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SAM DAWEH, A Go eee SO At YO AS PAace we hwelecco FACES 6.0; BARROCO, 5.4.8, TUKESKT, Co) Brcela we eek: Cente at ia he Ree eel free O pate Po te aha. Mairmge YeEn/UVESC, oof. Vets AISTORIA DA PSICOLOGIA E A PSICOLOGIA NA HISTORIA! Lents Gama Cambatva A psicologia & simultaneamente uma Ciéncia muito antiga e, todavia muito jovern. Tem um passado milenar e, apesar de tudo. se encontra em pleno futuro. Sua existéncia como disciplina cientifica auténoma conta somente decénios. Mas seus problemas preocupam os _pensadores filoséficos desde que existe a filosofia. Aos anos de investigagio experimental precederam séculos de meditagées filosoficas e milénios de conheeimentes praticos da psique humana. (RUBINSTEIN, sid p.64 - ‘radugdo do espanhol nossa). Comumente afirma-se que a Psicologia, do ponto de vista cientifico, emancipa-se da Filosofia e se torna ciéncia em meados do século XI. entretanto, como bem apontam historiadores da Psicologia, as idéias psicologicas enquanto preocupagdo com o homem, jé se apresentavam na historia do pensamento desde a Antigiidade, no pensamento grego. 0 termo idéias psicolégicas seri tratado aqui como idéia da psique. dos fendmenos psiquicos como consciéneia, sensagdo, percepgiio, atengdo, meméria, sanhos. isto ¢, idéias que se poem no processo do desenvolvimento do pensamento humano antes da Psicologia vir a ser considerada uma ciéncia. ‘A preocupagii, neste capitulo, ¢ 0 estudo da Psicologia do ponto de vista histérico, isto é, compreender a metamorfose das idéias psicoldgicas em seu percurso cientifico, Entretanto, quando consultamos historiadores da Psicologia, entre eles Brett (1972); Foulquié ¢ Deledalle (1977); Heidbreder (1981); Misiak (1964); Mueller (1978); Penna (s/d:1982); Schultz (1975),vemos que a concepgdo de historia é a da historia contada linearmente, estando ausente a andlise e interpretagdo da relacio da ciéncia com a sociedade € 0 momento historico de sua praducdo. Isto mostra uma concepcao de histéria da Psicologia desligada dos homens que a produziram. Texto no prelo, a ser publicado no livro: Escola de Vigotski : contibuigdes para a Psicologia e Bducagdo. Maringa :UEM, UNESP, 2007. No original. “ La psicologias es simultineamente una ciencia muy antigua y todavia muy’ joven. Tiene un pasado milenario y, a pesar de todo, se encuentra en pleno futuro. Su existencia como diseiplina cientifica ‘uionoma cuenta solo decenios. Mas sus problemas preocupan a los pensadores filosdficos desde que existe Is filosofia. A los afos de investigacién experimental precedieron siglos de meditaciones filosoficas y milenios de conocimientes précticos de la psique humana” 1 Se entendermos @ histéria dos homens de um lado e a historia das ciéncias - entre elas a Psicologia - de outro, estaremos fazendo uma ruptura, uma cisdo entre produtor- homem e producdio-ciéncia. Esta concepgo nos faz crer que 0 homem ora é um ser passivo, ora um ser resignado.-Vamos ao esclarecimento dessa {s) concepeao (s) de histéria. 1 Concepgses de Historia ¢ a Auséneia da Pratica Social. Como podemos notar, existe historia ¢ historia; isto ¢, existem concepgdes de historia que se antagonizam quanto ao papel do homem no seu proceso de desenvolvimento, Apontamos duas concepgdes de ciéneia da hist6ria: intemalista|e a externalista. A primeira, considerada como internalista’, pressupde que as idéias cientificas sio produto de outras idéias, neste sentido ndo considera os fatores externos - condigdes sociais, econdmicas ¢ técnicas - relevando somente fatores ideolégicos. Supde-se, desta forma, que a origem de um pensamento cientifico est no interior do sistema de idéias de uma época. Como