelo
CNSP e pela SUSEP, dentre as quais convém destacar a Resolução
Normativa CNSP nº 168, de 17/12/2007, dada a sua abrangência quanto
à disciplina legal erigida para o mercado aberto de resseguro no País.
O antigo Decreto-Lei nº 73, de 21/11/1966, promulgado à época do
regime monopolista exercido pelo IRB – Brasil Resseguros S.A., conti-
nha disposições a respeito do cosseguro e do resseguro,1 sensivelmente
alteradas em razão da abertura do mercado de resseguro.

1. Decreto Lei nº 73, de 21/11/1966: Art. 42. O IRB tem a finalidade de regular o
cosseguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das
operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP. (...) Art. 44. Compete ao IRB:
I – Na qualidade de órgão regulador de cosseguro, resseguro e retrocessão: a) elaborar e
expedir normas reguladoras de cosseguro, resseguro e retrocessão; b) aceitar o resseguro
obrigatório e facultativo, do País ou do exterior; c) reter o resseguro aceito, na totalidade ou
em parte; d) promover a colocação, no exterior, de seguro, cuja aceitação não convenha aos
interesses do País ou que nele não encontre cobertura; e) impor penalidades às Sociedades
Seguradoras por infrações cometidas na qualidade de cosseguradoras, resseguradoras ou
retrocessionárias; f) organizar e administrar consórcios, recebendo inclusive cessão integral
de seguros; g) proceder à liquidação de sinistros, de conformidade com critérios traçados

1
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Após a sanção da Lei Complementar nº 126, ao IRB deixaram de ser atri-


buídas quaisquer funções regulatórias, uma vez que a opção legislativa foi por
sua colocação no mercado na qualidade de ressegurador local.2
Quanto à relação do segurado com o segurador, em matéria de resseguro
desenvolvem-se duas relações jurídicas absolutamente distintas entre segurado
X segurador e segurador X ressegurador. Caso sejam descumpridas obrigações
assumidas pelo ressegurador para com o segurador, este jamais poderá eximir-se
das obrigações assumidas perante o segurado.3 A título exemplificativo, caso o
segurador tenha retido 70% do risco e ressegurado 30%, aos olhos do segurado,
a operação realizada pelo segurador será totalmente desinfluente. A obrigação
assumida pelo segurador permanecerá incólume.
Caso o segurado tenha interesse em ajuizar ação judicial calcada em obriga-
ções assumidas no contrato de seguro, via de regra, jamais poderá movê-la dire-
tamente contra o ressegurador, por inexistir relação jurídica no plano de direito
material que possibilite esta medida. À hipótese desta ser tomada, entende-se que
eventual preliminar de carência de ação que venha a ser arguida pelo ressegurador
deverá ser acolhida, extinguindo-se o feito sem exame do mérito.
No que toca ao cosseguro, sua elaboração se apresenta de forma distinta.
Constatada a necessidade de pulverizar o risco, forma-se uma estrutura consti-
tuída por seguradoras alinhadas horizontalmente que, de forma proporcional,
dividirão o prêmio e os respectivos riscos.
O art. 761 do CC é o único dispositivo previsto no Código Civil acerca
do cosseguro: “Art. 761. Quando o risco for assumido em cosseguro,4 a apólice

pelas normas de cada ramo de seguro; h) distribuir pelas Sociedades a parte dos resseguros que não
retiver e colocar no exterior as responsabilidades excedentes da capacidade do mercado segurador
interno, ou aquelas cuja cobertura fora do País convenha aos interesses nacionais; i) representar as
retrocessionárias nas liquidações de sinistros amigáveis ou judiciais; j) publicar revistas especializadas
e toda capacidade do mercado nacional de seguros.
2. LC nº 126/2007, Art. 22. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fica autorizado a continuar exercendo suas
atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente
de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local.
3. João Marcos Brito Martins, 2003, p. 61: “Independentemente das relações entre ressegurador e
companhia de seguros, determinadas por exigências técnicas, o fato é que o contrato de resseguro
é estranho ao segurado (res inter alios acta). Como também é estranho ao ressegurador o contrato
entre seguradora e segurado. Portanto, os contratos de seguro e de resseguros são autônomos,
independem um do outro. A responsabilidade é da seguradora perante o seu segurado, pois aquele
liame jurídico (resseguro) caracteriza uma relação independente. O segurado não toma parte na
escolha do ressegurador, à exceção de grandes riscos, onde o segurado, em geral, opina. Isto em nada
altera a natureza jurídica referida.”
4. Optou-se por adequar à nova ortografia da língua portuguesa os textos produzidos antes do acordo
ortográfico assinado em 01/01/2009, por outros autores e neste livro utilizados, inclusive aqueles
que se referem às leis e jurisprudências.

2
ELSEVIER I – COSSEGURO E RESSEGURO. UM A BRE VE ANÁLISE

indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para


todos os seus efeitos”.
A administração a que se refere o dispositivo remete à seguradora líder, cujo
papel consiste em tratar diretamente com o segurado a respeito das condições
gerais que envolvem o contrato planejado, até mesmo representando os interesses
das demais seguradoras envolvidas.
A administração do contrato não deve ser confundida com solidariedade
entre as seguradoras cotizantes, na medida em que prêmios e riscos serão pro-
porcionalmente distribuídos e que o dispositivo em análise não impõe obrigação
desta natureza.
Pedro Alvim5 assim discorre sobre o tema:

A legislação brasileira não prevê a solidariedade do segurador, a qual também


não figura também nas apólices, por efeito de convenção. Não pode, pois, ser
aplicadas às operações de cosseguro, a fim de responsabilizar o segurador líder
pelo pagamento integral da indenização. O segurado deverá receber de cada um
dos seguradores participantes sua parcela proporcional à obrigação assumida.

Todavia, o problema surge a partir do momento em que a estruturação do


cosseguro é omitida do segurado que, somente após o sinistro, é que vem a
conhecê-lo. Não havendo transparência e se tratando o cosseguro de negócio
realizado exclusivamente pelas seguradoras cotizantes, sem o conhecimento e/ou
participação do segurado, a solução encontrada pelos Tribunais é no sentido de
condenar as seguradoras solidariamente ou até mesmo condenar apenas a segu-
radora líder a satisfazer integralmente a obrigação assumida perante o segurado.
Neste exato sentido, Judith Martins-Costa:6

[A]dvogado especializado na prática do Direito Securitário, e também teórico e


doutrinador na matéria, Paulo Toledo Piza informa que as apólices, no Brasil,
“muito raramente fazem referência ou contém cláusulas sobre cosseguro”.
Esse advogado, conquanto a sua rica experiência prática, afirma taxativamente
que apenas uma vez viu uma cláusula nesse sentido, em apólice de seguro de
vida em grupo, estipulada com a seguinte redação:
COSSEGURO. Este seguro foi contratado com a emissão de Apólice Única,
tendo esta Seguradora, na qualidade de Líder, efetuado em seus registros
oficiais o lançamento completo da operação, por si e pelas Cosseguradoras,

5. Pedro Alvim, 1999, p. 354-355.


6. Judith Martins-Costa, 2002, p. 339-366.

3
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

que assumem, direta e individualmente, a responsabilidade que lhes couber


até a respectiva importância máxima de sua participação.
Trata-se de exceção: nosso costume é somente de apresentar ao segurado, no
frontispício da apólice, a distribuição do cosseguro entre as várias compa-
nhias seguradoras, sem que haja, no contrato, nenhuma disposição sequer
equivalente a uma regra. Muitas vezes o segurado não tem sequer ciência da
existência do cosseguro! (Grifou-se)

A fim de ilustrar a possibilidade de adoção dos dois entendimentos, isto é,


pela existência ou não de solidariedade, convém examinar as seguintes ementas:

a) Inexistência de solidariedade
(...) Cosseguro caracteriza-se pela inexistência de solidariedade entre os segurado-
res, onde cada um só assume a sua cota de riscos, inexistindo, por conseguinte,
direito de regresso. (TJ-SP; Ag. Inst. 1240613003; Rel. Des. Cristiano Ferreira
Leite; 33ªCâmara de Direito Privado; DJ 16/03/2009. Grifou-se).
Agravo de Instrumento. Ação de indenização por danos materiais e morais. Relação
de consumo. Falha na prestação de serviços médicos e hospitalares. Deferimento de
chamamento ao processo da seguradora contratada pelo hospital. Indeferimento
de pedido da seguradora de denunciação à lide ao IRB e de integração das cosse-
guradoras na relação processual. Resseguro. IRB. Vedação da denunciação da lide.
Norma do artigo 101, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Decisão
mantida. Cosseguro. Cosseguro expressamente previsto na apólice celebrada
entre o hospital e a seguradora líder. Inexistência de solidariedade entre as
cosseguradoras. Impossibilidade de execução do total de eventual dívida em
face da seguradora líder (...). Reforma da decisão para deferir o chamamento ao
processo das cosseguradoras. (TJ-SP; Ag. Inst. 6478214000; Rel. Des. Christine
Santini; Quinta Câmara de Direito Privado; DJ 29/07/2009. Grifou-se).

b) Solidariedade
Seguro. Estabelecimento Comercial. Roubo. Tendo a segurada cumprido as obri-
gações assumidas, quanto à segurança, no contrato de seguro, tem direito à inde-
nização pelos prejuízos sofridos com o roubo de valores seus. Obrigação apenas
da seguradora, dita líder, ante a ausência de demonstração de existência de
contrato de cosseguro. (...). (TJ-RJ; Ap. Cível 2004.001.33136; Rel. Des. Jair
Pontes de Almeida; j. 28/04/2009. Grifou-se).

O exame das ementas reproduzidas revela que a correta utilização do cossegu-


ro carece de que sua contratação seja feita de maneira transparente, tornando-se

4
ELSEVIER I – COSSEGURO E RESSEGURO. UM A BRE VE ANÁLISE

claro ao segurado que prêmio e risco serão divididos entre as cosseguradoras, de


modo a evitar interpretações equivocadas quanto à solidariedade.
Finalmente, convém pontuar que o Código Civil Brasileiro, por apenas trazer
um dispositivo à matéria, cujos dizeres não são claros quanto às funções e caracte-
rísticas do cosseguro, também acaba por propiciar interpretações incongruentes.
A título ilustrativo convém examinar a Lei de Seguros de Portugal, Decreto-
Lei nº 94-B/1998, de 17 de abril, cuja clareza deveria servir de modelo para o
legislador brasileiro:

Art. 132. Cosseguro


1 – Entende-se por cosseguro a assunção conjunta de um risco por várias
empresas de seguros, denominadas cosseguradoras, de entre as quais uma é a
líder, sem que haja solidariedade entre elas, através de um contrato de seguro
único, com as mesmas garantias e período de duração e com um prémio global.
2 – O cosseguro é admitido em todos os ramos de seguro relativamente a con-
tratos que, pela sua natureza ou importância, justifiquem a intervenção de várias
empresas de seguros.

Art. 133: Apólice única


O contrato de cosseguro é titulado por uma apólice única, emitida pela líder e
assinada por todas as co-seguradoras, na qual deve figurar a quota-parte do
risco ou a parte percentual do capital assumidas por cada uma.

Art. 134: Âmbito da responsabilidade de cada cosseguradora


No contrato de cosseguro, cada cosseguradora responde apenas pela quota-par-
te do risco garantido ou pela parte percentual do capital seguro assumido.

Art. 135: Funções da cosseguradora líder


1 – À líder do cosseguro são atribuídas as seguintes funções, a serem exercidas,
em seu próprio nome e em nome e por conta das restantes cosseguradoras, em
relação à globalidade do contrato:
a) Receber do tomador de seguro a declaração do risco a segurar, bem como as
declarações posteriores de agravamento ou de diminuição desse mesmo risco.
b) Fazer a análise do risco e estabelecer as condições do seguro e a respectiva
tarifação.
c) Emitir a apólice, sem prejuízo de esta dever ser assinada por todas as
cosseguradoras.
d) Proceder à cobrança dos prémios, emitindo os respectivos recibos.

5
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

e) Desenvolver, se for caso disso, as acções previstas nas disposições legais aplicáveis
em caso de falta de pagamento de um prémio ou fracção de prémio.
f) Receber as participações de sinistros e proceder à sua regulação.
g) Aceitar e propor a resolução do contrato.
2 – Poderão ainda, mediante acordo entre as cosseguradoras, ser atribuídas à líder
outras funções para além das referidas no número anterior.

Art. 136: Acordo entre as cosseguradoras


Relativamente a cada contrato de cosseguro deve ser estabelecido entre as respec-
tivas co-seguradoras um acordo expresso relativo às relações entre todas e entre
cada uma e a líder, do qual devem, sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo
anterior, constar, pelo menos, os seguintes aspectos:
a) Valor da taxa de gestão, no caso de as funções exercidas pela líder serem
remuneradas.
b) Forma de transmissão de informações e de prestação de contas pela líder a cada
uma das cosseguradoras.
c) Sistema de liquidação de sinistros.

Art. 137: Responsabilidade civil da líder


A líder é civilmente responsável perante as restantes cosseguradoras pelas perdas
e danos decorrentes do não cumprimento das funções que lhe forem atribuídas.

Art. 138: Liquidação de sinistros


Os sinistros decorrentes de um contrato de cosseguro podem ser liquidados através
de qualquer das seguintes modalidades, a constar expressamente da respectiva
apólice:
a) A líder procede, em seu próprio nome e em nome e por conta das restantes
cosseguradoras, à liquidação global do sinistro.
b) Cada uma das cosseguradoras procede à liquidação da parte do sinistro pro-
porcional à quota-parte do risco que garantiu ou à parte percentual do capital
que assumiu.

Art. 139: Propositura de acções judiciais


As acções judiciais decorrentes de um contrato de cosseguro devem ser
intentadas contra todas as cosseguradoras, salvo se o litígio se prender com a
liquidação de um sinistro e tiver sido adoptada, na apólice respectiva, a modalidade
referida na alínea b) do artigo anterior.

6
ELSEVIER I – COSSEGURO E RESSEGURO. UM A BRE VE ANÁLISE

Art. 140: Abandono por uma cosseguradora


Se uma das cosseguradoras desejar abandonar o contrato de cosseguro, deve,
com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que o pretenda
fazer, comunicar tal facto à líder, que dará conhecimento ao tomador do seguro
e às restantes cosseguradoras, a fim de que se decida sobre a forma de garantia da
quota-parte em causa. (Grifou-se).

A análise destes dispositivos é conclusiva quanto à pobreza da legislação


brasileira em comparação à lei portuguesa. Nota-se, facilmente, que a correta
estipulação de todos os conceitos correlatos, responsabilidades da líder, inexis-
tência de solidariedade e detalhes a respeito do funcionamento do cosseguro
evitariam a litigiosidade e interpretações equivocadas da questão.
Por meio destas breves palavras, obviamente não se pretendeu o esgotamento
dos assuntos abordados, cujo estudo aprofundado requer espaço muito mais
amplo do que o presente.
Pretendeu-se, apenas, desenvolver os conceitos de cada um dos institutos –
cosseguro e resseguro – cuja utilização, indubitavelmente, crescerá exponencial-
mente nos próximos anos com o desenvolvimento da economia e da indústria
do seguro nacionais.

Referências
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguro. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2003.
MARTINS-COSTA, Judith. O co-seguro no Direito Brasileiro. II Fórum de Direito do
Seguro José Sollero Filho. São Paulo: IBDS/EMTS, 2002.

7
II
Habilitação e cobertura securitária

Sumário: Introdução. 1. As cláusulas restritivas e as cláusulas abusivas de direitos.


2. Reflexões sobre responsabilidade civil. Teoria da culpa. Teoria da causalidade
adequada. 3. Estudos de casos concretos, julgados pelos Tribunais de Justiça dos
Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e do Distrito Federal. 3.1. Posicionamentos
favoráveis. 3.2. Posicionamentos desfavoráveis. 3.4. Repercussões em matéria de
seguro de pessoas. 4. Considerações finais. Referências.

Introdução

A discussão acerca das consequências legais, decorrentes da direção


de veículos sem carteira de habilitação ou com a carteira de habi-
litação suspensa/vencida, no que se refere à cobertura securitária,
necessariamente recai sobre o Direito Privado, tendo como base a legis-
lação e princípios que regem o Direito do Consumidor e o Direito de
Seguros.
Inobstante as repercussões criminais afetas à direção de veículos em
condições irregulares, esclarecemos que esta análise está voltada para
repercussões exclusivamente civis, com vistas ao papel que poderá ser
adotado pelas seguradoras dependendo do caso concreto que lhes for
apresentado por ocasião da regulação de sinistros relacionados à proble-
mática ora tratada.
Tem-se conhecimento de que, dentre as condições gerais praticadas
pelo mercado segurador voltadas ao seguro auto, figura cláusula cuja
determinação é no sentido de que a direção de veículos por pessoas
desprovidas de habilitação e/ou desprovidas da categoria de habilitação
correspondente ao veículo guiado tem como efeito a perda do direito à
indenização caso ocorra sinistro.
9
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Dentre os fundamentos mais utilizados para negarem a cobertura, as segu-


radoras destacam a norma prevista no art. 1.454 do Código Civil Brasileiro de
1916,1 que para facilidade de compreensão, reproduzimos: “Art. 1.454. Enquanto
vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos,
ou seja, contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro”.
Nestas condições, pondera-se que a direção de veículo por pessoa inabilitada
traduziria, necessariamente, o agravamento do risco ao qual se expõe a segura-
dora, o que teria como efeito a legalidade da recusa.
Nas linhas seguintes, serão apresentados, numa primeira parte deste arti-
go, argumentos relacionados ao Direito do Consumidor, particularmente com
relação às cláusulas limitativas de direitos e às cláusulas abusivas de direitos. Na
segunda parte, serão abordados alguns aspectos inerentes à responsabilidade civil,
reservando-se a terceira parte para o exame de diversos casos concretos julgados
por nossos tribunais, no que toca ao posicionamento que deve ser adotado
pelo segurador diante de sinistros caracterizados por segurados desprovidos de
carteira de habilitação, com habilitação vencida, com habilitação para categoria
de veículo distinta da efetivamente guiada, assim como sobre repercussões da
falta de habilitação em matéria de seguro de pessoas. No final, apresentaremos
nossas considerações, calcadas nos fundamentos demonstrados no decorrer
desta exposição.

1. As cláusulas restritivas e as cláusulas abusivas de direitos


Até o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ocorrido
em 1990, as relações havidas entre particulares eram regidas pelo Direito Civil
(em gênero) e pelo Direito Comercial, quando as práticas tratassem de atos de
comércio.
Com a entrada em vigor da legislação consumerista, cujo marco inicial no
País se trata da Lei nº 8.078/1990, passou a coexistir junto aos dois sistemas
referidos um terceiro sistema, cuja finalidade era regular as relações existentes
entre particulares, sendo este denominado microssistema consumerista.
Em poucas palavras, o que diferencia este terceiro sistema dos demais é a
facilitação da defesa dos direitos dos consumidores em juízo, através de institutos
tais como a inversão do ônus probatório (art. 6º, inc. VIII da legislação citada),
desconsideração da personalidade jurídica do prestador/fornecedor de bens e/
ou serviços, vedação a que se proceda à intervenção de terceiros em processos
nos quais se discutam relações de consumo, cumprindo pontuar-se que o §
1. Embora o Código Civil de 1916 tenha sido revogado pelo Novo Código Civil, o entendimento
que prevalece é que os princípios relacionados ao agravamento de risco como justa causa à prática
de negativa de cobertura pelo segurador continuam em vigor.

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ELSEVIER I I – H A B I L I TA Ç Ã O E C O B E R T U R A S E C U R I TÁ R I A

2º, art. 3º da referida lei qualifica a atividade securitária dentre as relações de


consumo, sendo pacífica a jurisprudência do STJ neste sentido, salvo no que se
refere ao regime prescricional que, por não ser objeto deste estudo, deixará de
ser aqui analisado.
Quanto às cláusulas abusivas de direitos, estas são consideradas nulas. Sua
disciplina encontra-se no art. 51 e seus incisos da Lei nº 8.078/1990, ao passo
que as cláusulas restritivas de direitos são reconhecidamente lícitas, desde que
preenchidos determinados requisitos atinentes à demonstração de que ao público
em geral, representados por uma massa de consumidores, foram disponibilizados
os meios suficientes à verificação das limitações que lhe estarão sendo impostas
(art. 54, § 4º).
A apresentação destes comentários se revela pertinente na medida em que
eventual negativa de cobertura de seguradora, fruto da direção de veículos por
pessoas sem carteira de habilitação, carecerá de que em momento pretérito à
celebração do contrato de seguro sejam claramente apresentadas ao segurado as
sanções para esta espécie de conduta.
A análise de Nelson Nery Júnior2 a respeito das cláusulas abusivas de direitos
e das cláusulas limitativas de direitos é pertinente:

[1] CLÁUSULAS ABUSIVAS – O instituto das cláusulas abusivas não se con-


funde com o abuso de direito do parágrafo único do art. 160 do Código Civil,
interpretado a contrario sensu. Podemos tomar a expressão “cláusulas abusivas”
como sinônimas de cláusulas opressivas, cláusulas vexatórias, cláusulas onerosas ou,
ainda, cláusulas excessivas.
Nesse sentido, cláusula abusiva é aquela que é notoriamente desfavorável à parte
mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor,
aliás, por expressa definição do art. 4º, nº I, do CDC. A existência de cláusula
abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação contratual pela quebra
do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verifica nos contratos de adesão,
nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do aderente,
de que são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados
do contrato.
[2] NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS – As nulidades têm sistema
próprio dentro do Código de Defesa do Consumidor. Não são inteiramente apli-
cáveis às relações de consumo as normas sobre nulidades inscritas no Código
Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil ou outras leis extravagantes.

2. Nelson Nery Júnior. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto. 1999, p. 489-491 e 553-554.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Mesmo porque os sistemas de nulidade não são uniformes, variando de acordo


com a peculiaridade de cada ramo da ciência do Direito.
As invalidades, modernamente, reclamam tratamento microssistêmico, o que
foi feito no CDC, a fim de poderem atender às peculiaridades existentes no
microssistema (...)
[6] REDAÇÃO CLARA EM CARACTERES OSTENSIVOS E LEGÍVEIS –
Com a adoção desse expediente, o Código consagrou o princípio da legibilidade
das cláusulas contratuais. O dispositivo visa a permitir que o consumidor possa
tomar conhecimento do conteúdo do contrato pela simples leitura, sem prejuízo
do dever de esclarecimento por parte do fornecedor (art. 46, CDC).
A redação em caracteres legíveis possibilita diminuir o âmbito do controle das
cláusulas contratuais gerais, qualitativa e quantitativamente, além de consistir
em instrumento de segurança das relações jurídicas e de liberdade contratual. (...)
[7] DESTAQUE PARA AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE DIREITOS
DO CONSUMIDOR – A sugestão, feita por Berlioz, de obrigar o destaque das
cláusulas desvantajosas ao consumidor, foi aceita pelo Código. Toda estipulação
que implicar qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar
desvantagem ao aderente, deverá vir singularmente exposta, do ponto de vista físico,
no contrato de adesão.
Sobre os destaques, ganha maior importância o dever de o fornecedor informar
o consumidor sobre o conteúdo do contrato (art. 46, CDC). Deverá chamar a
atenção do consumidor para as estipulações desvantajosas para ele, em nome da
boa-fé que deve presidir as relações de consumo.
Estipulação como, por exemplo, “se deixar de pagar três parcelas consecutivas
não poderá se utilizar dos serviços contratados”, implica restrição do direito, de
modo que incide sobre ela o dispositivo do Código.
O destaque pode ser dado de várias formas: a) em caracteres com cor diferente
das demais cláusulas; b) com tarja preta em volta da cláusula; c) com tipo de letra
diferente das outras cláusulas, como, por exemplo, em itálico, além de muitas
outras fórmulas que possam ser utilizadas, ao sabor da criatividade do estipulante.

Diante destas ponderações, uma primeira conclusão que se pode extrair é


de que eventual negativa de cobertura carecerá de que, em momento anterior
à celebração do contrato, sejam apresentadas ao contratante as cláusulas que
impliquem restrições aos seus direitos, em caracteres ostensivos, com transpa-
rência, clareza, a fim de ratificar a legalidade das referidas cláusulas restritivas.
A não observância deste postulado implica a caracterização da abusividade da
cláusula e sua consequente nulidade.

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ELSEVIER I I – H A B I L I TA Ç Ã O E C O B E R T U R A S E C U R I TÁ R I A

2. Reflexões sobre responsabilidade civil.


Teoria da culpa. Teoria da causalidade adequada
Desde o advento do Código Civil de 1916, nosso ordenamento jurídico
adotou como regra, em matéria de responsabilidade civil, a teoria da culpa, o
que importa dizer que o surgimento de determinado dever indenizatório fica
condicionado à demonstração de que os prejuízos sofridos pelo lesado decorreram
de conduta culposa praticada pelo lesante.
Noutras palavras, para que determinada pretensão indenizatória possa vin-
gar, torna-se necessário demonstrar o nexo de causalidade entre os prejuízos
reclamados e determinada conduta ilícita.
Ainda com relação à responsabilidade civil, merece destaque a teoria da
causalidade adequada que, segundo a lição de Sergio Cavalieri Filho,3 apresenta
a seguinte conceituação:

De fato, o que esta ciência demonstrou, irrefutavelmente, é que para aferir a res-
ponsabilidade civil pelo acidente, o juiz deve retroceder até o momento da ação
ou da omissão, a fim de estabelecer se esta era ou não idônea para produzir
o dano. A pergunta que, então, se faz é a seguinte: a ação ou omissão do presu-
mivelmente responsável era, por si mesma capaz de normalmente causar o dano?
Tal pergunta é uma consequência deste princípio: para se estabelecer a causa de
um dano, é preciso fazer um juízo de probabilidades. Portanto, se se responde
afirmativamente de acordo com a experiência da vida, se se declara que a ação ou
omissão era adequada a produzir o dano, então, este é objetivamente imputável
ao agente. (Grifou-se)

O que se deve indagar, pois, qual dos fatos, ou culpas, foi adequado para o
evento danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez com que o outro, que não
teria consequências por si só, determinasse, adjuvado por ele, o acidente. Ainda
Sergio Cavalieri Filho,4 referindo-se à Aguiar Dias, comenta:

(...) atento a preciosa lição do mestre Aguiar Dias: “se embora culposo, o fato de
determinado agente era inócuo para a produção do dano, não pode ele decerto “...
“o que se deve indagar, é pois, qual dos fatos ou culpa foi decisivo para o evento
danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez com que o outro que não teria
consequências de si só determinasse, completado por ele, o acidente. Pensamos
que sempre que seja possível estabelecer a inocuidade de um ato, ainda que

3. Sérgio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil., 2005, p. 52-53.


4. Idem, ibidem, p. 60.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

imprudente, senão tivessem intervindo outro ato imprudente, não se deve


falar de concorrência de culpa. Noutras palavras: a culpa grave necessária e
suficiente para o dano exclui a concorrência de culpas.”...”. A responsabilidade de
quem interveio com culpa e eficiente para o dano, queremos dizer que há cul-
pas que excluem a culpa de outrem. Sua intervenção no evento é tão decisiva
que deixam sem relevância outros fatos culposos porventura intervenientes
no acontecimento. (Grifou-se).

Entendido o conceito relacionado a esta teoria, traz-se à tona a seguinte hipó-


tese: ocorrido determinado acidente de trânsito, neste se envolveram os veículos
A e B. Por absoluta desatenção do proprietário do veículo A, este acabou por se
chocar contra a traseira do veículo B.
Em condições normais, inexistiriam dúvidas de que a responsabilidade pelo
ocorrido seria do proprietário do veículo A, que seria obrigado a reparar os
prejuízos sofridos por B.
Por outro lado, suponha-se que o proprietário do veículo B não dispusesse
de carteira de habilitação e, para agravar ainda mais o quadro, fosse menor
impúbere e estivesse completamente embriagado.
O quadro relacionado à responsabilidade civil sofreria alguma alteração?
Para que não paire dúvida referente à questão fática, deixa-se claro que a falta de
habilitação por parte do proprietário do veículo B, somadas às suas embriaguez e
menoridade, não tiveram qualquer influência na produção do resultado danoso.
Aplicando a teoria da causalidade adequada, não se controverte quanto à
obrigação indenizatória assumida pelo proprietário do veículo A. Note-se que
a falta de habilitação, embriaguez e/ou menoridade, muito embora condenáveis
nestas circunstâncias, não tiveram qualquer relação causal com o evento danoso,
ou ainda, por outro lado, não representaram de maneira alguma causa direta ou
necessária à ocorrência do hipotético acidente de trânsito.
Se para o proprietário do veículo B irão advir consequências negativas, no
que se refere à esfera criminal, as possibilidades de que isto ocorra são concretas,
mas, no âmbito civil, consoante exposto, advoga-se entendimento no sentido de
que o quadro não sofre qualquer alteração.
Corroborando esta tese, leia-se a ementa abaixo, proveniente do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

Apelação. Responsabilidade Civil. Batida pela traseira. Confessada a colisão pela


traseira e nada se produzindo, não obstante prova oral coletada e doc. produzido,
que elidisse presunção de culpa, impõe-se a procedência do pedido. Infração ao
Cód. de Trânsito. Alegação de que o motorista conduzia seu veículo com

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ELSEVIER I I – H A B I L I TA Ç Ã O E C O B E R T U R A S E C U R I TÁ R I A

habilitação vencida e de sandálias, além de não comprovada, não saem do


mero campo de infração ao Cód. de Trânsito. Nexo causal resta comprovado,
não só pelo expresso reconhecimento da ré de que a colisão se deu pela traseira,
como pela prova documental produzida. (...)” (Ap. Cível 2.000.001.09348; Rel.
Des. Ely Barbosa; 16º C. Cível; j. 03/10/2000. Grifou-se).

O raciocínio apresentado neste acórdão dispõe que o elemento decisivo à


condenação do lesante decorreu da colisão pela traseira. Em havendo colisão
desta natureza, não há que se falar em circunstâncias adicionais que, conforme
exposto, nem sequer foram comprovadas. Por outro lado, mesmo que fossem,
não seriam reveladoras da conduta direta, necessária à ocorrência dos prejuízos
reclamados.
Partindo destes fundamentos, entende-se pertinente enfatizar que a apuração
da responsabilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, deve se ater à causa
adequada à produção do resultado danoso.

3. Estudos de casos concretos, julgados pelos


Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul e do Distrito Federal5
Os julgados reproduzidos a seguir refletem posicionamentos favoráveis às
seguradoras, quando constantes das condições gerais do seguro contratado as
cláusulas restritivas de direitos, em caracteres ostensivos; posicionamentos des-
favoráveis às seguradoras, ao argumento de que determinados fatores seriam
desinfluentes à ocorrência do evento danoso, destacando-se dentre estes fatores,
a carteira de habilitação vencida, a carteira de habilitação suspensa e, também,
a titularidade e habilitação diferente da informada à seguradora.
Por fim, foram também trazidos alguns julgados relacionados ao posiciona-
mento dos nossos tribunais quanto à cobertura em matéria de seguro de pessoas.

3.1. Posicionamentos favoráveis

Seguro. Ação indenizatória. Colisão de automóveis. Perda total. Veículo segurado


conduzido por pessoa inabilitada. Malferimento de disposição expressa no con-
trato. Alforria da obrigação ressarcitória. Sentença mantida. Unânime. (...) 2 – A
seguradora, por força do contrato se responsabiliza pelo risco, deste se alforriando
nas ressalvas previstas nas cláusulas das respectivas apólices. 3 – Desde quando
malferido o dispositivo contratual, por parte do segurado, a seguradora fica

5. As ementas aqui estudadas referem-se à legislação constante do Código Civil de 1916.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

isenta de qualquer obrigação no competente seguimento, como na hipótese


de o veículo, objeto da cobertura, esteja, no instante do sinistro, sem justifi-
cativa, nas mãos de intruso motorista, sem habilitação. (TJDFT – Ap. Cível.
1998.01.1.047075-8; Rel. Des. Valter Xavier; Primeira Turma Cível. Grifou-se).
Contrato de seguro. Cláusula estabelecendo a perda de direito. Direção de veículo
sem que o segurado possua habilitação legal para o conduzir. Inaplicabilidade
do disposto no art. 46 do Código de Defesa do Consumidor. Desde que estabe-
lecida de maneira clara a condição referente à perda do direito, se o Segurado
permitir que o veículo seja conduzido por pessoa inabilitada legalmente
incide a cláusula de isenção em favor da Seguradora, em especial se é o
proprietário do veículo segurado que não possui a autorização. Quando a
cláusula é redigida de maneira clara é de se ter como de prévio conhecimento
por parte do contratante o seu conteúdo. (TJRJ – Ap. Cível. 12.651/98; Rel.
Des. Walter Felippe D’Agostino; Sexta C. Cível. Grifou-se).
Seguro. Condutor do veículo segurado não habilitado. Prova robusta. Perda do
direito à cobertura. Má-fé. Conforme expresso nas condições gerais do segu-
ro, perde o direito à cobertura a segurada, se quem conduzia o veículo no
momento do acidente era pessoa não habilitada. Prova testemunhal robusta a
demonstrar tal situação. Age de má-fé a segurada se procura o policial rodoviário
que atendeu à ocorrência exigindo-lhe que faça constar seu nome na certidão
de ocorrência e não de seu filho, que conduzia o veículo sem habilitação. Apelo
improvido. Sentença mantida. (TJRS – Ap. Cível. 70004163499; Rel. Des. Marco
Aurélio dos Santos Caminha; Quinta C. Cível. Grifou-se).

Estas ementas têm em comum a legalidade da cláusula que restringe o direito


dos segurados, desde que, consoante anotado na primeira parte deste artigo, seja
adotado critério claro, ostensivo, quando da redação das mesmas e, sobretudo,
quando da apresentação aos segurados.
Em virtude da cada vez maior popularização do contrato de seguro em
suas diversas modalidades, sabe-se que sua contratação, atualmente, pode-se
proceder por meios eletrônicos, sem a necessidade de que os segurados assinem
as propostas.
Diante desta realidade, recomenda-se que todas as cláusulas restritivas, seja no
que se refere ao perfil do segurado, seja quanto à necessidade de que o motorista
seja habilitado para poder guiar o veículo, sejam redigidas e apresentadas com
clareza, possibilitando, com isto, melhores posturas por parte dos segurados e, a
hipótese disto não ocorrer, negativas de cobertura legais por parte do segurador.

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ELSEVIER I I – H A B I L I TA Ç Ã O E C O B E R T U R A S E C U R I TÁ R I A

3.2. Posicionamentos desfavoráveis

Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Batida por trás. Cobertura do seguro.


CNH vencida. Juros. Sucumbência. Presunção de culpa da afastada, uma vez que
o caminhão trafegava, à noite, sem sinalização e em velocidade reduzida. Deve
ser mantida a cobertura do contrato de seguro, uma vez que a carteira de
habilitação vencida do motorista não teve influência na ocorrência do aci-
dente. Juros de mora contados do evento, de acordo com a Súmula nº 54 do STJ.
Presente a controvérsia sobre a cobertura do seguro, deve a seguradora responder
pela sucumbência. Apelo não provido. (TJRS – Ap. Cível 70002379850; Rel.
Des. Marcelo Cezar Muller; 12ª C. Cível. Grifou-se).
Seguro. Condutor sem habilitação para a categoria. Inexistência de demonstração
segura de culpa grave ou dolo. Indenização devida. Recurso provido. Unânime.
(TJRS – Ap. Cível 70004598678; Rel. Des. Mário Crespo Brum; Segunda C.
Especial Cível).
Seguro. Veículo. Ausência de culpa do condutor do veículo segurado. Aplicação
do Código de Defesa do Consumidor. Cláusula contratual que prevê perda
de direito com base em falta de habilitação do motorista. Evidencia-se abu-
siva a cláusula, pois não diferencia entre sujeito sem qualquer habilitação e
sujeito sem habilitação à categoria determinada, que é o caso dos autos. Não
houve agravamento do risco. (TJRS – Ap. Cível. 70004617155; Rel. Des. Ney
Wiedemann Neto; Segunda C. Especial Cível. Grifou-se)
Ação de cobrança. Seguro. Acidente com automóvel. alegação de falta de habi-
litação legal. Exame de saúde vencido. O vencimento do prazo de exame de
saúde vencido não é motivo suficiente para ser o motorista segurado conside-
rado inabilitado e proibido de dirigir. Por isso, a seguradora não pode eximir-se
do pagamento da indenização, sob o argumento de que o segurado dirigia sem
habilitação legal. (TJRS – Ap. Cível. 700003816345; Rel. Des. Ney Wiedemann
Neto; Segunda C. Especial Cível. Grifou-se).
Civil. Seguro de automóvel. Condutor/segurado sem habilitação. Diante da falta
de demonstração de que o condutor/segurado não habilitado agiu com imperí-
cia causando o acidente e devido à omissão de informação por parte da seguradora
acerca da restrição da cobertura quando o condutor não for habilitado e, ainda,
em virtude negligência da apelante em apurar se o segurado possuía habilitação,
não há como se exonerar a seguradora do dever de indenizar. Apelo improvido.
(TJRS – Ap. Cível. 70002266229; Rel. Des. Carlos Alberto Bencke; Quinta C.
Cível. Grifou-se).

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Observando estes julgados, verifica-se que o posicionamento desfavorável às


seguradoras encontra-se fundamentado na irrelevância de determinados elemen-
tos à ocorrência dos sinistros. São estes elementos a titularidade de habilitação
diferente da informada, o vencimento de habilitação, a não apresentação do
exame de saúde, assim como a suspensão da habilitação.
Ao fundamento apresentado no último julgado, pode-se fazer comparação
com a hipótese mencionada em linhas anteriores, quando se acidentaram os
motoristas A e B, por exclusiva conduta culposa de A, independentemente do
fato de B estar alcoolizado, sem habilitação e ser menor idade.
O que se pretende afirmar, com convicção, é que a teoria da causalidade
adequada deve ser sempre trazida à tona, como melhor forma de se apurar
eventuais responsáveis e, consequentemente, que se regulem os sinistros de
forma mais eficiente.

3.3. Repercussões em matéria de seguro de pessoas

Nulidade. Não se anula a sentença, a fundamento de cerceio do direito de defesa,


se a parte nada requer na audiência, nem interpõe o agravo retido. Julgamento extra
petita. Se o juiz imprime determinado rito ao processo. Só ocorreria se divergisse
quanto à causa petendi e pedido exposto pelo autor. Julgamento ultra petita. Não
há julgamento ultra petita se a matéria se refere à legitimidade ad causam, apreciável
de ofício. Morte acidental. Para os efeitos do seguro, o fato de o morto dirigir
sem habilitação legal, não modifica o conceito de morte acidental, pois só
isso, não quer dizer que o falecido buscou estabelecer a relação de causa e efeito,
entre sua conduta e o evento. (TJDFT – Ap. Cível 6887; Rel. Des. Luiz Vicente
Cernicchiaro; DJU 29/09/1980; Primeira Turma Cível. Grifou-se).
Seguro. Indenização. Acidente de motocicleta. Segurado não habilitado. Morte.
Beneficiários. A discussão versa sobre a disposição condita no item 13, alínea
i do contrato de seguro, que veda a cobertura de acidentes recorrentes de ato
reconhecidamente perigoso que não seja motivado por necessidade justificada e
a prática por parte do segurado de atos ilícitos ou contrários à Lei. O segurado
faleceu em acidente, no qual dirigia motocicleta sem habilitação, porém embora
seja de iniciativa própria, não teve como finalidade morrer, nem causar danos
a terceiros. A ilicitude que induz o ato criminoso, excludente da obrigação de
indenizar, não se evidenciou, já que dirigir sem habilitação é infração de trânsito
(art. 162 da Lei 9503/97), e só pode ser considerada crime, quando gerar perigo de
dano a outrem, o que não ocorreu in casu. Recurso conhecido e improvido. (TJRJ
– Ap. Cível 2.001.001.06754; Rel. Des. Mello Tavares; 11ª C. Cível. Grifou-se).

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Seguro de vida. Indenização por morte acidental. Falta de habilitação do motoci-


clista. O fato de o segurado dirigir sem habilitação não exclui a cobertura devida
pela Seguradora. Sentença de procedência da ação mantida. Apelação desprovida.
Decisão unânime. (TJRS – Ap. Cível 70004595963; Rel. Des. Sergio Luiz Grassi
Beck; Segunda C. Especial Cível. Grifou-se).

Portanto, a falta de habilitação (como elemento mais grave do que a sus-


pensão, problemas com categoria etc.), em matéria de cobertura para o seguro
de pessoas, não configura justo motivo à eventual negativa de cobertura que
se pretende apresentar, considerando-se que o simples fato de a vítima fatal do
acidente estar guiando sem habilitação não significa, necessariamente, que pela
mesma era pretendido o resultado fatal.

4. Considerações finais
Diante de todos os fundamentos apresentados, formulamos as seguintes
conclusões:
a) Segurado/condutor sem habilitação – responsabilidade pela colisão –
sugerimos a redação de cláusulas claras, constantes das condições gerais,
expondo detalhes quanto à perda de direitos – negativa de cobertura legal.
b) Segurado titular de habilitação para categoria veicular diferente da que
ocorreu a colisão; habilitação suspensa; exame de saúde vencido – negativa
de cobertura sujeita a questionamentos concretos em âmbito judicial,
sobretudo se adotada com rigor a teoria da causalidade adequada.
c) Falta de habilitação em matéria de seguro de pessoas – desaconselhável a
imposição de negativa de cobertura.

Referências
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1999.

19
III
A ação dos hackers. Repercussões
para o mercado segurador 1
Sumário: Introdução. 1. Hacker: conceito e classificações. 2. Comércio eletrônico.
3. Repercussões sobre o mercado segurador. Dados do mercado norte-americano.
4. Considerações finais. Referências.

Introdução

A Consciência de um Hacker
Prenderam outro hoje, está em todos os jornais. “Adolescente preso no
Escândalo do Crime Informático”, “Hacker preso após invadir banco”...
Malditos garotos. São todos iguais.
Mas você, em sua psicologia de cabeça-de-lata da década de 50 alguma
vez indagou-se sobre o que o move, que forças o formaram, o que teria o
moldado? Eu sou um hacker, entre em meu mundo... Meu mundo é um
mundo que começa na escola... Eu sou mais esperto que a maioria das
outras crianças, (...) Malditos fracassados. São todos iguais.
Fiz uma descoberta hoje. Eu descobri o computador. Espere um segundo,
isto é legal. Ele faz o que eu mando. Se comete um erro, é porque eu o
obriguei a isso. Não porque não goste de mim ... Ou se sinta ameaçado

1. A versão original deste artigo foi redigida em 2003 o que, em princípio, pode revelar
que o tema deixaria de ser atual. Muito ao contrário, apenas para que se tenha a correta
compreensão quanto à sua atualidade e quanto ao agravamento dos riscos eletrônicos,
a revista Veja, edição 2195, de 15/12/2010, publicou em sua capa matéria a respeito de
ataque perpetrado por hackers como represália à prisão de Julian Assange, dono do site
WikiLeaks, e o Periódico Migalhas, tradicional fonte de informação jurídica no Brasil,
divulgou nota informando que: “O semanal britânico The Sunday Times informou que o
grupo de hackers ativistas Anonymous, que já atacou os sites da MasterCard, Visa e PayPal,
ameaça sabotar o sistema Judiciário britânico, caso o fundador do site WikiLeaks, Julian
Assange, seja extraditado para Suécia.” Fonte <http://www.migalhas.com/mostra_noticia.
aspx?cod=123073>, acessado em 13/12/2010.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

por mim... (...) Ou não goste de ensinar e não devesse estar aqui... Maldito garoto.
Tudo o que ele faz é jogar. São todos iguais...
(...)
Este é nosso mundo agora... o mundo do elétron e do switch, a beleza do band.
Usamos um serviço já existente sem pagar por aquilo que poderia ser baratís-
simo e não fosse explorado por especuladores insaciáveis, e vocês nos chamam
de criminosos. Nos exploram e... nos chamam de criminosos. Somos sem cor,
sem nação, sem preconceitos religiosos... e nos chamam de criminosos. Vocês
constroem bombas atômicas, declaram guerras, assassinam, trapaceiam e mentem
para nós e tentam nos fazer crer que é para nosso próprio bem, e ainda assim os
criminosos somos nós.
Sim, sou um criminoso. Meu crime é a curiosidade. Meu crime é julgar as pessoas
pelo que dizem e pensam, não pelo que aparentam ser. Meu crime é ser mais
inteligente que você, algo porque você jamais irá me perdoar.
Eu sou um hacker, e este é meu manifesto. Você pode parar este indivíduo, mas não
poderá parar todos nós... apesar de tudo, somos todos iguais”.2

Há aproximadamente vinte anos, o número de usuários de microcomputado-


res no mundo era pequeno. Os custos elevados para a aquisição das máquinas,
as então complexas formas de ensinamento da tecnologia apropriada, entre
outros elementos, tornavam os benefícios inerentes à informática acessíveis a
um número bastante limitado de pessoas ao redor do mundo.
Com o passar dos anos, numa progressão geométrica de razão elevadíssima,
milhares de pessoas passaram a ter acesso aos microcomputadores, os quais, sem
dúvida, trouxeram muitos benefícios à sociedade, sobretudo com o surgimento
e aprimoramento da internet.
Poder-se-ia escrever páginas e mais páginas acerca das vantagens decorrentes
da maior utilização da informática como ferramenta de trabalho, como forma
de evolução da ciência, mas este não é o objetivo deste trabalho.
Há décadas, precisamente no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, fez
considerável fortuna nos Estados Unidos da América o Sr. Frank Abagnale,3 cujo

2. O texto em referência foi objeto de transcrição de artigo redigido por Túlio Lima Vianna,
intitulado “Hackers: um estudo criminológico da subcultura cyberpunk”. Revista do CAAP, Belo
Horizonte, a.6, v.10, p. 387-409, 2001. O texto trata do conhecido ‘manifesto Hacker’, por demais
divulgado na comunidade cyberpunk, escrito em janeiro de 1986, por hacker preso nos Estados
Unidos da América; o original do texto encontra-se redigido na língua inglesa, cuja íntegra pode ser
encontrada no site (www.attrition.org/~modify/texts/ethics/hackers manifesto.html).
3. A história verídica de Frank W. Abagnale foi publicada no Brasil na obra Prenda-me se for capaz,
São Paulo: Record, 2003, tendo dado origem ao longa-metragem de mesmo título, estrelado por
Tom Hanks e Leonardo DiCaprio, dirigido por Steven Spielberg.

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“ofício”, se é que o que este senhor desenvolvia poderia ser classificado como
ofício, consistiu em, por alguns anos, passar-se pelos mais diversos personagens,
desde copiloto de companhia aérea (Pan American Air Ways), advogado com
aprovação em exame de ordem em tradicional universidade norte-americana,
professor de sociologia, médico, tendo se apropriado, no decorrer desses anos,
do equivalente a três milhões de dólares por intermédio de cheques falsificados
e sem fundos.
Atualmente, tem-se conhecimento de crimes, tais como os praticados pelo Sr.
Abagnale, proliferando-se no âmbito da internet. Os hackers, com conhecimentos
incríveis em matérias relacionadas à informática, rompem poderosos sistemas
de segurança das mais diversas empresas (instituições financeiras, por exemplo),
alteram dados, operam transferências de recursos à ordem de milhões de dólares,
sem que para isto precisem sacar uma arma, ou, ao menos, sair detrás de um
simples microcomputador.
Vive-se, atualmente, numa era em que, ao lado do crime organizado, represen-
tado pelo narcotráfico e pelo tráfico de armas, apresentam-se perigosos hackers,
que em frações de segundos, são capazes de provocar adulterações em sistemas
das mais diversas corporações, causando acintosos prejuízos, cujas consequências,
naturalmente, podem desaguar no mercado segurador.

1. Hacker: Conceito e classificações


Diversas são as classificações que se podem encontrar sobre os hackers, aqui
entendidos como gênero dentre o qual se destacam diversas espécies.
Partindo da classificação de Túlio Lima Vianna,4 molda-se o seguinte
quadro:

Optamos por uma classificação de ordem objetiva dos hackers que leva tão somente
em conta o seu modus operandi. Em rigor, somente as três primeiras categorias
são de hackers, pois as demais não exigem conhecimento técnico avançado para
agirem, mas resolvemos constá-las para que possamos ter uma classificação geral
dos criminosos informáticos:
i. CRACKERS DE SERVIDORES – hackers que invadem computadores ligados
em rede.
ii. CRACKERS DE PROGRAMAS – hackers que quebram proteções de software
cedidos a título de demonstração para usá-los por tempo indeterminado.
iii. PHREAKERS – hackers especializados em telefonia móvel ou fixa.

4. Túlio Lima Vianna. Op. cit., p. 13.

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iv. DESENVOLVEDORES DE VÍRUS, WORMS E TROJANS – programado-


res que criam pequenos softwares que causam algum dano ao usuário.
v. PIRATAS – indivíduos que clonam programas, fraudando direitos autorais.
vi. DISTRIBUIDORES DE WAREZ – webmasters que disponibilizam em suas
páginas softwares sem autorização dos detentores dos direito autorais.

No que se refere ao conceito, Aurélio Buarque de Holanda5 assim define o


verbete hacker:

hacker [Ingl., substantivo de agente do v. to hack, “dar golpes cortantes (para abrir
caminho)”, anteriormente aplicado a programadores que trabalhavam por tentativa
e erro.] S. 2 g. Inform. 1. Indivíduo hábil em enganar os mecanismos de segurança
de sistemas de computação e conseguir acesso não autorizado aos recursos destes,
ger. a partir de uma conexão remota em uma rede de computadores; violador de
um sistema de computação.

Fazendo uma comparação entre as habilidades dos espertos bandidos que


atuavam no passado recente – anos 1960 e 1970 – com os bandidos atuais, não há
dúvida de que a inteligência dos mesmos, nos tempos atuais, é capaz de produzir
resultados infinitamente superiores, já que, consoante afirmado, numa fração
de segundos, sem riscos consideráveis, é tarefa tranquila alcançar complexos
empresariais em polos absolutamente opostos do País e, mais ainda, do mundo.

2. Comércio eletrônico
Diante de um número cada vez maior de usuários da internet, crescendo
dia após dia no mundo todo, o comércio eletrônico ou e-commerce passou a ser
adotado como ferramenta de distribuição de toda espécie de bens e serviços,
desde eletrodomésticos, passando por automóveis, medicamentos, alimentos,
entretenimento, enfim, atualmente é perfeitamente possível consumir bens e
serviços dos gêneros mais diversos através da internet, sem maiores entraves.
Ao lado destes benefícios, vieram problemas decorrentes da má utilização
da grande rede de computadores, sendo de conhecimento público problemas
relacionados à pornografia infantil, violação da propriedade intelectual, fomento
de racismo, antissemitismo, violência e difamação.6

5. Definição constante do site http://www.uol.com.br/aurelio/index_result.html?stype=k&verbete=hacker.


6. Informações disponíveis em Waldo Augusto Sobrino. Las nuevas responsabilidades legales derivadas
de Internet  & E-commerce y los nuevos desafíos para el Seguro, 2001. p. 119-137.

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Nestas condições, ao lado de todo o desenvolvimento e benefícios, encontra-se


também terreno fértil à prática de condutas ilegais, cujas consequências podem
repercutir sobre o mercado segurador.

3. Repercussões sobre o mercado segurador.


Dados do mercado norte-americano
Dados provenientes do mercado segurador dos Estados Unidos demonstram
quão relevantes são as perdas relacionadas aos riscos eletrônicos. A tabela a seguir,
proveniente de censo colhido pelo CSI – Computer Security Institute, em 2003,
com mais de 530 especialistas em segurança de dados em internet, explica a
origem dos prejuízos e seus respectivos valores:7

PERDAS (EM DÓLARES NORTE-AMERICANOS)


SINISTRO PREJUÍZOS EM US$
ACESSO SEM AUTORIZAÇÃO 406,300
FRAUDE FINANCEIRA 10.186,400
FRAUDE COM TELECOMUNICAÇÕES 701,500
PERDAS COM PROPRIEDADE INTELECTUAL 70.795,90
VÍRUS 27.382,340
PERDAS COM NOTEBOOKS 6.380,500
ABUSOS COM INTERNET 11.767,200
PARALIZAÇÃO DE SERVIDORES 65.643,300
SABOTAGEM 5.148,500
INVASÃO DE SISTEMAS 2.754,400
PERDAS COM ESPIONAGEM COM TELECOMUNICAÇÕES 76,000
PERDAS COM ESCUTAS DE TELECOMUNICAÇÕES NÃO AUTORIZADAS 705,000

Diante de tão expressivas perdas potenciais, a contratação das respectivas


garantias se torna necessária. Na palestra anteriormente comentada, 8 Waldo
Augusto Sobrino assim se manifesta:

[M]as temos seguros de responsabilidade civil para a Internet?


A resposta é afirmativa. São muito numerosos, mas na realidade, não temos
ainda uma experiência de sinistros, o que torna muito difícil o cálculo do prêmio.

7. Disponível em http://www.sans.org/reading_room/whitepapers/legal/cyber-risk-insurance_1412.
Acessado em 13/12/2010.
8. Waldo Augusto Sobrino. Op.cit., p. 131 e ss.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Os seguros de Internet cobrem principalmente, “First Party Insurance” (danos


próprios) e “Third Party Insurance” (danos a terceiros). Dentro destas coberturas
estão amparados os danos ocasionados através da Internet, intranet, “e-mails”,
“web-sites”, etc. Também cobrem, por exemplo, questões sobre violação da pro-
priedade intelectual.
(...)
Outros riscos que também estão cobertos são os danos produzidos em consequ-
ência dos vírus que você pode transmitir. Recentemente tivemos um caso original,
em que uma pessoa recebeu um “e-mail” com um vírus e ingressou com uma ação
judicial contra o “Internet Service Provider”, argumentando que o ISP deveria ter
um filtro para detectar vírus.
(...)
Dentro das exclusões gerais, temos: i) a pornografia, ii) a evasão de impostos, iii) a
violação da Lei de Monopólios. Em todos esses casos não há cobertura legal. (...).

No que diz respeito aos elementos essenciais à formação do contrato de


seguro,9 quais sejam, risco, mutualidade e boa-fé, seu estudo em relação a apólices
voltadas à internet ainda se revela bastante embrionário.
Raciocinando-se, por exemplo, numa empresa multinacional atuante no
setor de informática, que, em instantes, sofre a intervenção em seu sistema de
segurança por um poderoso hacker.
A partir desta intervenção, suponha-se que sejam disparados milhões de
e-mails para todos os clientes desta empresa, espalhados ao redor do mundo,
constando do título desta mensagem algo didático, educacional, que motive os
clientes – usuários – a promoverem a abertura destas mensagens.
Suponha-se que ao se promover a abertura das mesmas, ocorra a destruição
dos sistemas de rede de todos os computadores que até então eram geridos por
esta multinacional, vítima da ação deste hacker.
Partindo deste cenário, partindo do pressuposto de que houvesse a pretéri-
ta contratação de apólice com cobertura para responsabilidade civil para esta
empresa, como ficaria a situação da mesma perante o segurador, ante a existência
de prejuízo milionário, talvez bilionário?
Seria dever do segurador arcar com o pagamento desta indenização? Deveria a
empresa segurada, já que atuante no setor de informática, ter contratado melhor
proteção ao seu servidor de internet – Internet Service Provider? Poderia o segu-
rador arguir o agravamento do risco como sucedâneo à aplicação de negativa
9. “Quais são os elementos essenciais do seguro? São três: o risco, a mutualidade e a boa-fé. Esses
elementos formam o tripé do seguro, uma verdadeira trilogia, uma espécie de santíssima trindade”.
Sérgio Cavalieri Filho. A Trilogia do Seguro. 2001, p. 85-97.

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de cobertura, ao argumento de que pela empresa não teriam sido tomadas as


medidas necessárias à diminuição do risco em exame?
Em síntese, o que se pode notar, diante da novidade do tema, é que muitas
perguntas serão formuladas, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência
chegar às melhores soluções.
Quanto ao nosso questionamento, voltado à suposta negligência por parte
da empresa multinacional, pertinente se revela a observação constante da obra
de Cavalieri Filho:10

Normalmente, nos contratos se estabelece, como cláusula de adesão, que o caso


fortuito exime de responsabilidade o I.S.P. Mas é um contrato muitas vezes leonino
e arbitrário. Inclusive na Argentina nós decidimos a “Teoria de Exner”, quando
ele fala que o caso fortuito tem que ter como característica a agilidade, isto é,
que não seja próprio deste negócio ou desta matéria. No caso dos “crackers” e
“hackers”, eu acho que não seria propriamente um caso fortuito porque não teria
a agilidade, é muito conhecido. A questão do Direito do futuro é quem assume
os riscos, uma grande empresa ou o consumidor?
Então, em primeiro lugar, eu acho que os “crackers” e os “hackers” não podem ser
considerados caso fortuito. Por isso, em princípio, eles têm que ser responsáveis,
porque senão o único responsável seria o consumidor.
De outra maneira, existe uma outra teoria mais sutil que fala de caso fortuito
extraordinário, isto é, que sejam coisas realmente não conhecidas. Então, por
exemplo, se surgir um “cracker” não via computador, mas via satélite ou algo
parecido, como é uma situação absolutamente incomum e não previsível, aí sim
pode ser como cláusula excludente de responsabilidade. Nos outros casos, eu
acho que não (...).