jé observamos, alguns autores que trabalham com a histéria da Psicologia 0 fazem numa perspectiva linear sem a andlise do contexto social em que foi possivel falar da Psicologia como ciéneia e profissdo, Esta concepcdo revela o homem como ser criador da realidade a partir das idéias, definindo a historia como historia intelectual. Tal concepedo é a da hist6ria desligada de quem a produz - © homem - porque trata somente das idéias em si, mantendo-as afastadas das circunsténcias de ordem social que as produziram. Observamos, desta forma, somente um levantamento de fatos mais imediatos que antecederam essa ou aquela abordagem, esse ou aquele sistema de idéias. ‘A segunda concepg%io, denominada externalista’, pressupde que a historia das cigncias condiciona os acontecimentos cientificos as suas relagdes com os interesses sociais, ideolégicos, filoséficos e econémicos, podendo ser fatalista e mecénica a0 estabelecer uma relagio de causa € efeito. Em outras palavras, revela uma concepgao de “Penna (sid p.26) situa como representantes desta tendéncia Gaston Bachelard, Alexandre Koyré ¢ Georges, for situa Lucien Goldman e Imre Lakatos com representantes desta outra tendéncia, incluindo, ‘SES. tebricos ligados a0 marxismo. Bi Q> homem passivo diante de uma realidade na qual nao pode intervir por estar totalmente condicionada aos fatores sociais ¢ econémicos. Assim, se a primeira concepgio & a histéria intelectual, esta segunda pode ser considerada a histéria social. Estamos-diante de concepgdes de histéria que, de um lado, apontam a histéria dos homens e, de outro, a historia das ciéncias - entre elas a Psicologia. Estas concepgdes rompem a unidade produtor-homem e produgdo-ciéncia. Para qualquer ciéneia, inclusive a Psicologia, a concepgiio de historia sem interpretagio ou anélise dos fatos ¢ do contexto em que foi produzida dé a conotagdo de que a ciéneia em estudo (no caso a Psicologia) "aparece" na histéria do pensamento de forma casuistica, como se fosse obra de um sé homem quando este tem o ato do conhecimento. Tal concepedo, intérnalista, dé a entender que 0 homem cria, individual e exclusivamente no nivel das idéias, as suas formas de conhecimento. A outra concepgdo, a extemalista, predetermina o homem como se ele fosse simples reflexo e registrador dos fatos, sem neles tervir. Portanto os fatos, por serem concebidos como mecénicos ¢ predeterminados, apresentam-se como independentes da ago humana, gerando uma visio de homem como ser passivo diante do conhecimento. Estamos, entio, diante de uma oposicéo entre subjetividade - criago de idéias a partir da propria subjetividade - © objetividade - ocorréncia de fatos de forma mecanica que independem do homem. Em ambas concepges, rompe-se a unidade subjetividade e objetividade, rompe-se a unidade produtor versus produgiio. Desse modo, nao conseguimos (retomando nosso objeto que & a histéria da Psicologia) aprender 0 porqué do seu nascimento, as transformagdes, ocorridas no desenvolvimento do pensamento psicolégico © nem mesmo o porqué de existirem tantas escolas ou teorias e sistemas que se diferenciam quanto ao objeto e método de estudo, que vao determinar as técnicas psicoterdpicas, grandes instrumentos de atuagio pritica do psicélogo. Nestas concepedes, desaparece a pritica social humana, Na intemalista, inexiste pelo fato do homem ser tido como gerador de idéias a partir de si proprio; na outra, a extemalista, a prética social humana também inexiste porque o homem ¢ considerado totalmente dependente, condicionado aos interesses sociais e econdmicos que o circundam. Diz havendo a anilise e a interpretagdo da pritica social humana, é possivel -se a neutralidade cientifica como atributo do cientista!* Porque, conhecendo somente 2 histéria factual da Psicologia, simplesmente absorvemos os fatos dessa histéria .as so to validas como 0 foram (quando muito!), sem parar para pensar se, hoje, suas téct {se 0 foram) em outro momento. Por isso temos que concordar com os dados da pesquisa sobre o perfil do psicélogo brasileiro, publicada no livro Quem é 0 Psicdlogo Brasileiro (1988); nosso aluno é um sujeito passivo, sem senso critico e, portanto, s6 "aprende técnicas ¢ busca o cliente para aplicd-las". (GOMIDE, p.74). Chamamos a aten¢do que, com esse procedimento, néo hé lugar para a critica e tampouco para a transformagdio. 2.Concepgdo Histérico - Social — uma possibilidade de superacio. Para superar 0 entendimento de hist6ria acima citado, adotamos a concepgio de que a historia da produeao do pensamento humano é a pripria historia dos homens. Pode isto parecer ora complicado, ora dbvio demais. Mas, se enxergarmos o homem como produtor, como sujeito da atividade que Ihe confere sobrevivéncia - atividade material, trabalho -. estaremos conferindo a este homem condigées de desenvolver seu pensamento por meio da atividade pratica, para produgo de sua existéncia. Significa uma concepsao diferente de homem, de historia, de cigncia, de método. Isto ocorre porque, nesta concepsao, € possivel tum olhar para o homem na sua totalidade, concebé-lo como agente pritico-objetivo, agente reflexivo-subjetivo. Assim, a histéria é a hist6ria de homens reais, homens que produzem sua forma de viver e ser - sua existéncia — e, conseqiientemente, de desenvolvimento do pensamento. Assim, As idéias sto a expresso das relagbes © atividades reais do homem, estabelecidas no processo de producdo de sua existéncia. Elas sto a representagdo daquilo que © homem faz, de sua maneira de viver, da forma como se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda € das préprias necessidades. (ANDERY et al; 1988 p. 14 ). a para a existéncia humana ¢ a Se ponderarmos que a primeira condigio ba sobrevivéncia da espécie, 0 homem se identifica com a natureza enquanto ser biolégico. Ck Tomanik (1994, p.36) “A ciéncia € um conjunto de agdes humanas capaz, sem divida, de influenciar a csiratura social, ¢ assim é também uma atividade politica. Nao hé sentido, portanto, em se falar na ciéncia Como uma atividade politicamente neutra” 4 MEgO, tanto 0 homem como o animal so seres, em primeira mao, naturais - orginicos - que atuam sobre a natureza para sua sobrevivencia. Entretanto o homem se diferencia do animal e da propria natureza na forma de sua atuagdo sobre ela, Na sua atividade para produgdo de sua existéncia, o homem nao s6 transforma a natureza como a si proprio. Esta atividade humana pritica, que ¢ o|trabalho, jearante a sobrevivéncia da espécie humana e, tempo, diferencia o homem de outros animais, pois ¢ uma atividade pratica 1 e planejada, o que the conferejconscrencia. | Relembrando Marx (1986, p.27, negritos nossos): © primeiro pressuposto de toda a historia humana € naturalmente a cexisténcia de individuos humanos vivos*. O primeiro fato a constatar é, pois, a organizagdo corporal destes individuos e, por meio disto, sua relagao dada com o resto da natureza. [* suprimido no manuscrito: O primeiro ato historico destes individuos, pelo qual se distinguem dos animais, nao € o fato de pensar, mas o de produzir seus meios de vida]. idade prética -\trabalho +, cria instrumentos, formas de relagdes sociais com outros homens, como por exemplo a linguagem, ¢ cria idéias, O homem, ao desenvolver a at formas de pensar, que vao auxilié-lo em novas transformagdes, j4 que aquelas foram criadas através € pela atividade trabalho. 