Desenvolvendo este raciocínio, para que seja possível avaliar-se a configuração


ou não de caso fortuito (diz-se aqui fortuito externo11), como fator excludente
do dever indenizatório por parte do segurador, deve-se atentar para a essência
da atividade desenvolvida pelo segurado. Para o caso hipotético narrado, em
se tratando de uma empresa cujo objeto consiste na prestação de serviços de
informática, realmente deveria a empresa tomar maiores precauções para que

10. Sérgio Cavalieri Filho. A Trilogia do Seguro. 2001, p. 141-142.


11. Sergio Cavalieri Filho, em Programa de Responsabilidade Civil. 1998, p. 218-219, leciona:
“Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se relaciona com os
riscos da atividade desenvolvida (...) O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas
estranho à organização do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa, (...)”.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

não houvesse o sinistro comentado, sendo dever do segurado empregar toda a


diligência necessária no sentido de evitar o infortúnio.
Sob outro prisma, se o evento em comento ocorresse, por exemplo, com um
escritório de contabilidade, a aplicação do caso fortuito como excludente seria
medida de Direito, já que a ação criminosa por parte do hacker seria totalmente
imprevisível.
Ainda com relação aos elementos essenciais à formação do contrato de segu-
ro, merece destacar-se neste momento que a cotação do risco, em matéria de
apólices com cobertura para danos decorrentes da ação de hackers fica adstrita
a elementos bastante peculiares.
As apólices com cobertura para prejuízos decorrentes da ação de hackers têm
como característica própria a aplicação da “Teoria Indenitária”,12 sendo esta
espécie do gênero “Seguro de Danos”. As perdas decorrentes da ação de hackers
trazem em si elementos tangíveis e elementos intangíveis, já que, ao sofrer o
ataque, a vítima ficará sujeita a prejuízos palatáveis, quer-se dizer mensuráveis,
como, por exemplo, a perda de discos rígidos de microcomputadores, software
etc., avaliadas em quantias fixas, ao passo que também ficará sujeita a perdas
de muito difícil mensuração, como soem ser as características à propriedade
intelectual, consistentes de arquivos anteriormente armazenados, nos quais, por
exemplo, poderiam ter sido despendidas horas a fio de trabalho por parte de
empregados desta suposta vítima.
Logo, quando da cotação do risco, estes elementos devem ser criteriosamen-
te examinados pelo segurador, desenvolvendo-se maneiras de, em momentos
anteriores à contratação das apólices, fixar-se, com clareza, coberturas distintas
para as perdas tangíveis e para as intangíveis, tudo em estrita observância ao
princípio da boa-fé, norteador do relacionamento entre segurado e segurador.
12. Na obra O Contrato de Seguro, 1999, Pedro Alvim, às fls. 78-79, ensina que: ‘É da maior
importância a divisão de seguros de dano e de pessoas. Constituem dois grupos com estruturação
técnica diferente. Não coincidem também os seus objetivos. Um tem caráter indenitário, o outro não.
A peculiaridade de cada grupo reflete na sua disciplina jurídica. Os seguros de dano são também
conhecidos como seguros de coisa, denominação que tem sido abandonada pelos autores, porque
se refere apenas a algumas espécies de seguros do grupo. São seguros de coisa o de incêndio, de
transportes, de automóveis etc., mas não se incluem aí os de responsabilidade civil, de garantia, de
fidelidade e outros. A expressão “seguros de dano” é mais abrangente e envolve todos eles. Referem-se
tanto aos prejuízos materiais como à perda de valores patrimoniais. Há um princípio que domina
todos os seguros de dano, qualquer que seja sua modalidade de cobertura: ninguém pode lucrar
com o evento danoso ou tirar proveito de um sinistro. Deverá receber em dinheiro ou espécie
aquilo que perdeu. O pagamento a mais pode servir de estímulo à fraude ou à especulação, por isso
a legislação de todos os povos fulmina de nulidade o seguro de valor superior ao do bem. Figura em
nosso Código Civil: “não se pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem pelo seu todo mais
de uma vez” (art. 1.437). Eis porque se diz que os seguros de dano têm por objetivo uma indenização,
isto é, uma reparação, compensação ou satisfação de um dano sofrido. O segurado deverá receber o
que for necessário para repor a situação anterior à ocorrência. Ressarcir-se se seus prejuízos.” Grifou-se.

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Desenvolvendo pesquisa no mercado internacional, apurou-se que nos Estados


Unidos da América, as apólices que ofertam cobertura para riscos decorrentes
da ação de hackers vêm sendo amplamente comercializadas. Dentre as cobertu-
ras contratadas, destacam-se as relacionadas à transmissão de vírus, ao acesso
desprovido de autorização a web sites, a erros e omissões provocados por hackers
quando da utilização de serviços disponibilizados na internet etc.
As coberturas ofertadas incluem perdas ocorridas com o hardware e o software
utilizados pelo segurado, inclusive para prejuízos causados a terceiros, desde que
relacionados com a origem dos danos sofridos pelo próprio segurado. (Denota-se
através disto a necessidade de que se apresente bem delineado o nexo causal entre
os prejuízos e eventual conduta ilícita, para que surja a obrigação de indenizar).13

4. Considerações finais
Atualmente, não restam dúvidas de que o progresso da Sociedade na qual
vivemos está intimamente relacionado com o desenvolvimento da informática.
Sob os mais diversos campos de atuação – ciências biomédicas, humanas,
tecnológicas etc. –, a informática assume papel fundamental.
Lamentavelmente, com todo o desenvolvimento costumam surgir problemas
carecedores de soluções e/ou, não sendo estas possíveis, formas de minimizar os
prejuízos decorrentes destes problemas.
É justamente neste particular que tem atuação o mercado segurador, pres-
tando-se para viabilizar na sociedade o seu mais amplo desenvolvimento, dimi-
nuindo, na medida do possível, possíveis perdas que possam vir a ocorrer.
À conta do que se expôs, torna-se imperiosa a necessidade de que se apro-
fundem os estudos sobre as coberturas que podem ser ofertadas no âmbito da
responsabilidade civil decorrente da ação de hackers.
Concretamente, tem-se muito pela frente a discutir quanto à comercialização
das apólices desta natureza, considerando-se, sobretudo, a realidade, a iminência
que este risco representa.

Referências
ABAGNALE, Frank W. Prenda-me se for capaz. São Paulo: Record, 2003.
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. A Trilogia do Seguro. I Fórum de Seguro “José Sollero Filho”.
São Paulo: Max Limonad, 2001.
______. Programa de Responsabilidade Civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

13. Os dados apresentados podem ser colhidos no site a seguir discriminado, através do link
netadvantage: <http://www.aiu.com/BusinessLine/aiuCDA_bizline_cntyprod/0,1793,99-17,00.html>.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Eletrônico. Disponível em www.uol.com.br.


SITE http://www.aiu.com/BusinessLine/aiuCDA_bizline_cntyprod/0,1793,99-17,00.html
SOBRINO, Waldo Augusto. Las nuevas responsabilidades legales derivadas de Internet &
E-commerce y los nuevos desafíos para el seguro. Em Arbitragem e Seguro – Comércio
Eletrônico e Seguro. São Paulo: Max Limonad, 2001.
VIANNA, Túlio Lima. Hackers: um estudo criminológico da subcultura cyberpunk.
Revista do CAAP. Belo Horizonte, a.6, v.10, 2001.

30
IV
A boa-fé objetiva como elemento essencial
ao contrato de seguro. Repercussões
às apólices de vida, acidentes pessoais
e saúde. Realização de exames
médicos anteriores à contratação.
Necessidade ou desnecessidade?

Sumário: Introdução. 1. A boa-fé objetiva como elemento essencial ao contrato de seguro.


Consequências em matéria de seguro de vida, acidentes pessoais e saúde. 2. Posicionamento
divergente no âmbito dos nossos tribunais, particularmente no Superior Tribunal de Justiça,
quanto à necessidade de que se realizem exames médicos anteriores à contratação das
apólices. 3. Dados do mercado segurador. 4. Considerações finais. Referências.

Introdução

D esde o advento do Código Civil de 1916, dentre os muitos contratos


regulamentados por este Diploma, o único, no qual expressamente
se fazia menção à boa-fé como característica, como pressuposto
essencial, tratava-se do contrato de seguro.1
A redação constante do art. 1.443 do revogado Código Civil assim
dispunha: “O Segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato
a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das
circunstâncias e declarações a ele concernentes.” (Grifou-se).

1. O Contrato de Seguro no Código Civil de 1916 vinha disciplinado nos arts. 1.432 e
1.476.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Com o advento do Novo Código Civil,2 o art. 765 veio reforçar o princípio
que já se encontrava vigente: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na
conclusão e na execução do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a
respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Tratando-se o “seguro” de elemento essencial à vida em sociedade, dispo-
nibilizado a cidadãos e a corporações espalhadas por todo o mundo, tem-se
conhecimento de que o meio utilizado para sua contratação trata da oferta de
contratos de adesão, ficando a cargo do segurador a redação das cláusulas que
particularizarão os riscos assumidos e delimitarão as coberturas. Importante
esclarecer que os Seguradores, ao redigirem as cláusulas constantes dos contratos
de seguro, são regulados por órgãos vinculados ao Poder Público, o que no Brasil
é realizado pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, Decreto-Lei
nº 73/1966, art. 35.3
Atualmente, a contratação de bens e serviços é realizada de maneira muito
mais flexível do que se procedia no passado. Hoje, contratam-se apólices por
simples contato telefônico, via internet, enfim, viabiliza-se a contratação de
maneira muito mais cômoda, livre de formalismos, o que, necessariamente, gera
como consequência a necessidade de que as contratantes – segurado, segurador e
corretor de seguros – ajam de forma sensata, honesta, reveladora da mais estrita
boa-fé, com enfoque objetivo e não apenas simplesmente subjetivo.4

2. O Novo Código Civil, Lei nº 10.406 de 10/01/2002, entrou em vigor no dia 11/01/2003, após
tramitar no Congresso Nacional por mais de trinta anos.
3. Decreto-Lei nº 73/1966, art. 35. “Fica criada a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP),
entidade autárquica, jurisdicionada ao Ministério da Indústria e Comércio, dotada de personalidade
jurídica de Direito Público, com autonomia administrativa e financeira.”
4. De interessante artigo intitulado “Os Novos Paradigmas da Teoria Contratual: O princípio da
Boa-fé Objetiva e o Princípio da Tutela do Hipossuficiente”, de Alinne Arquette Leite Novais, in:
Problemas de Direito Civil Constitucional. 2000, p. 17-54, colhem-se os seguintes trechos: “[...] A
boa-fé subjetiva corresponde ao estado psicológico da pessoa, à sua intenção, ao seu convencimento de
estar agindo de forma a não prejudicar outrem na relação jurídica. Já a boa-fé objetiva significa uma
regra de conduta de acordo com os ideais de honestidade e lealdade, isto é, as partes contratuais devem
agir conforme um modelo de conduta social, sempre respeitando a confiança e os interesses do outro.
(...) Para um estudo mais aprofundado do princípio da boa-fé, ver excelente tese de doutoramento
apresentada à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP, de Judith Martins-Costa,
intitulada Sistema e cláusula geral: a boa-fé objetiva no processo obrigacional. Nesta mesma obra,
a autora especifica as diferenças entre as duas vertentes do princípio da boa-fé, assim dispondo: “A
expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar
(a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais,
especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve
o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima
convicção. Antiética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção
de lesar outrem.” (p. 503-504). (...) Assim, a “boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a
ideia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável), que repousam seja no próprio estado

32
ELSEVIER IV – A BOA-FÉ OBJE TIVA COMO ELEMENTO ESSENCIAL AO CONTR ATO DE SEGURO...

Vale destacar-se que a viabilidade da atividade securitária encontra-se inti-


mamente relacionada à contratação de massa. Caso se raciocine de forma indivi-
dualizada, caso a caso, constatar-se-á que o prêmio recolhido por um segurado,
quase que invariavelmente, não será suficiente para arcar com eventual verba
indenizatória que se faça devida por força da ocorrência de sinistro.

1. A boa-fé objetiva como elemento essencial ao


contrato de seguro. Consequências em matéria de
seguro de vida, acidentes pessoais e saúde
Particularmente para os ramos de vida, acidentes pessoais e saúde, para o
segurador seria tecnicamente impossível submeter todos os candidatos à contra-
tação das apólices a exames médicos anteriores à contratação das apólices, a fim
de saber se as informações que lhes foram prestadas são verdadeiras.
Se pelos seguradores fosse exigida a realização de exames de saúde em todos
os pretendentes à contratação (milhares de pretendes), com certeza o número
de operações realizadas sofreria vertiginosa queda, o que contribuiria para o
aumento dos prêmios e, por consequência, prejuízos para os próprios segurados
remanescentes.
A opção encontrada pelo mercado, consoante afirmado, reside justamente na
presença da mais estrita boa-fé – objetiva, consoante comentado –, na relação
existente entre segurado e segurador, sob pena de, para o segurado, que este
possa sofrer a perda do direito à garantia caso deixe de prestar informações
verdadeiras e/ou omita dados importantes à cotação do risco pelo segurador,
enquanto que para este, à hipótese de não se portar segundo a boa-fé, ver-se
obrigado a indenizar o segurado por ato ilícito que venha a praticar – art. 186
do NCC, cumprindo fazer a distinção entre eventual verba que o segurador deva
pagar por força de obrigação contratual – reposição do patrimônio do segurado

(subjetivo) da ignorância (as hipóteses do casamento putativo, da aquisição de propriedade alheia


mediante a usucapião), seja numa errônea aparência de certo ato (mandato aparente, herdeiro aparente
etc)” (p. 505). Quanto à segunda concepção, fundamental para o direito contratual contemporâneo,
Judith Martins-Costa, observa que: “ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais
que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como fundada na honestidade, na retidão, na lealdade,
e, principalmente, alter, (p. 505) (...) Dessa forma, “por boa-fé objetiva se quer significar – segundo
a conotação que adveio da interpretação do parágrafo 242 do Código Civil Alemão, de larga força
expansionista em outros ordenamentos e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da
common law –, modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada
pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com
honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração
os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo
uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo’”. (p. 504).

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

(correlação para com o princípio indenitário) ou arcando com o pagamento da


soma segurada (capital segurado) para seguros do ramo de pessoas.5
Ainda com relação a eventual ato ilícito que possa ser praticado pelo segu-
rador, é válido observar o posicionamento de Ernesto Tzirulnik:6 “Há autores
e decisões judiciais que no caso de impontualidade, considerando ato ilícito a
postergação injustificada da prestação indenizatória, opinam pela incidência da
regra do art. 1597 do mesmo diploma: (...)”.
Quanto à “mais estrita boa-fé”, prevista no art. 765 do NCC, convém exa-
minar os comentários de Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e
Ayrton Pimentel:8

A norma, é importante salientar, exige o comportamento com a máxima intensida-


de. Não diz a boa-fé, e sim “a mais estrita boa-fé”, e acresce a ideia de veracidade.
Relaciona a exigência destes comportamentos com o objeto, isto é, o interesse legí-
timo¸ assim como com aquilo que lhe diz respeito, como o risco e as variações que
venha a alterá-los de forma relevante para a formação e para a execução contratuais.
Em um primeiro momento, a norma procura garantir que os comportamentos de
comunicação e cooperação material, visando à contratação, possuam os atributos
da sinceridade, da colaboração prática atentando para o interesse do outro contra-
tante, de forma que o contrato seja individual e socialmente útil, e seja emanado
de forma correta e completa (veracidade).
Em um segundo momento, formada a relação contratual, o dispositivo procura
garantir que as variações que possam ser relevantes e afetar o equilíbrio entre as
prestações devidas sejam reveladas reciprocamente e recebam a atuação prática
necessária para o melhor atendimento aos interesses de ambas as partes.
A conduta das partes, ações e omissões, com base nesse suporte normativo, deve
intensificar-se para manter o equilíbrio contratual obtido por ocasião da conclusão
do contrato. A norma se especifica, como se verá oportunamente, para contem-
plação das situações mais comuns e corriqueiras, determinando-se assim, por

5. Faz-se a presente distinção considerando-se que para os seguros de danos, o segurador obriga-se a
prestar garantia sobre o interesse segurado cujo escopo é, em ocorrendo o sinistro, repor o patrimônio
segurado respeitando exatamente o que foi alvo de prejuízo, sendo legalmente vedado o recebimento
de indenização que represente quantia maior do que a representativa do efetivo prejuízo suportado –
art. 781 do Novo Código Civil: “A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado
no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo de garantia fixado na apólice,
salvo em caso de mora do segurador”.
6. Ernesto Tzirulnik. Regulação de Sinistro. 2001. p. 38.
7. A correspondência legislativa no Novo Código Civil encontra-se no art. 186: “Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
8. Ernesto Tzirulnik et alii. O Contrato de Seguro: Novo Código Civil Brasileiro. 2002. p. 69-70.

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ELSEVIER IV – A BOA-FÉ OBJE TIVA COMO ELEMENTO ESSENCIAL AO CONTR ATO DE SEGURO...

exemplo, o não agravamento intencional do risco (art. 768), o dever de reduzir


as consequências do sinistro (art. 771), a diligente e proba regulação e liquidação
do sinistro etc.’ (Grifou-se).
Noutras palavras, entre segurado e segurador outro não pode ser o com-
portamento que não seja o da boa-fé objetiva, sob pena de sofrerem as sanções
antes comentadas.

2. Posicionamento divergente no âmbito dos nossos


tribunais, particularmente no Superior Tribunal de
Justiça, quanto à necessidade de que se realizem exames
médicos anteriores à contratação das apólices
Antes de trazer os acórdãos que ilustram posicionamentos divergentes, é
preciso refletir um pouco a respeito do “mito” que foi criado em torno da
obrigatoriedade de que se realize o exame médico previamente à contratação
das apólices.
A realização do exame representaria a solução para todos os problemas de
boa-fé? Eventual proponente que, deliberadamente, queira omitir determinada
circunstância do segurador, será necessariamente desmascarado pelo exame de
saúde?
Afirma-se com toda convicção que o exame de saúde não resolve o problema
da boa-fé e, para isto, não é preciso ir muito longe.
Tome-se um exemplo trivial, de um proponente que sabe de sua doença e
que, mesmo assim, ao sentar-se numa consulta com um clínico geral, a esconde
intencionalmente.
O clínico faz os exames clássicos, escuta o batimento cardíaco, examina os
olhos, orelhas, barriga etc. e nada encontra. Ponto para o “esperto” proponente?
Passemos a um estágio mais avançado: suponha-se que tenha sido solicitado
um hemograma tradicional, cujo resultado seja incapaz de diagnosticar a doença.
E agora, o que o segurador deveria fazer? Ultrassonografia, tomografia, raios-x,
exame de fezes, urina, pressão arterial? Mas, por onde começar, dada a enorme
variedade de exames disponíveis?
Se nem mesmo o médico é capaz de perceber a doença, mesmo auxiliado
por exames, o que dizer dos seguradores?
Este exemplo simplório demonstra facilmente que o problema não está na
preexistência.
O problema encontra-se na doença preexistente conhecida pelo proponente e
deliberadamente omitida do segurador. Este, de fato, é o problema e, com efeito,
é a questão a ser enfrentada pela jurisprudência.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Em sede jurisprudencial, particularmente no âmbito do Superior Tribunal


de Justiça, não existe consenso quanto à necessidade de que se realizem exames
médicos anteriores à contratação das apólices, encontrando-se julgados favoráveis
e desfavoráveis às partes envolvidas nas relações processuais.
Demonstrando estas posições divergentes, é preciso examinar os seguintes
julgados. Começando pela tese que mitifica necessidade do exame de saúde,
convém examinar a ementa a seguir:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Seguro. Indenização.


Cabimento. Doença preexistente. Ausência de exames. Omissão do segurado.
Inexistência. Reexame de prova. Inadmissibilidade. I – Consoante entendimento
desta Corte, a seguradora que não exigiu exames médicos previamente à
contratação não pode eximir-se do pagamento da indenização, sob a alega-
ção de que houve omissão de informações pelo segurado. II – É inviável em
sede de recurso especial o reexame do acervo fático-probatório dos autos. Agravo
improvido. (AgRg no Ag. 1062383; Rel. Min. Sidnei Beneti. Terceira Turma; j.
02/10/2008. Grifou-se).

O simples fato de não exigir o exame de saúde impõe a obrigação incondi-


cional de indenizar ao segurador?
Em maio de 2010, por decisão unânime da Quarta Turma, o e. Rel. Min.
João Otávio de Noronha chegou à conclusão diversa:

Civil. Agravo regimental no recurso especial. Seguro de vida. Doença preexis-


tente. Sonegação de informação. Propósito deliberado de fraudar contrato.
Indenização indevida. 1. É indevido o pagamento de indenização decorrente
de contrato de seguro de vida se constatado que a parte segurada, ao firmar
o ajuste, agiu com o propósito deliberado de fraudar o contrato, sonegando
informações relevantes acerca de seu estado de saúde. Precedentes. 2. Agravo
regimental desprovido. (Ag no REsp nº 2007⁄0261604-0; Rel. Min. Relator João
Otávio de Noronha; Quarta Turma; j. 04/05/2010; DJe17/05/2010. Grifou-se).

A ementa é clara. Aquele segurado que intencionalmente omite informações


relevantes acerca de seu estado de saúde deve ser punido com a perda da garantia
securitária.
Possivelmente, surgirão vozes em sentido contrário, afirmando que não é
em todos os casos que haveria prova da intenção ruim por parte do segurado.
Neste exato instante, chega-se a uma encruzilhada: o segurado sabe que está

36
ELSEVIER IV – A BOA-FÉ OBJE TIVA COMO ELEMENTO ESSENCIAL AO CONTR ATO DE SEGURO...

seriamente doente e omite o fato ao preencher a proposta. Esta omissão seria


ou não intencional?
Para responder à questão e chegar ao lado certo da encruzilhada, o melhor a
fazer é voltar à redação da norma, cujos dizeres remetem à mais estrita boa-fé.
Caso fosse uma boa-fé qualquer, pobre, desqualificada, até poder-se-ia pensar
na inexistência de intenção do segurado. Porém, atentando para o que a regra
determina, não há como se concluir de forma diferente.
Sustenta-se, neste sentido, que o posicionamento contrário negaria vigência
ao art. 765 do CC.
Também do Superior Tribunal de Justiça, muito embora seja um acórdão já
um pouco antigo, o entendimento a seguir é digno de transcrição:

Seguro saúde. Se o segurado, – conforme o acórdão recorrido – “ao contratar o


seguro, expressamente, omite que teve problemas de saúde, que jamais procurou
médicos ou esteve internado, inválido é o ajuste”, não há dissídio com julgados
segundo os quais não se presume a má-fé do segurado. Não houve aqui presunção.
Procede de má-fé o segurado que não faz declarações verdadeiras e completas,
omitindo “informações sobre a sua saúde”. arts. 1.443 e 1.444 do Cód. Civil.
Recurso Especial pela alínea “c”, de que a turma não conheceu. (STJ – Resp
49.731-RJ ; Rel. Min. Nilson Naves; Quarta Turma; p. DJ 17/04/1995. Grifou-se).

Seguem abaixo alguns trechos do voto exarado pelo e. Rel. Ministro, acom-
panhado, à unanimidade, pelos Ministros integrantes da Terceira Turma:

[...] O dissídio, porém, não está constatado. A leitura destes autos indica que não
houve guarda da boa-fé. Certo que não existe no acórdão referência à expressão má-
-fé, mas a sentença a ela se referiu nessa passagem: “O contrato de seguro de vida,
poderia não ter sido efetivado caso as seguradoras tivessem tomado conhecimento
delas. Ao menos, teriam tido a oportunidade de examinar da sua conveniência.
Se agiu o segurado com dolo ou má-fé ou erro justificado pelas circunstâncias,
a verdade é que todas essas hipóteses determinam o vício do consentimento,
ensejando a anulação do contrato, com fundamento nos arts. 1.443 e 1.444 do
Código Civil.” (...)
Tal decisão não presumiu a má-fé do segurado. Acabou por reconhecê-la, em
face da omissão de prestar “informações sobre a sua saúde, que poderiam levar a
empresa seguradora a não aceitar o seguro ou fazê-lo em outras bases”. Ora, se o
segurado, devendo prestar declarações verdadeiras e completas, não as prestou,
conforme noticiado no acórdão, não procedeu de boa-fé; procedeu, isto sim, de

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

má-fé. Logo, sequer há o dissídio com os julgados aqui indicados. Não conheço
do recurso especial. (Grifou-se).

A conclusão do Relator vai ao encontro do exposto anteriormente: o segurado


que não presta as informações verdadeiras age de má-fé.

3. Dados do mercado segurador


Em publicação veiculada no jornal O Globo,9 o presidente da Fenaseg –
Federação Nacional das Seguradoras, à época, , Sr. João Elísio Ferraz de Campos,
trouxe à tona dados importantes, que, provavelmente, fogem ao conhecimento
do público em geral.
Em poucas palavras, destacou-se neste artigo que as sociedades seguradoras
que operam no ramo de saúde vêm sofrendo sérias dificuldades, transcrevendo-se
abaixo algumas passagens do artigo:

São sinais de alerta. Mostram que, ao contrário do que muitos supõem, as ope-
radoras do seguro-saúde não vivem no melhor dos mundos. Operam dentro de
margens de coragem empresarial e realismo para manter a qualidade dos serviços
contratados, principalmente a partir da entrada em vigor da nova legislação,
que determinou a ampliação de coberturas, redução dos prazos de carência,
eliminação de limites de valor quantidade, nova disciplina dada às doenças ou
lesões preexistentes, entre outros dispositivos que causaram impacto negativo na
performance dos contratos. (...) A operação do seguro-saúde, portanto, em lugar
de ser o suposto “choque entre o lucro das operadoras e os interesses do paciente”,
tem-se mostrado mais como atividade suplementar ao esforço do Estado, propi-
ciando assistência médico-hospitalar a parcela expressiva da população. A análise
isenta e abrangente da situação leva à conclusão de que o quadro, já dramático,
tende a se agravar.

4. Considerações finais
Não se pode negar que o “seguro” desenvolve papel essencial ao desenvolvi-
mento sustentável da sociedade.
O posicionamento, a teoria sustentada por autores apegados ao Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, no sentido de que o recebimento do prêmio
por parte do segurador, não importando o caso, traduziria a necessária obrigação
de indenizar, não pode prevalecer.

9. Reportagem veiculada no jornal O Globo, edição de 05/08/2003.

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ELSEVIER IV – A BOA-FÉ OBJE TIVA COMO ELEMENTO ESSENCIAL AO CONTR ATO DE SEGURO...

A consequência decorrente da prevalência deste posicionamento consistirá,


imediatamente, na majoração dos prêmios que deverão ser recolhidos pelos
segurados remanescentes, a fim de que os seguradores possam arcar com as
verbas às quais sejam obrigados.
Raciocinando-se um pouco mais à frente, esta situação representa quadro
ainda pior, seja em razão da escassez de recursos disponibilizados à população
em geral, incapaz de fazer frente às sucessivas majorações dos prêmios, seja em
virtude da difícil situação pela qual passa a saúde pública no País, gerida pelo
Sistema Único de Saúde – SUS, criado pelas Leis Ordinárias nº 8.080/1990 e
8.142/1990.
Por estes elementos, sustenta-se que o exame minucioso das declarações
prestadas pelos proponentes, em momentos anteriores à contratação, revela-se
essencial para que se examine a intenção e a mais estrita boa-fé, exatamente
conforme determina o art. 765 do CC.
A exigência de que se proceda o check-up geral em todos os proponentes
revela-se incompatível com a velocidade, com a agilidade característica do
mercado segurador, que deve, mediante informações sérias, corretas, ofertar
garantia. Não sendo corretas as informações, revela-se temerária e prejudicial à
coletividade a oferta de garantia, por tudo quanto já se expôs.
Concluindo, faz-se imperiosa a quebra de paradigmas, segundo os quais
os seguradores, por gerirem vultosas quantias, estão sempre em condições
de arcar com o pagamento de verbas indenizatórias, independentemente das
circunstâncias.
Não se pretende sustentar que as negativas de cobertura apresentadas pelas
empresas estão invariavelmente corretas. Ao contrário, o que se sugere através
destas breves considerações é que pelo Poder Judiciário seja exercida a interpre-
tação minuciosa dos casos concretos submetidos a julgamento, com a cautela
necessária, evitando, de todas as formas, que às vistas de condutas omissivas
por parte de segurados, que ferem a boa-fé qualificada, seja alcançado o êxito
em demandas judiciais.
Visando não tornar unilateral o escopo deste artigo, externa-se que se as
negativas de cobertura se apresentarem infundadas, deve-se estar igualmente
atento para estas circunstâncias, a fim de que nesses casos, os segurados logrem
êxito em seus pleitos.
Em resumo e, como palavra final, entende-se que a boa-fé objetiva deve repre-
sentar a essência, o verdadeiro sentido a ser conquistado em matéria de Teoria
Contratual, com repercussões para os contratos de seguro, o que, certamente,
terá como consequência a melhor gestão do mercado segurador, propiciando
melhores condições para todas as partes.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Referências
Jornal O Globo em 05/08/2003.
Judith Martins-Costa. Sistema e cláusula geral: a boa-fé objetiva no processo obrigacional.
Tese (doutorado). Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Universidade de
São Paulo, 1996.
NOVAIS, Alinne Arquette Leite. Os Novos Paradigmas da Teoria Contratual: O princípio
da Boa-fé Objetiva e o Princípio da Tutela do Hipossuficiente. In Problemas de Direito
Civil Constitucional. Gustavo Tepedino (coord.). São Paulo: Renovar, 2000.
TZIRULNIK, Ernesto. Regulação de Sinistro. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.
______ et alii. O Contrato de Seguro: Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: IBDS, 2002.

40
V
Cláusulas restritivas x cláusulas
abusivas: panorama com enfoque
no direito do seguro

Sumário: Introdução. 1. Exame da ementa. 2. Os conceitos mencionados no acórdão.


3. Cláusula perfil. 4. Considerações finais. Referências.

Introdução
erfilha-se uma linha tênue entre cláusulas restritivas de direitos e

P as cláusulas abusivas de direitos.


Enquanto que estas são declaradas nulas1 pelo ordenamento
jurídico vigente (Seção II, capítulo VI – Da Proteção Contratual – art.

1. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a
responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e
o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos
neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV – estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão
do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória
de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio
jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato,
embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente,
variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato
unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o
consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja
conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o
conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem
a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção
ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias
necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I – ofende os

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

51 e seus incisos da Lei nº 8.078/1990), aquelas são válidas e eficazes,2 desde


que preenchidos os insertos na Seção III – Dos Contratos de Adesão, art. 54,
§ 4º da referida lei.
Exemplificando, para que as restrições possam vingar, faz-se necessária a
sua apresentação com destaque, em caracteres ostensivos, através de texto claro,
viabilizando com isto a fácil compreensão por parte de seus leitores.
Quaisquer interpretações dúbias decorrentes de informações mal prestadas,
eventuais dificuldades de compreensão e, ainda, excessivas vantagens por parte
dos fornecedores serão sempre pesadas para o lado dos consumidores, a teor do
disposto nos arts. 46 e 47 da referida lei.3
Neste exato sentido, convém examinar o posicionamento de Nelson Nery
Júnior,4 primeiramente sobre as cláusulas abusivas de direitos e, a seguir, acerca
das cláusulas limitativas:

[1] CLÁUSULAS ABUSIVAS – O instituto das cláusulas abusivas não se con-


funde com o abuso de direito do parágrafo único do art. 160 do Código Civil,
interpretado a contrario sensu. Podemos tomar a expressão “cláusulas abusivas”
como sinônimas de cláusulas opressivas, cláusulas vexatórias, cláusulas onerosas ou,
ainda, cláusulas excessivas.

princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações


fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio
contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e
conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2º A nulidade
de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos
esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3º (Vetado). § 4º É facultado
a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a
competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste
código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
2.    Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1º A inserção de cláusula
no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2º Nos contratos de adesão admite-
se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o
disposto no § 2º do artigo anterior. § 3 º  Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze,
de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela Lei nº 11.785, de 2008)
§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com
destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
3. Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não
lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos
instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Art. 47.
As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
4. Nelson Nery Júnior. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto. 2000. p. 489-491 e 553-554.

42
ELSEVIER V – CL ÁUSUL A S R E S T R I T IVA S X CL ÁUSUL A S ABUSIVA S:...

Nesse sentido, cláusula abusiva é aquela que é notoriamente desfavorável à parte


mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor,
aliás, por expressa definição do art. 4º, nº I, do CDC. A existência de cláusula
abusiva no contrato de consumo torna inválida a relação contratual pela quebra
do equilíbrio entre as partes, pois normalmente se verifica nos contratos de adesão,
nos quais o estipulante se outorga todas as vantagens em detrimento do aderente,
de que são retiradas as vantagens e a quem são carreados todos os ônus derivados
do contrato.
[2] NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS – As nulidades têm sistema
próprio dentro do Código de Defesa do Consumidor. Não são inteiramente apli-
cáveis às relações de consumo as normas sobre nulidades inscritas no Código
Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil ou outras leis extravagantes.
Mesmo porque os sistemas de nulidade não são uniformes, variando de acordo
com a peculiaridade de cada ramo da ciência do Direito.
As invalidades, modernamente, reclamam tratamento microssistêmico, o que
foi feito no CDC, a fim de poderem atender às peculiaridades existentes no
microssistema (...)
(...)
[6] REDAÇÃO CLARA EM CARACTERES OSTENSIVOS E LEGÍVEIS –
Com a adoção desse expediente, o Código consagrou o princípio da legibilidade
das cláusulas contratuais. O dispositivo visa a permitir que o consumidor possa
tomar conhecimento do conteúdo do contrato pela simples leitura, sem prejuízo
do dever de esclarecimento por parte do fornecedor (art. 46, CDC).
A redação em caracteres legíveis possibilita diminuir o âmbito do controle das
cláusulas contratuais gerais, qualitativa e quantitativamente, além de consistir
em instrumento de segurança das relações jurídicas e de liberdade contratual.
[7] DESTAQUE PARA AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE DIREITOS
DO CONSUMIDOR – A sugestão, feita por Berlioz, de obrigar o destaque das
cláusulas desvantajosas ao consumidor, foi aceita pelo Código. Toda estipulação
que implicar qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar
desvantagem ao aderente, deverá vir singularmente exposta, do ponto de vista físico,
no contrato de adesão.
Sobre os destaques, ganha maior importância o dever do fornecedor informar
o consumidor sobre o conteúdo do contrato (art. 46, CDC). Deverá chamar a
atenção do consumidor para as estipulações desvantajosas para ele, em nome da
boa-fé que deve presidir as relações de consumo.
Estipulação como, por exemplo, “se deixar de pagar três parcelas consecutivas
não poderá se utilizar dos serviços contratados”, implica restrição do direito, de
modo que incide sobre ela o dispositivo do Código.

43
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

O destaque pode ser dado de várias formas: a) em caracteres com cor diferente
das demais cláusulas; b) com tarja preta em volta da cláusula; c) com tipo de letra
diferente das outras cláusulas, como, por exemplo, em itálico, além de muitas
outras fórmulas que possam ser utilizadas, ao sabor da criatividade do estipulante.

Portanto, ao pretender delimitar determinada cobertura contratual, o forne-


cedor deverá ter o cuidado de explicar de maneira clara, tomando a atenção para
o tamanho da fonte que empregará, oportunizando ao consumidor o conheci-
mento exato do que pretenda disponibilizar, sob pena de, assim não o fazendo,
transformar a pretendida delimitação – cláusula limitativa – em cláusula abusiva,
arcando com as respectivas responsabilidades.
Definidos os dois conceitos, transcreve-se a seguir a ementa do acórdão cuja
análise será desenvolvida ao longo do presente artigo. Eis a ementa:

Seguro facultativo. Uso do veículo. Filho. Carteira de habilitação de motorista.


Indenização pelo sinistro. Perda do direito. Cláusula abusiva. Nulidade de cláu-
sula. Art. 51. Código de Defesa do Consumidor. Seguro facultativo de veículo
automotor. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Veículo dirigido por
filho maior do segurado. Habilitação. Perda da indenização. Cláusula abusiva
que coloca o consumidor em desvantagem excessiva. As cláusulas contratuais que
estabeleçam obrigações que colocam o consumidor em desvantagem exagerada,
ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, são consideradas iníquas
e abusivas. É ofensiva às normas consumeristas a cláusula estabelecida no contrato
de seguro facultativo que prevê a perda total da indenização, se o uso do veículo
for compartilhado com motorista de idade inferior a 24 anos, vez que de maior
gravidade do que a possível infração cometida pelo segurado. O agravamento do
risco é critério objetivo, que deve ser comprovado e não meramente presumido.
Desprovimento do recurso. (TJERJ – Ap. Cível 2.433/2.002; Rel. Des. Letícia
Sardas; 8ª Câmara Cível; votação unânime; p. DJ 08/03/2002).

1. Exame da ementa
A leitura desta ementa permite concluir que a 8ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a estipulação da denominada “cláu-
sula perfil”, muito utilizada em seguros de automóveis, traduziria desvantagem
excessiva ao consumidor, acarretando a sua nulidade.
No campo fático, pretendia-se o recebimento do capital segurado, o que foi
negado pela seguradora em âmbito administrativo porque o veículo era guiado
por condutor diferente daquele que fora informado por ocasião do preenchimen-
to da proposta. Considerando que o prêmio do seguro (contraprestação paga para

44
ELSEVIER V – CL ÁUSUL A S R E S T R I T IVA S X CL ÁUSUL A S ABUSIVA S:...

se obter a cobertura) foi calculado e pago tomando como base as informações


prestadas pelo condutor que não guiava o veículo quando da ocorrência do
sinistro, a Companhia recusou o pagamento da soma segurada.
O fundamento central adotado pelo acórdão em exame centrou-se no inciso
IV, art. 51, do Código do Consumidor, por reconhecer nulas as cláusulas con-
tratuais que coloquem os consumidores em posições de exagerada desvantagem
em relação aos prestadores/ fornecedores de serviços.
A sentença de procedência do pedido acabou mantida pelo Tribunal de
Justiça, firme no argumento de que o simples fato de o condutor do veículo,
quando do acontecimento do sinistro, não ser o relacionado como principal, não
traduziria agravamento de risco e/ou conduta suficiente para que a seguradora
pudesse negar a cobertura.

2. Os conceitos mencionados no acórdão


Visando dissecar os conceitos tratados no acórdão, é importante raciocinar
sobre o conceito e a finalidade do contrato em questão.
Consoante exposto, trata-se na presente hipótese de contrato de seguro de
automóvel – ramo elementar, que no nosso País está entre as modalidades mais
comercializadas há tempos.
Seguro, segundo o conceito de Pedro Alvim,5 trata-se de: “Juridicamente, o
seguro é a transferência do risco do segurado para o segurador; tecnicamente, é a
divisão, entre muitos segurados, dos danos que deveriam ser suportados por um
deles”.
A boa-fé como elemento especial encontrava-se prevista tanto no Código
Civil de 1916, art. 1.443, quanto no Código Civil de 2002, art. 765.

Art. 1.443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais


estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e
declarações a ele concernentes. (Grifou-se).
Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução
do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das
circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Grifou-se).

É importante destacar a expressão mais estrita boa-fé, prevista nos dois dis-
positivos. Caso a intenção do legislador não fosse a de qualificar a boa-fé neste
contrato, simplesmente assim não teria procedido. Outros contratos previstos

5. Pedro Alvim. O Contrato de Seguro. 1999. p. 59.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

no Código também aludem à boa-fé mas, com os dizeres em referência – mais


estrita boa-fé – o contrato de seguro é único.
Comentando a boa-fé qualificada, oportuno examinar as palavras de Ernesto
Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel:6

A norma, é importante salientar, exige o comportamento com a máxima


intensidade. Não diz boa-fé, e sim a “mais estrita boa-fé, e acresce a ideia de
veracidade. Relaciona a exigência destes comportamentos com o objeto, isto é,
o interesse legítimo, assim como com aquilo que lhe diz respeito, como o risco e
as variações que venha a alterá-los de forma relevante para a formação e para a
execução contratuais.
Em um primeiro momento, a norma procura garantir que os comportamentos
de comunicação e cooperação material, visando à contratação, possuam os
atributos da sinceridade, da colaboração prática atentando para o interesse
do outro contratante, de forma que o contrato seja individual e socialmente útil,
e seja emanado de forma correta e completa (veracidade).
Em um segundo momento, formada a relação contratual, o dispositivo procura
garantir que as variações que possam ser relevantes e afetar o equilíbrio entre
as prestações devidas sejam reveladas reciprocamente e recebam a atuação
prática necessária para o melhor atendimento aos interesses de ambas as partes.
A conduta das partes, ações e omissões, com base nesse suporte normativo, deve
intensificar-se para manter o equilíbrio contratual obtido por ocasião da conclusão
do contrato. A norma se especifica, como se verá oportunamente, para contem-
plação das situações mais comuns e corriqueiras, determinando-se assim, por
exemplo, o não agravamento intencional do risco (art. 768), o dever de reduzir
as consequências do sinistro (art. 771), a diligente e proba regulação e liquidação
do sinistro etc. (Grifou-se).

Discorrem os autores, entre outros assuntos, acerca das fases nas quais deve
operar a boa-fé entre segurado e segurador, admitindo-se, inclusive, que esta
conduta, traduzida em transparência, honestidade, deve prevalecer antes, durante
e até mesmo após a celebração / execução do contrato.

3. Cláusula perfil
Particularmente quanto à cláusula perfil que, consoante exposto, implica a
utilização de informações pessoais do próprio proponente para fins de se calcular

6. Ernesto Tzirulnik et alii. O Contrato de Seguro: Novo Código Civil Brasileiro. 2002, p. 69-70.

46
ELSEVIER V – CL ÁUSUL A S R E S T R I T IVA S X CL ÁUSUL A S ABUSIVA S:...

o prêmio do seguro, sabe-se que esta é plenamente utilizada nos mais diversos
produtos comercializados no mercado de seguros brasileiro.
Em matéria de seguro-auto, o perfil do condutor principal – segurado –
influencia diretamente o valor do prêmio, e já repercute imediatamente sobre
a exposição do segurador.
Exemplificando, basta fazer uma comparação entre os hábitos de um jovem
de 20 (vinte anos) de idade, habilitado há dois anos, e os de seu pai, com 50
(cinquenta) anos de idade, e trinta e dois de habilitação. A estatística comprova
que os acidentes de trânsito ocorrem com frequência muitíssimo maior entre
os jovens do que entre as pessoas de meia idade, não se pretendendo com isso
levantar uma bandeira preconceituosa contra jovens.
Seguro, caso se pense de forma individualista, sem sombra de dúvida repre-
senta a álea, o risco, já que ao celebrarem o contrato, segurado e segurador, caso
estejam agindo de boa-fé, como deve ser, não terão como prever a ocorrência
ou não do sinistro. Por outro lado, a partir do momento no qual se raciocina o
seguro coletivamente, dividindo o grande volume de segurados em faixas etárias,
em locais nos quais tenham residência fixa, em hábitos mais comuns etc., têm-
-se plena noção a respeito dos riscos aos quais o ente segurador estará exposto.
Neste momento, o seguro deixa de ser álea e passa a ser comutativo, fazendo-se
necessário consignar que essa característica converte a gestão dos riscos uma
atividade economicamente viável, já que o que se paga individualmente a título
de prêmio não corresponde à eventual obrigação indenizatória assumida pelo
segurador.
Nestas condições, considerando que a estatística comprova que entre os jovens
o risco é maior, obviamente o prêmio a ser recolhido pelos mesmos deverá ser
maior, raciocinando-se de maneira oposta quanto ao prêmio a ser recolhido por
pessoas mais idosas.
Ilustrando essa tese, leiam-se os trechos abaixo:7

Essa só é uma coisa viável, só é um trato justo, na medida em que essas pessoas
estejam expostas a um risco semelhante: por exemplo, se pegarmos um grupo de
comerciantes que transporta mercadorias de Gênova para Nápoles e esse grupo
fizer um acordo do tipo: “olha, quem tiver a sua mercadoria danificada, a sua
mercadoria perdida nesta viagem, pode vir à sociedade, vir aos membros restantes
do grupo expor as perdas, mostrar as suas perdas e, cada qual, na medida de sua
participação, contribuirá para que você não tenha o seu negócio arruinado”; o

7. Trecho extraído da obra Seguros: uma questão atual. São Paulo: Max Limonad. 2001. Esta obra é
o volume III de uma coletânea de seis volumes, publicados sob a coordenação do Instituto Brasileiro
de Direito do Seguro – IBDS.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

trato é justo, o trato é equânime e o trato vai ter um certo equilíbrio na medida
em que se tratarem de comerciantes que estão, todos eles, levando cargas, nesse
nosso exemplo, de Gênova para Nápoles. Porém, obviamente, o risco de levar
para Buenos Aires é muito maior do que o risco de levar para Nápoles. Aqueles
que transportarem num espaço mais curto, numa distância menor, estarão, de
certa forma, arcando com um risco muito maior, que é o risco de quem está
transportando para mais longe.
Assim, esse acordo deixa de ser justo na medida em que um “subsidiar” o risco
do outro. (...)
Então, é importante considerar o uso que se faz do veículo e é importantíssimo
saber quem é e quais são os atributos e as características ligadas ao condutor do
veículo. Quem conduz aquele veículo? Qual é a idade dele? Qual é o sexo dele?
Qual o estado civil dele? Porque tudo isso, todas essas características são direta-
mente ligadas à mensuração desse risco e, sem a correta mensuração do risco, a
seguradora não consegue decidir: primeiro, se ela deve aceitar esse risco; segundo,
em qual classe tarifária, ou seja, quanto ela cobra para aceitar esse risco. (...)
(...) Com base nessas informações, que serão dadas pelo proponente – não tem
como ser a seguradora, não tem como colocar um investigador atrás de cada
proponente para buscar saber como ele usa o veículo, se usa para trabalhar, se ele
usa para fazer entrega ou se ela usa para passear no fim-de-semana etc. E mais,
por isso devem ser dadas sob o rigor da previsão do art. 1.444 que prevê, expressa-
mente, que sendo omitidas informações ou sendo distorcidas das informações que
impliquem na aceitação do risco ou na fixação da taxa, perde o seguro o direito
a receber qualquer indenização. (...)
Então, voltando ao ponto de vista antes exposto, do transportador de Gênova, não
era justo para ele ser tarifado da mesma forma do que aquele que transportava para
Buenos Aires, como também não é justo para a mulher pagar o mesmo prêmio
de seguro do homem, assim como não é justo, não é equânime, uma pessoa de
60 anos subsidiar o seguro de uma de 18 anos. Para o contrato de seguro ser um
trato justo cada qual vai ter que pagar proporcionalmente ao seu risco, propor-
cionalmente à sua classe de risco, grupo de exposição de risco e esse é um fator
que vai variar não só em função de sexo e idade; (...) Por outro lado, e aí se deve
dar atendimento a todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor e
do Código Civil e, inegavelmente, as cláusulas ligadas ao perfil dos segurados
são cláusulas restritivas de direito, como inúmeras outras em qualquer tipo de
contrato de seguro, em qualquer lugar do mundo; deve-se dar ao consumidor a
exata ciência: primeiro, das consequências dos atos dele, as consequências de suas

48
ELSEVIER V – CL ÁUSUL A S R E S T R I T IVA S X CL ÁUSUL A S ABUSIVA S:...

respostas; segundo, das vantagens e desvantagens da contratação do seguro sob


essa forma, até porque ela é optativa. (...)
A SUSEP não só exige, desde a circular 145, que essas advertências sejam feitas na
proposta, como ela exige que as questões sejam feitas de forma objetiva, porque
é óbvio que se a seguradora não fizer questões objetivas, não tem como obter
respostas concretas (...)
(...) Faltando o segurado com a boa-fé, deixando ele de fornecer informações
objetivas, ele estará, de forma direta, induzindo o segurador a fazer a sua taxação
errada e, invariavelmente, a taxação é feita de forma equivocada a menor, ou seja,
em prejuízo do proponente que age com lisura e, principalmente, em prejuízo
do grupo e de todos os outros segurados que preencheram corretamente o seu
perfil, (...).

O que se vê, ao se examinar a cláusula perfil, é que ela é cláusula restritiva de


direitos sim. O que se questiona, sugerindo a reflexão, é se na ementa estudada
houve restrição legal de direitos ou, ao contrário, cláusula abusiva.
Em suma, em sendo apresentadas aos consumidores (segurados) todas as
informações concernentes à seriedade com a qual devam ser preenchidos os
questionários, sobretudo, com enfoque nas consequências oriundas da má-
-prestação dessas informações ou omissões (art. 1.444 do CC de 1916 e art. 766
do NCC), raciocina-se no sentido de que a “cláusula-perfil” deve ser entendida
como meio lícito de restringir direitos, tendo como objetivo maior a melhor
cotação dos riscos e, consequentemente, benefícios à toda a massa de segura-
dos, que efetuarão os pagamentos dos seus prêmios na exata proporção que se
apresentar correta e necessária.

4. Considerações finais
Quanto ao caso concreto trazido a exame, por não constarem do acórdão
os elementos necessários à exata compreensão dos fatos envolvidos, entende-se
não ser possível fazer juízo de valor quanto ao acerto ou desacerto do decisum.
Todavia, manifesta-se entendimento segundo o qual em sendo comunicada
ao segurado, no momento anterior à contratação do seguro, a importância com a
qual deverão ser prestadas as informações relacionadas ao seu perfil e, ocorrendo
incongruências nestas informações, ou seja, dados que divirjam da realidade
fática, deve ser tida como válida e eficaz a cláusula perfil, viabilizando através
desta uma forma por meio da qual o segurador não só poderá, como deverá
negar a cobertura, moralizando com isso o mercado de consumo e o próprio
mercado segurador.

49
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Referências
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DO SEGURO – IBDS. Seguros: uma questão
atual. São Paulo: Max Limonad, 2001.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2000.
TZIRULNIK, Ernesto et alii. O Contrato de Seguro: Novo Código Civil Brasileiro. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS, 2002.

50
VI
Breves considerações com relação
à aplicação do estatuto do idoso 1

M uito se tem discutido quanto ao Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741,


de 01/10/2003, vigente desde 01/01/2004.
Reconhece-se que este Diploma Legal conferiu aos idosos
importantes prerrogativas em nosso País, sendo nítido o seu cunho social.
O dispositivo inserto no art. 15, § 3º (É vedada a discriminação do
idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão
da idade), por sua vez, vem despertando o início de acirrados debates
nos nossos tribunais, porquanto este assenta vedação às operadoras e
seguradoras que atuam no ramo saúde de reajustarem os valores de suas
mensalidades/prêmios, tendo como fundamento a alteração das faixas
etárias de seus associados/segurados.
Discute-se, também, em virtude do cunho social de que se reveste
este Diploma Legal, quanto à possibilidade de se aplicá-lo a contratos
celebrados antes de sua promulgação, ao argumento de que este tratar-
-se-ia de norma de ordem pública.
De início, convém aplaudir a iniciativa legislativa que culminou com
a promulgação da “Lei do Idoso”. Sem dúvidas, já era tempo de, no nosso
País, converter as preocupações com a melhor idade em Lei, o que veio
a ocorrer neste momento. Já era tempo de velar pelos direitos da classe
que, por toda uma vida, trabalhou em benefício de toda a sociedade e
que, muitas vezes, encontrava-se marginalizada em momentos nos quais
mais precisava da assistência estatal.

1. Este artigo teve a colaboração de Eduardo Chalfin e Clara Vainboim, advogados, sócios
de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

51
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Os aspectos técnicos que envolvem a discussão apresentada neste breve arti-


go referem-se, primeiramente, a algumas características inerentes ao contrato
de seguro e, em segundo lugar, à interpretação de questões relacionadas ao
Direito Intertemporal, o que, em linguagem clara, significa discutir-se quanto
à possibilidade de se aplicar este novo Diploma Legal a contratos celebrados em
momentos anteriores à sua promulgação.
Com relação ao contrato de seguro, é de conhecimento geral que a fixação
dos prêmios pagos pelos segurados não é realizada sem critérios. Muito pelo
contrário, ao se determinar que A deverá arcar com o pagamento de X a título
de prêmio, e que B deverá arcar com o pagamento de 2X, encontram-se por trás
destes cálculos notas técnicas atuariais aprovadas pela ANS – Agência Nacional
de Saúde Suplementar, responsável pela regulação do mercado de saúde no país.
Raciocinando sobre os riscos relacionados ao perfil dos segurados, tem-se
como certo que, para pessoas idosas, estaticamente consegue-se comprovar que
estas representam custos maiores às empresas que atuam no ramo de saúde.
Para se chegar a esta conclusão, necessariamente observa-se o comportamento
de um grupo de indivíduos, de maneira que eventuais oscilações isoladas não
representem alterações nos cálculos finais.
Por outro lado, sem que com isso se esteja fazendo uma afirmação preconcei-
tuosa ou discriminatória, o que seria vedado segundo o que dispõe o pré-falado
art. 15, § 3º da “Lei do Idoso”, fato é que os riscos decorrentes do atendimento
à classe idosa são mais elevados do que os relacionados às classes jovens. Trata-se
de questão de estatística, não de preconceito.
Nesta linha de raciocínio, determinada empresa que opera no ramo de assis-
tência privada à saúde, ao reajustar o valor do prêmio para determinado segurado
que adentra faixa etária cujo risco é de teor mais elevado, não se porta com o
fito de discriminar o seu cliente. O que se deseja enfatizar é que a promoção do
reajuste torna-se necessária como a única forma de tornar possível a saudável
gestão da carteira de segurados dentro da qual se encontra essa pessoa idosa.
Convém lembrar, neste momento, que, a rigor, a responsabilidade pelo ofe-
recimento de assistência à saúde da população é da União Federal, segundo o
que dispõe a Constituição Federal. Também é de conhecimento público que
o “SUS” não guarda condições de atender à população, o que provoca a busca
pela iniciativa privada, fortemente regulada pelo Estado.
Neste momento, indaga-se se esta regulação deve chegar ao ponto de inviabili-
zar a atividade dessas empresas. Não se pretende levar essas razões a um contexto
de dramaticidade, mas apenas demonstrar que o universo pelo qual tramitam
essas empresas não é tão tranquilo quanto se possa imaginar.

52
ELSEVIER V I – B R E V E S C O N SID E R A Ç Õ E S C O M R E L A Ç Ã O À A P L IC A Ç Ã O D O E S TAT U T O D O ID O S O

Têm-se tomado conhecimento a respeito de decisões judiciais que, simples-


mente, impedem a promoção de quaisquer reajustes tendo como fundamento
a alteração das faixas etárias, ao argumento de que as cláusulas contratuais que
autorizem os reajustes seriam nulas, à luz do que dispõe o Código de Proteção do
Consumidor. Por mais “pró-consumidor” que se possa ser, não se pode enxergar
a realidade de forma ofuscada, reiterando-se os argumentos antes apresentados,
quanto à necessidade de que se promova o reajuste dos prêmios/mensalidades,
sob pena de que as empresas operadoras/seguradoras não mais possam operar de
maneira saudável, o que poderá apresentar, em última instância, consequência
desagradável, relacionada à diminuição gradual dos serviços prestados a hoje
cerca de 40 milhões de brasileiros, contratantes dos serviços prestados por essas
empresas.
Por fim, têm-se apresentado decisões judiciais reconhecendo a aplicabilidade
imediata da “Lei do Idoso” a contratos celebrados antes de sua vigência, ao
argumento de que este Diploma Legal teria caráter social – norma de ordem
pública, restando, portanto, autorizada a sua pronta aplicação.
Discorda-se desse entendimento. Partindo do que restou decidido pelo
Supremo Tribunal Federal, após o julgamento da ADIN 493-0/DF, entendeu-
-se que, independentemente do caráter público ou privado de que pudesse se
revestir determinada legislação, esta não poderia aplicar-se a relações contratuais
iniciadas antes de sua promulgação, sob pena de restar violado o princípio do
ato jurídico perfeito, previsto no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.
Diante desses elementos, formula-se conclusão no sentido de que as empre-
sas que operam no segmento de saúde realmente carecem de que seja possível
reajustar os valores dos prêmios/mensalidades cobradas, tendo como base a
alteração das faixas etárias de seus consumidores, sob pena, mais à frente, toda
a sociedade vir a enfrentar as consequências decorrentes dos impedimentos que
vêm sendo a estas impostos.
No que toca à imediata aplicação da “Lei do Idoso” a contratos celebra-
dos antes de sua promulgação, o entendimento do STF à matéria representou
verdadeira pá de cal, no sentido de que se deve respeitar as relações pretéritas,
aplicando-se, por conseguinte, a legislação que vigia à época na qual estas foram
celebradas.

53
VII
A prescrição e o contrato de seguro1

Sumário: Introdução. 1. Prescrição x decadência. 1.1. Os fundamentos da prescrição


e da decadência. 1.2. Prescrição e decadência nas relações de consumo. 2. As regras
previstas nos Códigos de 1916 e de 2002. 3. O termo inicial de contagem. 3.1. Código Civil
de 1916. 3.2. Código Civil de 2002. 4. A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
– art. 27. 5. Beneficiário em seguro de vida x seguradora. 6. Seguradora x terceiro em
ação regressiva. 7. Seguradora x ressegurador e ressegurador x retrocessionário.
8. Considerações finais. Referências.

Introdução
que motiva a prescrição do direito à propositura de determinada

O ação judicial nas relações havidas entre segurados e seguradores?


Responder a essa pergunta, por mais simples que isto possa parecer,
suscita dúvidas acirradas no âmbito dos nossos Tribunais de Justiça.
Tais dúvidas, com efeito, não são fruto do conceito da prescrição, mas,
notadamente, em virtude do seu termo inicial de contagem, ou, em
linguagem mais informal, o momento em que começa a “correr” o prazo
disponibilizado para o segurado, ou beneficiário, ou segurador exercerem
determinado direito que lhes parece assistir.
Clóvis Beviláqua, autor do Projeto do Código Civil de 1916, assim
definiu a prescrição: “é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a
sua capacidade defensiva, em consequência do não uso delas, durante um
determinado espaço de tempo”.2 Diante da inércia, do não fazer por parte
de determinado agente, ocorre a perda do direito ao exercício dessa preten-
são, como mecanismo de evitar que instabilidades jurídicas se perpetuem
de maneira indeterminada, causando insegurança aos jurisdicionados.

1. Este artigo teve a colaboração de Úrsula Goulart. Mestre em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Curso de Extensão de Direito
do Seguro e Resseguro na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Advogada Associada à Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.
2. Trecho extraído de Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil. 2004. p. 633.
55
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Com relação ao conceito da prescrição não se verificam grandes dificuldades


no âmbito doutrinário, o que já não ocorre quanto à distinção entre prescrição
e decadência, palco de discussões das mais diversas. Particularmente quanto à
prescrição, o que acarreta dificuldades singelas refere-se ao seu termo inicial de
contagem, atrelado à ocorrência de violação de determinado direito, ou seja,
surgida a violação, por exemplo, a recusa apresentada por determinada segura-
dora, a partir desta começa a fluir o prazo prescricional.
Ainda sem adentrar com maior profundidade no tema deste artigo, importa
esclarecer o porquê de o legislador haver estabelecido prazos prescricionais curtos
para as controvérsias decorrentes do contrato de seguro.
Por meio desse contrato, o art. 757 do Código Civil explica que mediante
o recebimento do prêmio o segurador oferece ao segurado uma obrigação de
garantia, comprometendo-se a arcar com o pagamento do capital segurado caso
ocorra sinistro coberto.
A delimitação das garantias contratadas – exemplo: roubo, furto, incêndio,
danos corporais, danos morais, entre tantas outras – é tão importante quanto
a precisa determinação da vigência do contrato, ou melhor, o exato período de
tempo em que o segurador estará exposto aos revezes do segurado.
Não houvesse essa determinação de vigência do ajuste, é certo que seria
impossível realizar o cálculo atuarial sobre o qual está alicerçado o negócio.
Superada essa rápida análise inicial, explica-se o porquê da fixação de prazos
prescricionais tão curtos no âmbito do contrato de seguro.
Em poucas palavras, a razão lógica para a fixação de prazos exíguos é dimi-
nuir a exposição do segurador e, ao concomitantemente, evitar que suas bases
técnicas sejam falseadas. Imagine-se determinado seguro de responsabilidade
civil profissional médico que, apenas a título de ilustração, vigesse por vinte anos.
Que seguradora, em sã consciência, interessar-se-ia pelo contrato? A exposição
seria enorme... Quantos pacientes teriam sido atendidos por esse médico e, assim,
estariam em condições de processá-lo em juízo por danos dos mais diversos?
A Doutrina compartilha dos fundamentos acima trazidos como justificativas
para que os prazos prescricionais sejam exíguos. Raul Teixeira3 assim se posiciona:

Nessa linha se pautou o Novo Código, ao reduzir sensivelmente os prazos prescri-


cionais, atento o legislador pátrio que o ingresso do homem na era da comunicação
tornou as distâncias infinitamente menores e o próprio mundo reduzido, não
havendo, pois, razão de ordem fática a justificar prazos prescricionais alongados,
como eram aqueles estabelecidos pelo Código de 1916.

3. Raul Teixeira. Os reflexos do novo Código civil nos contratos de seguro. 2004, p. 32-33

56
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

No mesmo sentido, Pedro Alvim:4

Constitui uma necessidade imperiosa, pondera J.C. Moitinho de Almeida,


para a gestão do seguro, a existência de pequenos prazos para o exercício,
pelo segurado, dos direitos derivados do contrato. Na sua falta, por um lado,
desaparecem os vestígios dos sinistros, o que dá origem a simulações ou
dificuldades de defesa dos seguradores, por outro, aumentam os custos do
seguro, na medida em que se torna necessário conservar abertos processos
antigos, assim como para eles manter as respectivas reservas. No que respeita ao
segurado, também a este interessa a existência de prazos de prescrição de modo a
livrar-se de uma acumulação excessiva de prêmios em dívida. (Grifou-se).

E, também, Ernesto Tzirulnik, Flávio Queiroz e Ayrton Pimentel:5

O novo Código reduziu sensivelmente o prazo prescricional para a pretensão do


beneficiário. No diploma anterior, não sendo ele contratante do seguro, escapava a
previsão para estes contratos, sendo regulada pela regra geral dos direitos pessoais,
ou seja, 20 (vinte) anos (art. 177 do Código revogado). A alteração é louvável,
evitando que perdurem durante tempo muito longo sinistros pendentes,
falseando as bases técnicas do contrato de seguro. (...). (Grifou-se).

Ultrapassada a introdução, passa-se à distinção entre os conceitos de pres-


crição e decadência.

1. Prescrição x decadência
1.1. Os fundamentos da prescrição e da decadência
O decurso do tempo, como acontecimento natural, exerce efeitos sobre as
relações ou situações jurídicas; seja isoladamente ou conjuntamente com outros
fatores.
A lei toma o tempo como causa de (i) aquisição ou (ii) extinção de direitos
ou faculdades jurídicas.
O instituto da prescrição existe por uma questão de necessidade, servindo
para alcançar a estabilidade das relações jurídicas e a paz social, e evitar que as
relações jurídicas de interesses contrapostos perdurem indefinidamente.
A regra da prescrição assume caráter de ordem pública, não podendo ser
derrogada pela vontade das partes.
4. Pedro Alvim. O Contrato de Seguro. 1999, p. 508.
5. Ernesto Tzirulnik et alii. O contrato de seguro: de acordo com o novo Código Civil brasileiro.
2003, p. 218-219.

57
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Quanto aos efeitos do decurso do prazo prescricional, três são as principais


correntes doutrinárias:
i. A prescrição caracterizar-se-ia como forma de extinção da ação, não do
direito propriamente dito. Esta corrente é sustentada por Clovis Beviláqua6
e Antonio Luiz da Câmara Leal.7
ii. A prescrição caracterizar-se-ia como forma de extinção do próprio direi-
to, restando mero interesse a ser atendido pelo devedor por liberalidade.
Esta é a corrente de Caio Mário da Silva Pereira;8
iii. A prescrição caracterizar-se-ia como forma de extinção da pretensão.

A terceira corrente consolida as teorias abstratas da ação, isto é, a ação se


dirige ao Estado como um direito subjetivo público à prestação jurisdicional; a
procedência ou improcedência é do pedido, não da ação.
Tanto o direito de agir quanto o direito subjetivo lesionados perdurariam
após a consumação prescricional, fulminando-se a pretensão.
A pretensão, por sua vez, seria o poder de exigir uma prestação ou compor-
tamento de outrem.9
O art. 189 do Código Civil de 2002 positivou a terceira corrente. A regra
posta é claríssima quanto ao nascimento de uma pretensão a partir da violação
de um direito. Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual
se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. (Grifou-se).
A garantia do direito de ação, prevista no art. 5º, inciso XXXV da Constituição
Federal de 1988,10 não significa dizer que, necessariamente, a pretensão discutida
será acolhida. Nascida, portanto, a pretensão em virtude da violação de um
determinado direito, assegura-se à parte o direito de discuti-la perante o Poder
Judiciário, contando-se o prazo prescricional a partir dessa lesão.
Duas principais teorias distinguem os conceitos de prescrição e decadência.
A primeira teoria tem como representante Câmara Leal, que procurou dis-
tinguir os institutos com base na origem do direito. Para essa corrente, quando
a ação e o direito partilham da mesma origem, trata-se de prazo decadencial, ao
passo que se o direito é preexistente à ação, que somente se apresenta quando da

6. Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 1927, v. 1 apud Carlos
Roberto Gonçalves. Direito Civil – Parte Geral. 2002, p. 180-181.
7. Antônio Luiz da Câmara Leal. Da prescrição e da decadência. 1939, p. 133-134 apud Agnelo
Amorim Filho. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as
ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais. out. 1997.
8. Caio Mario da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. 2002, v. 1, p. 435.
9. André Fontes. A Pretensão como Situação Jurídica Subjetiva. 2002, p. 9.
10. Constituição Federal de 1988. Art. 5 º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

58
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

violação do direito, tratar-se-ia de prazo prescricional. Essa teoria sofreu gran-


des críticas por não oferecer um critério científico para se reconhecer quando
coincidem na origem o direito de ação e o direito material.11
A segunda teoria, comandada por Agnelo Amorim Filho,12 divulgada em
profunda pesquisa tornada pública em 1960 pela Revista dos Tribunais, tomou
como ponto de referência não mais a distinção entre direito e ação, mas, sim,
as diferentes categorias de direitos subjetivos à luz do bem da vida que se insere
nos respectivos objetos.
Essa teoria distingue aqueles direitos que:
a) Podem ser violados pelo sujeito passivo (porque o seu exercício depende
de ato do devedor), daqueles que
b) Não dependem de atuação de outrem para produzir o efeito a que tem
direito o titular (porque o seu exercício é consequência apenas e tão somen-
te da vontade do titular).

A partir da classificação adotada por Chiovenda,13 Agnelo Amorim adota


duas categorias de direitos subjetivos:
(i) A categoria dos direitos subjetivos cuja finalidade é assegurar para o titular
(sujeito ativo) uma prestação, positiva ou negativa, devida por outrem (sujei-
to passivo) e que, por isso, foram chamados de “direitos a uma prestação”.
(ii) A categoria dos direitos subjetivos que conferem ao titular o poder de
interferir, com declaração unilateral de vontade, sobre situações jurídicas
de outra pessoa, sem depender do concurso da vontade do sujeito pas-
sivo; são os chamados “direitos potestativos”. Apenas para exemplificar,
qualificam-se como direitos potestativos a extinção do condomínio, a
resolução do contrato não cumprido, a revogação da doação ou do man-
dato, a invalidação de negócios jurídicos defeituosos, renovação de locação
comercial, arrependimento nas relações de consumo etc.
Exatamente nesses termos delineou-se a doutrina nacional até o advento do
Código Civil de 2002. O legislador, sem dúvida, consagrou a teoria de Agnelo
Amorim, idealizada ainda ao tempo do Código Civil de 1916.
O novo Código tomou posição no debate e optou por conceituar a prescrição
como perda da pretensão (art. 189). Com isso, tornou-se bem nítida a distinção

11. , Antônio Luiz da Câmara Leal. Da prescrição e da decadência. p. 133-134 apud Agnelo
Amorim Filho. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações
imprescritíveis. out. 1997.
12. Agnelo Amorim Filho. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar ações imprescritíveis. RT, v. 836, jun. 2005.
13. Giuseppe Chiovenda. Instituições de direito processual civil. 1998, p. 15.

59
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

dos conceitos de prescrição e decadência (art. 207),14 aos quais se dedicou regu-
lamentação separada (arts. 207 a 211).15
A prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma
prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando
não exercida no prazo definido na lei.
Não é o direito subjetivo que desaparece, mas sim o direito de exigir em
juízo a prestação inadimplida que fica comprometida pela prescrição. O direito
subjetivo, embora desguarnecido pela pretensão, subsiste, ainda que de maneira
débil (porque não amparado pelo direito de forçar o seu cumprimento pelas vias
jurisdicionais), tanto que se o devedor se dispuser a cumpri-lo, o pagamento será
válido e eficaz, não autorizando repetição de indébito (art. 882 do CC).
Em resumo, Humberto Theodoro Júnior16 explica que para haver prescrição
é necessário que:

a) Exista direito material da parte a uma prestação a ser cumprida, a seu tempo,
por meio de ação ou omissão do devedor.
b) Ocorra violação desse direito material por parte do obrigado, configurando o
inadimplemento da prestação devida.
c) Surja, então, a pretensão, como consequência da violação do direito subjetivo,
isto é, nasça o poder de exigir a prestação pelas vias judiciais e, finalmente,
d) Se verifique a inércia do titular da pretensão em fazê-la exercitar durante o
prazo extintivo fixado em lei.

Quanto ao reconhecimento de ofício da prescrição, em nosso sistema só era


cabível em favor dos incapazes, na forma do art. 194 do CC/2002. Contudo, a
redação original do CC/2002 foi alterada pela Lei nº 11.280/2006, que revogou
o referido art. 194 e alterou a redação do § 5º do art. 219 do CPC.
Agora, a regra é a decretação de ofício da prescrição, em qualquer grau de
jurisdição.
Já o conceito de decadência encontra-se vinculado à extinção de um direito
potestativo, que deveria ter sido concretizado normalmente pelo seu titular, ou
por meio de uma ação constitutiva, no decorrer de determinado prazo.

14. Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.
15. Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I. Art. 209. É nula a
renúncia à decadência fixada em lei. Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando
estabelecida por lei. Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la
em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.
16. Humberto Theodoro Júnior. Comentários ao Novo Código Civil. 2003. v. 3, t.2, p. 154.

60
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes


explicam que as regras de impedimento, suspensão e interrupção não se aplicam
aos prazos decadenciais justamente porque não dependem de nada além da con-
duta do próprio agente, ou seja, não se deve esperar qualquer conduta omissiva
ou comissiva de quem quer que seja para exercer o direito potestativo em questão:
“Pelo fato de decorrerem do direito potestativo, cuja satisfação não se associa a
dever jurídico de outrem, dependendo exclusivamente do comportamento do
próprio titular, não se aplicam, em regra, as regras de impedimento, suspensão
e interrupção ao prazo decadencial”.17

1.2. Prescrição e decadência nas relações de consumo


Examinando a prescrição e a decadência nas relações de consumo, é preciso
inicialmente tratar do art. 27 da Lei nº 8.078/90: “Prescreve em 5 (cinco) anos a
pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço
prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do
conhecimento do dano e de sua autoria.” (Grifou-se).
Percebe-se, claramente, que os conceitos de prescrição adotados pelo Novo
Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumir encontram-se em sintonia,
na medida em que tratam da prescrição da pretensão, não do direito subjetivo
violado que a torna exigível.
A decadência, por sua vez, tem previsão no art. 26, cujos dizeres são:

Art. 26 – O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca


em:
I – 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis;
II – 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.
§ 1º – Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto
ou do término da execução dos serviços.
§ 2 º – Obstam a decadência:
I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor
de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida
de forma inequívoca;
(...)
III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3 º – Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito.

17. Gustavo Tepedino et alii. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República. 2004.
p. 420.

61
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Enquanto que a prescrição da pretensão está relacionada à constatação pelos


danos que lhe foram causados pelo lesante, sendo exatamente esta a regra prevista
no art. 27, a decadência depende apenas da iniciativa do próprio consumidor, que
detém direito potestativo a reclamar pelos “vícios aparentes ou de fácil constatação”.
A distinção entre fato do produto ou serviço e vício do produto ou serviço,
essenciais para que seja feita a correta distinção entre os comentados institutos,
reside em alguns aspectos.
Ambos têm incidência em campos jurídicos diversos, contendo anomalias
em graus distintos.
Todo fato do produto ou serviço contém um vício intrínseco e outro extrín-
seco, e este último lhe dá características próprias.
O defeito de um produto ou serviço extrapola a mera inadequação ou a
diminuição do valor, mas é agente causador de acidente de consumo, atingindo
o consumidor em seu patrimônio psicofísico.
De acordo com as lições de Antonio Herman Benjamin,18 fato do produto
ou do serviço significa o dano causado por um produto ou serviço.
Sérgio Cavalieri Filho19 avança um pouco mais para buscar a melhor dis-
tinção dos conceitos:

Não obstante, na prática, o intérprete depara-se com determinadas situações


difíceis para se definir o que é fato e o que é vício, podendo resultar em confu-
são entre prescrição e decadência. O Desembargador do TJRJ Sérgio Cavalieri
Filho, atento a estes casos, propõe que se verifique se se trata de dano circa
rem ou dano extra rem. Para o autor, o dano circa rem é imanente ao vício
do produto ou serviço, não gera pretensão autônoma. O dano extra rem
tem como fato gerador a conduta do fornecedor posterior ao vício, com este
mantendo apenas vínculo indireto. Aqui, a pretensão indenizatória é dotada
de autonomia, pelo que o prazo será prescricional (Grifou-se).

De maneira simples, pode-se afirmar que enquanto o vício do produto ou


do serviço não se exterioriza, ficando circunscrito àquele determinado produto
ou serviço defeituoso, o fato se exterioriza causando danos ao consumidor e é
exatamente esta distinção – a exteriorização ou não – que marca a diferença
entre vício e fato e, consequentemente, entre a aplicação da decadência e da
prescrição, respectivamente.

18. Antonio Herman Benjamin et alii. Manual do Direito do Consumidor. 2007. p. 113.
19. Sergio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 2008. p. 509.

62
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

2. As regras previstas nos Códigos de 1916 e de 2002


O art. 178, § 6º, inciso II do CC/1916, estipulava que o prazo prescricional
das ações movidas por segurados contra os seguradores e vice-versa seria de um
ano, ressalvando-se, apenas, que o § 7º, inciso V deste mesmo dispositivo aplicava
o prazo de dois anos às hipóteses em que os fatos fossem praticados fora do País.
Segundo a norma prevista no aludido inciso II, a contagem do prazo prescricio-
nal teria início a partir do momento em que o interessado tivesse conhecimento
a respeito do fato que faria surgir o direito ao recebimento do capital segurado
ou do pagamento do prêmio, caso verificada a mora do segurado. “Art. 178, §
6 º. Prescreve em um ano: II – A ação do segurado contra o segurador e vice-versa, se o
fato que a autoriza se verificar no país; contado o prazo do dia em que o interessado
tiver conhecimento do mesmo fato.”
Além das relações havidas entre segurado e segurador, a inexistência de regra
específica para os beneficiários nos seguros de vida e para os seguradores, como
autores de ações de ressarcimento propostas contra os causadores de danos con-
duzia essas hipóteses à regra geral da prescrição vintenária – art. 17720 daquele
Código – representando um contrassenso em relação aos prazos prescricionais
curtos, característicos a esse negócio jurídico.
Por aplicar reiteradamente a prescrição ânua, o Superior Tribunal de Justiça
editou a Súmula 101, em 27/04/1994, nos termos a seguir: “Ação de Indenização.
Seguro em Grupo. Prescrição. A ação de indenização do segurado em grupo
contra a seguradora prescreve em um ano”.
Caminhando no mesmo sentido, o art. 206, § 1º, inciso II21 do Código Civil
de 2002 repetiu o prazo ânuo previsto no art. 178, § 6º, inciso II do Código
de 1916. Portanto, em matéria de prazo, nada foi alterado entre segurados e
seguradores.
As inovações trazidas pelo Código de 2002, partindo do que dispõem as letras
a e b do referido inciso II, referem-se ao termo inicial de contagem do prazo
prescricional, na medida em que a letra a tratou, de forma individualizada, do
seguro de responsabilidade civil, o que não foi realizado pelo Código de 1916.22

20. Art. 177.  As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10


(dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido
propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 07/03/1955). Este artigo foi revogado pelo Novo
Código Civil.
21. Art. 206. Prescreve: § 1º Em um ano: II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a
deste contra aquele, contado o prazo: (...).
22. Vale esclarecer que na época em que foi concebido – início do século XIX – o legislador brasileiro
era crítico quanto à possibilidade de que houvesse a contratação de um seguro (responsabilidade civil)
para que determinada parte pudesse resguardar-se contra os seus erros ou omissões. O entendimento
dominante naquela época era no sentido de que aquele que cometeu o ato ilícito deveria ser pelo

63
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Os beneficiários e as ações de ressarcimento propostas pelos seguradores


tiveram tratamento específico, o que afastou a aplicação da regra geral prevista
no art. 205 – prazo de dez anos.23
Para os beneficiários, a regra passou a ser aquela prevista pelo art. 206, § 3º,
inciso IX,24 com prazo de três anos, e as ações de ressarcimento, classificadas
como pretensões de reparação civil propostas pelos seguradores sub-rogados nos
direitos e deveres dos segurados contra os causadores dos danos, com fundamento
no art. 786 do mesmo Código, também tiveram seu prazo prescricional reduzido
para 3 (três) anos – art. 206, § 3º,inciso V.25

3. O termo inicial de contagem


Os dispositivos legais são claros e, ao menos em tese, não deveriam propiciar
problemas de interpretação. Porém, a prática demonstra diversas peculiaridades,
diversas formas de contagem do prazo prescricional, o que, de fato, confunde os
segurados, os seguradores, os beneficiários, corretores, entre outros.
Para sintetizar o problema, a questão que se formula é: qual seria o termo
inicial de contagem do prazo prescricional?
A resposta será apresentada em partes, com os necessários contornos históricos
do tema, até se chegar à posição final que, atualmente, predomina no Superior
Tribunal de Justiça.

3.1. Código Civil de 1916


Consoante exposto, o Código de 1916 em seu art. 178, § 6 º, inciso II, deter-
minava que o prazo prescricional deveria ser contado a partir “do dia em que o
interessado tiver conhecimento do mesmo fato”.
Qual seria o fato mencionado pelo legislador? Seria a data do sinistro ou a
data da negativa pelo segurador?
Inicialmente, entendia-se que a ocorrência do sinistro, por si, já determinaria
o início da contagem do prazo prescricional já que a partir de então o segurado
estaria habilitado a cobrar o seu crédito, calcado no contrato de seguro.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça apresentava diversos pre-
cedentes neste exato sentido, reproduzindo-se abaixo apenas um para ilustrar
posição à época tranquila.

mesmo responsabilizado, sem que pudesse utilizar-se de mecanismos voltados à transferência destes
riscos a terceiros, i.e., seguradores.
23. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
24.  Art. 206, § 3º, inciso IX: A pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro
prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
25. Art. 206, § 3º, inciso V: a pretensão de reparação civil (...).

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ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

Seguro em grupo, acidentes pessoais. Prescrição ânua do art. 178, par. 6, II,
do Cod. Civil. Incidente na ação do segurado contra a seguradora. Posição do
estipulante. Análise do caso concreto. (…) Ao segurado, ou ao beneficiário do
segurado, ocorrido o sinistro, socorre pretensão contra a entidade seguradora,
com base no contrato de seguro. (…) O prazo na ação do segurado contra a
seguradora, tem como termo “a quo” o momento em que aquele teve ciência
inequívoca da ocorrência do sinistro, no caso a incapacitação parcial para o
trabalho. Recurso Especial conhecido, mas não provido. (REsp. 31965/SP; Rel.
Min. Athos Carneiro; Quarta Turma; DJ 09/08/1993; p. 15231REVFOR v. 327
p. 180. Grifou-se).

Esse entendimento, todavia, cedeu espaço a uma nova teoria, que marcava
o termo inicial de contagem do prazo prescricional quando houvesse a negativa
por parte do segurador. Os estudos concluíam que, incorrendo negativa formal
pela seguradora, não haveria razão alguma para o segurado ingressar em juízo
e, nessas condições, seria incongruente iniciar-se a contagem da prescrição.

Civil. Contrato de seguro. Ação. Segurado. Seguradora. Prescrição ânua. Termo


Inicial. Conhecimento. Inequívoco. Recusa. Pagamento. Seguradora. 1. Na esteira
de julgados da 2ª Seção desta Corte, o termo inicial do prazo prescricional ânuo
previsto no artigo 178, § 6º, II do revogado Código Civil Brasileiro é a data
em que o segurado teve conhecimento inequívoco da recusa do pagamento
da indenização pela seguradora, fato este que faz surgir o direito de ação
para o adimplemento coercitivo. 2. Recurso especial não conhecido. (REsp.
305746/MG; Rel. Min. Fernando Gonçalves; Quarta Turma; DJ 08/09/2003;
p. 333. Grifou-se).

Inexistindo litigiosidade e/ou qualquer lesão ao direito do segurado, não


haveria razão lógica para se iniciar a marcha prescricional, o que culminou com
a apresentação de uma teoria que conjugava as duas posições acima relacionadas.
Ocorrido o sinistro, isto é, verificada a incapacidade laboral do segurado,
por exemplo, este o avisava à seguradora, o que acarretava a suspensão do prazo
prescricional. Portanto, aquela data do reconhecimento da incapacidade continu-
ava a figurar como o termo a quo, que se suspenderia com o aviso ao segurador.
Concluída a regulação do sinistro e manifestada a recusa, o prazo prescricio-
nal que se encontrava suspenso voltaria a fluir, até que se consumasse o período
legal de um ano, previsto na norma.
A conjugação dessas duas posições ensejou a edição da Súmula nº 229 do
STJ, em 08/09/1999.

65
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

STJ; Súmula nº 229, 08/09/1999; DJ 20/10/1999. Pedido do Pagamento de


Indenização à Seguradora. Suspensão do Prazo de Prescrição: “O pedido do
pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até
que o segurado tenha ciência da decisão”.

A fim de evitar controvérsias entre os termos iniciais de contagem das duas


teorias demonstradas, quais sejam, a primeira, que contava a prescrição a partir
do reconhecimento da incapacidade – sinistro – e a segunda, que a contava a
partir da negativa da seguradora, o STJ editou a Súmula nº 278, em 14/05/2003,
que pretendeu resolver a questão definitivamente:

Termo Inicial. Prazo prescricional. Ação de indenização. Incapacidade laboral.


“O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em
que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

Mesmo assim, pode-se afirmar que a Súmula 278 não resolveu a questão
conforme se pretendia e ainda é possível encontrar diversas formas de ser iniciar
a contagem do prazo prescricional.

3.2. Código Civil de 2002


Passando a examinar a questão sob a óptica do Código Civil de 2002, é
preciso reproduzir aqui, uma vez mais, a norma prevista no art. 189 e tomar
especial atenção às partes grifadas: Art. 189. Violado o direito, nasce para o
titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os
arts. 205 e 206. (Grifou-se).
Violado o direito, nasce a pretensão. Essa frase, construída a partir do
texto original do art. 189, é claríssima ao definir o que determina o nascimento
da pretensão. É preciso que o direito seja violado e, sem isso, não há que se falar
em pretensão. Essa interpretação é lógica e não enseja maiores lucubrações.
Assim sendo, seria adequado que o Superior Tribunal de Justiça passasse a
entender que o termo a quo deverá fluir a partir da negativa da seguradora porque
antes disto, com certeza, não há que se falar em violação de quaisquer direitos.
Retomando o art. 206, é preciso discutir o disposto em seu § 1º, inciso II,
letra a, o que representou uma inovação se comparado ao texto do Código de
1916, que não tinha dispositivo específico para tratar de prescrição nos seguros
de responsabilidade civil. Eis o que dispõe a norma:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 1º. Em um ano

66
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

(...)
II – A pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado
o prazo:
a)para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, data em que é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data
que a este indeniza, com a anuência do segurador;

Exemplificando, para determinada cobertura de responsabilidade civil facul-


tativa contratada junto à apólice de veículos (RCF-V), suponha-se que esse
segurado participe de acidente que apresente como vítima um terceiro. Dito
terceiro, visando ressarcir-se dos seus prejuízos, promove ação judicial contra
o segurado, que recebe o mandado de citação. Segundo o disposto na letra a
desse dispositivo, é somente a partir do recebimento da citação que a prescrição
começar a correr, pouco importando a data da ocorrência do sinistro.
Percebe-se, assim, a inaplicabilidade da Súmula nº 229 à presente hipótese.
Com relação à segunda parte dessa letra a, entende-se que ela não é capaz
de gerar maiores complicações, na medida em que caso o segurado opte por
indenizar o terceiro com recursos próprios, dependerá da anuência do segurador
para que possa continuar a fazer jus à garantia indenitária.

4. A inaplicabilidade do Código de Defesa


do Consumidor – art. 27
O art. 3º, § 2º do CDC determina a sua aplicação à atividade securitária, o
que, em princípio, poderia fomentar a apresentação de raciocínios no sentido
de que a Lei 8.078/1990, em seu art. 2726 (prazo prescricional de cinco anos
às hipóteses em que houvesse fato do produto ou do serviço), por ser posterior
ao Código Civil de 1916 ou por ser mais específica, ao menos no que toca às
relações de consumo, teria revogado o referido art. 178, § 6º, inciso II, que fixava
o prazo de um ano.
Voltando ao conceito de fato do produto ou do serviço, Sérgio Cavalieri
Filho sustenta que este traduzir-se-ia como a exteriorização27 de prejuízos para
o consumidor causados pela má prestação de um serviço ou por imperfeições
existentes num produto.

26. Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do
produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir
do conhecimento do dano e de sua autoria.
27. Sergio Cavalieri. Op. cit., p. 473: “Entende-se por fato do produto o acontecimento externo que
causa dano material ou moral ao consumidor, decorrente de um defeito do produto.”

67
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

A negativa de cobertura de uma seguradora caracterizar-se-ia como fato do


serviço ou do produto? Qual seria a natureza jurídica de uma recusa?
Ao negar cobertura, o segurador poderá estar tomando essa postura moti-
vado por circunstâncias diversas, quais sejam, risco expressamente excluído,
agravamento do risco pelo segurado, dolo, prescrição, falta de aviso momento
oportuno etc.
Na medida em que determinado segurador nega a cobertura, entende-se
que este não está sequer prestando o serviço, não sendo possível afirmar-se que
esse serviço seria defeituoso. Ora, se o serviço não existe, como seria possível
classificá-lo como defeituoso?
Partindo dessa linha de ideias, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, de forma uníssona, assenta que o prazo prescricional para as ações moti-
vas por segurados e seguradores e vice-versa continua a ser ânuo, não havendo
que se falar, portanto, na comentada revogação do art. 178, § 6º, II do CC/1916
pelo art. 27 do CPDC. A título exemplificativo,28 confira-se o julgado a seguir:

Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Súmulas 282 e 356/STF.


Deficiência na fundamentação. Súmula 284/STF. Seguro de veículo. Prescrição
ânua. Precedentes. Prescrição intercorrente. Inexistência. Dissídio jurisprudencial
não comprovado. (...) III – Em caso de recusa da seguradora ao pagamento da
indenização contratada, o prazo prescricional da ação que a reclama é o de
um ano, nos termos do artigo 178, § 6º, II, do Código Civil. Inaplicabilidade
do disposto no artigo 27 do CDC. Precedentes da Segunda Seção. Todavia,
na hipótese, deve ser a prescrição intercorrente afastada, na hipótese, pois que
reconhecida a demora na tramitação processual por falta de impulso oficial. (...)
(REsp. 331337-RJ; Rel. Min. Castro Filho; Terceira Turma; DJ 10/12/2004; v.u.
Grifou-se)

5. Beneficiário em seguro de vida x seguradora


Especificamente no que concerne à prescrição da pretensão dos beneficiários
de seguro de vida contra seguradores, a norma aplicável é a prevista no art. 206,

28. Segue relação de julgados provenientes do eg. STJ nos quais se entendeu pela inexistência de
revogação do art. 178, § 6º, II do CC/1916 pelo art. 27 do CPDC (REsp. 574947/BA; Rel. Min.
Nancy Andrighi; Segunda Seção; DJ 28/06/2004. * REsp. 590489/RJ; Rel. Min. César Asfor Rocha;
Quarta Turma; DJ 14/06/2004. * AGA 554420/RS; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito;
Terceira Turma; DJ 07/06/2004. * REsp. 533004/SC; Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior; Quarta
Turma; DJ 10/05/2004. * REsp. 518625/RJ; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Terceira Turma;
DJ 25/02/2004. * REsp. 242745/MG; Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; DJ
19/12/2003.)

68
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

§ 3º, inciso IX: “a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro


prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório”. (Grifou-se)
Mesmo diante de texto objetivo, incapaz de gerar dúvida, fato é que há
controvérsia e para ilustrá-la, convém examinar a ementa abaixo que, em vez de
aplicar a prescrição trienal optou pela decenal ao argumento de que, a despeito
do texto anteriormente reproduzido, o citado beneficiário seria apenas aquele do
seguro de responsabilidade civil obrigatório, não o do seguro de vida.

Ação de cobrança de seguro de vida. É de 10 anos o prazo prescricional da


ação de cobrança de seguro de vida. O juiz é o destinatário da prova. Ação
de cobrança de seguro de vida, onde alega a seguradora má-fé da segurada que
teria conhecimento de sua doença preexistente. Prova pericial que não se revela
necessária, porquanto não se trata de saber a causa mortis da segurada, mas sim
se a mesma tinha conhecimento do mal que portava, das suas consequências e
se agiu de má-fé ao firmar a proposta. Para elucidar tais questões, não se presta
a prova pericial. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Grifou-se).

Voto:

(...) A decisão agravada está vazada nos seguintes termos:


A prescrição não ocorreu. O art. 206, § 3º, IX, do CC não incide sobre a questão,
pois lá trata-se de seguro de responsabilidade civil obrigatório, o que não é o caso
dos autos. O artigo a ser aplicável é o 205 do CC, que prevê o prazo de 10 anos.
Afasto a prescrição. (...). Quanto à prescrição, é ponto consensual que a negativa
de pagamento da indenização se deu aos 28/07/1999. Os agravados são, por outro
lado, beneficiários do seguro. São pertinentes as seguintes regras do CC:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
(...);
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado
o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data
que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
(...).

69
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

§ 3 º Em três anos:
(...)
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no
caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Os agravados não são segurados, mas sim beneficiários. Não se lhes aplica o
prazo ânuo. Não se aplica tampouco o prazo trienal: a hipótese não é de seguro
de responsabilidade civil obrigatório.
O art. 206, § 3º, IX, CC trata apenas da hipótese de prescrição no caso
de seguro de responsabilidade civil obrigatório, não merecendo acolhida a
exegese da agravante de que ali há duas situações: a do beneficiário contra o
segurador e a do terceiro prejudicado no caso de seguro de responsabilidade
civil obrigatória.
Assim, o prazo é o decenal, previsto no art. 205 CC.

Nesse sentido, tem decidido essa Corte. Assim, na 2ª Câmara Cível:

Seguro de vida. Terceiro beneficiário. Prazo prescricional. Ao terceiro benefi-


ciário não se aplica o prazo prescricional ânuo, eis que com o segurado não se
confunde. Aplicação do prazo decenário genérico. Precedentes do STJ e deste
Tribunal. Prescrição afastada. Prêmio devido no valor previsto no estatuto social.
Dano moral não configurado. Recusa no pagamento do prêmio que caracteriza
mero aborrecimento. Verbete nº 75, da Súmula de Jurisprudência deste Tribunal.
Sucumbência recíproca. Recurso parcialmente provido. (TJRJ – Apelação Cível
nº 2008.001.21374; 2ª CC; Rel. Des. Carlos Eduardo Passos; j. 07/05/2008).

E na 5ª Câmara Cível:

Ação de cobrança. Seguro de vida. Alegação de prescrição e do agravamento do risco.


Manejo da via judicial ao invés da solução administrativa irrelevância. 1. Alegação
da seguradora de que não foi procurada, antes do manejo desta ação de cobrança,
para examinar e reconhecer a ocorrência do sinistro indenizatório. Não viola o
ordenamento jurídico pátrio a propositura de ação de cobrança da indenização
securitária para que os beneficiários do seguro de vida possam receber o que lhes é
devido por força de obrigação contratual. Situação fática que não se afigura como
caracterizadora da falta de uma das condições da ação, a ponto de autorizar a extin-
ção do processo sem resolução do mérito. Inocorrência de regra impositiva como
condição especial para a propositura da ação. Reforma da sentença. 2. A prescrição
ânua, prevista no artigo 206, § 1º, II, do CC/2002 (art. 178, § 6º, II, CC/1916), só
se aplica em relação ao segurado, não abrangendo os beneficiários do seguro, para os

70
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

quais o prazo prescricional é o geral de dez anos (art. 205 do CC/2002). Precedentes
deste órgão fracionário. Inocorrência da prescrição. 3. Orientação sumulada nº 61
do STJ, que autoriza a cobertura do seguro em caso de homicídio não premeditado.
4. Procedência da pretensão indenizatória adstrita à apresentação da documentação
necessária e obrigatória pelos beneficiários para o pagamento do valor indenizatório.
Recurso provido. (TJRJ – Apelação Cível nº 2008.001.40574; 5ª CC.; Rel. Des.
Paulo Gustavo Horta; j. 12/08/2008).

E ainda na 18ª Câmara Cível:

Direito do consumidor. Contrato de seguro de vida em grupo. Morte do cônju-


ge do segurado principal. Beneficiário. Cobrança da diferença. Prescrição ânua
inocorrência. Aplicação do § 3º do art. 515 do CPC. Princípio da transparência.
Dever de informar. Folheto publicitário. Capital segurado do cônjuge correspon-
dente a 100% do segurado principal. Diferença devida. Conduta abusiva. Dano
moral. A prescrição anual prevista no art. 206, § 1º, II do Código Civil aplica-
-se tão somente ao segurado e não em relação ao beneficiário. No caso, tendo
havido contração adicional de seguro em relação ao cônjuge, vindo este a falecer,
o segurado principal torna-se beneficiário da apólice contratada, cuja pretensão
prescreve no prazo ordinário do art. 205 do Código Civil. Afastada a prescrição,
possível o julgamento do feito pela aplicação teleológica do disposto no § 3º do
art. 515 do diploma processual. Capital segurado cônjuge que é idêntico ao do
capital segurado principal. Direito ao recebimento da diferença. A subtração de
informações vitais ao negócio jurídico, no momento de sua celebração, impõe o
pagamento do seguro nos termos do folheto publicitário entregue ao consumidor
e não da apólice, cujo teor não existe prova do acesso. Conduta abusiva ensejadora
de danos morais. Conhecimento e provimento do recurso. (TJRJ – Apelação Cível
nº 2008.001.40585; 18ª CC; Rel. Des. Rogério de Oliveira Souza; j. 12/08/2008).

E, por fim, na 20ª Câmara Cível:

Apelação cível. Ação pelo rito sumário. Direito intertemporal. Cobrança de seguro
de vida pelos beneficiários do segurado. Contrato de natureza complexa ao reunir
no mesmo instrumento seguro e capitalização. Inocorrência de prescrição que,
na hipótese, não é a prevista no art. 27, do Codecon, mas a que está estipulada
no art. 177, do Código Civil de 1916, sob cujo pálio foi celebrado o contrato de
seguro litigioso. Incidência do art. 2028, do Código Civil de 2002, que reduziu
o prazo da prescrição da pretensão resultante da violação do direito para dez anos
nos termos do art. 205, do estatuto civil. Incidência de correção monetária mesmo

71
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

na ausência de previsão contratual na esteira da jurisprudência firme do STJ nesse


sentido. Arguição de preliminar de prescrição que se rejeita. Desprovimento do
recurso. (TJRJ – Apelação Cível nº 2007.001.49332; 20ª CC; Rel. Des. Odete
Knaack de Souza; j. 21/11/2007).

*****
Vamos retomar os termos do art. 206, § 3º, inciso IX: “a pretensão do
beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro
de responsabilidade civil obrigatório”. (Grifou-se)
É preciso ter em vista que o referido inciso IX é claríssimo ao dispor que
prescreve em três anos a pretensão do beneficiário contra o segurador. A parte
final do dispositivo, acima não realçada, contempla uma segunda hipótese,
destinada à pretensão deduzida por terceiro prejudicado contra o segurador
em matéria de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Ora, refletindo sobre a prescrição no contrato de seguro, sabe-se que o prazo
prescricional para ações entre segurado e segurador é ânuo (art. 206, § 1º, II).
No Código de 1916, realmente a prescrição entre beneficiário e segurador era
a “ordinária”, de 20 anos, o que não se amoldava às peculiaridades do contrato
de seguro.
Reiterando o já explicado quanto à necessidade de que os prazos prescri-
cionais sejam exíguos nos contratos de seguro, sob o ponto de vista atuarial,
não é sustentável que uma seguradora tenha que aguardar por vinte anos para
que um sinistro seja comunicado ou que um direito seja exercido por eventuais
beneficiários. Tamanha espera desvirtuaria completamente a essência do negócio
securitário, cuja viabilidade realmente depende de prazos mais breves, até mesmo
para que as investigações referentes aos sinistros não fiquem prejudicadas.
Suponha-se, por hipótese, um sinistro ocorrido há 19 (dezenove) anos, cuja
reclamação seja realizada somente faltando 01 (hum) ano consumação da pres-
crição. A seguradora, obviamente, enfrentaria sérias dificuldades para regular
o sinistro. Raciocinando um pouco melhor, pode-se dizer que a regulação nem
mesmo teria condições para ser realizada. Impossível analisar documentos, fatos,
provas afetas a algo ocorrido há tanto tempo.
Exatamente por isso é que o Novo Código Civil reduziu o prazo prescricio-
nal para o exercício da ação entre beneficiário e segurador, o que contempla a
hipótese discutida nos autos.
Trazendo um argumento adicional à controvérsia, se o beneficiário perma-
necesse dispondo de 10 (dez) anos para aforar a ação contra o segurador, qual
seria a razão para o Código determinar a imediata comunicação do sinistro, sob
pena de perda da garantia? (Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização,

72
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as provi-


dências imediatas para minorar-lhe as consequências).
Não há coerência entre, por um lado, determinar-se que o segurado deverá
comunicar o sinistro imediatamente e, por outro, outorgar ao beneficiário o
prazo longo de 10 (dez) anos para propor a ação reclamando o capital segurado.
É preciso refletir a respeito da prescrição entre beneficiário e segurador tendo
como pano de fundo os outros dispositivos relacionados à matéria aplicáveis à
discussão, todos previstos dentro do mesmo capítulo do Código Civil, dedicado
ao contrato de seguro.
Retomando o que expressamente prevê o § 3º, inciso IX do art. 206, não se
pode perder de vista a intenção do legislador. Ao escrever “prescreve em três anos
a pretensão do beneficiário contra o segurador” e deixar a questão relacionada ao
seguro de responsabilidade civil à segunda parte do dispositivo, mediadas pela
conjunção aditiva “e”, é lógico que o seguro de vida não foi deixado à margem,
sob os efeitos da regra geral que determina a prescrição em 10 (dez) anos.
Em síntese, a relação entre beneficiário e segurador dispõe de previsão legal
específica, impondo-se a aplicação do § 3º, inciso IX do art. 206, sob pena de
que lhe seja negada vigência.
A pesquisa doutrinária concernente à matéria não deixa dúvida alguma.
Humberto Theodoro Júnior29 afirma:

393. Beneficiário do seguro.


O Contrato de seguro pode ser ajustado em favor do segurado ou de terceiro, de
maneira que, ao ocorrer o sinistro, a indenização seja paga ao próprio contratante
ou àquele em favor de quem este estipulou. No seguro de vida, o beneficiário é
sempre diferente do segurado. No seguro obrigatório de responsabilidade civil, a
reparação é feita diretamente ao prejudicado. Em outros tipos de contrato também
costuma-se convencionalmente estipular beneficiário o credor do segurado, como
na cobertura de bens dados em hipoteca e penhor e outras formas de caução. Estes
terceiros, sem terem sido partes no contrato, têm ação contra o segurador (arts.
760 e 436, parágrafo único) para exigir a indenização correspondente ao seguro
ajustado. Os prazos de prescrição são diversos: para o segurado, quando o próprio
contratante se beneficiar do seguro, prevalece a prescrição de um ano (art. 206,
§ 1º, II); se é um terceiro o beneficiário, a prescrição será de três anos (art.
206, § 3º, IX). (Grifou-se).

29. Humberto Theodoro Júnior. Op. cit., p. 338-339.

73
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Em nota de rodapé, o autor esclarece:

No regime do Código anterior, à falta de norma específica para o beneficiário,


entendia-se que não se lhe aplicava a prescrição ânua, mas a prescrição comum das
ações pessoais (20 anos) (1º TACivSP, 7ª C., Ap. nº 414.821-6, Rel. Juiz Renato
Takighuti, AC. 20.02.1990, RT, 657/99). O novo Código resolveu o problema
estipulando o prazo de três anos para a prescrição do beneficiário do seguro
(art. 206, § 3º, IX). (Grifou-se).

Ricardo Bechara Santos30 afirma:

7) Também em três anos prescrevem as pretensões: do beneficiário contra o


segurador; do terceiro nos seguros de Responsabilidade Civil obrigatórios (art.
206, § 3º, IX), aí se incluindo os seguros de Responsabilidade Civil elencados
no art. 20 do DL nº 73/66 (por exemplo, os seguros de responsabilidade civil do
transportador aéreo, terrestre e aquático, e responsabilidade civil do construtor
de imóveis em zonas urbanas). (Grifou-se).

A interpretação de Humberto Theodoro Júnior e Ricardo Bechara Santos


é no sentido de que tanto aos beneficiários do seguro de vida, quanto aos ter-
ceiros prejudicados no seguro de responsabilidade civil obrigatório aplica-se a
prescrição trienal.
Lembrando do dispositivo legal (novamente reproduzido a seguir), a con-
junção aditiva “e” não seria inserida no texto sem um propósito específico, qual
seja, o de contemplar as duas hipóteses: beneficiário em seguro de vida e terceiro
prejudicado em seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Recorrendo ainda aos termos do art. 206, § 3º, inciso IX : “A pretensão do
beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de
responsabilidade civil obrigatório.” (grifou-se), a interpretação de Raul Teixeira,31
ex-Procurador-Geral da Susep, é a mesma:

(...) Nessa ordem de ideias, ao contrário do que sustenta o consulente, entendemos


que a prescrição trienal estabelecida pelo inciso IX, § 3º do art. 206 alcança
os beneficiários de todos os contratos de seguro e não apenas os abrigados pelos
seguros de responsabilidade civil obrigatórios.” (Grifou-se).

30. Ricardo Bechara Santos. Direito de Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria. 2006. p. 461.
31. Raul Teixeira. Op. cit., p. 32-33.

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ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

Por fim, ratificando toda a doutrina consolidada nesse sentido, Frank Larrúbia
Shih,32 ao tratar da prescrição no Novo Código Civil, ensina que:

Com relação à prescrição oponível ao beneficiário ou ao terceiro prejudi-


cado, operou-se um desabamento temporal, pois caímos de 20 anos para
apenas 3 anos. Mais uma vez, as seguradoras foram favorecidas pela lei. Por
outro ângulo de visada, esta incrível redução deverá contribuir para diminuir
casos de fraude em seguros, entre eles o próprio DPVAT, porque, concentrando
o exercício do direito à indenização dentro de um pequeno lapso de tempo, a
averiguação dos sinistros e atos de perícia terão maior eficácia, prestigiando a
verdade real. (Grifou-se).

Portando, respeitosamente, verifica-se que a interpretação adequada para


o inciso IX é aquela que aplica a prescrição trienal para os beneficiários nos
seguros de vida e para os terceiros prejudicados em seguro de responsabilidade
civil obrigatório.
Refletindo o posicionamento doutrinário, a jurisprudência dos principais
tribunais brasileiros e do Superior Tribunal de Justiça é tranquila ao reconhecer
que o prazo prescricional entre beneficiários e seguradores é trienal.
Ilustrando o exposto, inicia-se pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

Apelação. Seguro de vida e acidentes pessoais. Ação de exibição de documento e


indenizatória de seguro promovida pelas beneficiárias. Processo extinto por sen-
tença de 1º grau. Prescrição trienal. Inteligência do art. 206, § 3º, do CC/2002.
Sentença mantida. Apelo desprovido. (Apelação com Revisão nº 122635.2005;
Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças; 29ª Câmara; j. 11/02/2009; TJ/SP,
v.u. Grifou-se.).

Do voto do Relator, convém examinar os trechos abaixo:

2. Inicialmente, há que se ressaltar que, ao contrário do que afirmam as autoras,


o prazo prescricional, no tocante aos beneficiários é trienal, e não vintenário.
(...). A pretensão resta irremediavelmente prescrita. O art. 206, em seu § 3º, IX,
do CC/2002, assim preceitua: “art. 206. Prescreve: § 3º Em três anos (...) IX – a
pretensão do beneficiário contra o segurador e a do terceiro prejudicado, no
caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.”

32. Frank Larrúbia Shih. Temas Relevantes de Direito Securitário. 2003. p. 159.

75
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

O Colendo STJ tem jurisprudência pacífica sobre o tema:

Agravo regimental. Cobrança. Seguro obrigatório. DPVAT. Prescrição.


Ocorrência. Precedentes. Agravo improvido. I . No que se refere ao prazo
prescricional para o ajuizamento de ação em que o beneficiário busca o
pagamento da indenização referente ao seguro obrigatório, o entendimento
assente nesta Corte é no sentido de que o prazo prescricional é de três anos,
nos termos do art. 206, § 3º, IX, do CC. II. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp nº 1.057.098-SP – Rel. Min. Massami Uyeda; j. 14/10/2008).
No mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados: Ag 1.031577/RJ; Rel.
Min. Sidney Beneti; DJ de 30/05/2008 e REsp 1.042.615/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ de 21/05/2008.
Assim sendo, tendo o segurado falecido aos 25/10/2004 e a presente ação somente
sido proposta aos 04/03/2008, correta a r. sentença recorrida ao reconhecer a
prescrição do direito.“ (Grifou-se).

Também do TJ/SP, a ementa a seguir:

Seguro de vida. Execução proposta pelo beneficiário. Prescrição. Não tendo decor-
rido mais de metade do prazo vintenário anteriormente previsto no artigo 177 do
Código Civil de 1916 (artigo 2.028 do novo Código Civil), a prescrição rege-se
pelo artigo 206, § 3o, IX do Código Civil de 2002. Sentença mantida. Apelo
improvido.” (TJ/SP – Ap. com Revisão 1.189.889-0/6; 36ª Câmara; Rel. Des.
Dyrceu Cintra; j. 15/01/2009, v.u. Grifou-se).

Trechos do voto do Relator:

(...) A morte do segurado ocorreu em 26/01/1997. Em 20/11/1997 a seguradora


efetuou o pagamento a um dos beneficiários (fls. 13). Quando da entrada em
vigor do Código Civil de 2002 não havia decorrido o prazo prescricional previsto
no diploma anterior, vinte anos (artigo 177 do Código Civil de 1916). Como até
então também não havia transcorrido mais da metade do prazo, aplica-se,
nos termos do artigo 2.028 novo diploma, o prazo nele previsto: três anos
(artigo 206, § 3º, JX, do novo Código Civil). Só que o termo inicial, que não
retroage, coincide com a vigência do novo Código, em 11/01/2003 (artigo 2.044).
Assim, o apelante poderia propor a execução até 11/01/2006. Como o fez em
31/10/2006, ocorreu a prescrição (...). (Grifou-se)

76
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

Do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Contrato de seguro. Prescrição. Doença preexistente. Exame prévio de saúde.


Inadimplemento. Inovação. 1. A pretensão de cobrança de indenização de
seguro de vida, pelo beneficiário, prescreve em três anos (art. 206, § 3º, IX,
do CC). 2. Não se exime de pagar a indenização do seguro, sob a alegação de
doença preexistente, a seguradora que não submeteu o segurado a prévio exame
de saúde. 3. Inadimplência do segurado em relação a parcelas do seguro, se não
alegada em primeira instância, por se tratar de questão nova, não pode ser apre-
ciada na apelação. 4. Apelação provida. (TJDF – Ap. Cív. 20040610089008; Rel.
Des. Jair Soares; Sexta Turma Cível; j. 28/03/2007; DJU 19/04/2007. Grifou-se).

Trechos do voto do Relator:

O art. 206, § 1o, II, do CC, aplica-se aos casos de pretensão do segurado contra
o segurador. Não é, contudo, a hipótese dos autos. A autora não é a segurada,
mas beneficiária do seguro, ou seja, terceira pessoa a quem deve ser paga a
indenização. E o prazo prescricional para pleitear a indenização é do art.
206, § 3o, inciso IX, do CC: três anos”. (Grifou-se).

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Apelação cível. Seguros. Seguro de vida. Morte do segurado. Prescrição.


Responsabilidade civil. A ação de cobrança de seguro ajuizada pelo beneficiário
prescreve em três anos (art. 206, § 3º, inciso IX, do CC/2002), e começa a
correr a partir do sinistro, no caso, morte do segurado. No caso em tela, aplica-se
a regra de transição do art. 2028 do Código Civil Brasileiro, assim prescreveu o
direito de interpor a ação em 12/01/2006, e a autora ingressou com a presente ação
em 26/10/2007. Por maioria, acolhida a preliminar de prescrição, extinto processo
com resolução de mérito. (TJRS – Ap. Cível nº 70026908806; 5ª Câmara Cível;
Rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho; j. 11/03/2009. Grifou-se).

Trechos do voto do Relator:

Sustenta a autora que passados mais de dez anos do fato, não recebeu o pagamento
dos valores a que tem direito. No caso da autora ela figura como beneficiária
do seguro, pelo qual não se pode deixar de aplicar a regra de prescrição
amparada no Código Civil, que é de três anos. No caso em tela, considerando
a regra de direito intertemporal prevista no art. 2.028 do Código Civil, aplica-se

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

o prazo prescricional trienal previsto no inc. IX do 3º do art. 206 do mesmo


diploma legal, fluindo tal prazo a partir de 12/01/2003, data em que passou
a viger o Código Civil de 2002. (Grifou-se).

E, finalmente, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

(...) Prejudicial de prescrição cujo exame é cabível na sentença, também por se


tratar de questão que leva a julgamento de mérito em matéria de reclamação
de segurado. Necessidade de dilação probatória, para apurar-se o termo inicial
do lapso prescricional, e até mesmo para se apurar se o agravado é segurado ou
beneficiário, caso em que o prazo prescricional não seria ânuo, mas trienal.
Agravo a que se nega seguimento, no que toca à impugnação da determinação de
depósito dos honorários periciais, em vista de sua manifesta inadmissibilidade,
e, no tocante à impugnação da rejeição da preliminar e da prejudicial, negativa
de seguimento em razão de sua manifesta improcedência, com base no art. 557
(TJRJ – Agravo de instrumento nº 14376/08; 3ª C.C.; Rel. Des. Luiz Fernando
Ribeiro de Carvalho; j. 02/06/2008. Grifou-se).

Trechos do voto do Relator:

(...) Iguais razões se aplicam à suscitação de prescrição, cujo reconhecimento, para que
não reste dúvida, leva, nos termos do art. 269, IV, CPC, ao julgamento com exame
de mérito. De outro turno, a alegação de que se esgotou o lapso prescricional, tal
como formulada pela Agravante, efetivamente depende de se estabelecer, por provas,
quando se deu o alegado conhecimento da recusa de pagamento. (...). Outrossim,
não é manifesta a prescrição, porquanto há de se examinar no curso da instrução
se o Agravado é segurado ou beneficiário – incidindo conforme o caso a regra
o art. 206, §1º, II, CC/02, com prazo de um ano, ou a do § 3º, IX do mesmo
dispositivo, que estabelece prazo prescricional mais longo, de 3 anos. (Grifou-se).

Aliando as pesquisas doutrinária e jurisprudencial, conclui-se que é trienal


a prescrição à pretensão do beneficiário de seguro de vida contra segurador.

6. Seguradora x terceiro em ação regressiva


O art. 786 do Código Civil trata da sub-rogação do segurador em todos os
direitos e deveres do segurado, após o pagamento do capital segurado.

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo,
nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

78
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

§ 1º Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do
segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins.
§ 2 ºÉ ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do
segurador, os direitos a que se refere este artigo.

Entre segurado e segurador, não se controverte quanto à regra prevista no


art. 206, § 1º, inciso II do Código, que estabelece o prazo ânuo.

Art. 206. Prescreve:


§ 1o Em um ano:
(...)
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado
o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data
que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

Entretanto, raciocinando agora a respeito da ação regressiva proposta pela


seguradora contra um terceiro, responsável por determinada perda patrimonial
sofrida por essa empresa, o cenário se modifica, na medida em que a discussão
deixa de ser entre seguradora x segurado e passa a ser entre seguradora x terceiro.
Na vigência do Código Civil de 1916 e ainda antes do advento da Súmula
15133 do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência chegou a construir enten-
dimento que ampliava a aplicação do prazo ânuo não apenas às relações havidas
entre segurados x seguradores, mas também às controvérsias havidas entre segu-
radores e terceiros. Abaixo, uma ementa que demonstra esse posicionamento:

Ação regressiva. Segurador sub-rogado. Legitimidade ad causam. Prescrição ânua.


Inciso II, par. 6, art. 178, C.Civil de 1916. Provimento parcial. Ação Regressiva de
Ressarcimento. Seguradora sub-rogada nos direitos do segurado. Legitimidade
da denunciada-seguradora pelas obrigações assumidas perante à denunciante-
-segurada. Prescrição ânua. Art. 178, par. 6º, II do Código Civil. Provimento
parcial do recurso. (TJ/RJ – Ap. Cível 1999.001.20644; Rel. Des. Marianna
Pereira Nunes; 6ª Câmara Cível; j. 13/06/2000. Grifou-se).

33. Súmula 151, Supremo Tribunal Federal: “Prescreve em um ano a ação do segurador sub-rogado
para haver indenização por extravio ou perda de carga transportada por navio”.

79
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

A principal justificativa para aplicar o prazo ânuo à pretensão dirigida pela


seguradora contra o terceiro decorria de uma pretendida analogia entre a ação
regressiva proposta pela empresa e a as ações de cobrança de seguro que lhe
eram movidas. Ora, se para se defender das ações os seguradores valem-se do
prazo ânuo, por que lhes seria autorizado mover as ações de ressarcimento em
prazo maior, à época, de vinte anos (inerentes às ações pessoais – art. 177 do
Código de 1916)?
Por mais ambicioso que esse argumento pudesse ser, juridicamente não houve
como sustentá-lo.
Em matéria de prescrição que, conforme sabido, determina a perda de preten-
sões ante o decurso do tempo,34 não é permitido fazer interpretações ampliativas,
que apliquem os prazos às circunstâncias distintas daquelas expressamente pre-
vistas. Se é ânuo o prazo apenas para as pretensões dirigidas por segurados
x seguradores e vice-versa, para as pretensões dos terceiros x seguradores e
vice-versa outro deverá ser o prazo se assim a lei não determinou explicitamente.
As palavras de Carlos Maximiliano35 são exatamente nesse sentido:

São excepcionais as prescrições de prazo inferior ao ordinário. As disposições


excepcionais, ensina Carlos Maximiliano, são estabelecidas por motivos ou
considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o direito
comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam
expressamente. Acrescenta, logo depois, o autor que as normas que introduzem
casos especiais de prescrição se submetem à exegese estrita, porque esta limita o
gozo de direitos (Grifou-se).