0 homem, portanto, nao se limita & sua condigao biolégica essencialmente, ao travar relagdes sociais, faz histéria, pois transmite suas experiéncias a outras geragdes através da linguagem. Assim € a historia da humanidade, Tem como condigdo fundamental a transformagio dos homens e da natureza. E por meio de sua histéria e de seus semethantes que 0 homem desenvolve o pensamento, as idéias e, entre elas, aquelas referentes a0 conhecimento do mundo. Desta maneira, 0 conhecimento 2 humano se apresenta de diferentes formas: como conhecimento histérico, filoséfico, teolégico, senso-comum, cientifico e tantos outros. Eis uma interpretago da concepgao de historia que elegemos: Se a primeira premissa fundamental da histéria ¢ que ela € eriada pelo homem, a segunda premissa igualmente fundamental é a necessidade de ‘que nesta criacdo exista uma continuidade. A historia so & possivel quando 0 homem nao comega sempre de novo e do principio, mas sc liga ao trabalho ¢ aos resultados obtidos pelas geragdes precedentes. Se a humanidade comegasse sempre do principio e se toda agdo fosse destituida de pressupostos, a humanidade nao avangaria um passo e sua existéncia se escoaria no circulo da periédica repeticao de um inicio absoluto e de um fim absoluto. (KOSIK, 1976, p.218, grifos do autor). 5 E interessante observar que o autor, ao falar da segunda premissa fundamental, acentua a diferenga entre o homem e o animal, ou seja, 0 homem armazena conhecimentos eos transmite as outras geragtes por intermédio da linguagem. Se temos que entender advento da ciéncia Psicologia, necessitamos buscar na histéria dos homens 0 desenvolvimento das idéias psicologicas, porque a sua histéria comega com as idéias psicol6gicas ¢ pressupée continuidade. A Psicologia, portanto, no aparece simplesmente no século XIX. Tem raizes nas idéias anteriormente desenvolvidas, e julgamos necessério entender este desenvolvimento para a compreensio do seu advento enquanto ciéncia. Para deixarmos clara nossa opgéo de como (re) contar esta historia, devemos estar atentos para @ concepsdo de homem produtor de sua vida material ¢ de suas idéias, "Ora, a compreensio da trama da Historia s6 serd garantida se forem levados em conta os “dados de bastidores’, vale dizer, se se examina a base material da sociedade cuja historia esta sendo reconstituida" (SAVIANI, 1985, p.38) Se o passado pode nos explicar o presente, necessitamos eonhecer esse pasado nao meramente factual, mas inserindo nele o homem que nao s6 cria a historia, como vive nae _ pela historia. E preciso entender, antes de tudo, este homem (ai esta outra concepgtio de hhomem) como criador, produtor de idéias, de cigncia, de histéria. Para isso, temos que compreender pela via da analise, da interpretagao, a sociedade em que vive. Se a sociedade, ‘num determinado momento hist6rico, se configura desta ou daquela maneira, € porque o homem buscou, através de sua atividade prética, transformagdes que levaram-na a ser de determinada forma, resultando em determinadas relagées do homem com o proprio homem e dele com a natureza. A atividade prética, que se revela nas relagdes, ndo opde a objetividade & subjetividade, mas supée sua interago - homens, mundo € natureza possuem sua existéncia objetiva e real ¢ atuam um sobre 0 outro. Ao considerarmos que o homem produz sua historia, temos que compreender como ele desenvolve idéias, no na perspectiva da idéia pela idéia, mas na perspectiva da sua relagdo com 0 mundo, € como se da esta relagdo. Assim, esta concepedo é de tendéncia extemnalista- hist6ria social -, entretanto difere da concepgio externalista propriamente dita, 20 conceber a objetividade e subjetividade numa perspectiva materialista historico dialética: [eLneste sentido, a