No Superior Tribunal de Justiça, a análise é a mesma. Confira-se:

Direito civil. Recurso especial. Ação de conhecimento. Seguro. Indenização.


Prescrição. Suspensão. Súmula nº 229 do STJ. Interpretação extensiva.
Impossibilidade. Regra de hermenêutica. Se a Súmula nº 229 do STJ dispõe
que a prescrição fica suspensa até “que o segurado tenha ciência da decisão”,
sobre a recusa do pagamento do valor do seguro, não se pode extrair daí que a
cientificação do estipulante seja equivalente à ciência do segurado. A cienti-
ficação do estipulante sobre a decisão da seguradora em não efetuar o pagamento
do valor do seguro não tem o condão de fazer fluir o prazo prescricional da
pretensão de cobrança da indenização. Segundo regra básica de hermenêutica

34. A prescrição também pode ser aquisitiva, dando ensejo à aquisição de propriedade por usucapião
mas, por este não ser o escopo deste trabalho, deixa-se de comentar o assunto com destaque.
35. Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 1951. p. 277 e 285.

80
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

jurídica, não se pode dar interpretação extensiva em matéria de prescrição,


visto significar perda do direito de ação por decurso de prazo, ou seja, res-
trição do direito de quem o tem. As disposições alusivas à perda de direito
pela prescrição ou decadência devem ser interpretadas restritivamente, não
comportando interpretação extensiva, nem analogia. Recurso especial não
conhecido. (REsp. 799744/DF; Rel. Min. Nancy Andrighi; Terceira Turma; DJ
09/10/2006. Grifou-se).

Portanto, à luz da premissa demonstrada acima, fundamentada pela Doutrina


e pela jurisprudência do STJ, não há dúvida de que à pretensão deduzida pelo
segurador contra terceiro jamais poderá ser aplicada a prescrição ânua, con-
siderando que o art. 206, § 1º, inciso II do Código, restringe esse prazo para
seguradores x segurados e vice-versa.
Apenas para ilustrar a razoabilidade dessa posição, convém examinar ementa
proferida por ocasião da vigência do Código de 1916 que, mesmo àquela época,
aplicava o prazo prescricional das ações pessoais – vintenário – art. 177 – às
ações de ressarcimento:

Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Transporte de mercadoria. Perda


total. Ressarcimento dos danos. Ação regressiva do segurador sub-rogado nos
direitos do segurado. Prazo prescricional. Interrupção da prescrição. Citação
válida. Teoria da aparência. Responsabilidade Civil. Transporte terrestre de
mercadoria. Ação regressiva da seguradora. Prazo prescricional. Interrupção
da prescrição. Ação de regresso da seguradora, visando o ressarcimento da
quantia paga a sua segurada, pela perda total da mercadoria transportada
em autocarga. Não se tratando de ação originada diretamente do contrato de
seguro não incide o disposto no artigo 178, par. 6º, inciso II, do Código Civil.
Assim sendo, o prazo prescricional da ação de regresso da seguradora contra
o causador do dano será o mesmo estabelecido para a ação que poderia ser
proposta pelo segurado. No contrato de transporte, a liquidação da indenização
por perda da mercadoria prescreve em um ano, a contar do trigésimo dia após
aquele em que deveria ter-se efetuado a entrega (artigo 9º do Decreto nº 2681, de
07 de dezembro de 1912). Ainda que distribuída no último dia do prazo prescri-
cional, a notificação interrompeu a prescrição, posto que não se pode imputar à
apelante a demora na efetivação da medida. É válida, por aplicação da teoria da
aparência, a notificação entregue à pessoa que, nas dependências da empresa, se
apresentou ao Oficial de Justiça como representante legal daquela e apôs o carimbo
da mesma. Provimento do recurso. (TJ/RJ – Ap. Cível 2000.001.02819; Rel. Des.
Cássia Medeiros; 18ª Câmara Cível; j. 06/06/2000. Grifou-se).

81
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Superada essa controvérsia, passa-se ao exame do prazo prescricional à pre-


tensão do Segurador contra terceiro na vigência do Código Civil de 2002.
Caso seja seguida a sistemática do Código anterior, à pretensão discutida em
ação de ressarcimento o respectivo prazo prescricional seria de dez anos, a teor
do disposto no art. 205 do CC: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não
lhe haja fixado prazo menor”.
Teria o art. 206, responsável pelo estabelecimento dos prazos prescricionais
mais exíguos, cuidado da ação de ressarcimento?
Nesse exato sentido, é preciso examinar o disposto no § 3 º, inciso V, mais
especificamente a pretensão relacionada à reparação civil: Art. 206. “Prescreve:
(...)§ 3 º Em três anos: (...) V – a pretensão de reparação civil;”
Como regra geral, o Novo Código Civil reduziu a grande maioria dos prazos
prescricionais. No Código anterior, a prescrição mais ampla era de vinte anos
(art. 177), ao passo que no Novo Código passou a ser de dez anos (art. 205).
Essa sistemática também diz respeito às prescrições mais curtas, o que se
aplicou a pretensão inerente à reparação civil.
Portanto, constatada determinada perda patrimonial, assiste ao lesado a
pretensão de reaver a parcela de seu patrimônio que foi atingida, valendo-se,
para tanto, do prazo prescricional de três anos.
Ainda na vigência do Código Civil de 2002, podem ser encontradas ementas
que revelam a aplicação daquele antigo entendimento demonstrado em linhas
anteriores, que determinava a incidência da prescrição ânua às ações de ressar-
cimento. A ementa a seguir demonstra que, em primeira instância, foi aplicado
aquele entendimento, tendo ocorrido a reforma no âmbito do Tribunal, com a
aplicação da prescrição trienal:

Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Ação regressiva de procedi-


mento comum sumário movida por seguradora em face fundação pública
alegadamente causadora de sinistro pelo qual a autora indenizou o segurado.
Sentença de improcedência, a reconhecer a prescrição ânua do art. 206, § 1º,
II, do Código Civil, arguida em defesa que, na questão de fundo, alega culpa
exclusiva de terceiro. 1. Para o segurador, que se sub-roga nos direitos do segu-
rado por força de pagamento da indenização contratada e que por isso queira
regredir contra o causador do dano, corre o mesmo prazo prescricional que
aquele teria para propor demanda em face deste: três anos, ex vi do art. 206,
§ 3º, V. 2. A ratio legis do art. 515, § 3º, do CPC autoriza por interpretação livre
da literalidade que se aplique a teoria da causa madura, mesmo quando pronuncia
prescrição. 3. Sendo incontroverso o acidente, o dano, o desembolso da seguradora
e o nexo causal; sendo objetiva a responsabilidade da ré (CRFB, art. 37, § 6.º) e

82
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

não tendo ela possibilidade de exercer atividade probatória, dado não ter por isso
protestado na contestação, impõe-se decreto de procedência. 4. Recurso ao qual
se dá provimento, ao tempo em que se julga procedente o pedido. Unânime. (Ap.
Cível 0088445-08.2008.8.19.0002 (2009.001.63849); Rel. Des. Fernando Foch
Lemos; 3 ª Câmara Civil; j. 13/04/2010; Grifou-se).

A terceira controvérsia que se deseja demonstrar decorre da incidência ou não do


art. 27 do Código de Defesa do Consumidor às ações de ressarcimento. Explica-se.
Mediante o pagamento efetuado pelo segurador, a sub-rogação prevista no
art. 786 do Novo Código lhe transfere todos os direitos e obrigações que, até
então, eram de titularidade do segurado. Até esse ponto, inexiste controvérsia.
Partindo-se da premissa de que o segurado fosse consumidor, a sub-rogação
em referência também transferiria ao segurador as mesmas prerrogativas osten-
tadas pelo segurado?
Exemplificando, determinada pessoa física contrata o transporte de mercado-
ria com transportadora e, por precaução, também contrata seguro. O caminhão
utilizado para o transporte da mercadoria transportada tem um pneu furado,
seu motorista perde o controle e o veículo tem perda total, com a deterioração
de toda carga transportada.
O segurado, imediatamente, recebe a importância correspondente à carga
de sua seguradora que, por sua vez, sub-roga-se em seus direitos para reaver o
que pagou daquela transportadora.
Essa sub-rogação permitiria à seguradora sub-rogada mover a ação regressiva
no prazo de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC?
Inicialmente, a jurisprudência respondia à questão negativamente, mantendo
o prazo prescricional de três anos e, inclusive, afastando a sub-rogação nas
prerrogativas previstas no Código de Defesa do Consumidor:

Transporte aéreo internacional. Perecimento da mercadoria. Ação regressiva


do segurador sub-rogado nos direitos do segurado. Convenção de Varsóvia.
Transporte aéreo internacional. Mercadoria perecida. Ação de regresso da segura-
dora. Dever de indenizar da transportadora. Limitação do “quantum”. Convenção
de Varsóvia e Protocolo de Haia. Perecimento de carga importada durante trans-
porte aéreo internacional. Contrato de seguro que garantiu à importadora
ressarcimento integral pela perda da mercadoria. Sub-rogação da seguradora
nos direitos do dono da carga. Ressarcimento. Enunciado nº 188 da Súmula
do STF. Inexistência de relação de consumo. Inaplicabilidade do Código
Consumerista e sim da Convenção de Varsóvia, com as alterações recebidas
pelo Protocolo de Haia. Transporte de mercadorias consistente em modalidade

83
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

de contrato cuja obrigação é de resultado, com a entrega da mercadoria, incólume,


em seu destino, respondendo objetivamente o transportador pelo que com ela
acontecer no curso da viagem. Art. 18 da Convenção de Varsóvia. Dever de inde-
nizar. Limitação da responsabilidade civil do transportador. Indenização tarifada.
Itens 1 e 2 do art. 22 da Convenção de Varsóvia. Não preenchimento do valor da
carga no conhecimento de transporte, documento que comprova o contrato de
transporte aéreo de carga, fazendo presumir, até prova em contrário, a conclusão
do contrato, o recebimento da carga e as condições do transporte. Desinteresse da
importadora em informar o valor da carga, já que seu risco estaria coberto, pois
contratou o seguro justamente para obter a cobertura integral em caso de perda
da carga transportada. Risco do negócio a ser suportado pela seguradora,
sendo própria de seu empreendimento a álea, incluída no preço do produto
e calculada pela diferença entre o prêmio pago a seus segurados e os valores
cobertos pelo seguro das transportadoras aéreas. Reforma da sentença apenas
para se limitar o “quantum” indenizatório na forma dos itens 1 e 2 do art. 22 da
Convenção de Varsóvia. Provimento parcial do recurso. (Ementário: 20/2007 – N.
18; 24/05/2007; Apelação Cível 0033528-13.2006.8.19.0001 (2006.001.62325);
Rel. Des. Ismênio Pereira de Castro; 7ª Câmara Cível; j. 08/02/2007; Grifou-se).

Posteriormente, o entendimento anterior foi sensivelmente modificado e


se passou a entender que a sub-rogação decorrente do art. 786 do CC atrairia
também todas as prerrogativas previstas no Código de Defesa do Consumidor,
inclusive o prazo prescricional de cinco anos, conforme determina o art. 27 do
CDC. As duas ementas a seguir, provenientes do TJ/RJ e do STJ demonstram
como foi a evolução da jurisprudência:

Apelação. Responsabilidade civil. Contrato de transporte aéreo de coisas.


Mercadorias danificadas. Ação regressiva proposta por seguradora em face
de transportadora aérea de carga com o objetivo de receber a indenização
paga à sociedade-segurada, pelo extravio de mercadorias. Sociedade empre-
sária, contratante do transporte aéreo, que se configura como destinatária
final do serviço. Relação de consumo. Jurisprudência do STJ. Sub-rogação
da seguradora, na forma do art. 786 do CC. Aplicação do Código de Defesa
do Consumidor. Paga a indenização securitária ao segurado, nos limites do
contrato, fica o segurador autorizado a exercer direito regressivo contra o
causador do sinistro, para tanto passando a ocupar a posição jurídica do segu-
rado. Danos em mercadorias transportadas. Fato do serviço. Responsabilidade
objetiva do transportador. Art. 14, caput e § 1º do CDC. Decadência que não se
aplica às situações de fato do serviço. Prescrição quinquenal, na forma do art. 27

84
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

do CDC. Propositura da ação antes do decurso do prazo. Relação jurídica e danos


comprovados pela seguradora. Ciência da transportadora quanto aos produtos
transportados e seu valor. Avarias comunicadas à transportadora. Fato extintivo do
direito do autor. Ônus probatório da ré (art. 14, § 3º, CDC.). Valor da indenização
que não se limita. Princípio da reparação integral. Inteligência dos arts. 5º, V e X da
CF; e 6º, VI do CDC. Manutenção da sentença com ressalva da fundamentação.
Desprovimento do recurso”. (TJ/RJ – Ap. Cív. 0046275-53.2010.8.19.0001; Rel.
Des. Cristina Tereza Gaulia; 5ª Câmara Cível; j. 14/12/2010; Grifou-se.)
Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Indenização. Fato do produto.
Aplicação do CDC. Ação regressiva. Sub-rogação da seguradora nos direitos
do consumidor. 1.A falta de prequestionamento em relação ao art. 160, I, do
CC/1916, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da súmula 211/
STJ. 2. Havendo pago a indenização securitária, a seguradora sub-roga-se
nos direitos e ações que competiriam ao segurado contra o autor do dano,
fabricante do produto defeituoso, nos limites do contrato de seguro, cabendo,
no caso, a aplicação de todos os institutos previstos no CDC. 3. A análise do
alegado cerceamento de defesa exige reapreciação do conjunto probatório, o que
é vedado em recurso especial, ante o teor da Súmula 7/STJ. Precedentes. 4. Não
conheço do recurso especial. (STJ – Resp. 802442; Rel. Min. Luis Felipe Salomão;
Quarta Turma; DJ 02/02/2010. Grifou-se.)

Concluindo, o entendimento que passou a prevalecer às pretensões dirigidas


pelos seguradores contra os terceiros foi pela aplicação do prazo de três anos –
art. 206, § 3 º, inciso V do Código Civil – e, caso o segurado seja consumidor,
deve-se aplicar o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC.

7. Seguradora x ressegurador e ressegurador x retrocessionário


Finalmente, as relações jurídicas havidas entre seguradores e resseguradores,
bem como as mantidas entre resseguradores e retrocessionários, merecem alguns
comentários.
Naturalmente, o Código Civil não foi tão a fundo, a ponto de explicitar
qual seria o prazo prescricional das pretensões dirigidas por seguradores contra
resseguradores e resseguradores contra retrocessionários (e vice-versa).
Assim sendo, para se chegar a uma conclusão adequada para esse prazo pres-
cricional, é preciso, inicialmente, expor quais seriam os prazos possíveis. Seria o
prazo ânuo, de que trata o art. 206, § 1º, inciso II, letra b do CC? Seria o prazo
decenal, determinado pelo art. 205 ante a inexistência de regra específica? Ou,
finalmente, seria o prazo trienal, decorrente da aplicação do art. 206, § 3º, inciso
V, ao argumento de que estar-se-ia diante de uma pretensão de reparação civil?

85
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Ricardo Bechara Santos,36 considerando essas possibilidades, ponderou o


seguinte:

É certo que a prescrição é instituto de ordem pública e que por isso não compor-
taria interpretação extensiva, caso em que deveria se aplicar o prazo geral de dez
anos previsto no artigo 205 do Código Civil, assim reservado para quando a lei
não lhe haja aplicado prazo menor. Mas é certo também que esse não é o caso
do resseguro, porque a lei previu, para qualquer pretensão decorrente do
contrato de seguro privado, o prazo de um ano, nele se incluindo o seguro
do segurador, isto é, o resseguro, como também o seguro do ressegurador,
ou seja, a retrocessão. (Grifou-se).

Entendendo o resseguro como espécie do gênero seguro, isto é, que aquele


estaria inserto neste, Bechara não hesitou em aplicar o prazo ânuo, embora o
art. 206, § 1º, inciso II não se refira expressamente ao ressegurador.
Considerando o que já expusemos quanto à obrigatoriedade de que a pres-
crição seja interpretada restritivamente, respeitosamente divergimos da posição
anteriormente reproduzida.
Sendo certo que o texto legal não se refere às relações havidas entre segura-
dores e resseguradores ou resseguradores e retrocessionários, a regra básica de
interpretação em matéria de prescrição proíbe essa amplitude.
Por esse fundamento, a incidência da prescrição ânua estaria descartada.
Considerando a inexistência de regra específica para o contrato de resseguro
e para o de retrocessão, a consequência lógica daí decorrente seria pela aplicação
da regra geral – art. 205 do Código, com prazo prescricional decenal, com o
que, da mesma maneira, não concordamos.
Refletindo sobre a pretensão de regresso movida pelo segurador contra ter-
ceiro, tem-se que esta, assim como as pretensões que derivam dos contratos de
resseguro e retrocessão, não dispõem de regra específica no art. 206 do Código
Civil e, mesmo assim, àquela pretensão convencionou-se o prazo prescricional
trienal – art. 206 § 3 º, inciso V.
Quando um segurador sofre uma perda em seu patrimônio, cujos riscos foram
previamente transferidos por meio de um contrato de resseguro, parece bem
nítido que assistirá ao lesado/segurador o direito ao recebimento daquilo que
lhe foi subtraído, o que vale da mesma maneira para o contrato de retrocessão
e seus agentes.
36. Ricardo Bechara Santos. Atípico, acessório e independente. Revista Cadernos de Seguro.
Disponível em http://www.cadernosdeseguro.funenseg.org.br/secao.php?e=10&s=artigo&m=224.
Acesso em 25/01/2011.

86
ELSEVIER V I I – A P R E S C R I Ç Ã O E O C O N T R AT O D E S E G U R O

Assim sendo, entendendo-se que o segurador estará exercendo contra o res-


segurador (e vice-versa) uma pretensão calcada em reparação civil, entende-se
que seria juridicamente adequado aplicar às relações havidas entre seguradores/
resseguradores e resseguradores/retrocessionários a regra prevista no art. 206 §
3 º, inciso V do Código Civil.
Para ratificar o porquê da incidência dessa regra específica em detrimento
da regra geral – prescrição decenal –, é preciso lembrar que a exposição de um
ressegurador por tamanho período temporal seria terrível para fins de consti-
tuição e manutenção das respectivas reservas.
O resseguro e a retrocessão são absolutamente dinâmicos e não podem impli-
car exposições tão prolongadas, sob pena de acarretarem preços significativa-
mente maiores e prejudiciais ao desenvolvimento do próprio mercado.
Forte nas razões e fundamentos acima expostos, nosso raciocínio é pela
incidência do prazo prescricional de três anos às pretensões manejadas por segu-
radores/resseguradores e resseguradores/retrocessionários.

8. Considerações finais
A prescrição no contrato de seguro é tema complexo que, com certeza, não
se esgota neste simples artigo.
Diversos podem ser os campos de estudo e, consequentemente, essa diversi-
dade aumenta os pontos controvertidos.
Procurou-se demonstrar que o Novo Código Civil foi coerente ao distinguir,
de maneira técnica, os conceitos e os exemplos de prescrição e decadência, o que
facilitou a compreensão da matéria.
Especialmente quanto ao contrato de seguro, as seguintes controvérsias foram
debatidas ao longo desta exposição:
i. O termo inicial de contagem e as diferenças demonstradas a partir dos
Códigos de 1916 e 2002.
ii. A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – art. 27 frente
ao Código Civil, nas discussões decorrentes do adimplemento do contrato
de seguro.
iii. A pretensão do beneficiário contra o segurador em matéria de seguro de
vida.
iv. A pretensão da seguradora contra terceiro em ação regressiva.
v. A pretensão do segurador contra o ressegurador e do ressegurador contra
o retrocessionário (e vice-versa).
É necessário seguir pesquisando e buscando atualização constante a fim
de que seja possível obter o posicionamento mais adequado, a depender das
circunstâncias de cada caso concreto.

87
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Referências
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______ . Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as
ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais. out. 1997.
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BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 3. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1927, v. 1.
CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da. Da prescrição e da decadência. São Paulo: Saraiva, 1939.
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Freitas Bastos, 1951.
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Rio de Janeiro: Forense, 2006.
______. Atípico, acessório e independente. Revista Cadernos de Seguro. Disponível em http://
www.cadernosdeseguro.funenseg.org.br/secao.php?e=10&s=artigo&m=224. Acesso
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SHIH, Frank Larrúbia. Temas Relevantes de Direito Securitário. Rio de Janeiro: Lumen
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TEIXEIRA, Raul. Os reflexos do novo Código civil nos contratos de seguro. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
TEPEDINO, Gustavo et alii. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da
República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
THEODORO JÚNIOR. Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Dos atos jurídi-
cos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. v. 3, t 2.
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brasileiro. São Paulo: RT, 2003.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

88
VIII
Considerações a respeito da aceitação
do seguro garantia judicial perante
o poder judiciário brasileiro1

Sumário: Introdução. 1. Respostas. 2. Considerações finais. Referências. Anexo.

Introdução
onquanto instituto internacionalmente aclamado,2 o seguro garantia

C judicial somente passou a ser disponibilizado no Brasil a partir de


junho de 2003, fruto da edição da Circular nº 232 pela SUSEP.3
Trata-se de contrato de seguro específico disponibilizado com vistas
a amortizar o impacto negativo decorrente da necessidade de que os
executados, em processos judiciais, tenham que desembolsar, em espécie,
vultosas quantias para fazer frente às demandas que lhes são movidas.

1. Artigo em coautoria com Carolina Pinto, advogada no Rio de Janeiro. Bacharel em


Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. E-mail: carol.spt@gmail.com
2. Conforme ressalta Gladimir Adriani Poletto, o seguro garantia judicial já é uma realidade
nos Estados Unidos da América (judicial bond), México, Espanha, Colômbia e Argentina
(garantias judiciales). (Gladimir Adriani Poletto. A regulamentação do seguro-garantia
judicial.  In: Valor Econômico.  São Paulo, 18/09/2003.  x.  Pasta nº 1, Doc. 23. Extraído
do Clipping Capitólio de Seguros de 18/09/2003).
3. Conforme disposto no item VI do Anexo III da aludida circular, “este seguro garante
o pagamento de valor correspondente aos depósitos em juízo que o tomador necessite
realizar no trâmite dos procedimentos judiciais”, acrescentando, ainda, que “a cobertura
desta apólice, limitada ao valor da garantia, somente terá efeito depois de transitada em
julgado a decisão ou acordo judicial favorável ao segurado, cujo valor da condenação ou
da quantia acordada não haja sido paga pelo tomador”. Demais disso, tal ato normativo
define segurado como o “potencial credor de obrigação pecuniária ´sub judice´” e o tomador
como “potencial devedor que deve prestar garantia em controvérsia submetida à decisão
do Poder Judiciário”.

89
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Conforme afirma João Gilberto Possiedi,4 sob o prisma do segurado, a admis-


sibilidade de tal espécie de seguro revelaria, igualmente, inúmeras vantagens, na
medida em que “elimina os riscos de depreciação do bem, do depositário infiel
e de problemas processuais na execução e no leilão”.
Contudo, o Poder Judiciário resiste em chancelar essa espécie de contrato
securitário, especialmente no que tange à sua aplicabilidade em sede de execução.
A título ilustrativo, seguem julgados cuja tônica é no sentido de rejeitar o seguro
garantia judicial como bem a ser penhorado:

(...), não se pode admitir a substituição da fiança bancária senão por pecúnia
ou por nova carta fidejussória, o que não ocorre aqui. Aliás, saliento que
a fiança caracteriza-se por uma obrigação pessoal incondicionada enquanto o
contrato de seguro pressupõe o pagamento de um prêmio que pode ser frustrado
caso a contratante não cumpra com a contraprestação exigida pela segurado-
ra, circunstância que, ao menos em sede de summaria cognitio parece infirmar
sua liquidez.  (TRF – Proc. nº. 2003.03.00.075929-5; Trechos do voto do Des.
Johnson di Salvo; Primeira Turma. Grifou-se).  
Constitucional e tributário. Agravo de instrumento. Substituição de penho-
ra em execução fiscal. Centrais telefônicas por seguro garantia judicial.
Descabimento. Depósito integral do quantum devido em dinheiro (art. 151, II,
do CTN e Súmula 112 do STJ). Inocorrência. Não concordância da parte credora
(Lei nº 6.830/80). Portaria nº 232 da Susep. Norma infralegal. Afronta ao
princípio da legalidade (art. 5º, II, Carta Magna). Pretende a empresa agravante
a substituição da penhora dos bens já oferecidos (doze centrais telefônicas de sua
propriedade, com 9.036 terminais instalados, no valor total de R$ 2.974.686,13),
em sede de execução fiscal promovida pelo INSS, relativo à Notificação Fiscal
de Lançamento de nº 35.138.944-0, nos autos originários, por Seguro Garantia
Judicial, no valor total de R$ 3.775.338,75 (três milhões, setecentos e setenta e
cinco mil, trezentos e trinta e oito reais e setenta e cinco centavos), atualizado
para o mês de maio de 2004, ao argumento de que tal seguro equivale a depósito
em dinheiro. A Carta Constitucional de 1988 consagrou no art. 5º, inciso II, o
princípio da legalidade, ao prever que ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Deste modo, não se pode impor
ao credor, ora agravado, que concorde com a substituição da penhora por apólice
de Seguro de Garantia Judicial ao argumento de que, de acordo com a Portaria
nº 232 da SUSEP (diploma infralegal), tal apólice se equipararia à realização de

4. João Gilberto Possiedi, presidente da J. Malucelli, líder nacional do segmento seguro garantia,
em entrevista publicada no “Jornal dos Corretores de Seguros”, em março de 2003.

90
ELSEVIER V I I I – CONSIDER AÇÕE S A R E SPEI T O DA AC EI TAÇ ÃO DO S EGURO G A R A N T IA ...

depósito em dinheiro, quando inexiste lei disciplinando a matéria.  Constituindo


a contribuição previdenciária espécie do gênero tributo, é necessário, para que haja
a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o depósito integral do quantum
devido em dinheiro, conforme  preceitua o art. 151, II, do CTN e a Súmula 112
do egrégio STJ, o que inocorreu in casu. Agravo de Instrumento conhecido, mas
improvido. (TRF – Ag. Instrumento nº 59.267-PB; Rel. Des. Federal Frederico
Azevedo; Primeira Reg.; j. 19/01/2006; v.u. Grifou-se).  

A análise das duas ementas acima revela que a resistência à aceitação do seguro
garantia judicial está centrada em dois argumentos principais, quais sejam:
(i) O contrato de seguro pressupõe o pagamento de um prêmio que pode
ser frustrado caso o tomador não cumpra com a sua obrigação.
(ii) Não se pode impor ao credor (segurado) que concorde com a substitui-
ção da penhora por apólice de seguro garantia judicial eis que inexiste
dispositivo na legislação processual civil disciplinando essa exigência.
Por outro lado, convém observar o raciocínio exposto no julgado abaixo, em
prol da aceitação do contrato de seguro garantia judicial:

Execução fiscal. Indicação à penhora de seguro-garantia. Título que garante os


interesses da exequente, observando o comando do art. 620, do CPC. Em pri-
meiro lugar, o seguro-garantia contratado pela agravante, segundo os ditames da
Circular Susep nº 232/2003, tem o mesmo efeito de uma fiança bancária. E esta
tem o mesmo status de dinheiro, a teor do art. 15, inciso I, da Lei nº 6.830/1980.
(art. 15, inc. II, da LEF)”. (TJMG – Agravo 1.0287.04.016789-5/001; Rel. Des.
Brandão Teixeira; DJU 18/11/2005).

Trilhando pelo caminho da aceitação do seguro garantia judicial, a decisão


em tela se encontra alinhada ao que dispõe o art. 620 do CPC – princípio da
menor onerosidade possível para o devedor – assim como traça uma analogia
entre o seguro garantia e a carta de fiança bancária, equipando-a a dinheiro em
espécie, por força do que dispõe o art. 15, inc. II, da Lei de Execuções Fiscais.
Apresentados esses argumentos, notam-se algumas questões que, com vistas
ao amadurecimento da aceitação do seguro garantia judicial em âmbito juris-
prudencial, deverão ser equacionadas. São elas:

(i) A indicação do seguro garantia judicial à penhora, em sede de processo


executivo, iria ao encontro do princípio da menor onerosidade possível
para o executado?

91
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

(ii) O argumento relacionado à fragilidade do seguro garantia judicial ante


à possibilidade de que o tomador venha a recair em mora, deixando de
pagar o prêmio, seria sustentável?
(iii) O princípio da legalidade seria contrariado caso se impusesse ao credor
a aceitação do seguro garantia judicial?
(iv) Seria admissível a equiparação entre a fiança bancária e seguro garantia
judicial, tendo em vista o teor do art. 15, inc. II, da Lei de Execuções
Fiscais?

1. Respostas
Respondendo à primeira questão suscitada na presente exposição – a indica-
ção do seguro garantia judicial à penhora, em sede de processo executivo, iria ao
encontro do princípio da menor onerosidade possível para o executado? – não
resta dúvida de que o prêmio a ser desembolsado pelo tomador representa quantia
inferior à devida por força da obtenção de uma carta de fiança bancária.5
Com relação ao desembolso de quantia em espécie, não há dúvida, também,
de que o custo a este relacionado, que obriga o executado a alijar-se de vultosas
quantias, dependendo do caso concreto, é infinitamente superior ao valor do
prêmio a ser recolhido no contrato de seguro garantia judicial.
Nessa linha, soa bem claro que a aceitação do seguro garantia judicial como
bem a ser penhorado representa uma alternativa saudável sob a perspectiva
econômico-financeira tanto para o credor quanto para o devedor, sobretudo
considerando a desnecessidade de se desembolsar, à vista, em espécie, vultosas
quantias e, além disso, o elevado custo inerente à obtenção da carta de fiança
bancária.
No que toca à segunda questão – fragilidade do seguro garantia judicial
ante à possibilidade de que o tomador venha a recair em mora, deixando
de pagar o prêmio – a espécie seguro garantia judicial detém característica que
a difere dos contratos de seguro em geral (gênero).
O principal traço distintivo entre o seguro garantia judicial e as demais
modalidades de contratação de seguro consiste no seguinte: caso o tomador
venha a recair em mora, isto é, deixe de arcar com o pagamento do prêmio, o
segurador não poderá, à revelia do segurado, rescindir o contrato e liberar-se da
obrigação de pagar o capital segurado caso ocorra o sinistro. A sistemática dos
contratos de seguro em geral, conforme disciplina o art. 763 do Código Civil, é
que o não pagamento do prêmio implica suspensão de cobertura e, além disso,

5. Fonte: www.statusnacional.com.br. Acesso em 13/01/2011. A tabela comparativa entre o preço


dos produtos encontra-se no anexo.

92
ELSEVIER V I I I – CONSIDER AÇÕE S A R E SPEI T O DA AC EI TAÇ ÃO DO S EGURO G A R A N T IA ...

não será devido o pagamento da soma segurada caso o sinistro ocorra antes da
purgação da mora.
Corroborando essa assertiva, Gladimir Adriani Poletto6 afirma:

(...) o não pagamento do prêmio no contrato de seguro garantia não prejudica


o direito do segurado, pois a apólice não poderá ser cancelada por tal motivo.
Cumpre a seguradora, neste caso, cobrar o valor do respectivo prêmio diretamente
do tomador, sem qualquer prejuízo ao segurado.

E, nesse sentido, é oportuno citar o item 4.2 das condições tarifárias da


Circular Susep 232, de 2003, in verbis: “Fica entendido e acordado que a Apólice
continuará em vigor, mesmo quando o Tomador não houver pago o prêmio nas
datas convencionadas”.
Conclui-se, pois, que a eventual mora do tomador não poderá ter como
consequência a negativa de cobertura por parte do segurador.
No que concerne à terceira questão – o princípio da legalidade seria con-
trariado caso se impusesse ao credor a aceitação do seguro garantia judicial?
– a resposta afirmativa não mais se impõe.
De fato, quando a única norma que sustentava a aceitação do seguro garantia
judicial como bem passível de constrição judicial era Circular emanada da Susep,
sob a perspectiva da hierarquia das leis não havia como compará-la à legislação
ordinária federal, qual seja, o Código de Processo Civil.
É bem verdade que, segundo dispõe a Circular nº 232/2003, “este seguro
garante o pagamento de valor correspondente aos depósitos em juízo que o
tomador necessite realizar no trâmite dos procedimentos judiciais”. Entretanto, a
imposição da aceitação de tal espécie de cobertura ao Exequente constitui-se em
inovação legislativa e “só o Poder Legislativo pode criar regras que contenham,
originariamente, novidade modificativa de ordem jurídico-formal”.7
A atividade normativa da Susep, enquanto entidade autárquica,8 há de se
limitar aos comandos do Decreto-Lei nº 73/1966, segundo o qual lhe é permitido
unicamente “baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação
das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP”, não lhe sendo
facultado, portanto, legislar sobre Direito Processual Civil, até porque nem
poderia fazê-lo, posto que tal mister é afeto à esfera de competências exclusivas
da União Federal – art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

6. Gladimir Adriani Poletto. O Seguro Garantia: em busca de sua natureza jurídica. 2003. p. 50.
7. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2005. p. 420.
8. Trecho do art. 35 do Decreto Lei nº 73/1966.

93
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

No entanto, com a sanção da Lei Ordinária nº 11.382, de 07/12/2006, esse


contexto foi sensivelmente alterado a partir da introdução do § 2º ao art. 656
do CPC, cujo teor é autoexplicativo:

Art. 656.  A parte poderá requerer a substituição da penhora:


I – se não obedecer à ordem legal;
II – se não incidir sobre os bens designados em lei, contrato ou ato judicial para o
pagamento;
III – se, havendo bens no foro da execução, outros houverem sido penhorados;
IV – se, havendo bens livres, a penhora houver recaído sobre bens já penhorados ou
objeto de gravame;
V – se incidir sobre bens de baixa liquidez;
VI – se fracassar a tentativa de alienação judicial do bem; ou
VII – se o devedor não indicar o valor dos bens ou omitir qualquer das indicações a
que se referem os incisos I a IV do parágrafo único do art. 668 desta Lei.
§ 1º É dever do executado (art. 600), no prazo fixado pelo juiz, indicar onde se
encontram os bens sujeitos à execução, exibir a prova de sua propriedade e, se for o
caso, certidão negativa de ônus, bem como abster-se de qualquer atitude que dificulte
ou embarace a realização da penhora (art. 14, parágrafo único).
§ 2 º  A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia
judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30%
(trinta por cento).
§ 3 º  O executado somente poderá oferecer bem imóvel em substituição caso o requeira
com a expressa anuência do cônjuge. (Grifou-se).

Nessa linha de raciocínio, havendo expressa previsão legal à aceitação do


seguro garantia judicial como bem passível de penhora, nota-se que não mais
subsiste o argumento que lhe é contrário, calcado em ofensa ao princípio da
legalidade. A partir disso, sob a óptica legal deixam de existir empecilhos à
utilização e aceitação do seguro garantia judicial no âmbito do Poder Judiciário.
No que se refere à quarta questão – sob o prisma do art. 15, inciso II, da
Lei de Execuções Fiscais, a carta de fiança bancária e o seguro garantia
judicial seriam equiparáveis? – cumpre apresentar as considerações a seguir.
O referido dispositivo da Lei de Execuções Fiscais permite que “em qual-
quer fase do processo, será deferida pelo Juiz: ao executado, a substituição da
penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária”.9 No entanto, tal diploma
não estabelece, expressamente, equiparação entre a fiança bancária e o seguro

9. Vide art. 15, II, Lei nº 6.830/1980.

94
ELSEVIER V I I I – CONSIDER AÇÕE S A R E SPEI T O DA AC EI TAÇ ÃO DO S EGURO G A R A N T IA ...

garantia judicial, razão pela qual não é possível impor ao Exequente a aceitação
de tal substituição, sob pena, novamente, configurar-se ofensa ao princípio da
legalidade.
Mesmo assim, o que importa notar com relação à substituição da penhora
em dinheiro por carta de fiança bancária é que a Lei de Execuções Fiscais, em
comparação ao Código de Processo Civil, é realmente muito mais flexível, já
que este não admite a substituição em referência.
Nessa linha, sendo notórias as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo,
e, havendo previsão na Lei de Execuções Fiscais a respeito da equiparação do
depósito em dinheiro à carta de fiança bancária, não se consegue compreender
o motivo pelo qual o Código de Processo Civil ainda não albergou dispositivo
com o mesmo teor.
Assim sendo, é de se concluir que a aceitação do seguro garantia judicial
como instrumento substitutivo da penhora em sede de execução fiscal enfrenta
menores óbices do que ocorre em relação ao procedimento padrão de execução
por quantia certa, posto que a Lei Processual Civil revela-se bem mais rígida
quanto ao tema do que a própria Lei de Execuções Fiscais.
À luz do que se comentou em relação à modificação introduzida no art. 656
do CPC, percebe-se que a sistemática relacionada à Lei de Execuções Fiscais
também deverá seguir o mesmo caminho trilhado no âmbito da execução civil.
Por fim, é oportuno salientar que ainda tramita no Congresso Nacional
projeto de lei cujo escopo é o de justamente viabilizar ainda mais a utilização
do seguro garantia judicial.
O Projeto de Lei nº 543/1999,10 de autoria do Senador Edison Lobão (SF,
PLS 00543/1999), revela alcance amplo, posto que, pretendendo dispor sobre
o seguro garantia, de aplicação no âmbito da União, Estados, Distrito Federal
e dos Municípios, propõe, dentre outras, as seguintes alterações:

Projeto de Lei 543, de 1999. Ementa: Dispõe sobre o Seguro Garantia e dá


outras providências. Outros Números: SF PLS 00543 1999. Autor: Edison Lobão.
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o Seguro Garantia, de aplicação no âmbito da
União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios. (...) Art. 4 º O Seguro Garantia
constitui modalidade de caução que poderá ser prestada na forma do art. 827 do
Código de Processo Civil. Art. 5º O devedor solvente, contra quem ocorra execu-
ção por quantia certa, poderá, quando citado na forma do art. 652 do Código de

10. O referido Projeto de Lei foi remetido à Câmara dos Deputados, em 05/12/2005, para os fins de
revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal e ainda se encontra em tramitação, conforme
informado pela Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal em 13/01/2011. Informações disponíveis
em www.senado.gov.br/atividade.

95
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Processo Civil, oferecer Seguro Garantia, alternativamente, à paga ou à nomeação


de bens á penhora. Parágrafo Único. O Seguro Garantia poderá ser oferecido
pelo executado como garantia de execução de dívida ativa da Fazenda Pública,
observados, neste caso, o disposto nos arts. 9º e 15 da Lei 6.830, de 22/09/1980
(...) Art. 7º Em qualquer caso, a mora ou o inadimplemento do prêmio, não
prejudica os direitos do segurado. Parágrafo Único: Nas hipóteses de mora ou
inadimplemento do prêmio, o segurador poderá exigir seu crédito por cobrança
do título ou via executiva. (...).

Portanto, ainda não estando incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro


as inovações acima mencionadas, entende-se pela impossibilidade de que sejam
equiparados o seguro garantia judicial e a carta de fiança bancária para os fins
previstos no art. 15, inciso II, da Lei de Execuções Fiscais.

2. Considerações finais
O presente artigo objetivou esclarecer, ainda que de maneira resumida, as
principais características do seguro garantia judicial, além de ter abordado
quais são os principais obstáculos encontrados pela jurisprudência para a sua
utilização.
Demonstrou-se que a contratação de seguro garantia judicial representa
ônus econômico-financeiro de menor escala para o tomador em comparação à
obtenção de carta-fiança bancária, o que vai ao encontro do princípio da menor
onerosidade para o executado, previsto no art. 620 do CPC.
Revelou-se, também, que a possibilidade de que o tomador venha a deixar
de pagar o prêmio não terá como consequência a negativa de cobertura em
relação ao segurado, cabendo ao segurador resolver a questão concernente à
impontualidade com o próprio tomador.
Considerando a legislação processual civil atualmente em vigor, não há qual-
quer restrição à aceitação pelo executado do seguro garantia judicial em subs-
tituição a outros bens penhorados, a partir do advento da Lei nº 11.382/2006.
Demonstrou-se que não seria admissível a equiparação entre a fiança bancária
e seguro garantia judicial, tendo em vista o expresso teor do art. 15, inciso II, da
Lei de Execuções Fiscais, não obstante encontrar-se delineado caminho rumo à
sua aceitação também em sede de executivos fiscais.
Por derradeiro, foram apresentados comentários relacionados ao Projeto de
Lei 543/1999 – em tramitação no Congresso Nacional, cuja aprovação, caso
venha a ocorrer, representará avanço ainda maior na utilização do seguro garantia
judicial como instrumento substitutivo de penhora em espécie.

96
ELSEVIER V I I I – CONSIDER AÇÕE S A R E SPEI T O DA AC EI TAÇ ÃO DO S EGURO G A R A N T IA ...

Referências
POLETTO, Gladimir Adriani O Seguro Garantia: em busca de sua natureza jurídica. Rio
de Janeiro: Funenseg, 2003.
______ . A regulamentação do seguro-garantia judicial.    In:  Valor Econômico.    São
Paulo, 18/09/2003.  x.  Pasta nº 1, Doc. 23 Extraído do Clipping Capitólio de Seguros
de 18/09/2003
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.

Anexo
VANTAGENS DO SEGURO GARANTIA EM RELAÇÃO À FIANÇA
BANCÁRIA, TÍTULO PÚBLICO E CAUÇÃO EM DINHEIRO

CARACTERÍSTICAS SEGURO FIANÇA TÍTULO CAUÇÃO EM


GARANTIA BANCÁRIA PÚBLICO DINHEIRO

CUSTO PERCENTUAL DA APÓLICE De 0,45% De 3,0% A Inflação A Inflação


a 4,0% a.a. a 12,0% a.a.

CADASTRAMENTO NO IRB Sim Não Não Não

CADASTRO BANCÁRIO Não Sim Não Não

LIMITAÇÃO DO CRÉDITO Não Sim Não Não


BANCÁRIO

AGILIDADE NA EMISSÃO Alta Média Baixa Alta

IMOBILIZAÇÃO DO CAPITAL Não Sim Sim Sim

QUANTIDADE DE Média Alta Baixa Baixa


DOCUMENTOS EXIGIDOS

BUROCRACIA ADMINISTRATIVA Média Alta Alta Baixa

OBRIGAÇÃO DE FAZER Alta Baixa Baixa Baixa


CUMPRIR O CONTRATO

QUEM GARANTE A INDENIZAÇÃO Seguradora/IRB/ Somente Governo O Capital


Resseguradoras o Banco

GESTOR Seguradora Gerente do Corretora Órgão


Banco de Valores Público

ESPECIALIZAÇÃO DO GESTOR Alta Média Nenhuma Nenhuma

QUALIDADE DO Alta Média Baixa Baixa


ASSESSORAMENTO

97
IX
Uma visão realista da boa-fé
no contrato de seguro 1

N ão se controverte quanto à importância da boa-fé no contrato de


seguro. Seja sob a perspectiva de sua formação, execução ou até
mesmo posteriormente a esta,2 a boa-fé exerce função relevante no
relacionamento existente entre o segurado e o segurador, já que é com
base nas informações prestadas por aquele que este cotará o risco que,
caso seja comercialmente interessante, será subscrito, rendendo ensejo à
formação dessa espécie contratual.
Justamente por isso, as informações prestadas pelo proponente deve-
rão ser transparentes, claras, a fim de que o segurador, após celebrado
o contrato, não venha a ser surpreendido em razão de dados que, caso
lhe tivessem sido oportunamente informados, repercutiriam, eventual-
mente, ou na não realização do negócio, ou na cotação de um prêmio
em patamares diferenciados.

1. Este artigo é apresentado ao final também em inglês.


2. Regis Fichtner Pereira, acerca do tema, destaca: “O princípio da boa-fé poderá também
ser aplicado para além do que a lei ou o contrato estabelecem, modificando em parte o
sentido que resultaria da interpretação da norma legal ou contratual, considerada em
abstrato, ou suprindo lacunas. A função do princípio da boa-fé, nesses casos será a de criar
para as partes de um contrato outros deveres, além daqueles que se encontram nele expressos
e que constituem o seu objeto principal. (...) Esses deveres secundários se destinam a criar
para ambas as partes da relação jurídica um determinado padrão de comportamento, cujo
conteúdo objetivará, por vezes, evitar que a outra parte sofra um prejuízo, outras vezes
exigir uma atitude de cooperação, para que a outra parte alcance em toda a sua plenitude a
finalidade prevista no contrato. Os principais deveres instrumentais decorrentes da boa-fé
objetiva consistem em deveres de correção, deveres de cuidado e segurança, deveres de
informação, deveres de prestar contas, deveres de cooperação e deveres de sigilo”. (Regis
Fichtner Pereira. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. 2001. p. 81)

99
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Com relação às perguntas formuladas pelo segurador, estas, por seu turno,
também deverão ser claras, de fácil compreensão, justamente a fim de evitar
divergências de interpretação quanto à informação pretendida.
Até aqui, nenhuma novidade.
O problema surge a partir do momento em que interpretações distorcidas
vêm diminuindo a importância e o significado que a boa-fé deve ter no seio da
formação de um contrato de seguro.
Com o pretenso propósito de proteger o segurado, parte teoricamente
hipossuficiente em cotejo com o segurador, infelizmente não têm sido pou-
cas as decisões que temperam a boa-fé de maneira muito branda, quase que
desinfluente à formação desse ajuste, o que culmina com a obrigação de que o
segurador tenha que arcar com o pagamento do capital segurado mesmo em
hipóteses nas quais, evidentemente, o segurado tenha deixado de agir com a
necessária boa-fé.3
Não se pretende escrever de maneira tendenciosa a nenhuma das partes que
formam a relação jurídico-securitária. Pretende-se, apenas, enxergar de maneira
realista, livre de quaisquer visões preconcebidas, qual será a consequência, a
médio ou longo prazo, de cada vez mais mitigar a importância da boa-fé no
contrato de seguro. Este é o objetivo que se pretende alcançar.
Por que a boa-fé é tão importante no contrato de seguro?
Anteriormente à celebração de qualquer contrato dessa natureza, o prepo-
nente presta informações referentes ao seu perfil ou à sua atividade profissional
ao segurador, a fim de que este possa analisar o risco que subscreverá caso se
interesse pelo negócio em exame.
Essas informações constituem o único alicerce sobre o qual o segurador
realizará a sua análise, favoravelmente ou não à celebração do contrato.
Por isso, não importando o ramo do seguro que se esteja analisando (vida,
saúde, automóvel, residencial, acidentes pessoais ou responsabilidade civil),
as informações prestadas pelo segurado ganham grande relevância já que é

3. Seguro. Saúde. Contrato de Adesão. Cobertura dos Riscos Assumidos. Recurso Especial. Matéria de
Prova. Interpretação de Cláusulas Contratuais. Abusividade reconhecida pelas instâncias ordinárias.
Incidência do enunciado das súmulas 5 e 7 do STJ. Agravo interno improvido. I – A empresa que
explora plano de seguro-saúde e recebe contribuições de associado sem submetê-lo a exame, não
pode escusar-se ao pagamento da sua contraprestação, alegando omissão ou má-fé nas informações
do segurado. II – Contratos de seguro médico, porque de adesão, devem ser interpretados em favor
do consumidor. III – Análise de matéria de prova e interpretação de cláusulas contratuais refogem
ao âmbito do recurso especial, por expressa vedação dos enunciados 5 e 7 das Súmulas desta Corte.
Agravo improvido. (AgRg no Ag 311.830/SP; Min. Castro Filho; Terceira Turma; DJ 01/04/2002.
No mesmo sentido os seguintes acórdãos: REsp. 86095-SP ; REsp. 244841-SP; REsp. 229078-SP;
REsp. 272830-SE; REsp. 198015-GO).

100
ELSEVIER I X – U M A V I S Ã O R E A L I S TA D A B O A - F É N O C O N T R AT O D E S E G U R O

justamente com base nestas que será cotado o risco e calculado o prêmio a ser
pago ou, ainda, será recusada a proposta.4
A fim de tornar fácil a compreensão do motivo pelo qual essas informações
são realmente muito importantes, nada melhor do que observar alguns simples
exemplos.
O primeiro deles pode ser colhido no seguro automóvel. O questionário
usualmente utilizado para esta espécie de seguro traz questões relacionadas ao
condutor, à utilização do veículo (comercial ou apenas para passeio), à guarda
do veículo (garagem ou estacionamento na rua), à existência de alarme, à qui-
lometragem anual, entre outras.
O preponente, ao responder a essas questões, suponha-se que tenha informado
que seu veículo é guiado por pessoa com 60 (sessenta) anos de idade (reconhe-
cidamente mais prudente do que um jovem de 18 anos, recém-habilitado);
a utilização do veículo seria exclusivamente para passeio; a guarda seria feita
integralmente em garagem monitorada e vigiada; o veículo dispõe de alarme; a
quilometragem anual seria de 10 mil km.
Apenas com base nessas informações é que o segurador avaliará o risco a que
estaria sujeito e, consequentemente, o prêmio a ser pago pelo segurado.
Subscrito o risco e encaminhadas as boletas para pagamento do prêmio,
suponha-se que 6 (seis) meses após o início da vigência tenha ocorrido sinistro
com perda total do veículo. Os documentos são encaminhados à seguradora que,
por imposição legal – Circular Susep nº 256, de 16/06/2004, art. 33,5 regulará
o sinistro a fim de identificar se há ou não cobertura técnica.
Quando da regulação do sinistro, a seguradora conclui, divergindo totalmente
das informações originalmente prestadas pelo preponente, o seguinte: o condutor
do veículo tem 18 (dezoito) anos; a utilização do veículo é comercial; o veículo
fica estacionado na via pública; não há alarme disponível; quilometragem anual
de 30 mil km.
Numa hipótese como essa, pergunta-se: as informações prestadas pelo pre-
ponente foram carreadas de boa-fé? Seria aplicável a sanção prevista no art. 766
do CC – perda da garantia securitária?
Adentrando na questão concernente à verificação das informações prestadas
pelo preponente, haveria condições de uma seguradora contratar investigadores

4. Circular Susep nº 251, de 15/04/2004. (...) Art. 2º A sociedade seguradora terá o prazo de 15
(quinze) dias para manifestar-se sobre a proposta, contados a partir da data de seu recebimento, seja
para seguros novos ou renovações, bem como para alterações que impliquem modificação do risco.
5. Circular Susep nº 256, de 16/06/2004. (...) Art. 33. Deverão ser informados os procedimentos para
liquidação de sinistros, com especificação dos documentos básicos previstos a serem apresentados
para cada tipo de cobertura, facultando-se às sociedades seguradoras, no caso de dúvida fundada e
justificável, a solicitação de outros documentos.

101
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

para analisar, uma a uma, todas as informações prestadas pelos milhares de


preponentes que batem às suas portas todos os dias? Seria razoável contratar
um investigador para cada possível contrato a ser celebrado? No presente caso
hipotético, o investigador deveria ficar de tocaia fotografando o veículo, a fim
de constatar que o mesmo teria utilização comercial e não residencial? Deveria
checar uma vez por ano a quilometragem, a fim de saber se os 10 mil km anuais
estariam sendo observados? Além disso, deveria, também, investigar a idade do
condutor? Quantas diligências seriam necessárias para que pudesse ser celebrado
um simples contrato de seguro automóvel? E todos os custos atrelados a essas
exigências? Correriam por conta da seguradora? Multipliquem-se os custos
de um contrato por milhares, talvez milhões de contratos, o que é comum
num país de 170 milhões de habitantes, como é o Brasil. Haveria viabilidade
econômico-financeira na continuidade desse negócio – seguro automóvel – ou,
ao contrário, essa espécie de contrato se tornaria privilégio de uma elite abastada
e realmente muito restrita? Nessa ótica, teoricamente protecionista aos interesses
do segurado, seria atendida a finalidade social a que se destina o seguro, qual
seja, distribuir perdas entre o maior número possível de pessoas, a fim de que
cada cidadão, isoladamente, seja menos prejudicado por força do imprevisível?
É importante refletir a respeito de todos estes aspectos antes de chegar a uma
conclusão sensata. Proferir um acórdão e, simploriamente, transferir todos os
ônus do negócio ao segurador, como se todos estes pudessem ser absorvidos sem
quaisquer consequências, não soa tecnicamente adequado.
Ainda no campo dos exemplos, considere-se o seguro de saúde ou o de vida.
Da mesma maneira que se procede com relação ao seguro automóvel, o segu-
rador envia ao preponente um questionário, no qual formula perguntas afetas
ao estado de saúde do mesmo. Nesse formulário, o preponente deve responder
afirmativamente às doenças que contraiu e que, logicamente, sejam do seu
conhecimento e, negativamente, caso seja perfeitamente saudável.
Note-se, aqui, que não se trata de discutir o conhecimento de uma doença
que ainda não se tenha manifestado e que, portanto, não seja do conhecimento
do preponente. Nessa situação hipotética, se o preponente não sabe que contraiu
a doença, não lhe seria exigível informá-la à seguradora. Questão de lógica, de
bom senso.
A situação que se deseja retratar é outra, em que o preponente sabe ser por-
tador de determinada moléstia e que, mesmo assim, ao ser indagado através do
referido questionário, insiste em sua negativa, ludibriando o segurador.
Tempos depois, já com o respectivo contrato de seguro vigendo, o segu-
rado adoece em razão daquela antiga moléstia que, convém frisar, era do seu

102
ELSEVIER I X – U M A V I S Ã O R E A L I S TA D A B O A - F É N O C O N T R AT O D E S E G U R O

conhecimento, mas, por motivos que a seguradora desconhece, deixaram de


lhe ser informadas.
Imagine-se que sobrevenha a morte do segurado, o que faria com que seus
beneficiários (seguro de vida), em regra, tivessem direito à percepção do capital
segurado. A seguradora, diante do aviso de sinistro, o regula e conclui que aquele
falecido segurado omitiu a mencionada doença quando do preenchimento da
proposta, o que motiva a aplicação da sanção prevista no art. 766 do Código
Civil, em razão do que determina o art. 765 do mesmo Código.
À luz desses fatos, o segurador estaria obrigado a pagar o capital segurado?
Com a flagrante omissão de informações por parte do preponente, que, repita-se,
sabia da doença que o acometia e, propositadamente, deixou de informá-la, o
que motivou a contratação desse seguro em condições irreais, caso se considere
o verdadeiro estado de saúde do mesmo, seria ilegal a aplicação da sanção con-
sistente da perda da garantia securitária?
O simples fato de o segurador ter recebido prêmio sem ter submetido o
preponente a um exame médico seria suficiente, por si só, para forçar a perfeita
eficácia do contrato de seguro, independentemente de eventual má-fé do segu-
rado, descoberta posteriormente?
Observe-se que os dois exemplos acima não têm absolutamente nada de fan-
tasiosos. Hipóteses como as ora retratadas ocorrem com frequência e, justamente
por isso, merecem atenção dedicada, a fim de evitar que, em hipóteses nas quais
haja clara má-fé dos segurados, os seguradores sejam compelidos a arcar com
pagamentos evidentemente indevidos.
O último exemplo que se deseja cotejar está relacionado ao seguro de res-
ponsabilidade civil.
Da mesmíssima forma que se procede com os outros ramos do seguro –
automóvel, vida e saúde –, o preponente também preenche um questionário,
relacionado ao seu perfil, à sua vida pregressa e às suas atividades profissionais.
Suponha-se, a título exemplificativo, um contrato de seguro de responsabi-
lidade civil para escritórios de advocacia ou para médicos.
Ao pretender a contratação desse produto, o escritório ou o médico procuram
um segurador que, por sua vez, disponibiliza um questionário a ser preenchido
com a mais estrita boa-fé.
Nesse questionário, são apresentadas perguntas relacionadas à atividade pro-
fissional do escritório e do médico. O segurador, evidentemente, precisa saber
se se trata de um escritório ou de um médico diligente. Precisa ter informações
referentes a reclamações apresentadas pelos clientes do escritório (pacientes
do médico), em razão, por exemplo, da perda de prazos, deserção de recursos,

103
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

mau atendimento, desídia etc. (tratamentos inadequados, cirurgias mal feitas,


diagnósticos equivocados etc.).
O escritório (o médico), com a mais estrita boa-fé, deve apresentar todas as
respostas ao segurador. Caso tenha conhecimento de alguma reclamação, deverá
informá-la. Imagine, por hipótese, que essa reclamação tenha ganhado peso e,
assim, tenha se transformado numa ação em juízo, questionando a conduta do
escritório (do médico). Obviamente essa ação judicial e a respectiva reclamação
também deverão ser noticiadas. Imagine-se que, também por hipótese, esse
escritório de advocacia tenha em seus quadros advogado sofrendo representação
perante o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil,
em razão de conduta ilegal adotada num determinado processo. Claro que essa
informação também deverá ser noticiada ao segurador (o mesmo com relação à
eventual processo administrativo que tramite no Conselho Regional ou Federal
de Medicina).
O motivo pelo qual essas informações deverão ser prestadas à seguradora,
todas relativas a acontecimentos, já foi explicado. Um escritório de advocacia ou
um médico, que tenham sido processados por diversos clientes ou pacientes, que
questionam a conduta dos mesmos, deverão ter uma cotação de risco totalmente
diferenciada de outro escritório ou médico que não tenham sido processados.
Voltando ao exemplo, o escritório ou o médico interessado informam à segu-
radora que jamais tiveram qualquer tipo de reclamação, mesmo tendo sido cita-
dos, há pouco mais de um ano, em ação judicial proposta por cliente (paciente)
que requer determinada indenização.
O segurador, com boa-fé, acredita no que foi informado acerca de todas as
suas indagações pelo preponente e celebra o contrato. Pouco mais de seis meses
após iniciada a vigência, o segurado procura a seguradora, visando avisá-la de um
sinistro ocorrido naquele período de três anos que antecedeu o preenchimento da
proposta. O escritório (médico) segurado afirma que a cobertura securitária lhe é
devida porque ação não é sinônimo de reclamação, que as perguntas constantes
do questionário são relativas ao futuro e não aos acontecimentos (como dito,
passados) e a seguradora vê-se obrigada a regular o sinistro.
Nessa ocasião, constata-se, irrefutavelmente, que o escritório (médico) tinha
expresso conhecimento da ação judicial que já havia sido proposta, com cum-
primento de citação por oficial de justiça e outorga de poderes a advogados
incumbidos de defendê-lo, em suma, há prova concreta de que o segurado omitiu
informações relevantes à cotação do risco e, consequentemente, do prêmio.
Nessa situação hipotética, o segurado teria direito à indenização? Mesmo
diante de incontestável omissão de informações relevantes à cotação do risco e
do prêmio, a cobertura securitária seria exigível?

104
ELSEVIER I X – U M A V I S Ã O R E A L I S TA D A B O A - F É N O C O N T R AT O D E S E G U R O

Em razão de ter confiado nas informações que lhe foram prestadas, sob o
manto da mais estrita boa-fé e, assim, ter anuído com a celebração do contrato
e, consequentemente, recebido o prêmio, seria coerente interpretação no sentido
de que o segurado não deverá ser sancionado em razão de sua conduta omissiva?
O recebimento do prêmio, por si só, importaria numa compulsória assunção
de todos os riscos do negócio, independentemente das informações prestadas
pelo segurado? A partir do que dispõem os arts. 765 e 766 do CCB, poder-se-ia
cogitar dessa perigosa relativização da boa-fé no contrato de seguro?
Como foi anteriormente colocado, é preciso refletir com muito cuidado.
Para responder de maneira adequada a essas instigantes indagações, nada
melhor do que recorrer à doutrina, iniciando com as palavras de Sérgio Cavalieri:6

Se o seguro é uma operação de massa, sempre realizada em escala comercial e


fundado no estrito equilíbrio da mutualidade; se não é possível discutir pre-
viamente as suas cláusulas, uniformemente estabelecidas nas condições gerais
da apólice; enfim, se o seguro, para atingir a sua finalidade social, tem que ser
rápido, eficiente, não podendo ficar na dependência de burocráticos processos de
fiscalização, nem de morosas pesquisas por parte das seguradoras, então, a sua
viabilidade depende da mais estrita boa-fé de ambas as partes. Se cada uma não
usar de veracidade, o seguro se torna impraticável.

Pedro Alvim:7

O contrato de seguro não é somente um contrato bonae fidei, mas de uberrimae


fidei. A celeridade da atividade econômica, incrementada pela rede de comuni-
cações introduzidas pelo progresso, não pode ficar na dependência de morosos
processos de fiscalização ou pesquisa por parte das seguradoras, às quais são
demandadas coberturas imediatas para vultosos e sofisticados riscos industriais
ou comerciais. Ou confiam nas declarações do segurado ou tornam difícil e
impraticável sua atividade.

E Rubén S. Stiglitz:8

Iniciadas las tratativas, las partes recíprocamente se deben dar noticia de todo dato
transcendente, pues aun el marco de la libertad contractual, la reticencia o la falsa
declaración desnaturaliza la autenticidad de la voluntad declarada, que debe ser

6. Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 2004. p. 428.


7. Pedro Alvim. O Contrato de Seguro. 1999. p. 131.
8. Rubén S. Stiglitz. Derecho de Seguros. 2004. p. 355.

105
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

expresada en consideración a las legítimas expectativas de los contratantes, operadas


en función de la confiabilidad que se dispensan.(...) La información suministrada con
reticencia o falsedad se traduce en una infracción al deber de comportarse de buena
fe, por lo que repercute sobre la validez del acto, si ha determinado el consentimiento.

Os três autores mencionados são unânimes em destacar a importância da boa-


-fé no contrato de seguro. Os motivos, consoante exposto, são de compreensão
muito tranquila. Ou os seguradores confiam nas informações que lhe são presta-
das pelos preponentes, ou, simplesmente, não mais serão celebrados os contratos.
Refletindo sob o prisma dos custos que seriam agregados a essa operação
caso fossem contratados investigadores para se certificarem a respeito de cada
informação prestada (aos milhares, talvez milhões de informações por dia), caso
sejam exigidos os mais completos exames médicos anteriormente à celebração de
cada contrato de seguro de vida/saúde, a fim de saber se as assertivas ventiladas
pelos preponentes são ou não verdadeiras, cujos custos, notoriamente, são eleva-
díssimos, fatalmente os preços dos prêmios praticados sofreriam uma majoração
impagável para a grande maioria da população, que é a real beneficiária dos
contratos de seguro de massa.
Ora, conforme se pontuou linhas acima, deve-se realmente ponderar se a
óptica teoricamente protecionista dos interesses dos segurados, que tem como
consequência condenações em hipóteses nas quais há clara má-fé dos segurados,
beneficiam ou prejudicam o grupo no qual está inserido esse segurado.
O raciocínio acerca do contrato de seguro não pode ser feito de maneira
individualizada. É preciso, sob a perspectiva da mutualidade, do grupo no qual
se inserem diversos segurados, ponderar a respeito dos impactos que uma conde-
nação indevida terá sobre os preços praticados em relação a toda essa coletividade.
Imaginando diversas condenações indevidas, fruto da mencionada interpre-
tação equivocada a respeito da boa-fé, os excessos decorrentes desses pagamentos
correrão às expensas dos seguradores que, por sua vez, para que possam diluí-los,
obviamente precisarão aumentar os valores dos prêmios praticados.
Lamentavelmente, trata-se de um círculo vicioso, que prejudica, em primeiro
lugar, os seguradores para, na sequência, prejudicar os segurados.
Demonstrou-se, dessa maneira, que essa relativização da boa-fé afigura-se
ruim para os próprios segurados. O simples fato de um segurador confiar nas
informações que lhe são prestadas e, a partir disso, celebrar um contrato, rece-
bendo, por conseguinte, o prêmio, não pode de maneira nenhuma representar
a inexistência do dever de que essas informações tenham sido transmitidas sob
a mais estrita boa-fé. Raciocinar em sentido contrário ao ora exposto afigura-se
totalmente contrário à essência do seguro.

106
ELSEVIER I X – U M A V I S Ã O R E A L I S TA D A B O A - F É N O C O N T R AT O D E S E G U R O

Juridicamente ilustrando a relevância da boa-fé, colheram-se alguns julgados


no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro que, por sua força, por seu senso de realidade, precisam ser destacados:

Seguro. Doença preexistente. Dissídio. Precedentes da Corte. 1. Afirmando o


Acórdão recorrido, expressamente, que a segurada sabia da doença e que
tinha se internado para tratamento, comprovando a má-fé, não há como
revolver a matéria de fato assim assentada, presente o óbice da Súmula nº 07
da Corte. 2. O dissídio não tem passagem quando os paradigmas não guardam
a mesma base fática do Acórdão recorrido. 3. Recurso especial não conhecido.
(STJ – REsp. 431715-PB; Rel. Min. Carlos Alberto M. Direito; Terceira Turma;
DJ 04/01/2002. Grifou-se).

Civil e processual. Seguro. Ação que postula cobertura indenizatória por morte
de segurado. Óbito ocorrido logo após a contratação. Má-fé reconhecida
pelas instâncias ordinárias. Omissão patente na declaração sobre o estado
de saúde. Internação anterior. Matéria de fato. Súmula nº 7-STJ. I. Patenteada a
deliberada omissão do segurado quanto à grande precariedade de seu estado
de saúde quando da contratação, ocorrendo o óbito poucos dias após, torna-
-se indevida a pretendida cobertura indenizatória, pelo reconhecimento da
má-fé. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”
– Súmula nº 7-STJ. III. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp. 617287/
PR; Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior; Quarta Turma; DJ 14/11/2005. Grifou-se).

Civil. Agravo regimental no recurso especial. Seguro de vida. Doença preexis-


tente. Sonegação de informação. Propósito deliberado de fraudar contrato.
Indenização indevida. 1. É indevido o pagamento de indenização decorrente
de contrato de seguro de vida se constatado que a parte segurada, ao firmar
o ajuste, agiu com o propósito deliberado de fraudar o contrato, sonegando
informações relevantes acerca de seu estado de saúde. Precedentes. 2. Agravo
regimental desprovido. (Ag. no REsp. 1003302/SP; Rel. Min. João Otávio de
Noronha; Quarta Turma; DJ 17/05/2010; v.u. Grifou-se).

Contrato de seguro de vida. Relação de consumo. Doença preexistente e objeto


de intervenção cirúrgica. Conhecimento do segurado. Omissão de informa-
ção e afirmações falsas. Relevância. Inexistência do dever de indenizar. Má-fé
do segurado. Em relação ao cerceamento de defesa, também não deve prosperar.
A prova é produzida para o juiz, que dispõe do discernimento de definir os cri-
térios que aplicará no deslinde da questão controvertida. Teses de apelação não

107
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

procedentes. Negado provimento ao recurso. (TJRJ – Ap. Cível 2004.001.37531;


Rel. Des. Antônio Saldanha Palheiro; 2ª Câmara Cível; j. 05/04/2005. Grifou-se.)

Havendo prova segura da omissão de informações relevantes por parte do


segurado e/ou de informações falsas, impõe-se a aplicação da sanção prevista
no art. 766 do Código Civil, sendo certo que essa representou e representa a
vontade do legislador.
É sob essa óptica realista, que empresta à boa-fé a sua real importância no que
tange ao contrato de seguro, que deverá ser trilhado um novo caminho, a fim de
que o comentado círculo vicioso possa ser substituído por um círculo virtuoso,
amparado por decisões judiciais que tenham por finalidades prestigiar a boa-fé,
sancionando eventual condutas que lhe sejam contrárias, o que, em larga escala,
terá como consequência a diminuição dos preços dos prêmios praticados, ante
à diminuição do número de condenações indevidas impostas aos seguradores.

Referências
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Malheiros,
2004.
PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.
STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. 4. ed. Buenos Aires: La Ley, 2004. Tomo I.

108
A realistic view of good faith
in insurance contracts

T here is no controversy about the importance of good faith in insu-


rance contracts.
Whether from a standpoint of their formation, performance or
afterward, good faith plays a relevant role in the relation between the
insured and insurer, because the information provided by the former is
the basis on which the latter will analyze the risk and if it is commercially
feasible, underwrite the insurance contract.
Precisely for this reason, the information provided by the applicant
must be transparent and clear, so that the insurer, after executing the
contract, will not be surprised by information that, if it had been cor-
rectly provided, might have affected the transaction or the setting of
the premium.
Regarding the questions formulated by the insurer, these also must
be clear and easy to understand, exactly to avoid different interpretations
about the information provided.
So far, there is nothing new.
The problem arises when distorced interpretations diminish the
importance of the meaning and significance that good faith must play
in forming insurance contracts.
With the intention of protecting the policyholder, theoretically the
weaker party, unfortunately it is not unusual to find decisions that ana-
lyze good faith very loosely, almost disregarding its importance in the
formation of the contract, which winds up with the insurer’s obligation

109
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

to pay the insured amount even in cases where the insured may have failed to
act with the necessary good faith.
The intention here is not to write tendentiously about either of the parties
to an insurance relationship. The intention is only to take a realistic view, free
of any preconceived notions, of the consequences in the medium and long term
of this increasing trend to diminish the importance of good faith in insurance
contracts.
Why is good faith so important in insurance contracts?
Before executing any contract of this nature, proponents must provide infor-
mation about their profiles or professional activities to the insurance company,
so that it can analyze the risk it will underwrite if it accepts.
This information is the only tangible way the insurer can analyze whether
or not to underwrite the policy. No matter type of insurance is involved (life,
health, car, residential, personal injury, or civil liability), the information pro-
vided by the insured has great relevance precisely because it serves to analyze
the risk and calculate the premium or to refuse the policy.
In order to facilitate understanding the relevance of providing accurate infor-
mation, some examples will be illustrative.
The first example comes from car insurance. The questionnaire usually
employed has questions about the driver, use of the vehicle (commercial or purely
personal), place where the car is kept (garage or street parking), existence of an
alarm, mileage, among others.
Supposing the potential policyholder answers that the car is driven by a 60
year old person (known to be more prudent than a youth of 18 year old who
has just received his license); the vehicle will be personally used; it will be kept
in a guarded garage; it has an alarm; and will be driven 7,000 miles a year.
Based only on this information, the insurer will analyze the risk and calculate
the premium.
Imagine one year later after accepting the risk there is a claim filed for total
loss of the vehicle. While adjusting the claim, the insurer finds out that the
information was totally incorrect: the driver was 18; used the car for business;
it was parked on the streets; had no alarm; and had been driven 25,000 miles.
In a case like this, the question naturally arrises: Was the information pro-
vided in good faith? Will the penalty contained in the Brazilian Civil Code
(loss of the coverage) be applicable?
Going further into the question of checking the information supplied by the
insured, does the insurer really have the means to hire people to investigate all
the information provided by the thousands of applicants for insurance every
day? Would it be reasonable to hire an investigator for each possible contract?

110
ELSEVIER A RE ALIS TIC VIEW OF GOOD FAITH IN INSUR ANCE CONTR AC T S

In this hypothetical case, the investigator would have had to stake out the car,
take photographs and gather other evidence to find out whether the car was
for commercial or personal use. Should the insurance company check the mile-
age every year to make sure the policyholder is telling the truth? What about
investigating the age of the driver? To what extent should the insurer go to
check the details given by the policyholder? What would be the costs of all these
measures? Multiply these costs per thousands, perhaps millions of contracts,
not unreasonable for a country with 170 million people like Brazil. Would car
insurance be financially viable or would it be restricted to a small elite? From
this viewpoint, teorically protecting the interests of the insured, would the social
purpose of insurance be met, namely to distribute losses among the greatest
number of people in order to protect each citizen from bearing the risk alone?
It’s important to think about all these aspects before reaching a suitable
conclusion. It seems technically inappropriate to issue a decision and simply
transfer the burdens of the transaction to the insurer, as if these burdens could
be absorbed without any consequences.
Consider now health or life insurance.
As mentioned before regarding car insurance, the insurer will also send a
questionnaire to the potential insured, asking questions related to his health
condition. The potential insured must answer telling the truth, reporting the
known diseases.
The discussion is not about a disease that has not yet become evident, so is
surely unknown. In this hypothetical situation, if the potential insured doesn’t
know about the disease, he would not be obligated to inform insurer about it.
This is only good sense.
The hypothesis to be discussed is quite different. Imagine the potential
insured knows about a serious disease that he is suffering while answering
the questionnaire. Instead of telling the truth, he insists on omitting this
information.
Then, after the insurer underwrites the policy, the insured gets sick because
of the disease.
Imagine the policyholder dies because of this disease. In a regular situation,
his beneficiaries would have a right to receive the indemnity. The insurance
company while adjusting the claim concludes that the insured omitted relevant
information and denies coverage (articles 766 and 765 of Brazilian Civil Code).
Analyzing these facts, would the insurer be obligated to pay the indemnity?
Considering the omitted information, would it be legal to deny the insurance
coverage?

111
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Suppose that the insurer does not submit the potential insured to a medical
exam and receives the premium, would this represent an obligation for this
party, even if the policyholder acts with bad faith, verified later?
The examples mentioned are absolutely real. Hypotheses like these happen
frequently and deserve special attention, in order to avoid bad faith in insurance
contracts.
The last example is related to civil liability insurance.
Repeating the same procedures of car, life and health insurance, the potential
policyholders answer a questionnaire concerning their personal characteristics,
life habits and professional activities.
Consider a professional malpractice policy for law firms. Before signing the
proposal, the law firm search for an insurance company in order to answer the
questionnaire with the utmost good faith.
The questionnaire has questions concerning the professional activities of
the law firm. The insurer needs to know whether or not the potential insured
represents a good risk. All relevant information must be supplied, regarding,
for example, missing judicial deadlines, client complaints etc.
If the law firm knows about a complaint, this must be affirmed. Suppose
that a simple complaint becomes a lawsuit, discussing the law firm’s procedures.
This, for sure, must be disclosed to the insurer. This is a question of good faith.
The importance of the information provided by the potential insured has
already been explained. A law firm that has been sued by clients will have a
different analysis of its risk, compared with a law firm never sued before.
Reconsidering the example, the potential insured reports that no lawsuit
has ever been filed against it, omitting a complaint recently filed by a client.
The insurer considers that the information provided is true and accepts
the risk, underwriting the policy. Six months afterward, the insured informs
the company about a suit filed exactly one year before the questionnaire was
answered, asking for damages.
In this case, it is easy to conclude that the policyholder knew about the suit
before answering the questionnaire. Would the insurer be obligated to pay
indemnity?
The insurer believes the information provided and receives the premium.
Afterward, it discovers that the insured behaved with bad faith. Should the
insured be made to suffer for his/her omission? Considering articles 765 and 766
of the Brazilian Civil Code, would it be acceptable to diminish the importance
of good faith in insurance contracts?
As said earlier, it is important to reflect.

112
ELSEVIER A RE ALIS TIC VIEW OF GOOD FAITH IN INSUR ANCE CONTR AC T S

To answer these intriguing questions, best to call on the words of Sergio


Cavalieri:9

Because insurance is a mass operation, always done on a commercial scale and


based on strict balance of mutuality; because it is not possible to discuss in advance
its clauses, uniformly established in the general policy conditions; because insu-
rance, to accomplish its social purpose, must be fast and efficient, not depending
on bureaucratic oversight procedures, or lengthy research by insurers, then its
vitality depends on the utmost good faith of both parties. If either party omits
the truth, insurance becomes impractical.

Pedro Alvim:10

The insurance contract is not only a contract of bonae fidei, but instead one of
uberrimae fidei. The celerity of economic activity, increased by the communi-
cations network introduced by progress, cannot depend on lethargic oversight
procedures or research by insurers, which are required to provide immediate
coverage for huge and complicated commercial and industrial risks. Either they
must be able to trust insured’s information or their activity becomes impractical.

And Rubén S. Stiglitz:11

In discussing the terms, both parties must reciprocally disclose all information,
because in a framework of contractual freedom, the omission or false declaration
removes the authenticity of the declared will, which must be expressed in con-
sideration of the legitimate expectations of the contracting parties, because of
the trust they must place in each other. Information meted out with reticence or
falsehood is a violation of the duty to the duty to behave in good faith. For this
reason, it affects the validity of the act if it was a determining factor of the consent.

The three authors are unanimous in stressing the importance of good faith
on insurance contracts. The reasons, as shown, are obvious. Either insured must
be able to rely on the information provided to them by prospective policyholders
or there will simply be no contracts.
Reflecting on the costs that would be added if investigators had to be hired
to certify all the pieces of information provided (thousands, perhaps millions
9. Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 2004, p. 428.
10. Pedro Alvim. O Contrato de Seguro, 1999, p. 131.
11. Rubén S. Stiglitz. Derecho de Seguros. 2004. p. 355.

113
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

per day), if complex medical exams were required before executing the contract,
the premiums would be unbearably more expensive, which would be harmful
for the huge majority of the population, the true beneficiaries of mass insurance
contracts.
As pointed out above, one must consider whether the theoretical protection
of the interests of the insureds, which can lead to instances of clear bad faith of
the insureds, benefit or harm policyholders as a group.
This is why insurance contracts cannot be considered in isolation. They need
to be viewed from a mutual standpoint, of the entire group of policyholders,
and pondering the impacts improper court decisions against insurers will have
on the collective interest.
The effect of undue findings against insurers, fruit of the referred mistaken
interpretation of good faith, will only increase their costs, which will be trans-
ferred to insureds through higher premiums.
Unfortunately, this is a vicious circle, that will harm insurance companies
first, and policyholders in the final analysis.
Therefore, it can be seen that failing to emphasize good faith is bad for
policyholders themselves. The simple fact that an insurer trusts the information
provided to it, and based on this underwrites the policy, receiving the premium
in return, cannot mean there is no duty to act with the utmost good faith. Any
other reasoning runs counter to the essence of insurance.
In order to illustrate the legal relevance of good faith, the following prec-
edents from the Superior Tribunal of Justice12 and the Rio de Janeiro State
Court of Appeals:

Civil and procedural. Insurance. Suit demanding payment of indemnification for


death of the insured. Death occurred soon after contracting the policy. Bad faith
recognized by courts below. Patent omission in the declaration presented about the
state of health. Previous hospitalization. Matter of fact. Sumula13 – STJ.
I. Since the deliberate omission of the insured regarding his highly precarious
state of health at the time of contracting has been proved, his death only a few
days afterward, makes the intended indemnification undue because of bad faith.
(Special Appeal 617287 / PR, Reporting Judge Aldir Passarinho Júnior, published
November, 14, 2005, 4th Panel).

12. The Superior Tribunal of Justice in Brasília is the highest court for nun-constitutional matters
in Brazil.
13. A sumula is a statement of jurisprudence constant.

114
ELSEVIER A RE ALIS TIC VIEW OF GOOD FAITH IN INSUR ANCE CONTR AC T S

Life insurance contract. Consumer relationship. Preexisting condition that requi-


red surgery. Knowledge of the insured. Omission of information and false state-
ments. Relevance. No duty to indemnify. Bad faith of the insured. The argument
of denial of defense is also groundless. The evidence is presented to the judge, who
has the discernment to define criteria that will be applied to decide the dispute.
Appeal arguments are unwarranted. Appeal denied. (Civil Apeal 2004.001.37531,
Reporting Judge Antônio Saldanha Palheiro, published Abril, 04/2005, 2th Panel).

If there is convincing evidence that the insured omitted relevant information


and/or provided false information, the penalty set forth in article 766 of the
Civil Code must be applied.
From this realistic point of view, which gives good faith its true importance
in insurance contracts, a new standard must be absorb, in order for the referred
vicious circle to be replaced by a virtuous circle, supported by court decisions
that give the proper weight to good faith and penalize contrary behavior. The
result will be lower premiums because of the reduced number of court decisions
undue against insurance company.

115
X
A violação ao mutualismo no contrato de
seguro e a consequente repercussão geral

Sumário: Introdução. 1. A violação ao mutualismo. Consequências. 2. A violação ao


mutualismo. Repercussão geral. 3. Questões constitucionais. 4. A relevância do tema.
Reconhecimento de repercussão geral pelo STF. 5. Considerações finais. Referências.

Introdução
ara aqueles que acompanham o dia a dia do Poder Judiciário

P brasileiro, não é novidade a crise experimentada pelos Tribunais


Superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal – STF. Na
qualidade de parte e/ou advogado, não se controverte sobre o excessivo
número de processos que, anualmente, são submetidos a julgamento
perante aquelas cortes.
Por força de sua competência constitucional – art. 102 da Constituição
Federal –, o STF recebe milhares de novos feitos, sendo certo que a maio-
ria absoluta deles decorre da necessidade do exercício do controle difuso
de constitucionalidade, isto é, da interposição de recursos extraordiná-
rios, que acabam por se misturar às ações diretas de inconstitucionalida-
de, ações declaratórias de constitucionalidade e de inconstitucionalidade
por omissão – espécies do controle concentrado de constitucionalidade
– que, por sua relevância, deveriam despertar maior atenção e reflexão
por parte dos integrantes dessa Corte Superior.1

1. “Critérios e modos de exercício do controle jurisdicional. Os sistemas constitucionais


conhecem dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição
constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição constitucional concentrada).
Verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do
Poder Judiciário, e o segundo, se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Em inúmeras questões, cuja relevância é absolutamente discutível,2 os juris-


dicionados, a fim de obterem a palavra final da Corte Suprema, utilizam-se dos
recursos extremos, mesmo cientes de que os resultados não lhes serão favoráveis.

ou a uma corte especial. (...) Sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. O sistema é o


jurisdicional instituído com a Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-
americano, acolhera o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições
sucessivas até a vigente. As constituições posteriores à de 1891, contudo, foram introduzidos novos
elementos, de sorte que, aos poucos, o sistema se afastara do puro critério difuso com a adoção de
aspectos do método concentrado, sem, no entanto, aproximar-se do método europeu. (...) Em suma,
à vista da Constituição vigente, temos a inconstitucionalidade por ação ou por omissão, e o controle
de constitucionalidade é o jurisdicional, combinando os critérios difuso e concentrado, este de
competência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, temos o exercício do controle por via de exceção
e por ação direta de inconstitucionalidade e ainda a referida ação declaratória de constitucionalidade.
(...)”. (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2005. p. 49/51).
2. As questões de pouca relevância congestionam o STF, o que impede a reflexão e o exame mais
detido das questões realmente importantes. A seguir, o entendimento de Luis Roberto Barroso,
colhido em notícia divulgada no Jornal “A Gazeta”: “Processos de pouca relevância afogam o
Supremo. Brasília. Um estudo sobre o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Cortes
supremas de outros países revela que a mais alta instância do Judiciário brasileiro está afogada em
ações. Em 2005, enquanto os nove ministros dos Estados Unidos bateram o martelo em uma média
de 7,25 processos por mês, os 11 ministros brasileiros concluíram 284,1 causas por dia. Apesar
de abissal, a diferença numérica pode ser explicada de forma simples: em outras cortes, podem-se
arquivar, antes do julgamento, ações consideradas irrelevantes para a sociedade como um todo. A
mesma regra vigora no Brasil, mas é aplicada com parcimônia. Até um caso envolvendo furto de
galinhas já foi enviado para a análise dos ministros do Supremo. Por isso, em vez de se concentrar em
processos importantes, o STF acaba mergulhado em ações menores. Autor do estudo, o jurista Luís
Roberto Barroso considera que a demanda numerosa do STF prejudica ‘o tempo para reflexão, estudo
e maturação de ideias, sobretudo nas matérias complexas e polêmicas’. A conclusão do advogado é
fatal: ‘Penso que a viabilidade operacional do Supremo Tribunal está em risco e é preciso buscar uma
solução de algum grau de radicalidade’, escreveu. Como, por exemplo, o uso efetivo da chamada
repercussão geral – mecanismo pelo qual o STF pode arquivar processos sem julgá-los, quando o
tema tratado não representar o interesse de parcela significativa da sociedade. Isso diminuiria a
demanda do STF e faria com que a Corte se concentrasse apenas em casos relevantes e conflitos
constitucionais. Boa parte dos 11 ministros do tribunal concorda com a sugestão. Mas, apesar de estar
em vigor desde o início do ano, a repercussão geral ainda é usada timidamente na Corte. Até hoje,
nenhuma ação foi barrada pelo mecanismo. Em 2005, a Suprema Corte norte-americana recebeu
8.521 processos e julgou 87. O restante foi arquivado sem ao menos ter o mérito examinado. Lá,
quando não se trata de tema constitucional, o tribunal nem examina o caso. No mesmo ano, o STF
recebeu 95.212 ações e julgou 103.700; dessas, uma parte se refere aos processos que ingressaram
naquele ano e outra, ao montante de casos que se acumulam todos os anos no tribunal. O presidente
da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Rodrigo Collaço, propõe a repercussão geral e a
súmula vinculante como forma de otimizar o trabalho do STF. Conforme o primeiro mecanismo, a
Corte pode se recusar a julgar uma ação que tenha como tema algo irrelevante para a sociedade como
um todo. Como, por exemplo, ações de interesse meramente individuais. Já a súmula vinculante
obriga os demais tribunais do País a seguirem a mesma orientação do Supremo, no julgamento de
uma causa já decidida inúmeras vezes pela Corte. Os dois instrumentos estão em vigor, mas são
pouco usados. O Número 140.500 – É o total de julgamentos concluídos pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) até último dia 20. É crescente a quantidade de casos julgados pelo órgão. Em 2006,
a marca chegou a 110.284. Até dezembro, dezenas de ações estão pautadas para julgamento. Deve-
se bater o recorde histórico no total de ações concluídas em um ano.” (Fonte: http://gazetaonline.
globo.com/jornalagazeta/politica/politica_materia.php?cd_matia=376072&cd_site=105, acesso
em 26/11/2007).

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A interposição de todos os recursos possíveis é utilizada pelas partes de maneira


frequente, independentemente de afigurar-se bastante remota a possibilidade de
alcançar os resultados almejados.
Visando a justamente eliminar ou evitar esse excessivo número de recursos,
cuja fundamentação é insuficiente, diversos requisitos passaram a ser exigidos
à sua interposição. E os órgãos responsáveis pelo exame de admissibilidade,
tanto na origem, quanto no destino, são rigorosos ao impor o seu cumprimento.
Somente havendo contrariedade direta à Constituição Federal3 é que será cabível
o recurso extraordinário, sendo certo que a questão constitucional discutida
deverá ter sido corretamente prequestionada perante as instâncias ordinárias,4
vedada rediscussão ou reexame de material fático-probatório,5 assim como a
análise de cláusulas contratuais.6
Não obstante as condições já existentes, a Emenda à Constituição nº 45, de
08/12/2004, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro um novo requisito, qual
seja, a repercussão geral da questão constitucional discutida. Caso essa não seja
relevante sob as perspectivas social, econômica, política e jurídica, o recurso
extraordinário não será admitido. Nesse exato sentido, foi inserido o § 3º ao art.
102 do texto constitucional, cuja redação é a seguinte:

No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão das questões


constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine
a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços
de seus membros.

Relevados os comentários críticos acerca da inovação, principalmente decor-


rentes do subjetivismo que circunda a relevância sob as perspectivas social,
econômica, política e jurídica,7 fato é que não mais será possível prescindir de um

3. Ofensa indireta à CF. Inadmissibilidade do RE. Alegação de ofensa indireta à CF não dá margem
ao cabimento do recurso extraordinário. (STF – AgRgAg 210550-7-MG; Rel. Min. Moreira Alves;
Primeira Turma; v.u.; j. 24/04/1998; DJU 26/06/1998, p. 5).
4. STF – Súmula 282: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão
recorrida, a questão federal suscitada”.
5. STF – Súmula 279: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
6. STF – Súmula 454: “Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso
extraordinário”.
7. “Repercussão geral é conceito legal indeterminado, cuja concretude deve ser dada em razão
a algo “que diga respeito a um grande espectro de pessoas ou a um largo segmento social, uma
decisão sobre assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito controvertido, em
relação à decisão que contrarie decisão do STF; que diga respeito à vida, à liberdade, à federação, à
invocação do princípio da proporcionalidade (em relação à aplicação do texto constitucional) etc.;
ou, ainda, outros valores conectados ao Texto Constitucional que se alberguem debaixo da expressão
repercussão social”. (Arruda Alvim, a ED nº 45 e o instituto da repercussão geral, in Wambier,

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

elemento adicional a fim de diminuir o excessivo número de recursos dirigidos


ao STF. A cada dia aumenta o número daqueles para os quais os onze ministros
do STF não poderiam e não deveriam dedicar-se à apreciação de questões pouco
relevantes, que apenas digam respeito às disputas particulares travadas entre as
partes, que não tenham relevância para a Sociedade.
A acolhida desse entendimento pela legislação brasileira foi ao encontro de
práticas já adotadas há tempos em diversos ordenamentos estrangeiros, confor-
me ilustrado em pesquisa elaborada por Luis Roberto Barroso, anteriormente
comentada.
Por mais que a repercussão geral leve ao exame, do Excelso Pretório, de menor
número de ações, a expectativa alvissareira é de que, dirigindo o foco a questões
relevantes, seja-lhe permitido verdadeiramente exercer a missão outorgada pelo
texto constitucional, zelando pela aplicação escorreita da norma maior.
Além da repercussão geral, recentemente foram incorporadas ao nosso orde-
namento jurídico as súmulas vinculantes,8 com o escopo também de evitar o
excessivo acúmulo de processos no âmbito das Cortes Superiores, sobrecarregadas
com questões já apreciadas anteriormente em reiteradas ocasiões. Referidas
súmulas gozarão de efeito vinculante, tornando obrigatória a sua aplicação
perante todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário.
Feitas essas considerações, passa-se concretamente ao exame da questão, qual
seja, a violação ao mutualismo e à consequente repercussão geral.

Reforma do Judiciário, p. 63). Essa repercussão geral pode ser jurídica, econômica, social, política
etc. Serão de repercussão geral para os efeitos da CF 102, § 3º, por exemplo, questões atinentes
aos direitos humanos (CF 5º); dignidade da pessoa humana (CF 1º III); cidadania, nacionalidade
e direitos políticos; soberania nacional; ordem econômica etc.” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria
de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 2007. p. 938-939).
8. A fundamentação original à edição das súmulas vinculantes encontra-se no art. 2º da Emenda
à Constituição nº 45, de 08/12/2004, que introduziu o art. 103-A ao texto constitucional. “Art.
103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º
A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca
das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º
Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula
poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º
Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o
ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida
com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

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ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

1. A violação ao mutualismo. Consequências


A Lei nº 11.418, de 19/12/2006, vigente a partir de março de 2007, introduziu
no Código de Processo Civil um novo requisito à admissibilidade do recurso
extraordinário, qual seja, a demonstração, em preliminar, da repercussão geral
da questão discutida.9
Os novos arts. 543-A e 543-B do CPC regulamentaram a matéria traçando
os contornos necessários à demonstração da repercussão geral. Eis o teor do
disposto no § 1º do art. 543-A: “Para efeito da repercussão geral, será considerada
a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.
Nessa linha de pensamento, a primeira indagação a que se deve responder
é: do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, quais seriam as
questões relevantes, capazes de suscitar a repercussão geral?
A terminologia empregada pelo legislador não seria demasiadamente subje-
tiva? Para um grupo ou classe social, determinada questão poderá ser relevante
sob as perspectivas mencionadas no dispositivo em análise; para outro grupo,
não. Como, a partir disso, objetivar o conceito, a fim de propiciar segurança
aos jurisdicionados?
O próprio Supremo Tribunal Federal, a fim de harmonizar entendimentos
quanto à configuração da repercussão geral das questões que lhe são trazidas a
julgamento, listou um rol de matérias às quais a repercussão geral é atribuível10
e às quais não é.11
Imagine-se, por hipótese, num caso concreto, a discussão mantida por um
segurado ante uma seguradora, cujo mote seja o cumprimento de obrigação que
não dispõe de previsão contratual e que tenha sido objeto de decisão judicial que
a torne impositiva à seguradora. Nesse cenário, a decisão causaria um problema
isolado, afeto exclusivamente à relação mantida entre segurado e seguradora
ou, ao contrário, aplicando um raciocínio mais amplo, causaria problemas à

9. “Repercussão geral. Pressuposto de admissibilidade do RE. A repercussão geral da questão


constitucional submetida ao reexame do STF por meio do RE é pressuposto especial de
admissibilidade desse recurso excepcional. Compete ao Pleno do STF não conhecer do RE quando
a questão constitucional objeto do RE não possuir a característica da repercussão geral, por
decisão de 8 (oito) dos 11 (onze) Ministros (CF 102, § 3º). Essa decisão é irrecorrível, isto é, não
impugnável por agravo ou qualquer outro recurso”. (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery. Op. cit. p. 938-939).
10. O rol de matérias às quais o STF reconhece a repercussão geral está disponível em: <http://
www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/listarRepercussao.asp?tipo=SS>. Acesso
em 13/01/2011.
11. O rol de matérias às quais o STF não reconhece a repercussão geral está disponível em: <http://
www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussaoGeral/listarRepercussao.asp?tipo=N>. Acesso em:
13/01/2011.

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mutualidade que é absolutamente inerente e necessária à estabilidade econômico-


-financeira do contrato de seguro?
A imposição de que determinada obrigação não contratada seja cumprida por
uma seguradora, sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico,
usando aqui a mesma terminologia prevista no § 1º do art. 543-A do CPC,
causaria repercussão geral, de modo a preencher o novo requisito à admissão
do recurso extraordinário?
Em princípio, por mais que se possa raciocinar que o problema seria exclusivo
à órbita das partes litigantes, isto é, um problema que se restringe ao caso concre-
to, será demonstrado que, numa dimensão um pouco maior, o problema não é
individual. Na realidade, trata-se de problema que contagia toda a mutualidade,
ao provocar o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Raciocinando de maneira isolada, o contrato de seguro seria especulativo,
lembrando o jogo ou a aposta.12 O elemento aleatório, intrínseco a essa moda-
lidade negocial, poderia ou não determinar que a seguradora tivesse que efetuar
o pagamento do capital segurado caso o sinistro se materializasse. Caso tivesse

12. Rubén S. Stiglitz explica as diferenças da seguinte maneira: La apuesta es un contrato en virtud
del cual unas personas que no están de acuerdo sobre una cuestión, que consideran diferentemente esta o
la otra eventualidad, una que afirma y otra que niega un hecho determinado, se prometen recíprocamente
una ganancia consistente en una suma de dinero o en una prestación determinada, que obtendrá aquella
de las dos que resulte que tenía razón, una vez comprobado el hecho de que se trate. La ganancia en la
apuesta depende de la simples comprobación de un hecho ya producido o todavía futuro, pero que no
habrá de ser obra de las partes. Como se advierte, la apuesta tiene por finalidad o función la de obtener
un lucro, cuestión ajena y extraña a contrato de seguro que cumple una función resarcitoria con motivo de
la realización (siniestro) de un evento dañoso. Este último no es querido en el seguro, por ello el asegurado
se cubre de sus consecuencias dañosas. En cambio, el la apuesta el evento condicionante de la ganancia
ha sido deliberadamente elegido por las partes y, de verificarse el hecho, el ganador obtiene un lucro y no
la reparación de un daño. Por lo demás, los derechos que derivan del contrato de seguro son civilmente
exigibles, no existen limites a su proponibilidad. En cambio, en la apuesta el Código Civil prohíbe el
ejercicio de la pretensión judicial por deudas de juego o apuesta que no provengan de fuerza, destreza de
armas, corridas, etcétera (art. 2055, Código Cível).” (Ruben S. Stiglitz. Derecho de Seguros. 2004. p.
31-32). Em tradução livre do autor: “Diferenças entre o contrato de seguro e a aposta. A aposta é
um contrato em virtude do qual pessoas que não estão de acordo sobre uma questão, que consideram
diferentemente esta ou a outra eventualidade, uma que afirma e outra que nega um determinado
aspecto, prometem-se, reciprocamente, um ganho consistente numa soma em dinheiro ou em uma
prestação determinada, que obterá a parte que tenha razão, uma vez comprovado o aspecto de que
se trate. O ganho na aposta depende da simples comprovação do aspecto já produzido ou todavia
futuro, mas que não poderá ser realizada pelas partes. Como se adverte, a aposta tem por finalidade
ou função a obtenção de lucro, questão alheia e estranha ao contrato de seguro, que cumpre uma
função ressarcitória em decorrência do sinistro. Este último não é desejado no seguro, mas suas
consequências danosas são cobertas. Por outro lado, na aposta o evento condicionante do ganho é
escolhido pelas partes e, verificando-o, o ganhador obtém o lucro e não a reparação de um dano.
Adicionalmente, os direitos que derivam do contrato de seguro são civilmente exigíveis, não existindo
limites à sua execução. Por outro lado, na aposta o Código Civil proíbe o exercício da pretensão
judicial por dívidas de jogo ou aposta que não decorram de força, destreza de armas, corridas etc.
(art. 2055, Código Cível).”

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ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

que arcar com o pagamento, a desvantagem econômica à mesma seria notável.


Por outro lado, caso não tivesse que pagar, o segurado ver-se-ia diante de posição
desvantajosa já que, mesmo efetuando o pagamento do prêmio, não encontraria
a contraprestação aparente, traduzida no oferecimento da soma segurada.
Deixando de lado o enfoque isolado e passando a refletir a respeito do seguro
como uma operação de massa, que implica grande diversidade de negócios,
coberturas e perfis distintos, pode-se compreendê-lo de maneira técnica, cien-
tífica, que, mesmo se revestindo de uma áurea aleatória, requer estudos apro-
fundados a respeito das características que cercam cada grupo segurado, cada
cobertura oferecida, valores envolvidos, circunstâncias relacionadas à subscrição
dos riscos, limites máximos de indenização, entre muitos outros importantes
elementos que influenciam a formação de cada contrato específico e as respec-
tivas garantias que serão postas à disposição ou não pelos seguradores.
É raciocinando a respeito do conjunto formado pelos elementos acima des-
tacados que se começa a identificar a importância do mutualismo, que se carac-
teriza como um verdadeiro pilar sobre o qual se erige a estrutura do contrato
de seguro.
A percepção de Fábio Ulhôa Coelho13 é:

Ao conceituar a obrigação da entidade seguradora como a de garantir interesse


legítimo do segurado (art. 757), a nova codificação atribui ao contrato nature-
za comutativa. Espanca, de vez, a defasada concepção de que na obrigação das
seguradoras haveria álea (como se elas não estivessem obrigadas a se organizarem,
empresarialmente, de modo a poder entregar ao segurado o que ele busca através
do segurado: garantias). (...)

Para Stiglitz,14 a importância do mutualismo nas palavras a seguir:

Acontece que no es concebible el seguro entre quien se halla sometido a la potencial


verificación de un único evento incierto, futuro y dañoso, si pretende transferir los
efectos prejudiciales que derivan del mismo a un asegurador que tomaría a su cargo
sólo los efectos de ese siniestro y de ningún otro.
Así planteado el tema, se trataría de una operación meramente especulativa, si bien
con desplazamiento de riesgo, pero con la inseguridad que la insolvencia del asegurador
derive en el incumplimiento de pago de la prestación a su cargo.

13. Fábio Ulhôa Coelho. Apresentação à obra O Contrato de Seguro, de Ernesto Tzirulnik et alii.
RT, 2003.
14. Rubén S. Stiglitz. Op. cit., p. 8-9.

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Avanzando en la afirmación precedente, cabe señalar que no debe confundirse la alea-


toriedad del seguro con el contrato de seguro. El primero, visualizado en su concepción
técnica, requiere para su explotación comercial y su administración de una empresa
cuya función consiste en eliminar o disminuir las consecuencias del azar.
En cambio, el contrato de seguro, por esencia, constituye un contrato aleatorio, al
que le es inherente el azar. Y el modo de eliminar los efectos derivados del alea se
alcanza mediante el agrupamiento de una multitud o mutualidad de asegurados
que contribuirán proporcionalmente con cada una de sus respectivas cotizaciones o
premios a un fondo común de una misma empresa. De dicho fondo se extraerán las
sumas de dinero con las que se afrontarán los siniestros, en beneficio de los integrantes
de la mutualidad.
Esta última que, como queda expresado, implica agrupamiento de personas, comuni-
dad de riesgos y contribución a un fondo, es la que permite amortiguar los efectos del
alea, neutralizar la entidad de los riesgos realizados (siniestros), fraccionar o diluir
sus consecuencias.
De lo hasta aquí expresado cabe deducir que el contrato de seguro no puede considerarse
un contrato meramente especulativo pues, sin perjuicio del beneficio de la aseguradora,
su objetivo debe ser la satisfacción de legítimas expectativas de solidaridad y cooperación
que se conjugan en principio de mutualidad, base de la noción del seguro.15

Ao efetuar o pagamento do prêmio relacionado a determinado contrato de


seguro, deve-se compreender que essa quantia será destinada a um fundo cuja
administração deverá ficar a cargo da seguradora. É justamente trabalhando

15. Em tradução livre do autor: “Acontece que não é concebível o seguro entre aquele que esteja
submetido à potencial verificação de apenas um evento incerto, futuro e danoso, se pretende transferir
os efeitos prejudiciais do mesmo decorrentes a uma seguradora que tomaria a seu cargo, isoladamente,
os efeitos desse sinistro e de nenhum outro. Assim delineado o tema, tratar-se-ia de uma operação
meramente especulativa, se bem que com transferência de risco, mas com a insegurança que a
insolvência do segurador provoque pelo descumprimento da sua obrigação. Avançando na afirmação
anterior, cabe enfatizar que não se deve confundir a aleatoriedade do seguro com o contrato de
seguro. O primeiro, visualizado em sua concepção técnica, requer sua exploração comercial e sua
administração por uma empresa cuja função consiste em eliminar ou diminuir as consequências
do azar. Na outra mão, o contrato de seguro, por essência, constitui um contrato aleatório, ao
qual é inerente o azar. E o modo de eliminar os efeitos decorrentes da álea se alcança mediante
o agrupamento de uma mutualidade de segurados que contribuam proporcionalmente com cada
um de seus respectivos prêmios a um fundo comum de uma mesma empresa. Desse fundo se
extraem as somas de dinheiro com as quais são pagos os sinistros, em benefício dos integrantes da
mutualidade. Esta última que, consoante exposto, implica agrupamento de pessoas, comunidade de
riscos e contribuições a um fundo, é que permite amortizar os efeitos da álea, neutralizar os sinistros,
fracionar ou diluir suas consequências. Do que foi exposto, cabe concluir que o contrato de seguro
não pode ser considerado um contrato meramente especulativo, pois, sem prejuízo do benefício da
seguradora, seu objetivo deve ser a satisfação de legítimas expectativas de solidariedade e cooperação
que se conjugam no princípio da mutualidade, base da noção do seguro.”

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ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

com milhares de pagamentos diferentes, classificados por ramos, grupos, entre


outras diversas variantes que as seguradoras terão condições de administrar as
suas carteiras, regulando e liquidando os sinistros providos de cobertura técnica.

2. A violação ao mutualismo. Repercussão geral


Estando delineada a matéria, com a exposição dos conceitos básicos de reper-
cussão geral e mutualismo, é preciso avançar um pouco mais, especificamente
no que se refere ao estudo das questões constitucionais colocadas como pano
de fundo da controvérsia.
Retomando a atenção para o exemplo anteriormente citado, relacionado à
obrigação de pagar imposta à seguradora pertinente à cobertura securitária não
contratada pelo segurado, isto é, que não encontrou o respectivo pagamento do
prêmio, a primeira norma legal que vem à tona está inscrita no art. 757, caput,
do CC: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do
prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra
riscos predeterminados.” (Grifou-se).
A fim de facilitar a compreensão do que se deseja expor, imaginem-se algumas
coberturas típicas do seguro automóvel (Casco, Acidentes Pessoais de Passageiros,
Responsabilidade Civil Facultativa – Danos Materiais, Responsabilidade Civil
Facultativa – Danos Corporais e Danos Morais). Ao consultar as coberturas
disponíveis, capitais segurados e respectivos prêmios, já que cada cobertura
específica implica pagamento do prêmio, o segurado opta por não contratar a
cobertura para danos morais.
Em juízo, sobrevém sentença obrigando a seguradora a pagar a condenação
imposta ao segurado a título de danos morais, embora, frise-se, a opção do
mesmo tenha sido por sua não contratação. A decisão judicial em questão estaria
violando diretamente o art. 757 do CC, considerando que “o segurador se
obriga, mediante o pagamento do prêmio”.
Com a negativa de vigência ao art. 757 do CC, a interposição do Recurso
Especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, afigura-se adequada à solução
da controvérsia, até aqui posta apenas sob a perspectiva infraconstitucional. Mas,
raciocinando com o enfoque constitucional, qual seria a contrariedade frontal
(portanto, não oblíqua) ao texto constitucional que autorizaria a interposição
do Recurso Extraordinário, com a necessária demonstração da repercussão geral
em preliminar?
Exatamente nesse tópico é que reside o ponto controvertido. A questão jurí-
dica discutida seria apenas infraconstitucional ou, ao contrário, seria também
constitucional?

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Alguns outros dispositivos afetos ao contrato de seguro e às obrigações,


com previsão no próprio Código Civil, poderiam ser questionados em razão da
comentada sentença que obrigue seguradora a pagar por cobertura não contra-
tada, como, a título exemplificativo, o artigo 760: “A apólice ou o bilhete de seguro
serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o
início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o
caso, o nome do segurado e o do beneficiário.” (Grifou-se).
Porém, consoante anotado, pretende-se aqui discutir a questão sob a pers-
pectiva constitucional.

3. Questões constitucionais
Entrando na discussão constitucional, objeto precípuo do artigo, convém
analisar o conceito de ato jurídico perfeito. Na lição de José Afonso da Silva,16
consta:

A diferença entre direito adquirido e ato jurídico perfeito está em que aquele
emana diretamente da lei em favor de um titular, enquanto o segundo é negócio
fundado na lei. ‘O ato jurídico perfeito, a que se refere o art. 153, § 3º [agora, art.
5º, XXXVI], é o negócio jurídico, ou o ato jurídico stricto sensu; portanto, assim as
declarações unilaterais de vontade, como os negócios jurídicos bilaterais, assim os
negócios jurídicos, como as reclamações, interpretações, a fixação de prazo para a
aceitação da doação, as comunicações, a constituição de domicílio, as notificações,
o reconhecimento para interromper a prescrição ou com sua eficácia (ato jurídico
stricto sensu)’. Ato jurídico perfeito, nos termos do art. 153, § 3º [art. 5º, XXXVI],
é aquele que sob o regime da lei antiga se tornou apto para produzir os seus efeitos
pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. É perfeito ainda que
possa estar sujeito a termo ou condição.

Considerando que o ato jurídico perfeito é aquele que, sob a égide de deter-
minado regime legal, tornou-se apto à produção de efeitos, não há dúvida de que
o mencionado clausulado contratual, que desobrigue a seguradora da cobertura
para danos morais por expressa opção do segurado, classifica-se dessa exata
maneira.
Nessa linha, a eventual condenação que imponha à empresa a obrigação de
pagar por cobertura não contratada representaria contrariedade direta a um ato
jurídico perfeito, a viabilizar o Recurso Extraordinário.

16. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 2005, p. 436.

126
ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

Além de contrariar o ato jurídico perfeito, a comentada condenação da


empresa em arcar com o pagamento de garantia não contratada põe em xeque
a segurança jurídica, igualmente assegurada constitucionalmente.
Não se trata de afirmar que o pacta sunt servanda seria absoluto, sob o enfoque
do princípio da autonomia da vontade das partes,17 tão marcante por ocasião
da vigência do Código Civil de 1916; no mesmo sentido, não se trata de colo-
car, ainda, que os standards jurídicos estabelecidos pelo Código Civil de 2002
– função social do contrato, boa-fé objetiva, solidariedade social e o princípio
da confiança, por exemplo – não poderiam influenciar os negócios jurídicos
firmados em sua vigência.18
O que se deseja expor, apenas, é que condições negociais regularmente ajus-
tadas pelas partes, que tutelem direitos disponíveis, não podem ser modificadas
pelo Estado-Juiz sem fundamentação adequada, sob pena de que o princípio da
segurança jurídica, enquanto postulado do Estado de Direito, seja contrariado.
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gnoet
Branco,19 especificamente quanto ao princípio constitucional da segurança
jurídica, comentam:

Como se deduz das considerações desenvolvidas acima, a doutrina do direito


adquirido não preserva as posições pessoais contra as alterações estatutárias, as
revisões ou até mesmo a supressão de institutos jurídicos.
Diante da inevitável pergunta sobre a forma adequada de proteção dessas preten-
sões, tem-se como resposta indicativa que a proteção a ser oferecida há de vir do
próprio direito destinado a resguardar a proteção afetada.
(...)
É bem verdade que, em face da insuficiência do princípio do direito adquirido para
proteger tais situações, a própria ordem constitucional tem-se valido de uma ideia

17. “A autonomia privada constitui-se, portanto, no âmbito do direito privado, em uma esfera de
atuação jurídica do sujeito, mais propriamente um espaço de atuação que lhe é concedido pelo direito
imperativo, o ordenamento estatal, que permite, assim, aos particulares, a autorregulamentação de
sua atividade jurídica. Os particulares tornam-se, desse modo e nessas condições, legisladores sobre
sua matéria jurídica, criando normas jurídicas vinculadas, de eficácia reconhecida pelo Estado.”
(Francisco Amaral. A Autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica –
Perspectivas estrutural e funcional. in Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 102, 1989, p. 213).
18. “O livre exercício da vontade individual, que tantas iniquidades gerava nas relações entre agentes
econômicos desiguais, deixa de ser aceito como expressão fundamental do direito privado, para
passar a ser tutelado apenas quando e na medida em que se mostre em consonância com a dignidade
humana, entendida sob uma ótica solidarista.”(Anderson Schreiber. A Proibição de Comportamento
Contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2007. p. 60-61).
19. Gilmar Ferreira Mendes et alii. Curso de Direito Constitucional. 2008. p. 487-489.

127
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

menos precisa e, por isso mesmo, mais abrangente, que é o princípio da segurança
jurídica enquanto postulado do Estado de Direito. (...)
Assim, ainda que não possa invocar a ideia de direito adquirido para a proteção das
chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido
a um instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem
ferir o princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas
consolidadas ao longo do tempo. (...)
Em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume
valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da
própria ideia de justiça material. (...)
O tema da segurança jurídica tem assento constitucional (princípio do Estado
de Direito).

Portanto, considerando o clausulado regularmente ajustado pelas partes, pro-


tegido pelo ato jurídico perfeito e pelo postulado da segurança jurídica – Estado
de Direito, os argumentos expostos demonstram haver plausibilidade jurídica
na discussão constitucional decorrente de eventual decisão que, arranhando-o,
imponha o cumprimento de obrigação não contratada.

4. A relevância do tema. Reconhecimento


de repercussão geral pelo STF
O Supremo Tribunal Federal, em 16/10/2008, ao apreciar o RE 578801/RS,
Relatora Ministra Carmem Lúcia, interposto por operadora de saúde nos autos de
ação condenatória, cuja pretensão estava voltada ao cumprimento de obrigação
contratualmente não prevista, assentou aspectos realmente muito importantes
à compreensão das questões constitucionais em apreço. Na sequência, a notícia
colhida do site do STF:20

Plenário irá analisar recurso sobre cobertura de plano de saúde.


Por votação unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reco-
nheceram a ocorrência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE)
578801, em que a operadora de saúde questiona decisão do Tribunal de Justiça do
estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que lhe impôs as custas pela implanta-
ção de um “stent” (prótese que serve para prevenir ou impedir a constrição do
fluxo sanguíneo causado por entupimento de artérias) durante cirurgia de um
segurado. A matéria será, posteriormente, incluída na pauta do Plenário da Corte,
para julgamento de mérito da questão.

20. A notícia em destaque encontra-se disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/


verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=97962&caixaBusca=N>. Acesso em 13/01/2011.

128
ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

A administradora do plano de saúde alegava que o “stent” não estava incluído


no contrato do segurado. Invocou, também, a garantia do ato jurídico perfeito
(art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal – CF), sustentando a impossibi-
lidade da aplicação retroativa de lei sobre planos de saúde aos contratos anteriores
a sua vigência.
Entretanto, o TJ-RS decidiu que caberia a ela “oportunizar a adaptação do con-
trato aos novos limites traçados pelo art. 35, caput e § 1º da Lei nº 9.656/98, que
dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde”.
Segundo o tribunal gaúcho, a operadora de saúde não provou ter oferecido ao autor
do processo movido contra ela a opção de migração de plano antigo para novo.
Ao propor a aplicação de repercussão geral à matéria constitucional em dis-
cussão, a relatora, ministra Cármen Lúcia, sustentou que, “além da transcen-
dência de interesses – pois o universo de contratos de saúde é enorme –, há
relevância social e econômica no tema: a primeira, em face dos beneficiários
de planos de saúde, que saberão, definitivamente, se lei nova sobre planos
de saúde pode, ou não, ser aplicada aos contratos anteriormente firmados; a
segunda, em relação às administradoras de planos de saúde, pois as modifica-
ções legais geram alterações no custo de manutenção do sistema”. (Grifou-se).

Analisando os principais itens destacados na notícia, constatou-se que a


Ministra Carmem Lúcia, acompanhada à unanimidade de votos pelos demais
Ministros integrantes do Pleno,21 entendeu haver repercussão geral na discussão
entre o consumidor e a operadora de saúde pelos seguintes motivos:
(i) Transcendência de interesses, já que o universo de contratos de plano de
saúde e seus respectivos usuários é enorme.
(ii) Relevância social e econômica, justificada da seguinte forma:
a) Interesse de todos os beneficiários do sistema, isto é, aqueles que se
utilizam dos planos de saúde e;
b) Sob a ótica das operadoras, a partir da perspectiva dos reflexos finan-
ceiros dos aumentos dos custos à manutenção do sistema propiciados
pela outorga forçada de coberturas que não tenham sido contratual-
mente ajustadas.
No mesmo sentido, o e. Ministro Marco Aurélio Mello afirmou:

No mais, a situação retratada no processo repete-se neste Brasil continental. O


Supremo há de definir se existe possibilidade de alterar-se o que contratado,

21. A apreciação da repercussão geral em Recursos Extraordinários é realizada pelo Pleno do


Supremo Tribunal Federal, por força do disposto no art. 324, parágrafo único, do RISTF, da Lei
nº 11.418 e do art. 102, III, § 3º da Constituição Federal.

129
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

presente a circunstância de o seguro-saúde mostrar-se de abrangência maior,


contrapondo-se o individual ao coletivo. Bem andou a ministra Carmem Lúcia
ao manifestar-se, como relatora, no sentido da configuração do instituto da reper-
cussão geral.

Com efeito, a notícia veio em ótima hora, considerando que as constantes


violações ao mutualismo, seja em matéria de planos de saúde ou de seguros
privados, devem ser examinadas num contexto diferenciado, que realmente
não se restrinja à relação jurídica estabelecida entre os particulares implicados
– operadora/seguradora e consumidor.
Consoante anotado anteriormente, não se pode pensar no contrato de seguro
de maneira individualizada. Fosse um contrato individual, o seu cumprimento
seria péssimo às seguradoras, que, angustiadas, estariam sempre “torcendo” para
que os sinistros não ocorressem. Esse, obviamente, não é o característico de um
negócio que é realizado desde os séculos mais antigos.
Seguro e mutualismo andam juntos, misturam-se de maneira univitelínica,
de modo que as comentadas violações ao primeiro, com o tempo, terão como
consequência sérias dificuldades à sustentabilidade do segundo, o que, com
efeito, desperta e deverá despertar cada vez mais o interesse de todos pela preser-
vação da instituição “contrato de seguro”, considerando que o desenvolvimento
econômico e social do País está ancorado no mesmo.