sociedade ¢ 0 homem, (..] s¢ constituem em uma tinidade, produzem-se reciprocamente, tanto social como historicamente; 6 € mesmo quando a atividade humana imediata ¢ individual, ela se caracteriza como social, seja porque a propria existéncia do homem é social, seja porque o objetivo da atividade humana ¢ sempre social (ANDERY, 1988, p.415). Esta concepgdo encontra-se nas obras de Vigotski (1996), Rubinstein (s/d) Leontiev (1978) e Bock (1995,1999a, 2001) Estudar a historia da Psicologia nesta perspectiva nos parece importante, primeiro porque nos situa na historia da existéncia humana, jé que a historia dos homens comporta tanto a sua atividade pritica de subsisténcia, como sua atividade reflexiva de produgdo de as; segundo porque, por meio deste estudo, podemos compreender a Psicologia contemporanea tal como ¢, enquanto sistema e/ou técnicas psicoterdpicas. Portanto entendemos ser necessério, neste estudo, a apreensio da conjugagdo Psicologia-Filosofia- Historia. Esta conjugago propde um caminho para o estudo da histéria da Psicologia a partir da sua articulagdo com 0 conhecimento da historia, da filosofia, da cultura e da sociedade, no qual se forjam a conscigncia e o inconsciente do homem. Desta forma, propomos como cixo um dos conceitos mais importantes da Psicologia: o conceito de consciéncia, compreendida, a partir de Leontiev (1978), como atividade pela qual o homem compreende ‘o mundo e sua propria existéncia, Quando o homem comesa a pensar sobre si préprio, isto €descola-se¥ de natureza, nasce a Filosofia que €, segundo Chaui (1995, p.21), "[..] um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu especificamente entre os gregos”. Se ousarmos estender esta definigio de Filosofia até a definigéo de consciéncia proposta por Leontiev (1978), podemos dizer que 0 homem grego, quando elabora uma forma de pensar - Filosofia - labora também um conceito de si préprio - consciéneia de ser humano que se diferencia de outros animais. /~ Com base nessa cvolugdo - passagem do simples reflexo psiquico animal para 0 reflexo consciente superior (que se dé na medida em que o homem através de sua atividade pritica, trabalho, visa sua sobrevivéncia néo s6 em nivel biolégico, mas principalmente social) - 0 proceso de desenvolvimento do pensamento ganha as preocupagdes relacionadas as idéias do psiquismo humano. Isto se dé a medida que 0 homem, pelo trabalho, enquanto forma de atuagao humana, di ca de s6 se ident icar com a natureza passa também a diferenciar-se dela, faz um "descolamento™\daynatureza. Representa uma rmudanga qualitativa que imp3e o aparecimento do pensamento racional, posto que © jhomem deixa de ser somente ser bioldgico. Ou seja, comega a observar, analisar os fatos da natureza, 0 nascimento, a morte, o sangramento € tantos outros. A origem da historia da humanidade assinala um nivel evolutivo qualitativamente novo, que difere fundamentalmente da precedente evolugao biolégica dos seres viventes. As novas formas da existéncia Social criam também novas formas da psique, as quais por sua vez so fundamentalmente distintas da psique animal: Nasee a conseléncia humana." (RUBINSTEIN, op.cit. p.155, tradugio e grifos nossos).” Quando ainda "colado” a natureza, a explicagio do mundo gira em tomo do mito (narrativa sobre a origem do mundo, dos homens, dos deuses, das guerras, ete.). Esta forma de pensamento mitico existe nas chamadas sociedades primitivas, em que o homem produz somente para consumo imediato, no produzindo excedentes, isto é, nfo armazenando alimentos. Toda produgdo é propriedade comum a toda tribo, com relagdes sociais baseadas ro parentesco € lagos de solidariedade. Tem como caracteristica 0 seminomadismo, significando