5. Considerações finais
É preciso enxergar o contrato de seguro muito além das fronteiras represen-
tadas pelas partes contratantes.
Caso a essência do negócio fosse, por exemplo, similar a uma compra e
venda de um imóvel, em que a ciência atuarial não exerce influência alguma,
eventual desequilíbrio contratual provocado por uma decisão judicial não teria
nenhuma repercussão geral, já que o problema se restringirá às partes envolvidas
e prejudicadas.
Tratando do contrato de seguro (gênero), do qual são espécies o seguro saúde
e outros diversos seguros privados, o mutualismo, representado pelo conjunto de
prêmios depositados pelos segurados, gerido pelo segurador, definitivamente é o
elemento propulsor do negócio, de maneira que desfalques indevidos, indubita-
velmente, prejudicam todo o grupo, não apenas os implicados em determinada
contenda judicial.
Nesses termos, assim como o Supremo Tribunal Federal reconheceu a reper-
cussão geral numa decisão sobre o adimplemento de obrigação não avençada em

130
ELSEVIER X – A V I O L A Ç Ã O A O M U T U A L I S M O N O C O N T R AT O D E S E G U R O ...

contrato de seguro saúde, espera-se que as linhas traçadas neste artigo colaborem
à formação de um convencimento mais amplo nesse sentido.
A partir do mencionado acórdão, sob a relatoria da Ministra Carmem Lúcia,
que seja possível caminhar para um entendimento no sentido de que em matérias
de seguros privados decisões que arranhem o clausulado originalmente enta-
bulado pelas partes efetivamente representam violações a todo o mutualismo,
o que, em escala mais ampla, representará sérios problemas à estabilidade do
sistema de seguros nacional.
Espera-se, a partir do que foi exposto, que o Supremo Tribunal Federal,
estudando cautelosamente a matéria e compreendendo a sua relevância sob as
perspectivas jurídica, política, social e econômica, definitivamente compreenda
a sua repercussão geral e, por ocasião do exame do mérito, elimine as, infeliz-
mente, não mais incomuns decisões que impõem às seguradoras e operadoras
o cumprimento de obrigações que passam muito longe do clausulado ajustado
com seus consumidores.

Referências
AMARAL, Francisco. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurí-
dica – Perspectivas estrutural e funcional. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
vol. 102, 1989, p. 213.
COELHO, Fábio Ulhôa. Apresentação à obra O Contrato de Seguro, de TZIRULNIK,
Ernesto et. alii. 2. ed. São Paulo: RT, 2003.
MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2008.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado
e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: RT, 2007.
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório. Tutela da confiança
e venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
SITE: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=97962&caix
aBusca=N>. Acesso em 13/01/2011.
STF – Súmula 279.
STF – Súmula 282.
STF – Súmula 454.
STF – AgRgAg 210550-7-MG; Rel. Min. Moreira Alves; Primeira Turma; v.u.; j.
24/04/1998; DJU 26/06/1998, p. 5.
STIGLITZ, Ruben S. Derecho de Seguros. 4. ed. Buenos Aires: La Ley, 2004. Tomo I.

131
XI
A empresa brasileira de seguros – (EBS).
Necessidade? 1

A imprensa vem reiteradamente noticiando o interesse do Governo


Lula pela criação de sua 12a estatal, dessa vez dedicada ao ofere-
cimento de seguros.
O Ministério da Fazenda afirma que a nova estatal seria essencial para
corrigir distorções criadas pelo mercado privado de seguros, que seria
ineficiente para reter todos os riscos decorrentes do acentuado desen-
volvimento da economia nacional. As palavras do Ministro da Fazenda,
Guido Mantega,2 foram as seguintes: “Estamos suprindo uma deficiência
do setor de seguros no Brasil. Falta esclarecimento, até porque, do jeito
que está, o setor de seguros não dá conta de suprir as necessidades de
investimentos que o governo tem feito. Vamos corrigir estas distorções”,
afirmou.
Considerando haver urgência e relevância à questão, o Governo,
originalmente, pretendeu criar a referida empresa por meio de Medida
Provisória. Nesse particular, é pertinente a seguinte indagação: até que
ponto seria oportuno e juridicamente adequado criar uma estatal de
seguros por Medida Provisória?
Pouco tempo após a divulgação do inusitado projeto do Estado,
empresários do setor mobilizaram-se e, pontualmente, criticaram a
proposta, ainda mais sob as vestes de Medida Provisória. Rapidamente,
a referida iniciativa cedeu espaço à criação da novíssima estatal por
intermédio de Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional.

1. Este artigo é apresentado ao final também em inglês.


2. Entrevista concedida pelo Min. Guido Mantega em 13/07/2010, disponível em http://
colunistas.ig.com.br/guilhermebarros/tag/empresa-brasileira-de-seguros/. Acessado em
30/08/2010.

133
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Logo depois da divulgação desse fato, o mercado brasileiro de seguros,


representado pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais,
Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNSeg –
manifestou-se de maneira contrária à criação da nova estatal, com argumentos
opostos aos sustentados pelo Governo.
Segundo informações técnicas colhidas pela CNSeg,3 o mercado brasileiro,
em hipótese alguma, careceria de uma nova seguradora a fim de subscrever os
riscos do comentado Programa de Aceleração de Crescimento – PAC – ou às
obras de infraestrutura inerentes à realização no País da Copa do Mundo de
2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

A CNSeg e seus associados não aceitam, portanto, os supostos argumentos relativos


ao seguro garantia em que o governo alega que o setor privado não tem capacidade
para fazer frente à grande demanda por seguros das obras do PAC e dos eventos
esportivos de 2014 e 2016.
E uma prova inconteste desta capacidade são os números do setor que demonstram
o grande potencial desta indústria que movimentou, em 2009, R$ 109,2 bilhões
em prêmios, representando 3,56% do PIB.  Suas reservas técnicas acumuladas são
da ordem de R$ 237,1 bilhões – fundamentais para garantir o segundo grande
papel das seguradoras que é atuar como investidor institucional – além de um
patrimônio líquido consolidado de R$ 68,8 bilhões e investimentos de R$ 310
bilhões, montante equivalente a 9,7% do PIB. O setor também pagou R$ 8,34
bilhões em impostos. Este ano deverá crescer de 10% a 15%. Não bastasse essa
solidez, ainda garante cerca de 70 mil empregos diretos no país.
“O mercado tem plena capacidade para fazer o que o governo quer. A criação da
uma estatal é um retrocesso em ações do próprio governo, que quebrou o mono-
pólio do setor de resseguros acerca de dois anos e meio”, afirma Jorge Hilário
Gouvêa Vieira, presidente da CNSeg. “O mercado segurador tem total capacidade
para oferecer proteção financeira a todos os grandes projetos em execução ou em
fase de licitação na área de infraestrutura. O seguro-garantia, especificamente, é
um dos segmentos de maior crescimento no país. A América Latina movimentou
US$ 725 milhões em prêmios e o Brasil respondeu por 31% deste montante (o
equivalente a R$ 696 milhões), atrás apenas do México com 41%. No primeiro
trimestre de 2010 o país assumiu a primeira posição com 36% do volume de U$
189 milhões. Vamos corrigir estas distorções”, afirmou.

3. Informações disponíveis em http://www.fenaseg.org.br/main.asp?View=%7B1B5D9E10%2D3C


95%2D4411%2DB428%2D42911752AB67%7D&Team=&params=itemID=%7BFAD4EC31%2
D7987%2D4D71%2D9197%2DF1A428FF29EA%7D%3B&UIPartUID=%7BD90F22DB%2D
05D4%2D4644%2DA8F2%2DFAD4803C8898%7D. Acessado em 30/08/2010.

134
ELSEVIER X I – A E M P R E S A B R A S I L E I R A D E S E G U R O S – (E B S). N E C E S S I D A D E ?

Revezaram-se nos noticiários argumentos contra e a favor da criação dessa


estatal.
O mercado também trouxe como argumento contrário à EBS a recente
flexibilização do monopólio do IRB – Brasil Resseguros S.A., ocorrida no iní-
cio de 2007 com a sanção da Lei Complementar nº 126, cuja disciplina legal
foi levada a cabo pela Susep e pelo CNSP ao longo daquele ano por meio de
diversos atos normativos.
Apenas para ilustrar o desenvolvimento do mercado ressegurador após o tér-
mino do regime monopolista, atualmente, o Brasil tem em atividade 90 (noventa)
resseguradores, dos quais seis (6) são locais, vinte e quatro (24) são admitidas e
sessenta (60) são eventuais, além de diversos pedidos de habilitação por parte de
novos resseguradores cuja análise será brevemente realizada pela Susep.
Sob essa óptica, não há dúvida alguma de que o mercado brasileiro primá-
rio de seguros, após o término do monopólio, tem condições para acessar os
mercados internacionais por meio dos agentes estabelecidos no País de maneira
direta, livre das amarras características ao regime monopolista.
Postos lado a lado os argumentos favoráveis e desfavoráveis, torna-se
importante pensar essa questão sob a perspectiva constitucional e, para isso,
retroagir um pouco no tempo, mais precisamente aos motivos que conduzi-
ram o próprio Governo a eliminar o antiquíssimo monopólio do IRB – Brasil
Resseguros S.A.
A Secretaria de Política Econômica do Governo Lula, ao estimular e conduzir
o processo que culminou com o término do monopólio do IRB, taxativamente
afirmou que aquele regime produzia ineficiências, prejudicava a concorrência,
impossibilitava a entrada de inovações no mercado segurador, em suma, afirma-
-se com veemência que o mesmo Governo que nesse momento deseja criar a nova
estatal de seguros naquele momento foi o principal agente a estimular o fim do
monopólio estatal do resseguro. A seguir, apenas visando ilustrar o panorama à
época que, diga-se de passagem, data do ano de 2007, sendo, portanto, bastante
recente, convém examinar os trechos a seguir, extraídos do estudo publicado
pela referida Secretaria:

3.1.3 Aperfeiçoamento do Marco Regulatório do Setor de Seguros (...) Por essas


razões, o Governo inseriu em sua agenda 2004-2005 a revisão do marco regulató-
rio do setor de seguros e resseguros, favorecido pela alteração do artigo nº 192 da
Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003,
que permitiu que o Sistema Financeiro Nacional fosse regulado por mais de uma
lei complementar. Colocando a proteção ao consumidor como objetivo central
da ação do Estado, a política para o setor de seguros será baseada em três

135
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

pontos principais: i) o aperfeiçoamento institucional; ii) o aperfeiçoamen-


to fiscalizatório; e iii) o aperfeiçoamento das garantias ao consumidor. O
objetivo dessa política é retirar os entraves hoje existentes ao surgimento de
novos produtos e serviços, promovendo aumento da competitividade no setor,
melhoria das normas prudenciais e aperfeiçoamento da atuação do órgão
regulador e fiscalizador. Hoje, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB – Brasil
Resseguros) possui tanto a atribuição de regular o mercado quanto o monopólio
das operações de resseguro. Porém, sua composição acionária possui não apenas
o Governo, mas também as próprias empresas fiscalizadas. Historicamente, sua
importância residiu na própria criação e desenvolvimento do mercado nacional
de seguros. Contudo, o monopólio do resseguro, do qual o Brasil é hoje umas
das raras exceções, ao lado de Cuba e Costa Rica, traz consigo atualmente
alguns entraves econômicos à continuidade do desenvolvimento setorial:
a) cria ineficiências no mercado de seguros, por inibir que o ressegurador
único recuse atuar com seguradoras com deficiências operacionais ou de
subscrição, gerando maiores custos em última medida ao próprio segurado;
b) não estimula a competitividade entre seguradoras; c) inibe a entrada de
novas seguradoras no mercado (nacionais e estrangeiras); e d) inibe o desen-
volvimento de novos produtos, principalmente aqueles não padronizados.
(...) (Grifou-se)

Examinando o entendimento do próprio Estado, que culminou com o fim do


monopólio do resseguro por meio da Lei Complementar nº 126, de 15/01/2007,
pergunta-se o que teria mudado de modo a sugerir a criação de uma nova estatal,
só que agora dedicada ao mercado de seguros?
Os argumentos do mesmo Governo e, para ser ainda mais específico, da
mesma Secretaria, são completamente contraditórios.
É preciso lembrar, sempre, que a Constituição Federal de 1988 eliminou a
possibilidade de que o Governo crie novos monopólios, o que divergiu subs-
tancialmente dos textos constitucionais de Constituições anteriores, sobretudo
daquelas que foram promulgadas por ocasião dos regimes ditatoriais que coman-
daram o País por tantos anos.
É preciso pensar no referido projeto do Governo norteando-se pelos princípios
da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos no art. 1º, inciso IV e 170,
inciso IV, da Constituição Federal, que figuram como verdadeiros pilares da
ordem econômica nacional.
Considerando o seguro como atividade econômica e não como serviço
público, dada a desnecessidade de que o Estado se faça presente na qualidade

136
ELSEVIER X I – A E M P R E S A B R A S I L E I R A D E S E G U R O S – (E B S). N E C E S S I D A D E ?

de provedor,4 por que se cogitar da criação de uma estatal para atividade tão
especial e complexa, como é o seguro?
Por mais que se tenha afirmado que a EBS poderá atuar em todos os ramos
dos seguros, o discurso pró-Estado foi centrado nas necessidades de coberturas
para grandes projetos de infraestrutura (seguro garantia) e vultosas obras – riscos
de engenharia – o que demonstra, ainda mais, quão técnicas e complexas são
essas modalidades de garantia.
Com efeito, não se trata de, por exemplo, oferecer mais apólices de vida,
acidentes pessoais ou automóveis, para ampliar a fatia da população que regu-
larmente contrata o seguro. Definitivamente, essa não é a pretensão do Governo.
Quer-se, em verdade, oferecer garantias complexas sob o ponto de vista opera-
cional sem as necessárias exigências praticadas pelo mercado segurador privado,
impostas pelo próprio Estado, por seu agente fiscalizador – a Susep.
Ao examinar a questão sob a ótica do resseguro, anteriormente à sanção
da Lei Complementar nº 126, posicionamo-nos5 pela necessidade de que o
Estado deixasse de exercer funções na qualidade de protagonista, assim como
se procedeu em diversos outros segmentos da economia nacional (petróleo e gás,
telecomunicações, energia elétrica, navegação de cabotagem, entre tantos outros).
Foi-se o tempo em que o País experimentou a necessidade de proteger as
suas divisas explorando atividades econômicas. As Constituições da República
de 1934 e de 1937, expressamente, dispunham em seus títulos relativos à ordem
econômica e social, que caberia à lei providenciar a nacionalização das empresas
de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades
brasileiras as estrangeiras que à época estivessem em operação, assim como que as
sociedades em atuação no Brasil não poderiam dispor de acionistas estrangeiros
em seus quadros.
O programa de nacionalização do seguro alinhava-se, perfeitamente, às carac-
terísticas do Estado empresário, desenvolvimentista, sendo certo que a exploração

4. Floriano Azevedo Marques Neto ensina que há incidência da regulação tanto nos serviços
públicos quanto nas atividades econômicas, variando a intensidade da intervenção estatal de acordo
com a maior ou menor necessidade de que esta se faça presente: “Tanto nos serviços públicos
como nas atividades econômicas (em sentido estrito) há alguma incidência de regulação estatal.
O que irá variar é a profundidade e a intensidade da carga regulatória. Porém, mesmo na menos
condicionada das atividades econômicas – onde vicejar liberdade de empresa e não houver nenhuma
incidência de regulação estatal – haverá, residual e reativamente, alguma incidência de regulação
estatal seja no âmbito da proteção à concorrência (intervenção das autoridades antitruste), seja no
âmbito da proteção ambiental, seja ainda no tocante à defesa do consumidor.” (Floriano de Azevedo
Marques Neto. Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal, p. 7. Disponível em
http://www.direitodoestado.com/revista/redae-4-novembro-2005-floriano_azevedo.pdf. Acessado
em 05/08/2006).
5. Ilan Goldberg. Do Monopólio à Livre Concorrência. A Criação do Mercado Ressegurador
Brasileiro. 2008. p. 45-47.

137
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

monopolista do resseguro vinha ao encontro daquele panorama. Pedro Alvim, 6


ao comentar a respeito do programa de nacionalização do seguro, observa que
a criação do IRB se tratou da maior conquista desse programa:

Pretendeu, então, o governo impor determinadas condições para restringir esse


fluxo de dinheiro para o exterior em prejuízo da nossa balança de pagamentos.
Houve resistência das companhias estrangeiras, que tudo fizeram para dificultar
a aplicação das normas regulamentares dos sucessivos diplomas legais publicados
(...). A demorada resistência das companhias estrangeiras à submissão das normas
regulamentares gerou um movimento no Congresso Nacional, visando a naciona-
lização do seguro no país. Pretendia-se transformar em nacionais as agências das
seguradoras estrangeiras e, ao mesmo tempo, criar condições para o fortalecimento
das nossas seguradoras. (...) O movimento nacionalista teve, porém, o mérito de
ensejar a criação do Instituto de Resseguros do Brasil (Decreto-lei nº 1.805, de
27/11/1939). Seria o instrumento da política nacionalista. Sua instalação, no ano
seguinte, marcou o início de uma etapa muito importante para o progresso do
seguro nacional.

Como consequência da aplicação da livre iniciativa e da livre concorrência


ao setor de resseguros, enfim, após mais de 70 anos de monopólio, este foi
eliminado, cedendo espaço à concorrência saudável entre os agentes de mercado.
Nesses termos, por mais que o discurso governamental negue a existência de
interferência estatal por força da criação da EBS, não há como deixar de associar
a presença do Estado à respectiva interferência e, consequentemente, restrições
à livre concorrência, frise-se, constitucionalmente protegida.
Apenas para ilustrar a lógica dessa reflexão, imagine-se que o Governo queira
contratar garantias para a construção da tão comentada usina hidrelétrica de
Belo Monte.
Após a criação da EBS, o mercado privado teria alguma chance de concorrer
com a estatal?
Se o Governo puder contratar as garantias para os seus próprios projetos com
o próprio Governo (perdoando, aqui, o irresistível pleonasmo), naturalmente o
mercado privado será preterido.
Considerando que o mercado, por si, é capaz de oferecer as garantias neces-
sárias ao desenvolvimento da economia nacional e, além disso, enfatizando que
o Estado não deve imiscuir-se com atividade econômica tão específica, a fim de
concentrar seus esforços naquilo que realmente for básico e essencial à população

6. Pedro Alvim. O Contrato de Seguro. 1999. p. 55-56.

138
ELSEVIER X I – A E M P R E S A B R A S I L E I R A D E S E G U R O S – (E B S). N E C E S S I D A D E ?

– segurança pública, saúde, educação, saneamento e tantos outros serviços,


responde-se à pergunta formulada no título deste breve ensaio ratificando a
desnecessidade e a impertinência de que seja criada a nova estatal de seguros.

Referências
ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
GOLDBERG, Ilan. Do Monopólio à Livre Concorrência. A Criação do Mercado Ressegurador
Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à Abrangência e à Intensidade da
Regulação Estatal. p. 7, disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/redae-4-
-novembro-2005-floriano_azevedo.pdf. Acessado em 05/08/2006.

139
Empresa brasileira de seguros (EBS).
Is it necessary?

I n recent weeks there have been many stories in the press about the
Lula administration’s intention to create its twelfth state-owned com-
pany, this one to provide insurance, to be called Empresa Brasileira
de Seguros (EBS).
The Ministry of Finance claims a new government-owned company
is essential to correct the distortions created by the private insurance
market, which will be unable to cover all the risks resulting from the
rapidly expanding economy. In the words of the finance minister, Guido
Mantega1 “We’re making up for a deficiency in the Brazilian insurance
sector. There’s a lack of clarity, particularly because the way things are now,
the insurance sector cannot meet the need created by the investments the
government is making. We’re going to correct these distortions.”
Believing the matter to be urgent and relevant, the government ini-
tially intended to create the company through a provisional measure.2
The choice of this route raised protests about the legality of creating a
state-owned company using a provisional measure.
The announcement of this intention brought withering fire from
representatives of the insurance industry and other observers, even
more so because of its presentation through a provisional measure. The

1. Interview given by Minister Guido Mantega – http://colunistas.ig.com.br/guilhermebar-


ros/tag/empresa-brasileira-de-seguros/, Accessed on August 30, 2010.
2. A provisional measure (medida provisória) is a presidential decree that takes immediate
effect with status of ordinary law but is then subject to congressional approval and/or
amendment. This mechanism is constitutionally restricted to urgent matters of relevant
public interest, but these parameters are often loosely interpreted.

140
ELSEVIER E M P R E S A B R A S I L E I R A D E S E G U R O S (E B S). I S I T N E C E S S A R Y ?

government backtracked and decided to use an ordinary bill of law sent to


Congress as the mechanism to create the new state-owned insurer.
Soon after the disclosure of this initiative, the National Confederation of
General Insurers, Private Pension Plans, Life Insurers, Supplementary Health
Plans and Capitalization3 Companies (CNSeg), the main insurance industry
representative organization, came out against the creation of a new state-owned
insurer, rebutting the government’s justifications.
According to technical information gathered by CNSeg,4 the Brazilian insur-
ance market clearly does not need a new company to underwrite the risks that
will result from government investment projects, such as under its Growth
Acceleration Program (PAC), or the infrastructure works that will be necessary
to host the 2014 World Cup and the 2016 Olympics. Here are some highlights
of the arguments presented by Jorge Hilário Gouvêa Vieira, president of CNSeg:

CNSeg and its members do not accept the arguments regarding performance
bonds, where the government alleges the private sector does not have the capacity
to meet the huge demand to insure construction projects under the PAC and for
the sports events in 2014 and 2016.
Incontestable proof of this is provided by the sector’s numbers, which demonstrate
the great potential of this industry. In 2009 it took in R$ 109.2 billion in pre-
miums, representing 3.56% of the country’s GDP. Its accrued technical reserves
amount to some R$ 237.1 billion – fundamental to assure the second great role
of insurers, which is to act as institutional investors – along with consolidated net
equity of R$ 68.8 billion and investments of R$ 310 billion, an amount equal to
9.7% of GDP. The sector also paid R$ 8.34 billion in taxes last year. This year
it should grow by 10% to 15%. Besides these solid numbers, it also employs 70
thousand people directly in the country. (...)
The insurance market has full capacity to offer financial protection to all the large
infrastructure projects under way or in the tendering phase.

Many other arguments for and against the creation of this state-owned com-
pany have been appearing in the press lately.

3. Capitalização is a product that is unique to the Brazilian insurance market, and combines lottery-
based drawings with an incentive savings product.
4. Information available at http://www.fenaseg.org.br/main.asp?View=%7B1B5D9E10%2D3C95%
2D4411%2DB428%2D42911752AB67%7D&Team=&params=itemID=%7BFAD4EC31%2D79
87%2D4D71%2D9197%2DF1A428FF29EA%7D%3B&UIPartUID=%7BD90F22DB%2D05D
4%2D4644%2DA8F2%2DFAD4803C8898%7D. Accessed on August 30, 2010.

141
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Another argument against the creation of EBS is that it is a step back from
the recent ending of the reinsurance monopoly of IRB – Brasil Resseguros S.A.,
which happened at the start of 2007 with the enactment of Complementary
Law5 126 and the subsequent regulation during that year of the law’s provisions
by the Superintendent Office of Private Insurance (Susep) and the National
Council of Private Insurance (CNSP), through the issuance of various norma-
tive acts.
To illustrate the development of the reinsurance market after the end of the
government monopoly regime, at present Brazil has 90 active reinsurers, of which
6 are classified as local reinsurers, 24 are admitted ones and 60 are occasional
reinsurers, with more to come based on the applications for authorization pend-
ing analysis by SUSEP.
From this standpoint, there can be no doubt Brazil’s primary insurance
market, after the end of the monopoly, is able to access international coverage
by means of agents established in the country directly, without the bureaucratic
bottlenecks characteristic of the monopoly regime.
Besides the arguments for and against the idea on economic grounds, there
are constitutional issues involved in the question. To understand these it is
necessary to take a look back at the reasons that prompted the government itself
to eliminate the antiquated monopoly of IRB – Brasil Resseguros S.A.
The Economic Policy Secretariat (part of the Finance Ministry) of the Lula
administration, in stimulating and conducting the process that culminated in
ending IRB’s monopoly, repeatedly affirmed that such a regime produced inef-
ficiencies, hindered competition and prevented innovations in the insurance
market. To illustrate the panorama of that recent past (2007, just four years ago),
it is enlightening to cite some excerpts of a study published by the Secretariat:

3.1.3 Improvement of the Regulatory Framework of the Insurance Sector. (...) for
these reasons, the government placed on its agenda for 2004-2005 the revision
of the regulatory framework of the insurance and reinsurance sector, favored
by the alteration of Article 192 of the Federal Constitution by Constitutional
Amendment 40 of May 29, 2003, which permitted the National Financial System
to be regulated by more than one complementary law. With protection of consu-
mers as the central objective of the action of the state, the policy for the sector
will be based on three main tenets: i) institutional improvement; ii) improved
oversight; and iii) improved consumer guarantees. The aim of this policy is

5. A complementary law is an enabling law of constitutional provisions, in this case of the


constitutional amendment that authorized ending the government’s reinsurance monopoly.

142
ELSEVIER E M P R E S A B R A S I L E I R A D E S E G U R O S (E B S). I S I T N E C E S S A R Y ?

to remove the bottlenecks that exist today hampering the emergence of new
products and services, to promote increased competitiveness in the sector,
improve the rules on prudence and enhance the activity of the regulatory
and oversight entity. (...). (emphasis added)

In light of the position taken by the government itself, which culminated


in the end of the reinsurance monopoly by means of Complementary Law 126
of 2007, the natural question that arises is: What has now changed to justify
creation of a new state-owned company, this one to offer insurance?
The arguments now made by the government itself (more precisely, by the
same Secretariat) are completely contradictory to those presented previously.
It must be remembered that the Federal Constitution of 1988 eliminated the
ability of the government to create new monopolies. In this respect, it diverged
substantially from previous constitutions, especially those promulgated under
the military regime that had ruled the country for so many years.
It is necessary to consider the government’s project in light of the principles
of free initiative and free competition set forth in Article 1, IV, and Article 170,
IV, of the Constitution. These are true pillars of the national economic system.
Since insurance is an economic activity rather than a public service, there
is no need for the government to act as a provider. So, what justification can
there be to create a state-owned company to engage in an activity so specific
and complex as insurance?
Despite the affirmations that EBS will be able to offer all types of insurance,
the focus has been on the need to provide coverage for large infrastructure
projects, through performance bonds and engineering risk coverage, types of
insurance that are about as specific and complex as they get.
The thrust is not to offer more life, personal accident or car insurance policies
to expand the slice of the population with insurance coverage. This is definitely
not the government’s intention. What it really seeks is to offer complex guaran-
tees from an operational standpoint without facing the demands made by the
private insurance market, requirements imposed by the state itself through its
regulatory agency, SUSEP.
When examining the question under the prism of reinsurance, before the
enactment of Complementary Law 126, I expressed the opinion6 that the state
needed to stop exercising the protagonist’s role, as it had already done through
privatization and loosening of monopoly constraints in various other segments

6. Ilan Goldberg. Do Monopólio à Livre Concorrência. A Criação do Mercado Ressegurador


Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008. 1st Ed., p. 45-47

143
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

of the nation’s economy (oil and gas, telecommunications, electricity, coastal/


river shipping, among others).
The time has long passed when the country needed to keep revenue from
flowing abroad to foreign owners by performing economic activities itself. The
1934 and 1937 constitutions expressly provided, in their titles on the economic
and social order, that laws could be passed to nationalize all types of insurance
companies, to take over the foreign companies then in operation in Brazil, and
provided that insurers in the country could not have foreign shareholders.
The program to nationalize insurance was in harmony with the character-
istics of the state as an entrepreneur, focused on development. The reinsurance
monopoly established in those days was perfectly in line with that panorama.
But after 70 long years this monopoly was ended as a consequence of the
principles of free initiative and free competition, opening the way for healthy
competition among market players.
In this light, no matter how strongly the government denies that the creation
of EBS will mean renewed state interference, there is no escaping this is exactly
what will occur, hence imposing restrictions on free initiative and free competi-
tion, both of which are constitutionally protected.
Just to illustrate the logic of this point, imagine that the government wanted
to contract guarantees for construction of the controversial Belo Monte hydro-
electric project.
After the creation of EBS, would the private market have any chance to
compete for this business?
If the government can contract guarantees for its own projects with the
government itself (pardon the irresistible pleonasm), naturally the private market
will be shoved aside.
But the market is well able to provide the guarantees necessary for the devel-
opment of the national economy, and the government should refrain from
becoming involved in such a specific economic activity, instead focusing its
efforts on basic and essential social services – public safety, health, educa-
tion, sanitation and so many others. So, the question raised in the title stands
answered: there is simply no need to create a new state-owned insurer.

144
XII
Os riscos eletrônicos e as
coberturas securitárias

Sumário: Introdução. 1. Fatos. Aspectos atuais com relação aos riscos eletrônicos. 2. A
apólice propriamente dita. 2.1. As coberturas específicas. Comentários individualizados.
2.2. Riscos excluídos. 2.3. Prêmio. Breves considerações. 2.4. Franquia. 2.5. Obrigações
gerais do segurado e do segurador. 3. Responsabilidade civil no âmbito da internet. Os
possíveis interessados na contratação das coberturas securitárias voltadas para os
riscos eletrônicos. 4. Considerações finais. Referências.

Introdução
ão é preciso retroagir muito no tempo para que se possa formular

N conclusão segura a respeito do desenvolvimento da informática,


como meio capaz de proporcionar o progresso da Sociedade.
Nos anos 1970/80, aqueles que tinham computadores em suas
residências eram considerados verdadeiras exceções à regra, já que,
naquela época, o custo correspondente à aquisição de uma máquina era
elevadíssimo.
Passados aproximadamente vinte anos, nota-se que o panorama sofreu
sérias alterações. Sob uma perspectiva global, o oferecimento de compu-
tadores à população viabilizou a divulgação de ideias, o aperfeiçoamento
da ciência, sendo certo que a internet teve e tem papel fundamental nesse
cenário. O desenvolvimento da sociedade, obrigatoriamente, requer a
utilização dos recursos da informática.
A velocidade com que as informações são trocadas por cidadãos espa-
lhados pelo mundo afora, o pronto oferecimento de cultura (através de
textos, músicas, filmes etc.), a realização de valiosos negócios através
da rede mundial de computadores, sem dúvida, vêm colaborando, de
maneira decisiva, para o desenvolvimento da sociedade como um todo.
145
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

No entanto, ao lado de tanto desenvolvimento, de aspectos realmente muito


positivos, encontram-se os aspectos negativos, relacionados à pirataria (utilização
indevida de softwares, músicas, textos), à ação de hackers,1-2 à disseminação de
vírus na internet, capazes de, em frações de segundos, espalharem-se por milhões
de máquinas de usuários ao redor do mundo, aspectos estes que despertam a
necessidade de que sejam prontamente estudadas as origens dessas práticas
temerárias e, mais do que isso, que sejam desenvolvidas formas de oferecimento
de cobertura securitária àqueles que possam ser lesados por esses riscos.
Com o passar dos anos, os estudos voltados para os riscos de natureza ele-
trônica – cyber risks – vêm ganhando força, sendo certo que nos Estados Unidos
da América e no continente europeu o seu gerenciamento se encontra melhor
delineado3 do que nos países da América Latina e da África.
Em pesquisa realizada, cujos resultados serão apresentados no curso deste
texto, puderam ser encontradas nos Estados Unidos diversas Companhias
Seguradoras comercializando apólices exclusivamente voltadas para os riscos
eletrônicos, encontrando-se, também, diversas Companhias no continente
europeu.4

1. Túlio Lima Vianna, em artigo de sua autoria, denominando “HACKERS: um estudo criminólogico
da subcultura cyberpunk”, Revista do CAAP, Belo Horizonte, a.6, v.10, p. 387-409, 2001, adota
a seguinte conceituação quanto ao termo hackers: “Optamos por uma classificação de ordem
objetiva dos hackers que leva tão somente em conta o seu modus operandi. Em rigor, somente as três
primeiras categorias são de hackers, pois as demais não exigem conhecimento técnico avançado para
agirem, mas resolvemos constá-las para que possamos ter uma classificação geral dos criminosos
informáticos: 1) crackers de servidores – hackers que invadem computadores ligados em rede; 2)
crackers de programas – hackers que quebram proteções de software cedidos a título de demonstração
para usá-los por tempo indeterminado; 3) phreakers – hackers especializados em telefonia móvel ou
fixa; 4) desenvolvedores de vírus, worms e trojans – programadores que criam pequenos softwares que
causam algum dano ao usuário; 5) piratas – indivíduos que clonam programas, fraudando direitos
autorais; 6) distribuidores de warez – webmasters que disponibilizam em suas páginas softwares
sem autorização dos detentores dos direito autorais”.
2. Aurélio Buarque de Holanda, em seu Dicionário Eletrônico, assim define o verbete hacker: hacker .
[Ingl., substantivo de agente do v. to hack, ‘dar golpes cortantes (para abrir caminho)’, anteriormente
aplicado a programadores que trabalhavam por tentativa e erro.] S. 2 g. Inform. 1. Indivíduo hábil em
enganar os mecanismos de segurança de sistemas de computação e conseguir acesso não autorizado
aos recursos destes, ger. a partir de uma conexão remota em uma rede de computadores; violador
de um sistema de computação.
3. Em www.irmi.com/Expert/Articles/2001/Popups/Rossi02-1.aspx. Acessado em 26/01/2011,
disponibiliza-se uma pesquisa que divulga os principais produtos (apólices) comercializadas por
Companhias Seguradoras estabelecidas nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália. Desenvolvendo-
se uma análise comparativa entre as coberturas oferecidas, a pesquisa examina, dentre cada uma
dessas coberturas, o oferecimento ou não de garantias para: crimes cometidos por terceiros (3rd party
crimes), condutas desonestas praticadas por empregados (employee dishonesty), (business interruption
and Internet insurance), extorsão (extorsion), responsabilidade civil profissional (Prof. Svcs. Liability)
e erros e omissões relacionados à mídia (Media E & O Liability).
4. A título exemplificativo, em www.chartisinsurance.com/us-network-security-and-privacy-
insurance_295_182553.html, constam informações detalhadas acerca do produto Network, Security

146
ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

Entretanto, no Brasil, o cenário é distinto na medida em que se tem conheci-


mento de apenas uma apólice disponibilizada com essa finalidade, denominada
Esurance.5 Para que seja possível alcançar o nível de sofisticação dessas coberturas
nos Estados Unidos e na Europa será necessário aprofundar as pesquisas em
nosso País.
Demonstrado esse quadro, ou seja, sob as perspectivas dos bônus e dos ônus
inerentes à utilização da internet como mecanismo de gerar negócios em velo-
cidade mais elevada, uma vez que a comercialização de produtos e serviços
pode, sem quaisquer problemas, ser desenvolvida para o mundo inteiro através
de, por exemplo, a simples informação de um número de cartão de crédito pelo
interessado na realização da operação, puderam ser colhidos dados diversos
demonstrativos de que ao lado dessas inovações, ou seja, em paralelo à comodida-
de e ao sensível incremento de lucratividade, surgiram problemas de proporções
não menos sensíveis, fruto da má utilização da rede mundial de computadores.
As perdas até pouco tempo atrás entendidas como catastróficas, absoluta-
mente imprevisíveis, como, por exemplo, as causadas por tornados, furacões,
enchentes, enfim, decorrentes de típicos fenômenos da natureza, cederam espaço
às perdas provocadas pelo próprio homem, através de catástrofes até mesmo pio-
res do que as causados por episódios naturais, sendo exemplos clássicos os ataques
terroristas de 11/09/2001, em Nova Iorque, e o de 11/03/2004, em Madrid. A
semelhança que se pode identificar na ação terrorista e na ação de um hacker se
identifica a partir da sua origem, qual seja, o próprio homem, causando para si
próprio prejuízos de proporções até então jamais pensadas.6

and Privacy and ID Theft (netadvantage). No mesmo sentido, em www.zurichna.com (site oficial da
Zurich American Insurance Company, que comercializa o produto chamado E-RiskEdge, abrangendo,
justamente, os riscos eletrônicos), www.swissre.com (site oficial da Swiss Reinsurance Company, no
qual está disponível artigo denominado “Law, Insurance and the Internet”) e www.lloyds.com (site
oficial do Lloyd´s of London, no qual se encontram disponíveis artigos voltados à matéria “riscos
eletrônicos”). Todos os sites foram acessados em 26/01/2011.
5. O seguro para riscos eletrônicos foi trazido ao Brasil por iniciativa da United Insurance
Brokers – UIB, no início de 2004 e a seguradora que, à época, demonstrou maior interesse pelo
produto foi a Mapfre. Informações detalhadas a respeito do produto disponíveis em http://www.
rossetmintz.com.br/apresesurance.pdf, acessado em 26/01/2011.
6. As perdas causadas pelo próprio homem e as provocadas por fenômenos naturais foram estudadas
por Niklas Luhmann e, especialmente quanto aos riscos eletrônicos, despertam grande atenção
justamente na medida em que estes são exclusivamente provocados pelo próprio homem. Inocorrerá
enchente, tornado, terremoto ou furacão capaz de atacar os servidores de determinada empresa e,
ilegalmente, destruir arquivos, enviar e-mails indesejados, apropriar-se de senhas etc. As palavras
a seguir explicam essa diferença de conceituação para risco/perigo: “Escreveremos as palavras risco
e perigo unidas/separadas por uma barra (/) para mostrar que constituem uma diferença. (...) A
diferença risco/perigo indica que, para ser definido o conceito de risco, precisamos do conceito de
perigo e o oposto. Por exemplo, uma inundação é um perigo, porém, aquele que constrói sua casa
no leito de um rio expõe-se a um risco. Um furacão é um perigo, mas quem provoca o aquecimento
global se (e nos) expõe a um risco. A inundação, o terremoto e o furacão são o mesmo fenômeno,

147
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Traçando interessante analogia entre situações ocorridas na mitologia, no


mundo real e no espaço virtual (cibernético), convém observar as passagens
abaixo, extraídas de artigo de autoria de Gustavo Henrique W. de Azevedo:7

Na mitologia: após Helena haver sido raptada por Páris, filho do rei Príamo, de
Troia, durante dez anos (de 1090 a 1080 a.C.), gregos e troianos protagonizaram
sangrentas batalhas, onde os dois lados acusaram perdas expressivas, como o grego
Aquiles e o guerreiro troiano Heitor, também um dos filhos do rei.
Uma noite, Sínon, orientando por Ulisses e primo deste, ferido e maltrapilho,
busca asilo no lado troiano e consegue hospitalidade. O rei Príamo não desconfia
de que Sínon estaria atuando como um espião.
Na manhã seguinte, para espanto de todos, não havia mais presença de tendas e
navios gregos; contudo, à entrada da cidade, encontrava-se uma enorme construção
de madeira, em forma de cavalo.
Interrogado a respeito do que aquilo significava, Sínon respondeu ser aquele
cavalo um meio de garantir segurança às embarcações gregas, desde que ficasse
fora da cidade.
Os troianos caíram na armadilha e introduziram o cavalo na cidade, apesar de
Cassandra, pitonisa e filha de Príamo, ter avisado que, se os troianos tomassem
o cavalo, aconteceriam catástrofes.
De noite, após a frota ter sido avisada por meio de uma fogueira (talvez por Sínon
ou Helena), do ventre do cavalo, idealizado por Ulisses e fabricado por Epeu,
saíram trinta guerreiros que abriram as portas de Troia, permitindo ao exército
grego ingressar na cidade promovendo saques e extermínio.
No mundo natural, um pequeno búfalo pasta despreocupadamente, na ilha de
Flores, situada na Indonésia, sem imaginar que está sendo observado por um
enorme dragão de Komodo. Este réptil é considerando o maior dragão de todos
os lagartos atuais, chegando a medir 3,5 metros e a pesar cento e dez quilos.
De repente, este lagarto lança-se sobre a sua presa, morde-lhe em qualquer parte
e se afasta, porém, mantém sua vítima no campo visual. A mordida foi profun-
da, mas não o suficiente para matar o búfalo. Este andará cada vez com mais
dificuldades, pois a saliva do dragão é repleta de bactérias, portanto altamente
tóxica, gerando um processo infeccioso que tomará conta do seu corpo, levando-o
lentamente à morte.

mas podem ser contemplados a partir de dois pontos de vista. (...)”. José Luis Serrano. A diferença
risco/perigo. Revista NEJ, v. 14, n. 2, p. 233, 2 º Quadrimestre, 2009. Disponível em https://www6.
univali.br/seer/index.php/nej/article/viewFile/1776/1416. Acessado em 26/01/2011.
7. Gustavo Henrique W Azevedo. De Ílion à web: o ataque viral dos ‘cavalos de Troia’. Revista
Cadernos de Seguro, setembro/2003, p. 43-51.

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Quando isso ocorrer, o dragão de Komodo se alimentará farta e calmamente.


Vírus: da mesma forma que o organismo do pequeno búfalo e a cidade de Troia
foram “contaminados”, hoje em dia, nos computadores, ocorre processo seme-
lhante. A diferença é que não é por bactérias, nem gregos.
O que se observa é um sofisticado ataque viral, onde os vírus são pequenos pro-
gramas que vêm escondidos dentro de outros, como um protetor de tela, por
exemplo, que o usuário instala em seu computador.
Evidentemente, o progresso fez com que o mitólogo Cavalo de Troia se materia-
lizasse num vírus de computador, permitindo a outra pessoa obter controle sobra
a máquina do usuário.
A propagação se dá a partir do momento em que o usuário roda o programa infec-
tado, o código de vírus também é executado e tentará infectar outros programas
no mesmo computador e em outros computadores conectados a ele por rede.
Assim como a ferida e as portas, do búfalo e de Troia, respectivamente, permitiram
acesso às suas derrocadas, os softwares e documentos oriundos da Internet são as
principais vias de contaminação de um computador.

Sendo certo que a sociedade vem enfrentando os problemas decorrentes dos


riscos de natureza eletrônica, e, estando disponíveis as coberturas securitárias
para esses males, entende-se absolutamente relevante atentar para essa questão.
Como de costume, medidas preventivas devem ser mais eficazes do que aquelas
que virão no futuro, quando os problemas já estiverem consumados.
Justifica-se, portanto, a redação deste trabalho, partindo da absoluta carência
de material doutrinário e/ou jurisprudencial relacionada aos riscos eletrônicos e
às coberturas securitárias.
A organização das ideias desenvolvidas procedeu-se da seguinte forma:
– No primeiro capítulo, foram trazidos à tona fatos, elementos relacionados
à realidade e à força dos riscos eletrônicos, à sua capacidade de, realmente,
causar perdas de grandes proporções ao homem. Traçou-se uma análise
de fatos ocorridos nos Estados Unidos da América, na Inglaterra, na
Austrália e, também, no Brasil.
– No segundo capítulo observou-se, de forma detalhada, o clausulado de
apólice comercializada nos Estados Unidos da América, especificamente
relacionada aos riscos eletrônicos. Foram trazidos comentários acerca das
coberturas básicas oferecidas, o que envolve os first party risks (cobertura
para as perdas ocorridas com a própria parte), os third party risks (cober-
turas para as perdas sofridas por “terceiros”) e os reputation risks (prejuízos
à imagem do segurado no mercado, associadas aos riscos eletrônicos).
Prosseguindo, vieram comentários particularizados acerca de todas as

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

garantias geralmente oferecidas. Foram ainda observados o glossário que


acompanha essa apólice, as suas condições gerais, os riscos geralmente
objeto de exclusão, assim como o método utilizado à avaliação de bens
intangíveis, eis que, no “universo virtual”, essa avaliação é absolutamente
relevante para que se possa, com coerência, avaliar-se o risco.
Ainda quanto à avaliação, por entender-se que o modelo apresentando na
apólice estudada não se afigura suficiente para evitar excessivas discussões
judiciais, desenvolveu-se um estudo acerca da avaliação de intangíveis, a
título de sugestão para o mercado e as autoridades reguladores brasileiras.
– No terceiro capítulo, foram colacionados entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais acerca da responsabilidade civil de provedores de acesso
à internet (ISPs), provedores de hospedagem de sites (HPSs), usuários
domésticos, entre outras empresas cujo foco esteja dirigido à web.
Trabalhou-se, também, sob a perspectiva de outras empresas, isto é, aque-
las que não têm atuação centrada no âmbito da internet, mas que também
se encontram como prováveis candidatas à contratação dessas espécies de
garantia securitária.
– Por fim, reservou-se à parte final a conclusão, sendo perfeitamente possível
sintetizar que na perspectiva de vida atual, em razão das vultosas perdas já
ocorridas e das que estão por ocorrer, tornam-se realmente necessários o
estudo e disponibilização das coberturas securitárias para os riscos eletrô-
nicos, como forma de minimizar os reveses criados pelo próprio homem.

1. Fatos. Aspectos atuais com relação aos riscos eletrônicos


Em 07/06/2000, o Lloyd´s of London,8 referência para o mercado segurador
mundial, divulgou ao público, através de sua página na internet, o artigo “UK
businesses unprotected against the cost of cyber-vandalism”.9 Segundo informações
colhidas em censo produzido pelo próprio Lloyd´s, três de cada quatro empresas
estabelecidas no Reino Unido admitiram não dispor de cobertura apropriada
às perdas causadas em decorrência da ação de hackers e pela infecção de vírus
em suas máquinas. Divulgou-se, também, que metade das empresas participan-
tes do censo admitiu ter sido afetada por vírus em seus computadores e 12%
experimentaram problemas decorrentes da ação de hackers em seus sistemas de
informática. Desse artigo, por sua pertinência ao tema ora discutido, cumpre
transcrever os trechos abaixo, extraídos de entrevista concedida pelo Sr. Max
Taylor, Diretor dessa instituição:
8. <www.lloyds.com>
9. Em tradução livre do autor, “Negócios no Reino Unido não se encontram protegidos diante
dos custos decorrentes da má utilização da Internet”.

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ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

This survey paints a very worrying picture of unprotected businesses beginning to


count the cost of cyber vandalism. What is even more alarming is that without proper
e-commerce insurance cover, those costs are going to keep mounting unless there are
substantial improvements to IT security in UK organizations.
Last month, the Love Bug virus was responsible for billions of pounds of damage
world-wide and massive business interruption. I don´t believe there can be any doubt
that this is going to be repeated again and again until organizations learn the lessons:
tighter security, closer relationships between IT professionals and risk managers, and
the recognition that dedicated cyber insurance is vital if revenues and costs are to be
protected.10

Comenta-se, ainda, que no mês de agosto de 2000 uma pesquisa realizada


pelo Lloyd´s nos Estados Unidos identificou no comércio eletrônico – e-commerce
– o maior risco para o século XXI. As coberturas voltadas para riscos dessa
natureza, até aquele momento praticamente inexistentes, foram estimadas em
200 milhões de euros (cumpre lembrar-se que esse artigo foi redigido e publicado
no ano 2000).
Ainda naquele ano, o mesmo Lloyd´s, por meio de matéria publicada em seu
site em 11 de setembro,11 divulgou que de acordo com estudo realizado pelo
Informationweek os prejuízos causados pela ação de hackers nos Estados Unidos
no ano de 1999 teriam sido da ordem de 226 bilhões de dólares, ou seja, 2,5%
do produto interno bruto americano.
Nessa mesma linha, em 23/11/2000, foi divulgada pesquisa calcada em
empresas australianas que, assim como as inglesas, não se encontravam cober-
tas para os prejuízos decorrentes da má utilização da internet.12 Segundo o
resultado da pesquisa, de cada cinco empresas australianas quatro admitiram
a não contratação de cobertura para os riscos eletrônicos. Ao formular per-
guntas relacionadas ao valor dos prejuízos causados pela ação de hackers e pela

10. Em tradução livre do autor, “esse censo demonstra um quadro realmente preocupante em virtude
dos prejuízos que começam a ser calculados ante à má utilização da internet. O que ainda é mais
alarmante é que sem coberturas securitárias apropriadas para o comércio eletrônico aqueles prejuízos
continuarão crescendo, a não ser que sejam adotadas melhores medidas voltadas à segurança nas
operações realizadas através da internet pelas empresas estabelecidas no Reino Unido. No último
mês, o vírus Love Bug foi responsável por prejuízos da ordem de bilhões de libras-esterlinas ao redor
do mundo, além de massificada interrupção de negócios, o que irá se repetir constantemente, as
empresas não aprendam a lição: melhor segurança, melhor relacionamento com os profissionais de
internet e de gerenciamento de riscos e o reconhecimento de que coberturas securitárias específicas
são vitais para que as perdas sejam evitadas”.
11. O nome da matéria em referência é: “Tripwire and lloyd´s of London to offer cyber insurance”.
12. O nome da matéria em referência é: “Australian businesses unprotected against the cost of
cyber-vandalism”.

151
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

disseminação de prejuízos, as empresas indagadas responderam da seguinte


forma: 43% afirmaram que os prejuízos superariam a casa dos 100 mil euros,
enquanto que 2% afirmaram que os prejuízos poderiam ser estimados em 5
milhões de euros.
Partindo das constatações a que chegou o Lloyd´s of London, desde o ano 2000
seria perfeitamente possível concluir que o tema ”riscos eletrônicos” despertaria,
de maneira agressiva, a atenção da sociedade. Se, naquele ano, apurou-se nos
Estados Unidos que os prejuízos relacionados à ação de hackers e à disseminação
de vírus representaram a expressiva marca de 2,5% do PIB daquele País (reco-
nhecidamente a maior economia do mundo), o que poderia se esperar para os
anos futuros, caso não houvesse, desde aquele momento, um planejamento bem
delineado com o propósito de melhor gerir essa espécie de risco?
Em fevereiro de 2001, Michael A. Rossi, sócio de um escritório de advocacia
americano especializado em direito securitário,13 publicou um artigo denomina-
do “New Stand-Alone E-Commerce Insurance Policies for First-Party Risks”.14 Nesse
texto, o advogado comenta que a desonestidade de empregados de empresas com
atuação no âmbito da internet, a prática de condutas ilegais por terceiros, até
mesmo criminosas, incluindo extorsão e interrupção de negócios desenvolvidos
devem despertar uma maior preocupação visando atenuar os prejuízos sofridos,
no sentido de que as empresas, ao procurarem por coberturas para riscos dessa
natureza, devem buscar opções específicas direcionadas aos riscos eletrônicos.
Coberturas genéricas, como as de responsabilidade civil geral, não cobrem os
prejuízos relacionados aos riscos eletrônicos.
Em novembro de 2002, o mesmo advogado, em outro artigo de sua autoria
– “Insuring First-Party Cyber Risk for Fortune 1000 Companies – A Worthwhile
Endeavor or Bondoggle?”15 –, traz comentários relacionados à necessidade de que
coberturas para riscos eletrônicos não sejam adquiridas apenas por empresas com
atuação comercial efetiva no âmbito da internet. Fontes seguras apontariam a
ocorrência de prejuízos severos sofridos por empresas que não oferecem vendas
on-line de seus produtos e/ou serviços, relacionadas a, por exemplo, perda de
software em decorrência de vírus espalhados pela internet, violação de hardware
(discos rígidos), contendo informações valiosas, cuja preparação teria despendido
horas a fio de trabalho de seus profissionais etc. Em sua conclusão, o autor aponta

13. Para mais informações, sugere-se o acesso ao site <www.inslawgroup.com>.


14. A íntegra desse artigo pode ser verificada em <www.irmi.com/Expert/Articles/2001/Rossi02.
aspx>, acessado em 26/01/2011. Em tradução livre do autor, o título deste artigo é: “Novas coberturas
específicas para e-commerce relacionadas a prejuízos sofridos pelo segurado”.
15. A íntegra desse artigo encontra-se disponível em <www.irmi.com/irmicom/expert/articles/2002/
rossi11.aspx>. Acessado em 26/01/2011.

152
ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

que a preocupação com os riscos eletrônicos deve ser adotada por todos, como
forma de minimizar os eventuais prejuízos que poderão surgir.
Em notícia publicada no noticiário da National Underwriter Company,16
com data de 06/05/2003, comentou-se a respeito de estudo desenvolvido por
companhia de seguros estabelecida nos Estados Unidos, relacionado aos riscos
eletrônicos e à busca de respectivas coberturas naquele País. Com relação às
pequenas e médias empresas, pelo menos um terço das mesmas, nos últimos três
anos, já havia sofrido perdas decorrentes da infiltração de vírus em seus sistemas,
constatando-se, também, que a maioria das empresas pesquisadas ainda não
dispunha de cobertura para os riscos de natureza eletrônica.
Outra constatação aferida nesse estudo revela que grande parte das empresas
pesquisadas afirma que, por não se utilizarem da internet como mecanismo para
comercializar produtos e serviços, não haveria necessidade de ser contratadas
as coberturas oferecidas para os riscos eletrônicos. Divulgou-se que dois terços
dos participantes – 225 empresas norte-americanas – dispõem de seus sites na
internet. No entanto, menos da metade dos entrevistados até mesmo sabe que são
oferecidas coberturas securitárias para riscos eletrônicos, e, mais ainda, dentre
aqueles que têm conhecimento a respeito dessas coberturas, mais de 70% ainda
não cuidaram de sua contratação.
Em 13/08/2003, o Insurance Information Institute17 publicou interessante
notícia18 sob a perspectiva das empresas americanas que, preocupadas com as
possíveis perdas decorrentes dos riscos eletrônicos, começaram a procurar as
coberturas mais adequadas às suas necessidades, destacando o referido instituto
que a maioria das empresas tem problemas (falhas) com relação às garantias
contratadas.
Da notícia em referência, convém transcrever os seguintes trechos:

Most Companies Have Cyber-Risk Gaps in Their Insurance Coverage, States The I.I.I.
-- Traditional Insurance Policies Not Adequate For Cyber Exposures.
New York, August 13, 2003 – As companies become more dependent on their computer
networks for vital data, business continuity and communications, their vulnerability
to cyber catastrophes increases.
Unfortunately, most companies are operating in a 21st century threat environment
with 20th century insurance coverage,” states John Spagnuolo, spokesperson for the
Insurance Information Institute (I.I.I.).

16. <www.nationalunderwriter.com>.
17. Instituto de Informações de Seguros. <www.iii.org>. Acessado em 26/01/2011.
18. <www.iii.org/media/updates/press.731722_content.print/>. Acessado em 26/01/2011.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

The dynamics of risk management have changed with technology.


The insurance industry has developed cyber insurance products to help businesses
confront the growing number of network security risks that have the potential to
shutdown a network, destroy vital data or steal customer information. For example, as
the public becomes more concerned about privacy, businesses will become more aware
that they are liable if their customers personal information is compromised. However,
only a small number of businesses are properly insured.
According to a recent Ernst & Young survey of 1,400 organizations in its 2003
Global Information Security Survey, only seven percent of respondents knew they had
a specific insurance policy geared to this network and cyber-risk. Nearly a third (33
percent) thought they had coverage they actually lacked. Another 34 percent knew
they lacked such coverage, while 22 percent didn’t know the answer. Ernst & Young
characterized the fact that only 7 percent of surveyed companies had cyber insurance
as “astonishingly low, given the risk environment and the fact that general policies
don’t provide such coverage.” (...)
The Risk
In fact, the number of incidents reported rose by 377 percent between 2000 and 2002,
increasing from 21,756 to 82,094, according to the CERT® Centers at Carnegie
Mellon University’s Software Engineering Institute, which focuses on ensuring the
integrity and survivability of computer networks. An incident may involve one site
or possibly thousands of sites. The CERT® Centers also indicate that the number of
potential system vulnerabilities has increased by 378 percent, increasing from 1,090
in 2000 to 4,129 in 2002. Possible effects of a cyber-attack include denial of servi-
ce, unauthorized use, loss/misuse of data and loss of public confidence regarding an
organization.
The Computer Security Institute (CSI), in cooperation with the Computer Intrusion
Squad of the San Francisco Federal Bureau of Investigation (FBI), released the results
of its 2003 Computer Crime and Security Survey. More than 250 respondents, which
included computer security practitioners in U.S. corporations, government agencies,
financial institutions, medical institutions and universities, reported over $200 million
in losses. According to CSI, the findings confirm the threat from computer crimes and
other information security breaches continues unabated. (...)
The number of intruders grows each day and they are quite different from those of
10 years ago. A hacker does not have to be a sophisticated programmer to be able to
harm a computer system. Intruders can use the Internet to educate themselves, and
now have access to easy-to-use tools which allow them to do large amounts of damage
in short periods of time. (...)

154
ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

Cyber-Risk and Homeland Security


Securing the nation’s cyberspace is also a critical element of homeland security, a
strategic challenge that requires commitments by both the public and private sectors.
According to the National Strategy to Secure Cyberspace, released by the Bush
Administration earlier this year, “Cyber-attacks on U.S. information networks can
have serious consequences such as disrupting critical operations, causing loss of revenue
and intellectual property or loss of life…There is no special technology that can make
an enterprise completely secure. No matter how much money companies spend on cyber
security, they may not be able to prevent disruptions caused by organized attackers.
Some businesses whose products or services directly or indirectly impact the economy
or the health, welfare or safety of the public have begun to use cyber-risk insur-
ance programs as a means of transferring risk and providing for business continuity.”
“The insurance industry can play a pivotal role in securing cyberspace by creating risk-
transfer mechanisms, working with the government to increase corporate awareness of
cyber-risks and collaborating with leaders in the technology industry to promote best
practices for network security”, says Richard Clarke, former chairman of the President’s
Critical Infrastructure Protection Board. (...)19

19. Em tradução livre do autor: A maioria das empresas tem falhas em suas coberturas securitá-
rias, afirma o Instituto de Informações de Seguros. Apólices tradicionais não oferecem coberturas
adequadas à exposição a riscos eletrônicos. Nova Iorque, 13/08/2003. Ao mesmo tempo em que as
empresas tornam-se mais dependentes das inovações tecnológicas, sua vulnerabilidade aos riscos
eletrônicos também sofre incrementos. Infelizmente, as empresas estão operando no século XXI
com cobertura securitária pertinente ao século XX, afirma John Spagnuolo. O mercado de seguros
desenvolveu produtos para assessorar as empresas com os riscos eletrônicos, relacionados à destruição
de informações importantes, apropriação indevida de informações de consumidores etc. De acordo
com um recente censo elaborado pela Ernst & Young tendo como base 1.400 empresas, apenas 7% das
entrevistadas tinha conhecimento a respeito das coberturas específicas para riscos eletrônicos. Aproxi-
madamente 1/3 (33%) pensou ter coberturas que, na realidade, não tinham. Outros 34% realmente
sabiam não dispor dessas coberturas, enquanto que 22% não souberam responder. Ernst & Young
considerou realmente muito baixo o percentual das empresas que detinham as coberturas específicas,
considerando-se, sobretudo, os riscos a que estão expostas e o fato de que as coberturas tradicionais
não dispõem de garantia para riscos dessa espécie. De fato, o número de incidentes comentado teve
um crescimento vultoso entre os anos de 2000 e 2002, da ordem de 21.756 para 82.094 casos, de
acordo com o CERT – Instituto de Engenharia de Softwares da Universidade de Carnegie Mellon. O
Instituto de Segurança dos Computadores, em parceria com o a Divisão de Informática do FBI de São
Francisco, apresentou os resultados do censo colhido no ano de 2003 acerca dos crimes e da segurança
no âmbito da informática. Mais de 250 dos entrevistados, que incluíram empresas especializadas
em segurança na internet, agentes do Governo, instituições financeiras, hospitais e universidades,
acusaram prejuízos superiores a 200 milhões de dólares. O número de invasores (hackers) cresce a cada
dia e são muito diferentes dos que existiam há dez anos. Um hacker não tem que ser um programador
sofisticado para estar apto a intervir num sistema de computação. Esses invasores podem se utilizar
da internet para se educarem, havendo sensível facilitação no que toca aos procedimentos necessários
ao sofrimento de prejuízos por todos aqueles que se utilizam da rede de computadores. A segurança
na internet depende de esforços de agentes públicos e privados. De acordo com a estratégia nacional
para tornar o espaço virtual mais seguro, divulgada pelo Governo Bush, ataques cibernéticos podem
ter sérias consequências como, por exemplo, impedir operações sérias, causando perda de receita e

155
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Desse artigo, denota-se a importância que o tema riscos eletrônicos vem


despertando nos Estados Unidos, havendo, inclusive, manifestações por parte
do governo americano (Bush) e do Federal Bureau of Investigation (FBI).
Também na telefonia celular digital20 começa a ser despertada preocupação
com os riscos eletrônicos. A primeira divulgação desse vírus foi feita no ano
2000, sendo que no ano de 2003 mais de três milhões de aparelhos já teriam
sido infectados nos Estados Unidos.
Em 06/11/2003, o jornal “O Globo”, às fls. 15, destacou em matéria de
página inteira: “Cavalo de Troia prende quadrilha de hackers”. Nessa matéria,
são reproduzidos, de forma detalhada, como atuava determinada quadrilha de
hackers que se valia de seus conhecimentos tecnológicos para violar sites de ban-
cos e administradoras de cartões de créditos. A operação realizada pela Polícia
Federal, batizada “Cavalo de Troia”, em referência ao vírus disseminado pela
referida quadrilha na internet, contou com o apoio de 205 agentes nos Estados
do Pará, Goiás, Maranhão e Piauí. Estima-se que os prejuízos causados seriam
da ordem de mais de R$ 30 milhões, havendo movimentação, num único dia, à
ordem de aproximados R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais). Sobre a
forma de atuação dessa quadrilha, comentou-se que os usuários de bancos pela
internet recebiam em suas máquinas determinados e-mails infectados que lhes
despertava a curiosidade, em virtude de seus conteúdos. Promovida a abertura
desses e-mails ocorria a imediata instalação do vírus denominado “Cavalo de
Troia”, cuja atuação consistia em capturar as informações relacionadas à utili-
zação do site de bancos, números de cartões de crédito etc. Com esses valiosos
dados em mãos, dita quadrilha realizava transferências bancárias para contas
de “laranjas”, causando, consoante comentado, prejuízos realmente vultosos.21

de propriedade intelectual ou até mesmo perda de vidas... Não existe tecnologia específica que torne
um empreendimento absolutamente seguro, não importando quanto dinheiro seja empregado pelas
empresas com esse propósito. O mercado segurador pode ter um papel muito importante no que toca
à segurança do espaço cibernético, a partir do momento em que crie ferramentas através das quais
ocorra a transferência do risco ao qual as empresas estão submetidas.
20. <www.vsantivirus.com/cell-phone.htm>.
21. As quadrilhas de hackers brasileiras já haviam chamado a atenção do jornal The New York Times,
na edição de 27 de outubro. Com o título “Brasil se torna um laboratório do cybercrime”, o jornal
publicou uma longa reportagem dizendo que proliferavam no país hackers especializados em “roubo
de dados e identidade, fraude, pirataria com cartão de crédito e vandalismo online”. O repórter Tony
Smith afirmou que o crescimento desse tipo de crime é possível porque as leis para punir crimes
digitais são “poucas e ineficazes”. A reportagem do New York Times citou uma empresa de consultoria
de risco digital londrina, a mi2g Intelligence Unit, segundo a qual, no ano passado, os dez grupos mais
ativos de vândalos e criminosos da internet eram brasileiros. Este ano, segundo a empresa, perto de
96 mil ataques na internet tiveram sua origem no Brasil. O jornal também abordou as dificuldades
da polícia para combater as quadrilhas de hackers. Smith contou que os 20 policiais trabalhando
para a divisão de crimes eletrônicos da polícia de São Paulo capturaram cerca de 40 criminosos
digitais por mês, mas o número era apenas uma fração do cada vez maior número de bandidos que

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ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

Em 03/07/2004, o jornal “O Globo” divulgou matéria intitulada “Microsoft


muda Windows para evitar invasão de computadores pessoais”, cujo conteúdo
revela a preocupação da empresa americana com a disseminação de vírus em
computadores pessoais através da utilização de sua ferramenta de acesso à inter-
net, qual seja, o Microsoft Internet Explorer. Segundo Stephen Toulouse, gerente
de segurança da Microsoft, hackers teriam utilizado a aludida ferramenta para
copiar as senhas de contas de usuários em sites de comercialização de produtos,
como, por exemplo, o e-Bay e o PayPal.
Em tradicional revista do mercado segurador americano, chamada U.S.
Insurer,22 verifica-se matéria exclusivamente relacionada aos riscos eletrônicos,
demonstrativa do crescimento, da relevância que esse assunto vem tomando no
referido país. Do artigo referenciado, intitulado Cyber-insurance finally clicks,23
transcrevem-se os seguintes trechos:

After four years of sitting on the sidelines, insurance for cyber-risks is now showing
signs of breaking into the mainstream in the US. (...) Insurance brokers report they
have underwritten more cyber-policies in the tree months from December to February
this year than in any other three month period. (...) Insurance carriers concur that is
has been a seller´s market of late. “We´re selling more policies and to a more diverse
client base”, says Robert Parisi, senior vice-president of AIG Business Risk Solutions
in New York. “When we introduced cyber-insurance in 1999, the reason was the
proliferation in dot-coms, wich were expected to change the world and certainly did.
But, over the last six months, we´ve seen coverage requests coming in from what we
used to call the old economy – manufacturers, utilities, retailers, financial institutions,
you name it. As technology is utilized across a wider spectrum of businesses activities,
the risks to that activity are becoming known. A fire or flood isn´t going to jeopardize
your customer relationship management system, but some hacker will”. (...) There are
host of reasons for this growth in new business. These include the stabilizing property/
casualty marketplace, greater knowledge and awareness of the financial impact of
cyber-risks and various government regulations implying that cyber insurance is an
appropriate mechanism for mitigating these risks. (...) Zurich, AIG, three Lloyd´s of
London syndicates (Ace, Hiscox and Beazley) and Chubb are the cyber-insurance
market leaders in the US. Chubb vice-president Tracey Vispoli says its cyber insurance
policy sales are up 25% since the third quarter of 2003. Chubb´s primary market is
financial institutions. (...) The belief that traditional property/casualty policies cover

usam computadores em São Paulo. A avaliação do jornal era baseada em uma declaração do próprio
delegado encarregado do combate a crimes por computador, Ronaldo Tossuniam.
22. Publicação da Primavera de 2004, v. 1. (www.usinsurer.com, p. 10/14).
23. Em tradução livre do autor, “Cobertura para riscos eletrônicos finalmente se desenvolve”.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

cyber-exposures was wide-spread in the late nineties. Several court casenow seem to
have cleared up the matter (...).24

Recentemente, a revista Veja, edição 2195, de 15/12/2010, publicou em sua


capa matéria a respeito de ataque perpetrado por hackers como represália à
prisão de Julian Assange, dono do site WikiLeaks, e o Periódico Migalhas,25
tradicional fonte de informação jurídica no Brasil, divulgou nota informando
que: “O semanal britânico The Sunday Times informou que o grupo de hackers
ativistas Anonymous, que já atacou os sites da MasterCard, Visa e PayPal, ameaça
sabotar o sistema Judiciário britânico, caso o fundador do site WikiLeaks, Julian
Assange, seja extraditado para Suécia”.
As notícias comentadas na primeira parte deste trabalho demonstram que a
preocupação com os prejuízos causados pelos riscos eletrônicos tornou-se uma
constante.
Consoante se expôs, nos Estados Unidos, na Europa e na Austrália existe,
inclusive, concorrência de mercado entre as seguradoras que comercializam
apólices relacionadas a esses riscos.
Tal como nos países mais desenvolvidos, não restam dúvidas de que no
Brasil e em todos os demais países que se utilizam da internet como forma de
realização de negócios, o que praticamente envolve o mundo inteiro, emerge

24. Em tradução livre do autor: “Após quatro anos fora do centro das atenções, seguros para riscos
eletrônicos agora começam a mostrar sinais de que exercerão papel principal nos Estados Unidos.
(...) Corretores de seguros informam que eles comercializaram mais apólices para riscos eletrônicos
nos últimos três meses, desde dezembro até fevereiro deste ano (2004), do que em quaisquer outros
períodos de três meses que tenham sido reportados. (...) Seguradoras concordam que isto se apresenta
como um mercado favorável aos fornecedores. ‘Nós estamos comercializando mais apólices para uma
clientela mais diversificada’, afirma Robert Parisi, Vice-Presidente da AIG Business Risk Solutions
em Nova York: ‘Quando nós introduzimos o seguro para riscos eletrônicos em 1999, o motivo era
o desenvolvimento das empresas ligadas à internet – dot.coms, cujas expectativas eram de mudar
o mundo e que, certamente, o fizeram. Mas, nos últimos seis meses, nós temos visto pedidos de
cobertura formulados por aquilo que nós costumamos chamar de economia antiga, como industriais,
fabricantes, fornecedores de serviços públicos, varejistas, instituições financeiras etc. Ao passo que a
tecnologia é utilizada numa envergadura maior de negócios, os riscos para essas atividades começam
a se tornar conhecidos. Um incêndio ou inundação não irão colocar em risco sua relação com os seus
clientes, mas um hacker irá’. (...) Existem diversos motivos para esse crescimento em novos negócios.
Isso inclui a estabilização do mercado de seguro de danos, melhor conhecimento e precaução do
impacto financeiro decorrente dos riscos eletrônicos e diversas regulações do mercado dispondo
que os seguros para riscos eletrônicos são um mecanismo apropriado para mitigar esses riscos. (...)
Zurich, AIG, três corretores do Lloyd´s of London (Ace, Hiscox and Beazley) e Chubb são os líderes
de mercado nesse segmento de riscos eletrônicos. Tracey Vispoli, Vice-Presidente da Chubb, afirma
que as vendas tiveram incremento de 25% no terceiro quadrimestre de 2003 e que o mercado ao qual
essa Cia dedica-se é o de instituições financeiras. (...) O entendimento de que apólices tradicionais
de seguros de danos disponibilizam cobertura para riscos eletrônicos foi bem esclarecido nos anos
noventa. Diversas decisões judiciais parecem ter esclarecido o problema”.
25. www.migalhas.com/mostra_noticia.aspx?cod=123073. Acessado em 13/12/2010.

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a necessidade de que sejam aprimorados os estudos relacionados às coberturas


que podem ser oferecidas, como forma de, com o passar dos tempos, gerir cada
vez melhor esses riscos.

2. A apólice propriamente dita


A pesquisa desenvolvida com vistas à execução deste trabalho encontrou como
resultado diversas apólices comercializadas nos Estados Unidos e no continente
europeu, especialmente voltadas para os riscos eletrônicos.
Dentre os resultados obtidos, serão abaixo apresentados comentários espe-
cíficos acerca das coberturas básicas oferecidas, o que envolve, dentre outras,
as coberturas para os riscos relacionados ao conteúdo dos web sites, aos serviços
profissionais prestados na internet, à interrupção dos negócios desenvolvidos pelo
segurado em virtude de ataque aos seus servidores, a concessão de capital para
restabelecimento de sua imagem em virtude de ataque que lhe foi perpetrado etc.
Prosseguindo, serão trazidos apontamentos com relação às exclusões geral-
mente mais utilizadas, à franquia (participação mínima obrigatória em dinheiro
e carência), assim como quanto às obrigações (deveres) de ambas as partes – segu-
rado e segurador – com vistas à consecução dos melhores resultados decorrentes
da celebração do contrato de seguro.
Em interessante obra denominada @Risk version 2.0 – The definitive gui-
de to legal issues of insurance and reinsurance of internet, e-commerce and cyber
perils,26 de autoria de Ty R. Sagalow, executivo responsável na AIG E-business
Risk Solutions27 pelos produtos voltados aos riscos eletrônicos, encontram-se, de
forma detalhada, explicações acerca do produto oferecido por essa seguradora
tendo como foco os riscos eletrônicos.
Da sua página V, por sua pertinência com os comentários que virão a seguir,
convém transcrever:

Technological improvements alone cannot safeguard a company´s digital risks. Whether


managing the risk of a computer virus, eletronic theft of confidential information or
the loss of business interruption due to a computer attack, a Total Risk Management
Approach is required, wich combines best in class technology, risk information
and insurance. Fortunately, the insurance industry has begun to adress cyber-risk

26. Em tradução livre do autor: “O guia definitivo para questões de seguro e resseguro no âmbito
da Internet, comércio eletrônico e perigos cibernéticos”.
27. Trata-se de “braço” da Seguradora americana AIG – American International Group que, após a
grave crise financeira ocorrida em 2008, deixou de usar o nome AIG e passou a chamar-se Chartis
Insurance.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

management needs through the development of detailed expertise and the creation of
specialized products and services to manage those risks.28

Possivelmente, a primeira noção que se deve ter ao iniciar-se o estudo acerca


das coberturas específicas para riscos eletrônicos é que as apólices geralmente
comercializadas, com cobertura para danos (property) e para responsabilidade
civil (civil liability) não abrangerão as especificidades inerentes aos riscos eletrô-
nicos. Via de regra, as coberturas oferecidas nos seguros de dano e de responsa-
bilidade civil estão voltadas para interesses relacionados a bens tangíveis, como
por exemplo, um veículo, uma casa, os prejuízos decorrentes de lesões corporais
sofridos por um determinado “terceiro” etc.
Com relação às apólices voltadas para os riscos eletrônicos, chamam a atenção
as coberturas dirigidas aos interesses segurados que recaem sobre bens intangí-
veis (intangible assets), reproduzindo-se, da já citada obra,29 o seguinte trecho
com relação à deficiência de cobertura das apólices tradicionais para os riscos
eletrônicos:

In the brick-and-mortar world, property policies typically cover damage or destruc-


tion of tangible property (like a building) due to a physical peril (like a fire). Theft
of a tangible asset (most typical money or securities) is also a subject of property-like
policies typically called fidelity or crime policies/bonds. Business interruption coverage
in the brick-and-mortar world covers the loss of revenue due to a property event. For
example, the loss of a book sales profits because a book store burned down in a fire.
The concept of property damage and business interruption are closely aligned and,
indeed, are typically in the same policy form.
In the world of cyber insurance policies, property coverage means the financial loss
arising from damage, destruction or corruption of intangible assets, i.e., data. (Data
is generally not covered in the brick-and-mortar world, i.e., traditional property,
policies.30

28. Em tradução livre do autor: “Somente avanços tecnológicos não são suficientes para promover a
segurança dos ativos digitais de uma empresa. Para que seja possível gerenciar os riscos decorrentes
da inseminação de vírus em computadores, o furto de informações confidenciais ou a perda de
negócios ante à interrupção do funcionamento de todo o sistema, torna-se necessário um programa
completo de gerenciamento dessa espécie de risco, o que reúne o melhor em tecnologia, informações
sobre esses riscos e seguro. Felizmente, a indústria securitária começou a mapear as necessidades
relacionadas à gestão desses riscos, desenvolvendo produtos (coberturas) específicos”.
29. Ty R. Sagalow. Op. cit. p. 34.
30. Em tradução livre do autor: “No ‘mundo real’, as apólices voltadas para danos (seguro de danos)
oferecem cobertura para prejuízos ou destruição de bens tangíveis (como um edifício), assim como
a um perigo físico (como um incêndio). Furto de ativos tangíveis (comumente dinheiro e ações)
também é objeto de cobertura de um seguro de danos, em apólices especificamente chamadas de

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ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

Sendo da essência da atividade securitária a delimitação dos riscos31 em


momentos anteriores à celebração dos contratos de seguro, pode-se afirmar, de
maneira tranquila, que os riscos eletrônicos não estarão “protegidos” através da
comercialização das apólices geralmente oferecidas no mercado (seguro de danos
e de responsabilidade civil).
A consequência lógica disso decorrente reside no fato de que aquele que
pretender contratar determinada cobertura específica para riscos eletrônicos
deverá ter atenção especial para o clausulado da apólice que esteja pretendendo
adquirir, sob pena de em momento futuro, caso faça a aquisição de modo ina-
dequado, ver-se obrigado a sofrer os reveses decorrentes da ocorrência de um
determinado sinistro.
Antes, porém, de observar as coberturas oferecidas nas apólices disponíveis
nos Estados Unidos e na Europa, convém, inicialmente, observar as perdas a
que estão sujeitas as empresas candidatas à celebração dessa espécie de contrato
de seguro.
A primeira distinção que se faz necessária classifica essas perdas em First Party
Financial Risk (prejuízos diretamente suportados pela empresa, sem que haja
relação com reclamações propostas por terceiros) e em Third Party Financial Risk
(prejuízos suportados pela empresa em decorrência de reclamações propostas por

fidelidade ou que ofertem cobertura para furtos praticados por empregados. Interrupção de negócios
nas apólices tradicionais oferece cobertura para perda de receita relacionada ao sinistro em referência.
Por exemplo, a perda dos lucros decorrentes da não realização da venda de um livro em virtude de
um incêndio da loja em que seria realizada a venda. O conceito de prejuízo em material de seguro de
danos e em interrupção de negócios estão alinhados e, de fato, estão tipicamente na mesma apólice.
No universo das apólices voltadas para os riscos eletrônicos, as coberturas para danos significam as
perdas financeiras decorrentes dos prejuízos, destruição e corrupção dos ativos intangíveis, i.e., data.
(Data não é geralmente coberto nas apólices tradicionalmente comercializadas nos seguros de danos).
31. Acerca da delimitação dos riscos, atividade essencial ao balizamento do que será ou não coberto
pelo segurador e, consequentemente, à cotação do prêmio a ser despendido pelo segurado, convém
observar: “Art. 760, Novo Código Civil: a apólice (....) e mencionarão os riscos assumidos, o início
e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do
segurado e o do seu beneficiário”. Orlando Gomes, em sua conhecida obra Contratos, 5. ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1975, p. 492, ensina: “A noção de seguro pressupõe a de risco. Na precisa definição
de Messineo, por tal deve entender-se o fato de estar o indivíduo exposto a eventualidade de um
dano à sua pessoa ou ao seu patrimônio motivado pelo acaso”. Washington de Barros Monteiro, em
Curso de Direito Civil, 5 v., 2ª parte, p. 353, comenta: “Em primeiro lugar, portanto, a apólice que
é o instrumento usual do contrato, deve consignar os riscos assumidos pelo segurador. O risco é
precisamente o objeto da convenção; é o perigo a que está sujeito o objeto segurado, em consequência
de um acontecimento futuro, alheio à vontade das partes. A apólice deve especificar esse risco,
indicando-lhe a natureza, extensão e limites”. Pedro Alvim, em O Contrato de Seguro, p. l25 e ss.,
após distinguir com absoluta propriedade os riscos ordinários e os riscos extraordinários, justifica a
exclusão de certos riscos da seguinte forma: “As observações anteriores, embora de natureza técnica,
ajudam a esclarecer porque as apólices contêm geralmente uma cláusula de cobertura ampla dos riscos
de determinada espécie, seguida de outra onde se faz a exclusão de todos os riscos extraordinários e de
outros que injunções de ordem técnica ou comercial desaconselharam sua cobertura no mesmo plano”.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

terceiros) e, ainda, em Reputation Risk (relacionado aos prejuízos suportados pela


empresa em virtude de abalos à sua imagem32 no mercado – também chamados
de loss of reputation and brand identity).
Passando a trazer comentários com relação aos first party financial risks, estes
ainda dividem-se nos prejuízos relacionados à destruição dos ativos digitais da
empresa, como, por exemplo, softwares, assim como nas perdas decorrentes da
interrupção do funcionamento dos seus sistemas, chamados “DOS” – denial of
service attack (exemplo marcante dessa espécie de perda ocorreu em fevereiro de
2000, quando, em virtude de um ataque aos seus servidores, os conhecidos sites
Yahoo, CNN, entre outros, amargaram prejuízo quantificados em 1,2 bilhões
de dólares decorrentes da perda de negócios que seriam gerados em condições
normais de funcionamento dos seus sistemas)33 e no furto de informações comer-
ciais confidenciais.
Os prejuízos decorrentes de reclamações apresentadas por terceiros (third
party financial risk) podem decorrer de situações diversas, tais como em razão
da simples presença da empresa na internet, em virtude do oferecimento de
serviços na web, pela transmissão de vírus, pelas consequências decorrentes de
um ataque aos seus servidores que paralise os seus negócios – “DOS” – ou, ainda,
pela perda decorrente do furto de informações sigilosas de seu banco de dados
(ex. banco de dados de administradoras de cartões de crédito).
No que se refere ao reputation risk, repita-se, decorrente de abalos à imagem
da empresa no mercado, não restam dúvidas quanto à sua configuração. A difi-
culdade, no entanto, estaria atrelada ao cálculo em moeda corrente acerca dessa
perda. Hipoteticamente, suponha-se que um determinado banco, detentor de
expressiva carteira de clientes (milhões de clientes), tenha sofrido um ataque ao

32. Em sede acadêmica, não obstante ter sido promulgada a Súmula 227 pelo eg. Superior Tribunal
de Justiça, “A Pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, ainda persiste discussão acerca da possibilidade
de que a pessoa jurídica possa ter reconhecido o direito a auferir indenização por danos de natureza
moral, em virtude de abalos à sua imagem no mercado. Do Código Civil Interpretado Conforme a
Constituição Brasileira, de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de
Moraes, 2004. p. 338, colhe-se: “Questão também controvertida tem sido a da aplicabilidade do dano
moral à pessoa jurídica. Compreendendo-se o dano moral como dor, sofrimento ou humilhação,
relativamente à lesão à dignidade da pessoa humana, afasta-se a sua aplicação em favor das pessoas
jurídicas. Isto porque qualquer lesão à pessoa jurídica com finalidade econômica, ainda que dirigida
à sua imagem, converte-se sempre em perdas pecuniárias, patrimoniais (Gustavo Tepedino. A Pessoa
Jurídica. p. 559-561). (...) Contudo, não tem sido esta a tendência da doutrina e jurisprudência
pátrias. Com efeito, a dificuldade para a sua comprovação e liquidação e o intuito louvável de se
assegurar o mais amplo ressarcimento resultaram na aplicação às pessoas jurídicas do conceito de
dano moral. O entendimento foi unificado com a Súmula 227 (1999) do STJ (...)”. Reservando
para um segundo plano essa discussão acadêmica, tem-se como certo que a apólice objeto de estudo
confere garantia relacionada às perdas que a imagem do segurado possa sofrer no mercado em
decorrência dos riscos de natureza eletrônica.
33. Ty R. Sagalow. Op. cit., p. 21.

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seu banco de dados que tenha culminado com a perda de informações sigilosas
de milhares de clientes. Sem contar os prejuízos decorrentes da utilização ilegal
de, por exemplo, cartões de créditos tendo como base as senhas de sua clientela,
é certo que esse banco enfrentará dificuldades para restabelecer o seu bom nome
no mercado, já que a divulgação da notícia pela mídia causará a perda da con-
fiança dos investidores, de um modo geral, nos serviços pelo mesmo oferecidos,
causando danos institucionais à empresa.
Estabelecida a premissa acima, relacionada aos first party financial risk, third
party financial risk e ao reputation risk, passa-se a discorrer, ainda de maneira
sucinta, a respeito das coberturas básicas que deverão constar de uma apólice
voltada especificamente para os riscos eletrônicos – cyber risks.
• Web Content Liability (conteúdo dos sites divulgados na internet):
oferta-se cobertura para possíveis demandas decorrentes de informações
divulgadas na internet.
• Internet Professional Liability (responsabilidade civil das empresas
cujos negócios estão relacionados com a Internet): oferta-se cobertura para
prejuízos decorrentes de demandas propostas por terceiros, baseadas em
erros e omissões do segurado no âmbito da Internet. Seriam beneficiários
potenciais dessa cobertura os “ISP” – Internet Service Providers (prove-
dores de Internet), “ASP” – Applications Service Providers (provedores de
software), host (hospedagem de sites), web design (elaboração de sites), entre
outras empresas.
• Network Security Coverage
(i) Third party coverage: demandas (claims) propostas por “terceiros”.
Essa cobertura dirige-se às condutas praticadas pelo segurado (erros e
omissões) que culminem com prejuízos de terceiros, sendo exemplos clás-
sicos a transmissão de vírus pela internet, o furto de informações sigilosas
geridas pelo banco de dados do segurado (administradoras de cartões de
crédito), o “DOS” – denial of service – ataque aos servidores do segurado
que culmine com a interrupção de todos os seus serviços relacionados à
internet (exemplos: envio de e-mails, hospedagem de sites das mais variadas
empresas – grandes corporações inclusive, apenas para que seja possível
dimensionar o volume dos prejuízos envolvidos etc.).
(ii) First Party Coverage (prejuízos sofridos pelo próprio segurado, sem
relação com reclamações apresentadas por terceiros): Esta cobertura dirige-
-se às perdas que o próprio segurado poderá experimentar. A infecção
de sua rede interna por vírus, a destruição de seus softwares, a perda de
informações sigilosas havidas por funcionários desonestos, entre outros
elementos.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

• Cyber Extorsion Coverage (cobertura para extorsão praticada no âmbi-


to da internet): disponibiliza-se através desta cobertura o reembolso de
despesas acaso experimentadas com investigação, ou, até mesmo, com
a prática da extorsão propriamente dita. A experiência norte-americana
revelou ser comum a prática de quadrilhas de hackers que, providas de
informações sigilosas e valiosas acerca da base de clientes de uma empre-
sa, fizeram contato com a mesma chantageando-a para que, mediante
o pagamento de quantia vultosa, não houvesse a divulgação de tais
informações na internet.
• Public relations or crisis-comunication (trata-se da cobertura des-
tinada para os antes comentados reputation risks): uma vez ocorrido
determinado sinistro que importe em ofensas à imagem da empresa
segurada no mercado em que a mesma atue, oferece-se essa cobertura,
especificamente voltada ao restabelecimento de sua imagem.

Do que se expôs até esse ponto, convém frisar que as coberturas oferecidas
giram em torno das três premissas básicas antes comentadas, quais sejam, first
party financial risks, third party financial risks e reputation risks. Partindo das
mesmas, delimitam-se as garantias, conforme comentários que virão em seguida.

2.1. As coberturas específicas. Comentários individualizados


Serão estudadas as coberturas específicas pertinentes a uma apólice comer-
cializada nos Estados Unidos, exclusivamente voltada para os riscos eletrônicos.
Antes, porém, de passar a esse estudo, convém observar algumas definições
básicas relativas aos principais termos (expressões) que serão utilizados nessas
coberturas.

2.1.1. Definições gerais


• Claim: refere-se tanto às demandas judiciais (lawsuits) quanto às deman-
das administrativas (pre-suit written demands). O conteúdo dessas deman-
das poderá ser expresso em requerimento de condenação a arcar com
o pagamento de verba pecuniária assim como para o cumprimento de
determinada obrigação de fazer, consistente, por exemplo, de que pelo
segurado seja retirada determinada matéria veiculada em seu site ao argu-
mento de que estaria sendo cometida contrafação (violação ao copyright ou
à determinada trademark, ou, até mesmo, ofensa à honra de determinada
pessoa).

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• Claim expenses: trata-se de custos relacionados à defesa do segurado


nas demandas judiciais ou administrativas acima referidas. Para que haja
cobertura, o segurador deverá ser consultado em momento pretérito à
realização dessas despesas.

• Damages: representa o montante a título de indenização cujo paga-


mento foi efetuado pelo segurador em decorrência ou de julgamento de
uma demanda judicial, com sentença/acórdão transitado em julgado, ou
mediante acordo realizado entre o reclamante (terceiro) e o segurado,
desde que, para isso, tenha ocorrido expresso consentimento do segurador.
Deverão ser objeto dessa cobertura (damages) as verbas que venham a ser
despendidas com todas as despesas inerentes aos processos, anteriores e
posteriores à propositura (pre and post judgment interests).

• Insured: a tradução simplória do termo insured não revela, de manei-


ra adequada, aquele(s) que, realmente, figurará(ão) como segurado(s).
Figurará(ao) como segurado(s) aquele(s) que, no contrato de seguro,
figure(m) como tal, qualquer (quaisquer) empresa(s)34 que detenha(m)
relação societária com a empresa que figure como segurada (policy hoder)
e empregados terceirizados (leased workers).

Definidos esses conceitos básicos, passa-se aos esclarecimentos detalhados


com relação às coberturas oferecidas.

2.1.2. Cobertura para o conteúdo dos sites divulgados


na internet – internet content or media liability

We shall pay on your behalf those amounts, in excess of the applicable retention, you
are legally obligated to pay, including content-based liability and liability assumed
under contract, as damages, resulting from any claim(s) made against you for your
wrongful act(s) in the display of Internet media. Such wrongful act(s) must occur
during the policy period.35

34. O oferecimento de cobertura para quaisquer empresas que possuam relação societária com o
segurado poderá atrelar-se ao recolhimento de um adicional de prêmio ao segurador, emitindo-se,
por consequência, um endosso à apólice originalmente emitida.
35. Em tradução livre do autor: “Cobertura para Responsabilidade Civil decorrente da Utilização de
Mídia: nós deveremos pagar em seu favor aquelas quantias que, superando a participação obrigatória
do segurado, esteja este legalmente obrigado a pagar, incluindo responsabilidade civil pelo conteúdo
exposto em seu website e responsabilidade assumida de acordo com o contrato, assim como prejuízos
decorrentes de demandas propostas contra o segurado em virtude de seus erros e omissões no que

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Algumas observações afiguram-se importantes, partindo do que se expõe


como sendo objeto de cobertura nessa cláusula. Em primeiro lugar, tem-se
que esta se apresenta sobre o modelo de ocurrence basis (à base de ocorrências)
e não sobre o modelo claims made basis (à base de reclamações). No entanto,
pode-se colher dos estudos realizados36 que, dependendo da conveniência do
segurado, poderá também ser celebrado o contrato partindo do modelo à base
de reclamações (claims made).
Prosseguindo, torna-se necessário melhor entender o que, tecnicamente,
pretende-se informar por meio da cobertura para Internet Media Liability. Em
se tratando de mídia voltada para internet, a cobertura deverá dirigir-se a todo
o material (todas as informações) disponibilizado no site do segurado.
Exemplificando, pode-se pensar em hipótese na qual determinada empresa
que comercialize produtos através de seu site na internet enfrente problemas
decorrentes de suposta publicidade enganosa, e que, diante disso, tenha que
responder a uma demanda judicial proposta por esse consumidor insatisfeito. A
cobertura em exame – Internet Media Liability – se prestaria para, em ocorrendo
perdas por parte do segurado, indenizá-lo, amenizando, portanto, os seus riscos.
Passando a atentar para os wrongful acts (erros e omissões) praticados pelo
segurado, deve-se entender através dessa expressão qualquer ato, erro ou omissão
por parte do segurado que importe em violação aos direitos de titularidade das
marcas de terceiros (copyrights e trademarks), difamações, ofensas verbais, invasão
de privacidade etc., sendo isso perfeitamente comum nos dias de hoje.37

2.1.3. Responsabilidade civil das empresas cujos negócios estão


relacionados com a internet – internet professional liability

(1) We shall pay on your behalf those amounts, in excess of the applicable retention,
you are legally obligated to pay, as damages, resulting from any claim(s) first made
against you and reported to us in writing during the policy period or extended reporting
period (if applicable), for your wrongful act(s). Such wrongful act(s) must occur on or
after the retroactive date and be in your performance of.

se refere ao conteúdo disponibilizado em seus sites. Esses erros e omissões deverão ser praticados
durante o período de vigência da apólice”.
36. Ty R. Sagalow. Op. cit., p. 39.
37. Ação cautelar inominada. Liminar. Contrafação de produto vendido através da internet. Mesmo
que a propriedade da marca não lhe pertença, porque ainda não deferido o registro, ao depositante
do pedido é assegurado o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. Art. 130 da Lei
nº 9.279/96. Caso em que o produto, objeto de contrafação, era comercializado em site na Internet,
sob a denominação de réplica do original, fabricado pela agravada. Suspensão da atividade. Requisitos
cautelares demonstrados. Legitimidade passiva da proprietária do domínio eletrônico. Agravo desprovido.
(TJ/RS – Ag. Instrumento nº 70006298582; Rel. Des. Leo Lima; 5ª Câmara Cível; j. 25/09/2003).

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2.1.3.1. Internet technology services or internet professional


services other than internet media services38

(2) We shall pay on your behalf those amounts, in excess of the applicable retention,
you are legally obligated to pay, including content-based liability and liability assumed
under contract, as damages, resulting from any claim(s) made against you for your
wrongful act(s) in your performance of Internet media services. Such wrongful
act(s) must occur during the policy period.39

As coberturas citadas estão relacionadas a: internet technology services (serviços


tecnológicos), internet professional services (serviços profissionais) e internet media
services (serviços de mídia).
Em princípio, a cobertura acima relacionada (item 1) se afigura semelhante à
cobertura referida no item 2.1.1 (media liability coverage). No entanto, a diferença
básica que se identifica entre ambas refere-se à modalidade de oferecimento da
cobertura. Enquanto que nesta – item 2.1.2 – a modalidade é a base de recla-
mações (claims made basis) – vide a redação empregada no texto, no sentido de
que os erros e omissões (wrongful acts) deverão ser comunicados ao segurador
durante ou após a data retroativa, naquela (item 2.1.1) a modalidade é a base de
ocorrência, eis que os erros e omissões deverão ter ocorrido durante o período
de vigência da apólice.
Importante ressaltar, também, que as coberturas oferecidas através da web
content or media liability coverage são absolutamente diferentes das oferecidas
para os professional services liability. Ao oferecer cobertura para segurados cuja
atuação no mercado esteja relacionada à prestação de serviços profissionais em
internet (um provedor de internet, por exemplo) afigura-se pertinente a cober-
tura para professional services liability, ao passo que caso não haja essa conotação
profissional nos serviços de internet prestados, como, por exemplo, uma clínica

38. Responsabilidade relacionada a serviços profissionais: Nós deveremos pagar em seu favor aquelas
quantias que, superando a participação obrigatória do segurado, esteja este legalmente obrigado a
pagar, como prejuízos decorrentes de quaisquer reclamações realizadas e que nos sejam reportadas
por escrito durante o período de vigência da apólice ou durante o período de extensão de reclamações
(se disponível), por seus erros e omissões. Esses erros e omissões deverão ocorrer durante ou depois
da data retroativa e estarem relacionados com: a) serviços tecnológicos de internet; ou b) serviços
profissionais de internet (diferentes dos serviços de mídia relacionados à internet).
39. Nós deveremos pagar em seu favor aquelas quantias que, superando a participação obrigatória
do segurado, este esteja legalmente obrigado a pagar, incluindo responsabilidade pelo conteúdo
do seu website e responsabilidade assumida em contrato, como prejuízos decorrentes de quaisquer
reclamações apresentadas contra o segurado em virtude de seus erros e omissões relacionados com
seus serviços de mídia na internet. Esses erros e omissões deverão ocorrer durante o período de
vigência da apólice.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

médica que apenas divulga o seu endereço e serviços médicos oferecidos, será
adequada a cobertura para web content or media liability coverage.
Portanto, as diferenças são marcantes levando em consideração o nicho, o
foco empregado pelo segurado para com as suas atividades. Caso se esteja tra-
tando de, por exemplo, um site institucional de uma clínica médica, conforme
acima ressaltado, a cobertura adequada será a exposta no item 2.1.1 – web content
or media liability -, ao passo que caso se esteja tratando de serviços profissional-
mente oferecidos através da internet, aí sim será adequada a cobertura descrita
neste item (2.1.2).
Convém, ainda distinguir as coberturas disciplinadas nos itens 2.1.2.1
(serviços tecnológicos prestados na internet) e 2.1.2.2 (serviços prestados na
internet, mas sem essa nuance tecnológica). Como exemplos de empresas que
se adequariam às coberturas ora tratadas, raciocina-se, com relação à primeira
cobertura, acerca dos provedores de acesso, os provedores de hospedagem de
sites, as empresas cuja atuação concentre-se na criação de páginas para clientes
na web, enfim, empresas exclusivamente com cunho tecnológico.
Para a segunda cobertura ora tratada, qual seja, dos serviços também presta-
dos na grande rede de computadores só que sem conotação tecnológica, sendo
exemplos os sites de busca, de compra e venda de produtos e serviços, entre outros,
afigura-se adequada a cobertura enfocada no item 2.1.2.2.

2.1.4. Cobertura para segurança na internet – security liabilility coverage

We shall pay on your behalf those amounts, in excess of the applicable retention, you
are legally obligated to pay, as damages, resulting from any claim(s) first made against
you and reported to us in writing during the policy period of extended reporting period
(if applicable), for your wrongful act(s). Such wrongful act(s) must occur on or after
the retroactive date set forth in the declarations and result in a failure of security of
your computer system.40

Para essa cobertura, o termo wrongful act está relacionado a condutas comis-
sivas ou omissivas por parte do segurado que impliquem violação ao seu siste-
ma de segurança, e que dessa violação resultem prejuízos (damages) para si ou

40. Em tradução livre do autor: “Nós deveremos pagar em seu favor aquelas quantias que, superando
a participação obrigatória do segurado, esteja este legalmente obrigado a pagar, como prejuízos
decorrentes de quaisquer reclamações realizadas e que nos sejam reportadas por escrito durante o
período de vigência da apólice ou durante o período de extensão de reclamações (se disponível), por
seus erros e omissões. Esses erros e omissões deverão ocorrer durante ou depois da data retroativa
mencionada nas declarações e que resultem de falhas do sistema de segurança do segurado”.

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ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

experimentados por terceiros. Esses prejuízos poderão ser representados pela


perda do conteúdo de software desenvolvido de maneira onerosa para o segurado,
o furto de informações sigilosas de consumidores, pela transmissão de vírus ou
por um ataque de hackers que implique a interrupção dos serviços prestados pelo
segurado – “DOS” – denial of service.

2.1.5. Cobertura para extorsão praticada no âmbito da internet –


cyber-extortion coverage

We shall indemnify you for those amounts, in excess of the applicable retention, you
pay as extortion monies resulting from an extortion claim first made against you and
reported to us in writing during the policy period.41

A ousadia, a astúcia encontrada nas práticas criminosas desenvolvidas na


internet chega ao ponto em que os criminosos – hackers -, além de invadirem
os servidores do segurado, violando o seu sistema de segurança, acabam por lhe
chantagear com a ameaça constituída de que caso não seja efetuado o depósito
de elevado montante em dinheiro, os dados confidenciais ilegalmente obtidos
serão divulgados na internet, causando, por consequência disso, prejuízos exces-
sivamente vultosos para o segurado.
Em virtude de práticas como essas, o seguro para riscos eletrônicos oferece ao
segurado cobertura para esses riscos, disponibilizando capital para fazer frente
a chantagens dessa natureza.
Por mais incomum que essa prática possa parecer, vale enfatizar que nos
Estados Unidos ela se tornou comum, o que justificou o estudo e colocação
desta garantia nas apólices direcionadas para os riscos eletrônicos, cumprindo
esclarecer, também, que no modelo norte-americano é oferecida verba em dinhei-
ro àqueles que trouxerem informações úteis com vistas à captura do hacker ou
grupo de hackers responsável(is) pela prática do crime.

2.1.6. Cobertura para ativos e receita – asset and income protection coverage

We shall pay direct loss, wich you suffer, in excess of the applicable retention, resulting
from injury to your information assets occuring during the policy period. We will also
pay direct loss on the form of Internet business interruption and Internet extra expense.

41. Cobertura para extorsão praticada no âmbito da internet. Em tradução livre do autor: “Nós
deveremos indenizar o segurado pelas quantias que, superando sua participação obrigatória, sejam
pagas em decorrência de extorsão pelo mesmo sofrida, comunicadas ao segurador por escrito durante
o período de vigência da apólice.”

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

In all cases, such loss must first occur during the policy period and result from a failure
of security of your computer system that also first occurs during the policy period.42

Note-se que nessa cobertura a obrigação do segurador é arcar com o pagamen-


to ao segurado em virtude dos prejuízos (damages) pelo mesmo experimentados.
Trata-se, aqui, de modalidade de seguro de danos (first party risk), portanto,
diferente das outras cláusulas já tratadas neste trabalho, voltadas à modalidade
de seguro de responsabilidade civil (third party risk).
Considerando os prejuízos suportados pelo próprio segurado, analisando-se
os seus ativos, o segurador encontrar-se-á obrigado a buscar a restauração do
patrimônio do segurado ao status quo anterior à ocorrência do sinistro.
À hipótese de, após regulado o sinistro, concluir-se pela impossibilidade de
sua restauração, a providência consistirá em indenizar o segurado em quantia
que corresponda ao valor dos seus ativos, tomando sempre a devida atenção
ao princípio indenitário, considerando a vedação de que o segurado lucre em
razão de qualquer sinistro, o que no ordenamento jurídico brasileiro encontra
correspondência com o dispositivo inserto no art. 778 do Código Civil Brasileiro:
“Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse
segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766,
e sem prejuízo da ação penal que no caso couber”.

2.1.6.1. Interrupção de negócios desenvolvidos no âmbito da interne


ou proteção de receita. Definições. Cyber Business interruption or
income protection definitions
As definições acerca da interrupção no desenvolvimento de negócios no âmbi-
to da internet (apólice voltada para riscos eletrônicos) e as definições constantes
das apólices tradicionalmente comercializadas (seguro de danos ordinariamente
comercializado) são semelhantes. O que as diferencia, na realidade, é a origem do
evento (sinistro) que se materializa. Enquanto que na apólice tradicionalmente
comercializada o sinistro refere-se a um evento físico (furacão, enchente, descarga
elétrica), na apólice voltada para os riscos eletrônicos o sinistro está relacionado
a, por exemplo, um ataque perpetrado por um hacker, resultante de uma falha
no sistema de segurança eletrônico do segurado.

42. Cobertura para proteção de ativos e da receita. Em tradução livre do autor: “Nós deveremos pagar
diretamente os prejuízos sofridos pelo segurado, que sejam superiores à sua capacidade de retenção,
resultantes de prejuízos ocorridos com os seus ativos, na vigência da apólice. O segurador também
arcará com o pagamento correspondente aos prejuízos sofridos pelo segurado em decorrência da
interrupção dos seus negócios desenvolvidos na internet. Em todos os casos, esses prejuízos deverão
ocorrer na vigência da apólice e serem consequência de falhas no seu sistema de segurança, também
ocorridas na vigência da apólice”

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• Passando a observar, especificamente, a cobertura voltada à interrupção


de negócios desenvolvidos no âmbito da internet, uma das apólices comer-
cializada nos Estados Unidos da América43 disponibiliza três espécies de
cobertura: Internet business interruption: esta cobertura está voltada
ao período compreendido entre a data em que houver a interrupção
dos negócios realizados pelo segurado através da internet e a data em
que este tiver condições de restabelecer, em condições normais, as suas
atividades. A estimativa de tempo que será objeto desta cobertura não
encontra delimitações na apólice em referência, entendendo-se, por conta
disso, que deverá ser utilizado critério consistente de razoabilidade para se
chegar a esse número de dias. A justificativa para o não estabelecimento
prévio desse período de tempo, no qual deverá o segurado restabelecer
normalmente as suas atividades, ampara-se no caráter subjetivo de que
se reveste esse acontecimento. Inúmeros fatores influenciarão o retorno
do segurado às suas atividades regulares, motivo pelo qual se afigura
perfeitamente razoável, equilibrada, a não existência de rigor acentuado
com relação a esse prazo.
• Extended Internet Business Interruption: estando restabelecida a nor-
malidade das atividades comerciais desenvolvidas pelo segurado, disponi-
biliza-se, ainda, uma cobertura adicional, destinada a lhe amparar num
período de até 90 (noventa) dias a contar do restabelecimento de suas
atividades, para que, perante o mercado no qual atue, sua imagem, sua
reputação, possam ser também reparadas.
• Dependent Internet Business Interruption: esta cobertura, sem desme-
recer as anteriores, revela-se de extrema necessidade, sobretudo às empre-
sas (seguradas) que tenham como objeto de suas atividades o suporte a
negócios desenvolvidos por terceiros. Exemplo clássico da utilidade desta
cobertura refere-se aos “ISP´S” – Internet Service Providers (provedores
de internet), que, via de regra, oferecem suporte a outros sites que deste
dependem para que possam desenvolver os seus negócios. Como exemplos
no Brasil, podem ser citados sites variados (Uol, Terra etc.)
Revelando a pertinência, a necessidade de que seja oferecida essa espécie de
cobertura remete-se o leitor à notícia apresentada anteriormente neste trabalho,
relacionada à interrupção dos negócios desenvolvidos pelo site norte-americano
Yahoo.com, cujos prejuízos, em virtude dessa interrupção – denial of service –,
alcançaram cifras absolutamente vultosas.

43. Ty R. Sagalow. Op. cit., p. 52.

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2.1.7. Cobertura relacionada ao restabelecimento da imagem do


segurado – public relations or crisis communication funds definitions
Fazendo menção ao reputation risk, tem-se que a perda de confiança, de
credibilidade que o segurado poderá sofrer no mercado em razão de um even-
tual ataque aos seus servidores poderá causar-lhe perdas realmente difíceis de se
contabilizar.
Trazendo novamente à nota hipótese que pudesse envolver empresas ligadas
à área financeira, tem-se como certo que seus clientes, ou seja, investidores,
buscam antes de rentabilidade, segurança. Diante de um ataque de um hacker
que subtraía as senhas de parcela expressiva de sua clientela, qual será o pensa-
mento da mesma, qual será a imagem da mesma acerca da instituição financeira
escolhida para gerir os seus fundos?
Em virtude dessa possibilidade de perda, ligada diretamente ao valor de
mercado das suas empresas, oferece-se a presente cobertura, como forma de,
através de inserções na mídia, divulgação no mercado, demonstração clara dos
fatos ocorridos, poder, gradualmente, fazer com que a imagem, a credibilidade,
sejam restaurados.
Os eventos (sinistros) relacionados a essa garantia não estão, apenas, relacio-
nados a possíveis ataques de hackers imbuídos do propósito de subtrair dados
confidenciais. Aqui, o ataque aos servidores de segurado que fique, então, com
as suas atividades paralisadas (denial of service) também representa risco extrema-
mente vultoso, já que, por exemplo, se determinado site especializado em compra
e venda estiver com as suas atividades interrompidas, naturalmente o usuário
procurará aquele que não estiver, sendo natural a propaganda disso decorrente
no sentido de prejudicar a imagem da empresa que, por conta de fatos praticados
por terceiros, teve as suas atividades normais prejudicadas.

2.2. Riscos excluídos


Consoante exposto, a delimitação dos riscos a que se submeterá o segurador
é da essência de sua atividade, sendo certo que pelos riscos não subscritos este
não responderá.44
44. Sérgio Cavalieri Filho, op. cit., p. 325/326, quanto à exclusão dos riscos, comenta: “Disso depende
também o seu equilíbrio econômico, pois, se, como vimos, o valor do prêmio (contraprestação do
segurado) é estabelecido com base nos cálculos estatísticos e atuariais, segue-se, como consequência
lógica, que é essencial o acordo das partes sobre a extensão dos riscos e os limites da indenização.
Qualquer alteração nessa equação importa quebra da mutualidade. Um risco acrescido na vigência
do contrato, não previsto na apólice, não foi incluído nos cálculos do prêmio. Além do mais, obrigar
o segurador a cobrir riscos excluídos ou não incluídos no contrato importa criar-lhe responsabili-
dade sem que tenha violado qualquer dever jurídico. 98.1 Cláusulas limitativas do risco (...) As
cláusulas limitativas do risco estão previstas no próprio Código Civil, cujo art. 1.434 determina,
expressamente, que a apólice especifique os riscos assumidos pelo segurador, o valor do seguro

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Ao lado da delimitação caminha a exclusão de outros riscos, seja em virtude


de serem objeto de cobertura noutra apólice, seja em virtude de sua elevada
sinistralidade, o que os torna desinteressantes para o segurador.
Nas apólices voltadas para os riscos eletrônicos, da obra já mencionada45
apresentam-se a seguir algumas das exclusões de riscos mais encontradas..

2.2.1. Condutas praticadas por empregados (absolute disgruntled employee)


Essa exclusão de cobertura dirige-se às condutas praticadas por emprega-
dos em desfavor de seus empregadores. Em geral, apresenta-se essa exclusão da
seguinte maneira: “any loss or damage resulting from an employee or any fraudulent,
criminal or malicious conduct by an employee”.46
Considerando que grande parte dos ataques perpetrados contra os ativos digi-
tais das empresas tem a sua origem em informações prestadas por empregados,
ou seja, pessoas que, em razão de suas funções e/ou cargos, detém informações
privilegiadas,47 entende-se que essa exclusão poderá se apresentar excessivamente
prejudicial aos interesses do segurado que, mesmo diante de hipótese na qual
este se veja traído por seu empregado, deixará de fazer jus à garantia securitária.

2.2.2. Furto de informações confidenciais de


clientes (theft of client information)
Essa exclusão apresenta-se realmente muito perigosa àquelas empresas que
pretendem contratar a garantia diante dos riscos eletrônicos, especialmente
se for da essência de sua atividade a manutenção (guarda) de dados acerca de
sua clientela, tais como instituições financeiras, administradoras de cartões de
crédito etc.

2.2.3. Danos punitivos (Non monetary and/or punitive damages)


Essa exclusão dirige-se às verbas que deveriam ser despendidas a fim de
que fossem pagos os custos (honorários, por exemplo), relativos às defesas que

e o prêmio pago pelo segurado. A seguir, temos, ainda, o art. 1460 (Código Civil), que é claro em
permitir a limitação dos riscos, ao dispor: “Quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do
seguro, o segurador não responderá por outros que venham a ocorrer”. Sendo assim, parece-me
induvidosa a legalidade e validade da cláusula limitativa de risco como meio legítimo para manter
o equilíbrio do contrato.” Grifou-se.
45. Ty R. Sagalow, p. 54-55.
46. Em tradução livre do autor: “qualquer perda ou prejuízo decorrentes das práticas de um empre-
gado ou quaisquer condutas fraudulentas, criminais ou maliciosas praticadas por um empregado”.
47. Ty R. Sagalow, pp. 54: “Given that at least half of computer attacks are brought by insiders, this
could exclude a considerable amount of coverage”. Traduzindo esse trecho: “Considerando que pelo
menos a metade dos ataques é decorrente da ação de empregados, essa exclusão representará uma
considerável porção da cobertura oferecida”.

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deveriam ser apresentadas em demandas que não detêm caráter pecuniário,


comum em reclamações relacionadas à mídia (exemplo: a divulgação indevida
de determinado fato na mídia que cause prejuízo a terceiros que, prejudicados,
apresentariam pedido de liminar visando fazer com que essa lesão fosse inter-
rompida – injuctive relief).
No ordenamento jurídico brasileiro, inexiste a figura do dano punitivo puro,
tal como existe no ordenamento jurídico americano, no qual prevalece a common
law. O que se pratica nos nossos Tribunais é uma espécie de prática através da
qual se aplicam os danos de natureza punitiva no momento em que é fixada
indenização por danos de natureza moral, como forma de fazer com que o
lesante, ao experimentar a condenação, não mais atue de maneira contrária à
legislação, de modo a fazer com se sucedam novas condenações (aplicação da
“teoria do desestímulo”, do caráter pedagógico-punitivo dos danos morais).48
Todavia, na doutrina, encontram-se entendimentos sedimentados no sentido
de que não há espaço no ordenamento jurídico brasileiro para os danos punitivos
puros, tal como preconizado na common law. Confira-se:

A operação contraria a tradição do ordenamento brasileiro, que, na esteira dos siste-


mas romano-germânico, sempre atribuiu à responsabilidade civil caráter meramente
compensatório, deixando ao direito penal a punição das condutas que a sociedade
entendesse mais graves. O caráter punitivo do dano moral viola esta dicotomia e vai
de encontro às diretrizes estruturais do ordenamento pátrio. Não se trata de simples
violação nominal ao princípio do nulla poena sine praevia lege, mas de uma completa
inversão de papéis nos ramos do direito. Na atual situação do direito brasileiro, as
indenizações punitivas (ou a utilização de critérios punitivos em indenizações que se
supõe exclusivamente compensatórias) não sofrem qualquer limitação legal, podendo
o juízo cível estipular os valores que lhe pareçam convenientes, em uma maior esfera
de discricionariedade que o juízo criminal, cujo poder punitivo encontra-se limitado
ao valor de multas e à duração das penas, conforme estritamente fixados em lei. 49 (.)
Do ponto de vista prático, o caráter punitivo do dano moral cria muito mais proble-
mas que soluções. Nosso sistema não deve adotá-lo, entre outras razões, para: evitar
a chamada loteria forense; impedir ou diminuir a insegurança e a imprevisibilidade

48. Apelação cível. Contrato de transporte. Dano moral: valor. Na espécie, a reparação se afasta da
ilação de fonte de lucro, face seu caráter punitivo-pedagógico, desestímulo à reincidência. Contrato
de transporte. Passageira que embarca em ônibus e sofre lesões em seu interior, por negligência e
imperícia do condutor do veículo, sofre dano moral, a ser indenizado. Apelo parcialmente provido.
(Ap. Cível 2004.001.00796; Des. Ronaldo Rocha Passos; 3ª Câmara Cível; j. 04/05/2004). Grifou-se.
49. Anderson Schreiber. Arbitramento do Dano Moral no Novo Código Civil. In: Revista Direito,
Estado e Sociedade, n. 20, jan./jul. 2002, p. 28.

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das decisões judiciais; inibir a tendência hoje alastradiça da mercantilização das


relações existenciais. A função punitiva representa atualmente um grande incentivo
à malícia. Ademais disso, ela “corre solta”, sem critérios, já que proveniente apenas
da maior ou menor sensibilidade de cada magistrado; os mais conscienciosos ainda
a justificam, mas a maioria dos juízes, por indicação inclusive do STJ, não separa a
compensação da punição. Na verdade, tal como construído o sistema da reparação,
a diferenciação entre compensação e punição poderia acabar por comprometê-lo
ainda mais; no entanto, não parece razoável que alguém seja punido, através de
sanção pecuniária, sem que tenha como saber o valor da penalidade infligida. Para
que a sanção fosse expressiva e pudesse atingir qualquer uma das tantas funções que
lhe são atribuídas, tais como a de prevenção, de exemplo ou de desestímulo, seria
mais do que desejável que a parcela respectiva fosse adequadamente destacada.50

Nesse sentido, a presente exclusão para os danos punitivos deverá ser objeto de
esclarecimento por parte do segurador quando de sua inserção no clausulado da
apólice, já que, em princípio, não há espaço no ordenamento jurídico brasileiro
para os danos punitivos puros, tal como ocorre no ordenamento americano.

2.2.4. Território
Ocorre a exclusão de cobertura quando a demanda surge a partir de um
determinado lugar no País, no continente ou no mundo, podendo-se encontrar
nos Estados Unidos cláusulas que excluem a cobertura para quaisquer demandas
surgidas no território americano, ou, alternativamente, para quaisquer demandas
surgidas fora dos Estados Unidos.
Com relação a essa exclusão, convém esclarecer que quão maior for o espectro
da cobertura, sem limitações em função do território, melhor estará resguardado
o interesse segurado, considerando, sobretudo, que, sob a perspectiva da inter-
net, as fronteiras são absolutamente virtuais, isto é, em instantes pode-se estar
no continente asiático, no Leste Europeu, assim como na América Latina, de
maneira que o ataque provocado por um novo vírus poderá ser prejudicial para
uma coletividade de países, o que revela a necessidade de que não haja exclusões
de cobertura por conta do território.
Deverá o proponente redobrar a sua cautela ao notar cláusula excluindo os
riscos por conta do território (do local que represente a sua origem), tendo em
vista os argumentos acima apresentados.

50. Maria Celina Bodin de Moraes. Danos à Pessoa Humana. Uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. 2003, p. 238-239.