uma constituigdo tribal que praticamente nao se fixa e, portanto, ndo constitui um Estado. Esta forma de vida primitiva se caracteriza pelo imediatismo da sobrevivéncia e também pela falta de diferenciago que o homem tem de si em relagéo ao mundo e & natureza.. estas sociedades, o pensamento se firma pela crenga, pela fé. Neste sentido, o homem primitivo explica a sua origem, a origem do mundo, por meio de forcas tidas como superiores a ele. Assim, através do mito, o homem é t2o somente um ser natural, na medida em que a narrativa mitica “revela” que 0 passado é tal como 0 presente. O pensamento mitico, na verdade, nfo explica, apenas expe, garantindo, pela crenga dada ao narrador, a autoridade devida, E com o trabalho que o homem vai desenvolvendo 2 diferenciagdo, tanto pela fabricagio e utlizagdo de instrumentos para o trabalho, como pela linguagem quando da transmissio de conhecimentos. Isto é, & medida que © homem vai se socializando na relagio com outros homens e com a propria natureza, também vai superando sua condi¢ao biolégica e comega a se diferenciar da natureza, tomando-se a um so tempo humano & © No original: “El origen de la Historia de la Humanidad sefiala un nivel evolutivo cualitativamente nuevo, que difiere fundamentalmente de la precedente evolucin bioldgica de los seresvivientes. Las nuevas forma de Ia existencia social crean también nuevas formas de la psique, las cuales a su vez son fundamentalmente distintas de la psique de los animales: nace la conciencia humana” 8 pensamento mitico no pode ~ propondo questoes que © na explicagio. amente ligada as transformagdes da: 1. © proprio homem vai se se apdia na revelagao ¢ no social responder porque kc reordenagdo. de seu pensamento est int do. 0 modo de- producto “be 1m este a primeira grande div! isto é, trabalhador aterial humana. ~Desaparecent aseado na coletividade, mo € 0 escravagismo € co ‘oneiro de guerra que passa & indo ai o direito a propria vi fem a ociosidade como forma jnicas ¢ 0 desenvolvimento de vida_mé aparece 0 sedentari jsBo de classes _ De um lado, 0 prisi forcado, sem nenhum direito, inclui propritério, dono do eseravo que nade produz € t mento das classes sociais antag jancia. Em sintese, é 0 nascit ade do homem ordenar, orga ‘emica. Assim segundo Chaui set 0 escravo", sociaii ida. De outro lado. © perfeita do homem livre viver. E 0 nascit ssoras, orientadas para a obedi sce em virtude da necessid formas repre: mento do Estado. A Filosofia nas nizar seu. a organizagao social ¢ econ sofia, a primeira resposta "(1 as, as idéias, 0s fatos, as situagdes. 0S pensamento em relagdo a nove (1995, p.12), se perguntarmos o que © Filo decisto de ndo aceitar como dbvias © evidentes as coiss s comportamentos de noss poderia ser: a a existincia cotidiana; jamais aceiti-los sem anes valores, 0§ e compreendido”. havé-los investigado ddica que 0 homem, devido & Esta resposta ja nos in uma série de mudangas na sua Vida, advindas da sua condigdo material, devido 3s suas transformagdes materia stigio, que € a atitude de ito como garantia da is. Ento. 0 nao aceita mais ter 0 ml que nasciam, to humano passa para outro ¢ com que se defronta na sui ¢ sobre as questdes, sem col explicagio das questdes desenvolvimento do pensamen responder aos problemas poe a reflexdo, 0 debrugar-s filosofar, buscar fa existencia. Esta atitude de filosofar pressul sider ori, resolvidas como se fazia las. a pri Podemos entio definir Filosofia como a no pensamento mitico. busca organizada, sisternati undo se apoiava na fé daquele ica do saber. J4 quanto explicativo dom que wvestigagao, a compreensao entiio, que esta forma de que © pensamento mitico, en ndo, A Filosofia propde a im fl