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2.2.5. Perdas ocorridas por acesso não autorizado a informações


confidenciais (social engineering)
A fim de que se possa compreender o que constitui o objeto dessa exclusão,
convém transcrever a terminologia utilizada à mesma, em apólices comercia-
lizadas nos Estados Unidos: “... Social engineering exclusion might exclude attacks
by anyone who gains unauthorized access directly through the physical possession of any
password or other security code”.51
Essa hipótese de exclusão de risco se afigura essencialmente perigosa para
os interesses do segurado, considerando que dos riscos comentados, diversos
têm a sua origem em acesso não autorizado a informações confidenciais, sendo
exemplos furto de dados de clientes de administradoras de cartões de crédito, a
utilização de informações sigilosas de empresas que permitam ou que facilitem
o ataque aos seus servidores, causando perdas com ativos intangíveis, enfim,
deve ser evitada ao máximo essa espécie de exclusão.

2.3. Prêmio. Breves considerações


Em contraprestação à obrigação de garantia assumida pelo segurador, deve-
rá o segurado arcar com o pagamento do prêmio, segundo as especificidades
disciplinadas na apólice contratada.
A cotação do prêmio pelo segurador dependerá da avaliação do risco a subs-
crever, sendo certo que o valor a ser pago variará, proporcionalmente, de acordo
com a elevação ou diminuição do risco.
Nessa linha de raciocínio, um usuário doméstico que pretenda celebrar um
contrato de seguro para riscos eletrônicos arcará com prêmio menor do que uma
empresa com atuação no segmento de serviços tecnológicos, já que os riscos aos
quais esta se encontra exposta são muito maiores.
Desenvolvendo cálculos atuariais com base nos índices de sinistralidade, com
base no comportamento do mercado, chegará o segurado ao valor do prêmio
adequado para fazer frente às suas despesas e a uma margem de lucro, diante
da obrigação de garantia que será pelo mesmo assumida durante o período de
vigência da apólice e/ou do período de extensão de cobertura, caso se opte por
sua contratação segundo o modelo à base de reclamações (claims made basis).

2.4. Franquia
2.4.1. Participação mínima obrigatória do segurado em dinheiro (retentions)

51. Ty R. Sagalow, p. 55. Em tradução livre do autor: “O chamado social engineering deverá excluir
ataques realizados por qualquer um que obtenha acesso sem autorização diretamente à posse física
de qualquer senha ou outro código de segurança”.

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2.4.1.1. Carência (waiting period)


A estipulação de uma participação obrigatória do segurado nos prejuízos
ocorridos, ou, como esta é conhecida – franquia –, não é novidade nas apólices
brasileiras.
O mecanismo de funcionamento dessa participação obrigatória consiste do
seguinte: até o valor correspondente ao limite da participação obrigatória do
segurado, não haverá qualquer obrigação pecuniária por parte do segurador;
ultrapassado o montante equivalente a essa participação, o segurador passará a
se encontrar obrigado.
Justifica-se a estipulação da participação obrigatória como forma de fazer
com que o segurado não seja indiferente aos prejuízos que venham a ocorrer,
única e exclusivamente por ter celebrado um contrato de seguro. Caso não
houvesse a participação, a postura do segurado seria muito cômoda, isto é, para
este tanto faria que ocorressem ou que não ocorressem os prejuízos, já que para
si o resultado seria absolutamente o mesmo.
Esclarecido o motivo pelo qual se utiliza esse mecanismo em contratos de
seguro, passa-se a discorrer especificamente com relação à sua utilização em
apólices voltadas para os riscos eletrônicos.
Diversas poderão ser as forma nas quais se apresentarão as participações
obrigatórias, distinguindo-se, originalmente, as participações tendo como
referência um montante em dinheiro e uma estimativa de tempo (waiting
period). À participação obrigatória que estipule um valor mínimo em dinheiro,
pelo qual responderá apenas o segurado, não há maiores dúvidas, sobretudo
considerando-se que em diversas outras apólices essa forma é encontrada.
No que toca à participação obrigatória que tenha como referência o período de
espera – waiting period –, sua compreensão requer atenção mais detida. Consoante
comentado, discorreu-se acerca dos DOS (denial of service), tratando-se essa forma
de risco eletrônico de um ataque através do qual a empresa lesada encontrar-se-ia
impossibilitada, por um determinado número de horas, de desenvolver as suas
atividades negociais. Nessa linha, tem-se que a paralisação em comento poderá
levar, por exemplo, 10 horas, sendo certo que, novamente a título de exemplo,
ter-se-ia estabelecido como waiting period o período de 6 horas, no qual os pre-
juízos correriam por conta do segurado, ou seja, esgotado esse prazo, passaria a
responder o segurador.
Em suma, a estipulação das franquias em contratos de seguro tem como
finalidade estimular no segurado uma maior preocupação com o interesse que
será provido de cobertura, no sentido de fazer com que o sinistro seja realmente
indesejado, isto é, que o segurado adote todas as medidas que estejam ao seu
alcance com o propósito de evitar que as perdas aconteçam.

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Por mais óbvio que isso possa parecer, a prática demonstra que, em não raras
ocasiões, os segurados, lamentavelmente, contrariando o seu dever de máxima
boa-fé – uberrimae fides –, acabam por desejar o risco e provocá-lo, praticando
típicas condutas criminosas (fraudes), o que tem como efeito a nulidade do
contrato de seguro, por força do que dispõe o art. 762 do Novo Código Civil
Brasileiro.

2.5. Obrigações gerais do segurado e do segurador


2.5.1. Imediata comunicação dos sinistros
Detém importância fundamental essa cláusula contratual, na medida em
que regula obrigações por parte do segurado relacionadas à sua postura quando
do surgimento de prejuízos que, no futuro, poderão repercutir em demandas
judiciais e, também, no recebimento das demandas judiciais propriamente ditas.
Assim como no ordenamento jurídico brasileiro – art. 771 do Código Civil
– a apólice americana determina a obrigação de que o segurado, tão logo tome
conhecimento acerca de evento que possa se materializar como um sinistro,
comunique-o, imediatamente, ao segurador, sob pena de, em última instância,
sofrer a perda da indenização a que, em circunstâncias normais, faria jus. Note-
se que a obrigação não está vinculada, apenas, ao recebimento das demandas
judiciais, mas também ao conhecimento dos prejuízos que poderão fomentar a
propositura das demandas judiciais.
A obrigação ora comentada alinha-se à sistemática prevista na apólice à base
de reclamações na medida em que caso o segurado comunique a ocorrência da
perda tão logo esta se deflagre, obedecendo à forma estipulada na apólice, e a
demanda seja proposta tempos depois do esgotamento do prazo de sua vigência,
o sinistro estará provido de cobertura técnica.
Cumpre salientar que tanto para as coberturas voltadas para terceiros (third
party liability) quanto às coberturas voltadas para os prejuízos sofridos direta-
mente pelo segurado (first party liability) a sua obrigação é a mesma, qual seja,
comunicar a ocorrência seja do próprio prejuízo, do prejuízo do terceiro ou da
demanda tão logo tenha conhecimento dos mesmos.
Na doutrina, o entendimento ora demonstrado é acolhido. José Augusto
Delgado52 afirma o seguinte com relação à obrigação do segurado, consistente
da imediata comunicação do sinistro ao segurador:

52. José Augusto Delgado. Comentários ao Novo Código Civil – Das Várias Espécies de Contrato.
Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. XI, T. I. p. 281 e ss.

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19. Obrigação do segurado de comunicar a ocorrência do sinistro ao segurador:


Perda do direito à indenização.
O legislador de 2002 continua a elencar, no rol das obrigações do segurado, a
de, verificado o sinistro, comunicá-lo, logo que dele tenha conhecimento, ao
segurador. (...)
A primeira obrigação do segurado, entre outras, é de fazer chegar, pelo meio mais
rápido possível, a comunicação ao segurador de que foi vítima do sinistro. Deverá
individualizá-lo, declarar a hora e o local do seu acontecimento, além de descrever
todas as circunstâncias que o envolveram.
J. M. de Carvalho Santos, ao comentar o art. 1.457 do Código Civil de 1916,
firmou compreensão de que, se o segurado não efetuar a comunicação da ocor-
rência do sinistro, a “Companhia possa recusar pagar a indenização devida”. (...)
Há, portanto, uma obrigação de dar o aviso. Essa obrigação pressupõe uma con-
duta objetiva (que é a verificação do sinistro previsto no contrato) e uma subjetiva
(o conhecimento da parte do segurado do fato e de suas consequências o que lhe
obriga a agir).
O Tribunal de Justiça de São Paulo, interpretando essa obrigação do segurado,
decidiu, em 29/11/1956, que: “Para salvaguardar o seu direito, deve aquele que
contratou seguro de mercadoria em trânsito, comunicar à seguradora o extravio
da mesma, comprovado pelo certificado da empresa transportadora.” (AC 4ª
Câmara Civil do TJSP, Revista dos Tribunais, v. 264, p. 205).

A realidade legislativa atual sobre o assunto é a que a seguir vai esquematizada:


a) o segurado tem como obrigação principal participar ao segurador, logo
que o saiba, de que o sinistro ocorreu;
b) essa comunicação deve ser detalhada com indicação do dia, hora, local,
extensão dos danos, bens salvados e quaisquer outros detalhes importantes
que influenciaram a ocorrência do evento;
c) deverá, ainda, o segurado tomar sob sua responsabilidade todas as provi-
dências necessárias para minorar as consequências danosas do sinistro, a
fim de não agravá-las;
d) se essa comunicação não for feita, o segurado perde o direito à indenização
ajustada.
O objetivo da norma é punir o segurado, se por ato seu, em face do evento,
provocar danos maiores ao segurador do que os normalmente previstos.

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Marcelo da Fonseca Guerreiros observa, após fazer referência à omissão do


prazo53 discutido, que:

A obrigação legal do aviso prende-se ao fato de que, a partir da verificação do sinis-


tro entram em jogo de forma concreta e objetiva (e não mais potencial) interesses
financeiros da seguradora, que lhe compete acautelar. Em função, pois, desses
interesses, representados pela indenização a ser paga, justifica-se, plenamente, o
direito de a seguradora ser informada, sem delongas, da ocorrência do sinistro.
Se a seguradora “provar que, oportunamente avisada, lhe seria possível evitar ou
atenuar as consequências do sinistro”, o segurado perde o direito à indenização,
militando contra ele, segurado, a presunção juris tantum de ter agravado o risco,
ampliando-lhe as proporções, no próprio momento do sinistro. (...)

2.5.2. Meios alternativos de solução de conflitos – arbitragem


A apólice americana, utilizada como base à realização desta parte do trabalho,
contém dispositivo que recomenda às partes o recurso a meios alternativos de
soluções de conflitos (alternative dispute resolution), nos Estados Unidos a cargo
da American Arbitration Association.54
A justificativa à solução de conflitos através da arbitragem, ou seja, sem que
para isso seja necessário recorrer ao Poder Judiciário, afigura-se pertinente e
relevante. Conforme comentado, a internet, por sua dimensão global, poderá
apresentar problemas sofridos por segurados e/ou por seguradores ao redor do
mundo, o que motivará a seguinte pergunta: qual legislação deverá ser aplicada
para solucionar o problema? Suponha-se um segurado domiciliado no Brasil,
um segurador domiciliado na Inglaterra, e um ataque de hackers perpetrado
dos Estados Unidos. Qual legislação seria aplicável? Com o intuito de evitar a
polêmica e os desgastes decorrentes dessa discussão, o recurso à arbitragem se
mostra realmente muito importante, sobretudo como forma de, notadamente
no Brasil, “desafogar” o Poder Judiciário que, não obstante os esforços que vêm
sendo empreendidos, continua sufocado pela enorme quantidade de processos
que lhe é apresentada ano após ano, não havendo, ao menos no curto prazo,
medida que represente uma solução concreta para os jurisdicionados que não
seja recorrer aos meios alternativos à solução de conflitos.

53. Omissão do prazo – não fixação de prazo fechado para que o segurado comunique o sinistro
ao segurador, diferentemente do que ocorre nas legislações de Portugal e França. (José Afonso
Delgado. Op. cit. p. 293).
54. Trata-se, no Comércio Internacional, de um dos mais conceituados órgãos através dos quais
são solucionados conflitos de interesses sem que se faça necessário recorrer ao Poder Judiciário.

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Em obra coordenada pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS,


denominada Arbitragem e Seguro – Comércio Eletrônico e Seguro,55 consta palestra
conferida pelo Professor Donaldo Armelin, enfocando: A Arbitragem na Lei
Brasileira – Aspectos Processuais. Sucederam-se à palestra debates, tendo-lhe sido
formuladas indagações por profissionais do mercado de seguros, transcrevendo-
-se, por sua pertinência com o tema ora enfocado, os seguintes trechos:

— Fernando Coelho dos Santos: Professor, minha questão é sobre a área específica
do direito do seguro. Existem contratos de seguros com apólices independentes
e existem programas de seguros que englobam várias apólices. Como seria a
redação a respeito da cláusula arbitral dentro de contratos e dentro de programas
de seguros? Ou seja, numa apólice de seguros podem ocorrer divergências com o
segurador, ou inclusive com o ressegurador. Poderia haver uma cláusula compro-
missória numa apólice de seguros? E dentro de um programa de seguros, poderia
acontecer a mesma coisa, quer dizer, já se estipular que quando houver uma
divergência entre o segurado e o segurador esta será resolvida através de arbitragem?
— Donaldo Armelin: Isto é perfeitamente possível, mas deverá ser observado o
disposto no art. 4º, § 2º,56 da lei de Arbitragem. Isto porque a inserção de cláusula
compromissória em contrato de adesão gerou um possível atrito com o Código de
Defesa do Consumidor, solucionado pela redação desse parágrafo, no qual se estipula
que a cláusula compromissória em contrato de adesão – o contrato de seguro parece
ser dessa natureza – somente terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir
a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito
em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa
cláusula. Evidentemente esta regra é aplicável a todos os contratos de adesão, embora
incida com maior ênfase nas avenças versando relação de consumo. (…)
— Therezinha Corrêa: No contrato de resseguro, que é uma prática internacional,
já existe previamente a cláusula de arbitragem, ou seja, as partes já se comprometem,
com antecedência que havendo algum problema, ele será dirimido prioritariamente
através de um Tribunal de Arbitragem. Isto é uma prática comum no exterior. Agora,
como nós temos aqui um resseguro monopolizado, a prática de arbitragem nesta área

55. Arbitragem e Seguro – Comércio Eletrônico e Seguro. 2001, p. 11-41


56. Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato
comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal
contrato. (...) § 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente
tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição,
desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente
para essa cláusula.

181
D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

é desconhecida no Brasil. Mas está havendo a quebra do monopólio do IRB,57 e os


resseguradores que saem do país estão trazendo modelos de contratos de resseguro
inserindo cláusulas de arbitragem, quando é feito através de contrato e não através
de seguro facultativo. Me parece que pelo menos na Inglaterra é tradição resolver
divergências através da arbitragem. Em outros países não é muito tradicional, e, nem
sempre as partes estabelecem a arbitragem no contrato de resseguro. No contrato
de seguro propriamente disto não se utiliza a cláusula de arbitragem, não é praxe.
— Donaldo Armelin: Eu não acho que nada impede que esta estabeleça a arbi-
tragem nessa hipótese, são direitos disponíveis em questão... (Grifos no original).

Nessa linha de raciocínio, considerando, sobretudo, que os maiores interes-


sados na celebração dos contratos de seguro voltados para os riscos eletrônicos
não serão hipossufucientes, de modo a tornar aplicável a legislação consumerista
e, mesmo que essa fosse aplicável, não se identificam quaisquer problemas em
instituir a arbitragem como mecanismo alternativo para solucionar os conflitos
que venham a surgir, desde que, por certo, sejam respeitados os dispositivos
legais aplicáveis.

2.5.3. Avaliação de intangíveis


A avaliação dos interesses que serão objeto de cobertura numa apólice vol-
tada para riscos eletrônicos afigura-se mais complexa do que a avaliação que se
desenvolve para as apólices tradicionais – seguro de danos (property).
Justifica-se essa assertiva de maneira muito simples: a avaliação de uma casa,
de um carro, de um relógio, enfim, de objetos físicos, em que seja possível desen-
volver comparação com outros bens semelhantes no mercado, torna tranquila
a tarefa voltada à sua avaliação.
Todavia, a avaliação dos ativos digitais (digital assets) de uma empresa, de sua
capacidade de desenvolver negócios, dos prejuízos decorrentes de sua interrupção,
fruto de um ataque a seus computadores (denial of service), por exemplo, ou,
ainda, o abalo à sua imagem (reputação) no mercado perante seus clientes, seu
público-alvo, revela-se complexa,58 sobretudo considerando-se que através da
57. Para o aprofundamento com relação às questões do monopólio do IRB – Brasil Resseguros
S.A. sobre as operações de resseguro no Brasil e do papel do Supremo Tribunal Federal – STF,
recomenda-se a leitura do artigo: “O resseguro e o STF”, de Paulo Luis de Toledo Piza, disponível
em www.ibds.com.br, acesso em novembro de 2004.
58. Em artigo de nossa autoria, publicado no periódico Adcoas nº 13, 1ª quinzena julho/2004, a.
VII, p. 250, denominado A Ação dos ‘Hackers’ – Repercussões para o Mercado Segurador, comentamos:
“As apólices com cobertura para prejuízos decorrentes da ação de ‘hackers’ têm como característica
própria a aplicação da ‘Teoria Indenitária’, sendo esta espécie do gênero ‘Seguro de Danos’. As perdas
decorrentes da ação de ‘hackers’ trazem em si elementos tangíveis e elementos intangíveis, já que,
ao sofrer o ataque, a vítima ficará sujeita a prejuízos palatáveis, quer dizer, mensuráveis, como por

182
ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

contratação de um seguro não poderá o segurado, em hipótese alguma, auferir


lucro por conta da ocorrência de um sinistro, sob pena de violar-se a “Teoria
Indenitária”.59
Com o objetivo de evitar discussões em torno da avaliação, a apólice em
estudo estipula alguns mecanismos que preestabelecem a forma através da qual
deverá ocorrer o seu desenvolvimento, transcrevendo-se a seguir, por sua perti-
nência, a cláusula contratual a isso relacionada:

Under coverage E, you and we each have the right to demand that amount of loss be
determined by appraisal. If either you or we make a written demand for appraisal, each
will select a competent independent appraiser and notify the other of the appraiser’s
identity within 20 days of the receipt of the written demand. The two appraisers will
then select a competent, impartial umpire. The appraisers will then determine and
state separately the amount of each loss. If the appraisers submit a written report and
there is an agreement to use the same, the amount agreed upon will be the amount
of loss. If the appraisers fail to agree, within a reasonable time, they will submit only
their differences to the umpire. Written agreement so itemized and signed by any two
of these three set the amount of loss. Each appraiser will be paid by party selecting the
appraiser. Other expenses of the appraisal and the compensation of the umpire will
be paid equally by you and us. If there is an appraisal, we will still retain or right to
deny coverage.60

exemplo a perda de discos rígidos de microcomputadores, software etc., avaliadas em quantias fixas,
ao passo que também ficará sujeita a perda de difícil mensuração, como soem ser as características à
propriedade intelectual, consistentes de arquivos anteriormente armazenados, nos quais, por exemplo,
poderiam ter sido despendidas horas de trabalho por parte de empregados desta suposta vítima”.
59. Pedro Alvim, na obra O Contrato de Seguro, Rio de Janeiro: Forense, p. 78-79, ensina que: “É da
maior importância a divisão de seguros de dano e de pessoas. Constituem dois grupos com estru-
turação técnica diferente. Não coincidem também os seus objetivos. Um tem caráter indenitário, o
outro não. A peculiaridade de cada grupo reflete na sua disciplina jurídica. Os seguros de dano são
também conhecidos como seguros de coisa, denominação que tem sido abandonada pelos autores,
porque se refere apenas a algumas espécies de seguros do grupo. São seguros de coisa ou de incêndio,
de transportes, de automóveis, etc., mas não se incluem aí os de responsabilidade civil, de garantia, de
fidelidade e outros. A expressão ‘seguros de dano’ é mais abrangente e envolve todos eles. Referem-se
tanto aos prejuízos materiais como à perda de valores patrimoniais. Há um princípio que domina
todos os seguros de dano, qualquer que seja sua modalidade de cobertura: ninguém pode lucrar
com o evento danoso ou tirar proveito de um sinistro. Deverá receber em dinheiro ou espécie
aquilo que perdeu. O pagamento a mais pode servir de estímulo à fraude ou à especulação, por isso
a legislação de todos os povos fulmina de nulidade o seguro de valor superior ao do bem. Figura em
nosso Código Civil: ‘não se pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem pelo seu todo mais
de uma vez’(art. 1.437). Eis porque se diz que os seguros de dano têm por objetivo uma indenização,
isto é, uma reparação, compensação ou satisfação de um dano sofrido. O segurado deverá receber o
que for necessário para repor a situação anterior à ocorrência. Ressarcir-se de seus prejuízos.”
60. Em tradução livre do autor: “Mediante a cobertura ‘E’, segurado e segurador têm o direito de
requerer que o montante das perdas seja determinado por avaliação. Se ambas as partes formularem
um pedido formal de avaliação, cada um irá escolher um avaliador competente, e notificará o outro

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

Partindo da leitura dessa cláusula, colhe-se a impressão de que a avaliação dos


intangíveis seria simples e, mesmo na hipótese de que houvesse divergências entre
segurado e segurador, isso seria solucionado através da atuação de um árbitro
(umpire), indicado pelos avaliadores (appraisers) de ambos.
Visando evitar discussões que, fatalmente, poderão surgir quando da ocorrên-
cia de sinistros que tenham como consequência a perda de negócios desenvolvi-
dos pelo segurado, abalos à sua imagem no mercado etc., raciocina-se no sentido
de que os critérios a serem utilizados com vistas à avaliação dos bens intangíveis
deverão ser mais objetivos, mais claros, entendendo-se pela inadequação de que
se reserve essa importante tarefa a avaliadores ocasionalmente escolhidos, cujas
conclusões poderão desagradar tanto aos segurados quanto aos seguradores.
Em interessante artigo chamado Avaliação de Propriedade Intelectual e Ativos
Intangíveis,61 Ana Cristina França de Souza apresenta, de forma bem objetiva,
critérios seguros para fins de que se avaliem ativos intangíveis e propriedade
intelectual.
Por sua pertinência com o estudo ora desenvolvido, do artigo em referência
colhem-se as seguintes passagens:

1. Avaliação de Propriedade Intelectual e Ativos Intangíveis. Os ativos intan-


gíveis são talvez os mais importantes ativos possuídos pelas empresas. Combinados
com o capital e o trabalho, foram responsáveis pelas transformações do mundo
antigo para a atual complexidade da economia global. O reconhecimento da
importância dos ativos intangíveis no mundo dos negócios tem crescido veloz-
mente, pois cada vez mais as empresas têm sido negociadas em função dos seus
ativos off-balance. (...)
1.2 Regulamentação e Ética. O Brasil ainda não apresenta uma normatização
do processo de avaliação dos negócios, mas apenas uma referência a avaliação
pela rentabilidade na norma NB-502 da ABNT. Mesmo nos EUA esta atividade
ainda é bastante recente, ainda em fase de detalhamento da regulamentação.

a respeito da identificação do avaliador escolhido no prazo de 20 dias a contar do recebimento do


requerimento escrito. Os dois avaliadores, então, selecionarão um competente e imparcial árbitro.
Os avaliadores determinarão, então, o montante das perdas de maneira individualizada. Caso os
avaliadores submetam um relato escrito e haja um acordo quanto à conclusão, esta prevalecerá como
o montante a título das perdas experimentadas. Caso os avaliadores não cheguem a um acordo dentro
de uma margem de tempo razoável, então eles submeterão suas diferenças ao árbitro. Caso dois dos
três (avaliadores e o árbitro) concordem, chegar-se-á ao montante das perdas. Cada avaliador será
pago pela parte que o escolheu. Outras despesas com a avaliação e os custos do árbitro serão pagos
igualmente por ambas as partes. Caso haja avaliação, nós manteremos o nosso direito de negar a
cobertura”.
61. Publicado na Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – ABPI, n. 39, março/
abril de 1999.

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Das nove entidades reguladores existentes, oito enfocam a avaliação de imóveis


e apenas uma (ASA – American Society of Appraisers) destina-se às atividades
multidisciplinares de avaliação.
Atualmente os EUA reconhecem e adotam o USPAP – Uniform Standards of
Professional Appraisal Practice como o instrumento regulador dos serviços de
avaliação. Neste documento são definidas as práticas e procedimentos julgados
adequados pela entidade para cada tipo de serviço elaborado.

Estabelecidas essas informações iniciais, reveladoras da complexidade que


gira em torno da questão, a autora em referência passa a, de maneira específica,
fazer menção aos critérios, aos conceitos essenciais para que se possa desenvolver
a avaliação.
Como primeiro passo, comenta acerca da importância de se chegar a uma
conclusão a respeito do valor do objeto a ser avaliado (na visão dos securitaristas,
do interesse segurável, segundo a norma estabelecida no art. 757 do Código Civil).
Quanto aos diferentes critérios de balizamento para o valor:
• Valor justo de mercado:
É o tipo de valor mais aceito e reconhecido (simplesmente como valor de mercado)
e pode ser definido como o valor pelo qual o bem troca de propriedade entre
um potencial vendedor e um potencial comprador, quando ambas as partes têm
conhecimento razoável dos fatos relevantes e nenhuma das partes está sob pressão
de fazê-lo. Padrão de valor indicado para operações de compra e venda, locação,
divórcios, partilha de bens, reavaliação contábil.

• Valor de investimento:
É o valor para um investidor em particular, baseado em interesses particulares no
bem em análise. No caso de avaliação de negócios, este valor pode ser analisado
por diferentes situações, tais como sinergia com demais empresas de um investidor,
diferentes percepções de risco e desempenhos futuros, diferentes planejamentos
tributários etc. Este valor é adequado quando o avaliador é contratado para auxiliar
uma tomada de decisão (opção de compra) por parte de um investidor, em que são
analisados diferentes cenários com premissas particulares e mesmo estratégicas.

Com relação aos tipos de ativos intangíveis, a autora os classifica como


ativos intangíveis (em gênero), sendo exemplos a carteira de clientes, a logística
de uma empresa (“elementos que, depois do capital e dos ativos fixos, fazem
os negócios funcionarem”) e como propriedade intelectual (espécie de ativos
intangíveis), sendo exemplos clássicos as marcas, as patentes, direitos autorais,
software etc., sendo certo afirmar que tanto o “gênero” quando a “espécie” são

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

absolutamente vulneráveis aos riscos eletrônicos, seja através de um ataque


aos servidores do segurado – denial of service –, que tenha como consequência
a interrupção das suas atividades, seja através da apreensão de informações
sigilosas de sua clientela, que culminem com, além da perda de receita, a perda
da confiança por parte da mesma em suas atividades, assim como em práticas
ilegais relacionadas à pirataria.62
Com relação às etapas atinentes ao processo de avaliação, comenta-se que a
primeira delas estará relacionada ao esclarecimento com relação ao objetivo da
avaliação que se pretenda desenvolver, ou seja, se voltada a um valor justo de mer-
cado ou ao valor de investimento, cujas explicações foram acima apresentadas.
Com a segunda etapa, far-se-á necessário o levantamento e análise de infor-
mações sobre as atividades (negócios) desenvolvidas pelo candidato à contratação
da apólice. Nessa altura, caberá ao avaliador obter o maior número possível de
informações junto às pessoas-chave que exerçam as suas funções na empresa a ser
avaliada, passando pela área financeira, diretoria, marketing, vendas etc., sendo
absolutamente necessário o exame tanto de documentação contábil quanto de
documentação relacionada à propriedade intelectual da empresa.
Obtidos os valores, passa-se à terceira etapa, consistente da conclusão e valo-
res. Munido das informações antes relacionadas, o avaliador definirá, então, a
metodologia de avaliação adequada a fim de que sejam elaborados os respectivos
cálculos avaliatórios.
A quarta etapa (final) será destinada à elaboração dos relatórios, nos quais, de
maneira conclusiva, deverão ser demonstrados todos os critérios utilizados com
vistas à apresentação dos resultados colhidos, visando, sobretudo, o oferecimento
de credibilidade aos mesmos.
• Metodologia de Avaliação
Em princípio, os três métodos de avaliação, quais sejam abordagem de merca-
do, abordagem de renda e abordagem de custo partem de uma mesma premissa,

62. Gustavo Henrique W. de Azevedo. De Ílion à Web: o ataque viral dos ‘cavalos de troia’. Revista
Cadernos de Seguro nº 120, Funenseg, set. 2003, p. 47, apresenta os seguintes comentários com
relação à pirataria: “A pirataria tornou-se a maior inimiga das patentes, permitindo cópias não
autorizadas de materiais e descobertas já patenteadas, como também, e muito mais grave, o roubo
antes da divulgação destas descobertas. Isto quer dizer que anos de pesquisa podem ser desfeitos
em segundos, caso ocorra a pirataria, sem que houvesse registro da descoberta. Imaginemos uma
indústria farmacêutica detentora de uma fórmula praticamente acabada sobre um certo remédio
e que algum hacker ‘penetra’ nesta empresa e rouba essa fórmula, permitindo a outro laboratório
farmacêutico concluir a pesquisa e patentear o novo medicamento. O resultado prático disso significa
anos de pesquisa em vão para a empresa precursora da descoberta e, além do mais, o prejuízo poderá
chegar a ordem de grandeza de milhões de dólares. Um outro exemplo mais cotidiano refere-se à
pirataria na indústria musical. Para as grandes gravadoras, cópias de músicas protegidas por direitos
autorais, mediante download ilegal, produzem custos superiores a quadro bilhões de dólares por
ano, no mundo”.

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ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

relacionada ao princípio da substituição, no sentido de que “um comprador


prudente não irá pagar por uma propriedade um valor maior do que o custo de
aquisição de uma propriedade substituta com a mesma utilidade”.63
1) Abordagem de Mercado: através desse método, busca-se uma com-
paração entre o ativo intangível a avaliar e um outro ativo, com as
mesmas características, recentemente comercializado no mercado. Como
primeiro passo, levantam-se no mercado as informações pertinentes
ao ativo a ser avaliado. (Esse levantamento poderá ser feito através de
publicações especializadas, anuários, publicações de balanços, análises
setoriais, entre outros elementos). Em seguida, deverão ser observados os
fatores relevantes, fatores que realmente influenciam (que têm peso) na
formação do valor do ativo, como, por exemplo, o market share, o volu-
me e preço das vendas, lucros, crescimento, proteção legal etc. Baseado
nesses dados serão calculados os múltiplos apropriados e consideradas as
diferenças qualitativas e quantitativas entre os ativos em cotejo, valendo
lembrar, por sua importância, que o risco do ativo em avaliação deverá
influenciar a sua avaliação.
2) Abordagem de Custo: através desse método, busca-se quantificar o valor
necessário à reposição de um ativo intangível em estudo, com a mesma
capacidade de geração de receita. Em primeiro lugar, buscam-se os cus-
tos históricos relacionados à criação do ativo em estudo. Prosseguindo,
deve-se passar ao exame dos custos de reposição desse ativo, levando
em consideração a mesma capacidade de geração de receita, e, necessa-
riamente, os fatores relacionados à “depreciação física e obsolescência
técnica e econômica”.64
3) Abordagem de Renda: através desse mecanismo, o valor do ativo é
encontrado partindo de cálculos relacionados aos benefícios futuros
decorrentes do exercício do direito à sua propriedade. Nessa forma de
abordagem, destacam-se os métodos a seguir alinhados: fluxo de caixa
dos royalties,65 fluxo de caixa de over pricing,66 fluxo de caixa incremental

63. Ana Cristina França Souza. Op. cit., p. 11.


64. Ana Cristina França Souza. Op. cit., p. 12.
65. “O valor do ativo é igual ao valor presente do fluxo de caixa descontado, gerado pelo pagamento
de royalties pelo uso de determinado ativo. É muito utilizado para marcas famosas e franquias.” Ana
Cristina França Souza. Op. cit., p. 12.
66. “O valor do ativo é igual ao valor presente do fluxo de caixa descontado, gerado pela parcela de
acréscimo de preço de venda de produtos acima dos valores médios praticados pelo mercado. Ou
seja, se o seu produto tem o mesmo custo de fabricação que a média setorial e pode ser vendido por
preços acima do mercado, esta diferença reflete o valor da marca. Este método pode ser bem utilizado
na avaliação de grifes famosas.” Ana Cristina França Souza. Op. cit., p. 12.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

de maior lucratividade,67 determinação do valor do ativo intangível den-


tro do valor global do negócio.68

Fixados, em linhas gerais, os dados relacionados a essas formas de avaliação


dos intangíveis, entende-se que deverá haver a sua aplicação ao questionário que
antecederá a celebração do contrato entre segurado e segurador, de maneira que,
munidas de mais elementos, ambas as partes possam, com critérios seguros,
certificarem-se quanto ao risco que será subscrito e quanto ao prêmio que deverá
ser objeto de pagamento.

2.5.4. Rescisão ou resolução do contrato


Tanto o segurado quanto o segurador poderão rescindir e/ou resolver o con-
trato, dependendo, por certo, do preenchimento de certos requisitos.
Em havendo o atraso no pagamento do prêmio, por exemplo, será permitido
ao segurador rescindir o contrato diante do “não fazer” por parte do segurado,
cumprindo esclarecer que na apólice americana o intervalo de tempo entre a
mora e a notificação comunicando a rescisão do contrato é curto, 10 (dez) dias.
Por outro lado, caso seja do interesse do segurador resolver o contrato sem um
motivo aparente, isso será possível, respeitando-se, no entanto, um prazo mínimo
de 30 (trinta) dias e máximo de 90 (noventa) no qual o segurado, já notificado
acerca da pretensão do segurador, terá à sua disposição prazo razoável para
obter nova garantia securitária, sendo certo que à hipótese de ter sido efetuado
o pagamento do prêmio em sua íntegra assistirá ao segurado o direito de obter
a repetição do valor pago e que, diante da resolução proposta pelo segurador,
não foi objeto de utilização.
No ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor – Lei 8.078/1990, em seu art. 51, exemplifica diversas espécies de
cláusulas nulas, sendo certo que um dos raciocínios empregados é no sentido de
considerar nula a cláusula que faculta ao fornecedor de produtos e/ou serviços

67. “O valor do ativo é igual ao valor presente do fluxo de caixa descontado, oriundo da criação de
lucro pelo ativo ou tecnologia, gerado por maior lucratividade que a média setorial. Determinados
produtos vendidos pelo mesmo preço têm um custo de fabricação inferior à média do setor devido
a um processo moderno de fabricação ou à produtividade da equipe de trabalho. Esta vantagem
competitiva valoriza a empresa, possibilitando maiores lucratividades.” Ana Cristina França Souza.
Op. cit., p. 12
68. “A avaliação global de uma empresa ou negócio reflete todos os ativos neles contido. Por essa
abordagem, o valor do ativo é então o valor presente do fluxo de caixa descontado da empresa ou
linha de negócio, segregados os ativos monetários e tangíveis. Este fluxo é gerado a partir dos dados
disponíveis e projetado em condições compatíveis com a taxa de desconto utilizada”.

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resolver o contrato de forma unilateral, sem que ao consumidor seja conferido


igual direito.69
Partindo dessa premissa, perante o ordenamento jurídico brasileiro a cláusula
contratual ora comentada, que facultaria ao segurador resolver o contrato sem
quaisquer motivos aparentes, soa ser nula de pleno direito, eis que, a uma, não
é conferido igual direito ao segurado e, a duas, coloca o segurado em posição
delicadíssima, na medida em que carecendo de cobertura, este se encontrará
notificado de que no prazo máximo de 90 (noventa) dias a sua cobertura ces-
sará, cumprindo-lhe começar uma busca de outro segurador interessado em
subscrever o seu risco.

3. Responsabilidade civil no âmbito da internet.


Os possíveis interessados na contratação das coberturas
securitárias voltadas para os riscos eletrônicos
Diante dos elementos expostos neste trabalho, pode-se notar, sem maiores
dificuldades, que os riscos eletrônicos são uma realidade nos dias de hoje. Por
mais que no Brasil ainda não sejam comercializadas as apólices voltadas para
essas espécies de risco, fato é que as perdas decorrentes da transmissão de vírus,
da interrupção de negócios, da pirataria, da ação de hackers, entre outros males,
não aguardarão a iniciativa por parte dos órgãos reguladores do mercado segu-
rador para que comecem a ocorrer.
Para que se tenha uma ideia da gravidade do quadro, cumpre esclarecer que
quaisquer empresas que se utilizem da internet para amparar o desenvolvimento
dos seus negócios estão sujeitas às perdas relacionadas aos riscos eletrônicos.
Consoante exposto, o Brasil, por não dispor de legislação tão avançada quanto
às legislações dos EUA e da Europa, infelizmente se configura como um típico
estimulador à criação e desenvolvimento das “pesquisas” por parte dos hackers,
causando o seu fortalecimento dia a dia.
Nessa linha de raciocínio, não se vislumbram empresas (leia-se atividades)
que, fazendo uso da internet, estejam imunes aos riscos eletrônicos. Note-se
que não se faz necessária a utilização da grande rede de computadores com
finalidade comercial (compra e venda, como, por exemplo, o site Submarino
– www.submarino.com.br, entre outros), bastando, apenas, a divulgação de
um site institucional, com informações simples acerca de uma determinada
atividade, ou, mais ainda, por pior que isso possa parecer, a simples utilização
da web como mecanismo para enviar e receber mensagens, já que, consoante
69. Lei 8.078/1090, Art. 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: XI – autorizem o fornecedor a cancelar o
contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor.

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D IR E I T O D E S E G U R O E R E S S E G U R O ELSEVIER

sabido, essas poderão estar infectadas, causando, por consequência disso, ou


perdas a terceiros, ou perdas ao próprio sistema do qual saíram, o que envolve a
destruição de software, responsabilidade civil decorrente das perdas provocadas
aos terceiros (third party liability) etc. Nesse exato sentido, mister observar na já
citada obra, organizada pelo Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS, o
artigo de autoria do Professor Waldo Augusto Sobrino.70 Em seus comentários,
é enfocada a questão da responsabilidade civil decorrente, por exemplo, da
transmissão de vírus por provedores de internet (Internet Service Providers) aos
seus usuários, sob a perspectiva da caracterização ou não do caso fortuito ou da
força maior, como possibilidades de pelo provedor, ser ou não arguida em sua
defesa a excludente de responsabilidade. Confira-se:

— André Jacques Luciano Uchôa Costa: Professor, eu gostaria de fazer uma per-
gunta ao senhor no seguinte sentido. Quando você fala de Internet e “E-commerce”,
você tem o problema da excludente de caso fortuito e força maior. Quer dizer, eu
posso argumentar que eu não estava contando com isso, que entrou um “cracker”
no meu sistema e por isto eu passei este vírus ou eu tive uma quebra das informa-
ções de meus clientes etc. Só que um dos elementos desta doutrina é a imprevisi-
bilidade e certamente, apesar de talvez você não conseguir deter estes “crackers”,
é previsível que o seu sistema será invadido de alguma maneira. Eu gostaria que
o senhor comentasse estas excludentes, com base nesta previsibilidade, porque na
verdade este é um problema previsível, mas muitas vezes não pode ser evitado.

— Waldo Sobrino: Normalmente nos contratos se estabelece, como cláusula de


adesão, que o caso fortuito exime de responsabilidade o ISP. Mas é um contrato
muitas vezes leonino e arbitrário. Inclusive na Argentina nós decidimos a “Teoria
de Exner”, quando ele fala que o caso fortuito tem que ter como característica a
agilidade, isto é, que não seja próprio deste negócio ou desta matéria.71 No caso

70. Waldo Augusto Sobrino. As Novas Responsabilidades Legais derivadas da Internet e do Comércio
Eletrônico e os Novos Desafios para o Seguro. Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. p.
119-148.
71. No Brasil, acredita-se que essa “Teoria de Exner” se assemelhe à questão relacionada ao fortuito
externo e ao fortuito interno, entendendo que apenas o fortuito externo, ou seja, aquele que não guar-
da relação com o negócio desenvolvido tem o condão de excluir o nexo causal e evitar o surgimento
da obrigação de indenizar. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, em Programa de Responsabilidade
Civil, 2003, p. 298: “Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível e, por isso, inevitável, que
se liga à organização da empresa, que se relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo
transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista
etc. são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão
ligados à organização do negócio explorado pelo transportador. A imprensa noticiou, faz algum
tempo, que o comandante de um Boeing, em pleno voo, sofreu um enfarte fulminante e morreu.
Felizmente, o copiloto assumiu o comando e conseguiu levar o avião são e salvo ao seu destino.

190
ELSEVIER X I I – O S R I S C O S E L E T R Ô N I C O S E A S C O B E R T U R A S S E C U R I TÁ R I A S

dos “crackers”, e “hackers”, eu acho que não seria propriamente um caso fortuito
porque não teria agilidade, é muito conhecido. A questão do direito do futuro é
quem assume os riscos, uma grande empresa ou o consumidor? Então, em primeiro
lugar, eu acho que os “crackers” e os “hackers” não podem ser considerados caso
fortuito. Por isso, em princípio, eles têm que ser responsáveis, porque senão o único
responsável seria o consumidor. De outra maneira, existe uma teoria muito sutil
que fala de caso fortuito extraordinário, isto é, que sejam coisas realmente não
conhecidas. Então, por exemplo, se surgir um “cracker” não via computador, mas
via satélite ou algo parecido, como é uma situação absolutamente incomum e não
previsível, aí sim pode ser como cláusula de exclusão de responsabilidade. Nos
outros casos, eu acho que não.

Concluindo e, fazendo uma analogia com questões habitualmente julgadas


pelos nossos Tribunais, relacionadas ao transporte de passageiros,72 tem-se que
o transportador não se exime de seu dever de indenizar caso ocorra fortuito
interno, conforme os já mencionados exemplos colhidos da obra do Professor
Cavalieri. Assim, o rompimento do cabo da embreagem, do freio, ou o furo
do pneu, não representarão isenção do dever de indenizar. Mutatis mutandis,
raciocina-se no sentido de que nem o provedor de internet nem a empresa encar-
regada da hospedagem de sites (web housing) poderão se eximir de suas obrigações
de indenizar caso sejam responsáveis pela transmissão (encaminhamento) de
vírus aos seus usuários por intermédio dos seus sistemas.73

Eis, aí, um típico caso de fortuito interno. O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável,
mas estranho à organização do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa,
como fenômenos da natureza – tempestades, enchentes etc. Duas são, portanto, as características
do fortuito externo: autonomia em relação aos riscos da empresa e inevitabilidade, razão pela qual
alguns autores o denominam força maior (Agostinho Alvim. Op. cit., p. 314-315).”
72. Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Fortuito interno. Dano moral. 1. Caracteriza-se o
descumprimento da obrigação do transportador e enseja o dever de indenizar os danos daí decorrentes
quando, em virtude da colisão do ônibus em que era transportado, o passageiro não chega incólume
ao seu destino. 2 O fato do acidente ter ocorrido por culpa de terceiro não ilide a responsabilidade
da apelante, pois trata-se de fortuito interno, ou seja, fato que se relaciona com os riscos da atividade
desenvolvida pelo transportador, que se liga à organização da sociedade empresarial. 3. A indeniza-
ção por dano moral deve representar compensação razoável pelo constrangimento experimentado,
cuja intensidade, aliada a outras circunstâncias peculiares de cada caso, deve ser considerada para
a fixação do seu valor. 4. É devida a constituição do capital, já que é condição de solvabilidade da
dívida, que não se confunde com a inclusão do nome dos beneficiários na folha de pagamento do
apelado. 5. Dá-se parcial provimento ao segundo recurso. Nega-se provimento ao primeiro apelo.
(Ap. Cível 2004.001.13125;, Des. Antonio Saldanha Palheiro; 2ª Câmara Cível; j. 30/06/2004).
73. Ratificando entendimento de que as empresas prestadoras de serviços tecnológicos (provedores de
acesso à internet, hospedagem de sites, criação de páginas [sites], entre outras) não poderão se eximir de
eventuais obrigações indenizatórias com base nas excludentes de caso fortuito e força maior à hipótese
de serem prejudicadas por riscos eletrônicos, convém examinar o posicionamento de Adalberto Simão
Filho, em “Dano ao consumidor por invasão do site ou da rede: inaplicabilidade das excludentes de

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Com relação ao conteúdo das mensagens enviadas, ou seja, quanto à adequa-


ção ou não das mesmas, o entendimento perfilhado é no sentido de não responsa-
bilizar os provedores de internet, considerando que não seria possível aos mesmos
controlar as mensagens (milhões) que, dia a dia, encontram-se trafegando.74
Com relação aos sites que disponibilizam chats aos seus usuários, recentíssima
decisão argentina, oriunda da Sala Primera de la Cámara Civil y Comercial da
província de Jujuy, no dia 30/06/2004, condenaram o proprietário e a empresa res-
ponsável pela manutenção do site JUJUY.COM a indenizar um casal que se sentiu
ofendido por mensagens postadas no sistema do “livro de visitas” do referido site.75
Na perspectiva do Novo Código Civil, a responsabilidade civil no âmbito da
internet encontra-se de maneira mais rígida para com as empresas que a exploram
como mecanismo de desenvolver os seus negócios. Renato Ópice Blum, em O

caso fortuito ou força maior”, publicado em obra coletiva pelo mesmo coordenada em conjunto com
Newton de Lucca, denominada Direito & internet – Aspectos Jurídicos Relevantes, 2000, p. 101-115: “1.
A invocação da excludente de caso fortuito e força maior para fins de não responsabilização daquele
prestador de serviços e/ou fornecedor de bens em ambiente de internet, a nosso ver, não se adapta nem
à natureza jurídica específica do instituto e nem tampouco à visão compartimentada desenvolvida
pela doutrina sobre os elementos que compõem as excludentes. 2. No momento atual de desenvol-
vimento tecnológico, segundo se apura através de notícias e informes de órgãos especializados, não
é possível se obter a certeza absoluta de que a invulnerabilidade de um site ou de uma rede seja fato
concreto. (...) 5. Aqueles que operam sites de serviços e/ou vendas ao consumidor, devem apresentar
no interior do site, informes claros e precisos sobre os aspectos relativos à segurança da operação em
vias de desenvolvimento, de tal forma que o consumidor possa exercitar seu livre arbítrio. 6. Mesmo
com estes cuidados, não se acredita que o fornecedor possa ter eximida totalmente a sua eventual
responsabilidade por prejuízos causados ao consumidor, mas se reflete o cumprimento de normas
que levam ao direito do consumidor ser devidamente informado dos riscos a que está exposto como
menciona o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, fato que poderá também ser objeto de
exame pelo Poder Judiciário por ocasião de um julgamento de caso desta natureza.”
74. Demócrito Reinaldo Filho, em artigo denominado “Responsabilidade do Provedor (de Acesso
à Internet) por Mensagens Difamatórias Transmitidas pelos Usuários”, disponível em <www.inter-
netlegal.com.br/artigos>, acesso em novembro de 2004, comenta: “Em sua primeira manifestação
sobre a questão da responsabilidade dos provedores pelo conteúdo das mensagens que trafegam em
seus sistemas, a Corte de Apelações do Estado de Nova York (New York State Court of Appeals)
adotou uma decisão que certamente vai servir de precedente para casos futuros. Na decisão, tomada
pouco antes do final do ano passado (02/12/99), a Corte reconheceu o provedor de acesso à Internet
como um mero conduto para o tráfego da informação, em situação equivalente à da companhia
telefônica quando ocorre transmissão de mensagens difamatórias por meio de suas linhas. O Juiz
Albert M. Rosenblatt, relator do caso (Lunney vs. Prodigy Services, nº 164), asseverou que não se
pode compelir o provedor a examinar milhões de e-mails em busca de mensagens difamatórias.
Descrevendo o e-mail como uma evolução híbrida da tradicional linha de telefone com o sistema
regular de correio, enfatizou que na transmissão de mensagens eletrônicas o provedor comercial não
exercita controle editorial, e que, portanto, não pode vir a ser responsabilizado como se editor fosse
de potenciais mensagens difamatórias.”
75. Demócrito Reinaldo Filho, em excelente artigo denominado “A responsabilidade do proprietário
de Site que utiliza ‘Fóruns de Discussão’ – Decisão da Corte Argentina”, disponível em <www.
internetlegal.com.br/artigos>, tece comentários a respeito do ineditismo dessa decisão no âmbito
da jurisprudência latino-americana, antevendo na mesma a orientação que deverá ser seguida em
questões semelhantes que, futuramente, virão a julgamento.

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Novo Código Civil e a Internet, disponível em <www1.jus.com.br/doutrina/texto.


asp?id=3882>, acesso em novembro de 2004, posiciona-se da seguinte forma:

Quanto à responsabilidade civil, importantes reflexos poderão afetar os mais


diversos entes que transacionarem na internet. Dentre inúmeras questões trazidas,
selecionamos duas: a responsabilidade do provedor e daquele que envia mensagens
não solicitadas (spammer).
O primeiro deverá, preventivamente, rever e aditar os contratos celebrados com
seus respectivos clientes (hóspedes) de modo a garantir a possibilidade legal da
participação conjunta em processos judiciais. Isso em função do instituto da
responsabilidade objetiva (independente da culpa) trazida pelo citado diploma e
que poderá gerar interpretações nesse sentido, ainda que contrária à nossa opinião,
ou seja, de que o provedor seria o responsável direto pelas atividades dos clientes
que hospedam seus sites em seus servidores. Exemplificando: identificado um site
na internet de conteúdo difamatório, o magistrado poderá interpretar a norma
como sendo o provedor o responsável primário pelo ato ilegal, o que colocaria em
risco tal atividade, caso não haja a possibilidade da responsabilização do efetivo
causador do prejuízo (hóspede) no mesmo processo, exceções feitas às situações
que envolverem o Código do Consumidor. Acrescente-se que, quanto ao registro
de logs, acessos informações e cadastros, o provedor fica integralmente responsável
pela preservação de tais dados por no mínimo três anos, sob pena de responsabi-
lidade pela omissão (o que poderá gerar, sem qualquer dúvida, impunidade aos
ilícitos eletrônicos, e que jamais poderá subsistir na ordem legal nacional).
O segundo (spammer) encontrará mais dificuldades na sua atividade, repudiada
por grande parte da população mundial, que consiste no envio indiscriminado de
mensagens eletrônicas com os mais criativos conteúdos, muitas vezes nocivos aos
destinatários. O Livro III, dos fatos jurídicos, abre a possibilidade de restrição na
fonte, ou seja, impedir a conduta descrita em conjunto com indenizações contra
o spammer que poderá sofrer óbices do Judiciário na respectiva prática. É uma
grande inovação, vez que até a entrada em vigor do Novo Código as possibilidades
de atuação eram restritas ao momento posterior ao envio. Dessa forma, apenas
indenizações foram pleiteadas, sem a possibilidade legal de restrição da atividade
em função do princípio constitucional da reserva legal. Agora o cenário é outro,
inclusive quanto à atuação do Ministério Público.

Nem mesmo as próprias seguradoras, via de regra, que deveriam dispor de


sofisticados meios de gerenciamento de riscos, estão imunes aos riscos eletrônicos.
No já citado artigo, de autoria de Gustavo Henrique W. de Azevedo,76 comenta-se:

76. Gustavo Henrique W. de Azevedo. Op. cit., p. 47.

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Há dois anos, hackers invadiram o site da Caixa Seguros, que é “parceira da Caixa
Econômica Federal e oferece serviços como seguro de vida, residência e automóvel,
tanto para os clientes com para pessoas que não possuem ligação com a CEF. Em
seu site, também há informações sobre previdência e planos de capitalização”.
Aconteceu que “membros do grupo Anti Security Hackers conseguiram, em um
servidor da empresa, centenas de informações de clientes, como nomes, endereços,
CPF, grau de escolaridade, profissão, telefones comerciais e endereço de e-mail”.
Na época, a empresa afirmou ter tomado medidas para evitar a repetição do fato.

Demonstrada a vulnerabilidade de uma seguradora, o que pensar a respeito


dos usuários domésticos, ou, a respeito de pequenas empresas que, até mesmo
por ingenuidade ou falta de informação, acreditam estar cobertas diante dos
riscos eletrônicos através da contratação de um seguro de responsabilidade civil
profissional e/ou através da contratação de um seguro de danos, voltado para o
seu conteúdo tangível (máquinas, instalações, arquivos físicos etc.)?
O momento, com efeito, por mais que severas perdas já tenham ocorrido, é
propício para que a questão seja analisada com rigor.

4. Considerações finais
De maneira objetiva, pretendeu-se demonstrar ao longo deste trabalho que
os riscos eletrônicos vêm cada vez mais despertando a atenção da sociedade,
em virtude de seu ineditismo e, sobretudo, em razão das severas perdas pelos
mesmos provocadas.
Na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália, as coberturas são disponibili-
zadas de maneira regular, havendo, inclusive, concorrência entre as seguradoras
locais, algumas oferecendo coberturas mais amplas e em melhores condições
do que as outras.
Através de notícias colhidas em jornais brasileiros, também restou demons-
trado que aqui no Brasil as perdas provocadas pela ação de hackers, pela dissemi-
nação de vírus na internet, entre outros males, já causam prejuízos de naturezas
diversas ao empresariado local, o que justifica a relevância deste trabalho.
No que se refere às coberturas propriamente ditas, foram trazidos comentários
com relação ao conteúdo dos sites, aos serviços profissionalmente prestados por
intermédio da internet (de cunho tecnológico e não tecnológico), à segurança nas
operações realizadas através da web, envolvendo riscos para o próprio segurado
(first party risk) e riscos para terceiros (third party risk), à extorsão praticada no
âmbito da internet e, por fim, à cobertura destinada aos riscos à imagem do
segurado – reputation risk.

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Foram, ainda, observadas algumas hipóteses de exclusão dos riscos, entre atos
praticados por empregados, furto de informações confidenciais de consumidores,
danos punitivos, território e às perdas ocorridas por acesso não autorizado a
informações confidenciais.
Com relação à franquia, foram observadas a participação obrigatória mínima
em dinheiro do segurado, assim como a carência – waiting period -, na qual
o segurado deverá arcar, por si, com as perdas ocorridas, somente ocorrendo a
responsabilização do segurador a partir do momento em que se esgote a carência
(prazo) contratualmente ajustada.
Observaram-se, também, algumas obrigações de ambas as partes, traduzidas
na necessidade de que pelo segurado, tão logo tome conhecimento a respeito
de eventos que possam se materializar em sinistros, estabeleça imediata comu-
nicação ao segurador, sob pena de sofrerem a perda da garantia securitária, na
possibilidade e conveniência de que se estabeleçam meios alternativos para a
solução de conflitos – arbitragem, na avaliação de intangíveis, sugerindo-se o
estabelecimento de critério mais claro e seguro do que o adotado na apólice
americana e quanto à rescisão e à resolução do contrato.
Por fim, sob o campo da responsabilidade civil, demonstrou-se que a vulne-
rabilidade em matéria de riscos de natureza eletrônica é inerente a todos aqueles
que militam pela internet, desde as empresas mais sofisticadas em matéria de
segurança e gerenciamento de riscos (instituições financeiras, seguradoras,
entre outras), até usuários domésticos, que pelo simples encaminhamento de
uma mensagem infectada podem sofrer as consequências de sua responsabi-
lização civil.

Referências
Documentos jurídicos e notícias
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 227 – “A Pessoa jurídica pode sofrer
dano moral”.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 302 – “É abusiva a cláusula contratual
de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.
JURISPRUDÊNCIA: Ação cautelar inominada. Liminar. Contrafação de produto vendido
através da internet. Mesmo que a propriedade da marca não lhe pertença, porque ainda
não deferido o registro, ao depositante do pedido é assegurado o direito de zelar pela
sua integridade material ou reputação. Art. 130 da Lei nº 9.279/96. Caso em que o
produto, objeto de contrafação, era comercializado em site na internet, sob a denomi-
nação de réplica do original, fabricado pela agravada. Suspensão da atividade. Requisitos
cautelares demonstrados. Legitimidade passiva da proprietária do domínio eletrônico.

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Agravo desprovido. (TJ/RS – Ag. Instrumento nº 70006298582; Rel. Des. Leo Lima; 5ª
Câmara Cível; j. 25/09/2003).
JURISPRUDÊNCIA: Apelação cível. Contrato de transporte. Dano moral: valor. Na espécie,
a reparação se afasta da ilação de fonte de lucro, face seu caráter punitivo-pedagógico,
desestímulo à reincidência. Contrato de transporte. Passageira que embarca em ônibus
e sofre lesões em seu interior, por negligência e imperícia do condutor do veículo, sofre
dano moral, a ser indenizado. Apelo parcialmente provido. (Ap. Cível, 2004.001.00796;
Des. Ronaldo Rocha Passos; 3ª Câmara Cível; j. 04/05/2004). Grifou-se.
JURISPRUDÊNCIA: Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Fortuito interno.
Dano moral. 1. Caracteriza-se o descumprimento da obrigação do transportador e
enseja o dever de indenizar os danos daí decorrentes quando, em virtude da colisão do
ônibus em que era transportado, o passageiro não chega incólume ao seu destino. 2.
O fato do acidente ter ocorrido por culpa de terceiro não ilide a responsabilidade da
apelante, pois trata-se de fortuito interno, ou seja, fato que se relaciona com os riscos
da atividade desenvolvida pelo transportador, que se liga à organização da sociedade
empresarial. 3. A indenização por dano moral deve representar compensação razoável
pelo constrangimento experimentado, cuja intensidade, aliada a outras circunstân-
cias peculiares de cada caso, deve ser considerada para a fixação do seu valor. 4. É
devida a constituição do capital, já que é condição de solvabilidade da dívida, que
não se confunde com a inclusão do nome dos beneficiários na folha de pagamento
do apelado. 5. Dá-se parcial provimento ao segundo recurso. Nega-se provimento
ao primeiro apelo. (Ap. Cível 2004.001.13125; Des. Antonio Saldanha Palheiro; 2ª
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