concluirmos, razfio e no da crenga. E possiv desenvolvimento do pensamento humand, na medida em ateriais de vida ‘mento, podemos dizer que estava narral ¢ organizagio do saber por intermédio da Filosofia - atrela-se 20 transforma suas condigdes m: ira forma racional de pens: pensar - que © homem Se a Filosofia ¢, pelo menos as idéias entre os gregos, @ prime para Prisionero, também & 0 pequeno proprciane endividado que tem como sol Gerse ao grande propritario, “Muitas ve7es, Comunidades infeiras ou membros mais age servigas em rca de almento © avi8o” (AQUINO et al, 1980 P-79) 'O escravo no é $6 0 sua sobrevivencia, ren pobres de uma gens podiam ce psicoldgicas nascem nesse mesmo momento, © homem, 30 ter & atitude filoséfica de se indagar, indaga seu prprio pensamento,indaga como se dé o conhecimento. © debrugar-se sobre 0 pensamento € sobre o conhecimento faz com ave © homem passe a ter como: referéncia ele proprio, 0 que significa em outras palavras, abordar questdes humanas subjetivas como sonhios, meméria, sensaga0, percepgao ¢ tantas outras. Esta conscientizagdo nao € exatamente “a do eu subjetivo, mas a consciéneia gradual das leis que determinarh a esséncia humana” (JAEGER, 1988, p.10). Se a filosofia é uma forma de conhecimento construida pelo homem, a cigncia também o €. Segundo Andery (1988, p.15) ‘A cigneia & uma da forma de conhecimento produzido pelo homem no desorrer de sua historia. Portanto, a ciéncia também é determinada pelas nevessidades materiais do homem em cada momento hist6rico, ao mesmo tempo que nelas interfere. Assim, podemos concluir que a Psicologia, enquanto ciéncia, € produgao humana e sendo produgio humana, deve ser analisada e entendida do ponto de vista histérico, de acordo com a produgdo da existén humana dos homens que se detiveram no estudo do psiguismo humano. Como destaca Antunes (1989, p-32-33) “a reflexo sobre 0 que é a Psicologia, de onde vem, para que ¢ quem serve, é algo to imprescindivel para 0 psicdlogo como o contatido de suas teorias ¢ o dominio de suas técnicas’ ‘Tendo esta premissa como guia no presente estudo, isto é que 0 homem na sus atividade prética desenvolve idéias acerca de si mesmo, € importante, pars © estudo da istéria da Psicologia, a investigagao do desenvolvimento dessas idias. Tais iis, embora estejam no bojo da Filosofia ¢ esta, como forma de pensamento, se earacteriza pela reflexio critica, ov seia, a nfo aceitagio pura e simples das coisas da vide, mas sim a investigagao compreensio daquelas, so idéias psicologicas porque © universo a ser entendido € 0 universo do psiguismo, que se uaduz em conceituagdo acerea da consciénela, sensagio, pereepgdio, dentre outros. A justificativa para o presente estudo se dé, a0 nosso ver, m8 necessidade de * compreensto da transformagio daquelas idéias em Psicologia cientifiea, ou seja, como ss aquelas idéias se lbertaram da Filosofia e propiciaram o surgimento de uma ciéneia - a Psicologia, Seu entendimento deve se dar na e pela relagdo do homem com outros homens € com a natureza. A Filosofia, sendo considerada como uma forma de conhecimento 10 Li, ul organizado e ordenado, evidencia, enquanto atitude reflexiva, 0 conceito do proprio homem acerca de si mesmo ‘A conscigncia de si leva 0 homem a elaborar os primeiros conceitos sobre a subjetividade humana. Segundo Bock (1995, p.23),-“a-subjetividade 6, portanto, 0 mundo construfdo internamente pelo sujeito, a partir de suas relagdes sociais, de suas vivencias no mundo ¢ de sua constituigao biolégica; é, também, fonte de suas manifestagdes afetivas e comportamentais”. A preocupagio do homem com as chamadas atividades subjetivas so tao antigas quanto as primeiras formas de aparecimento do pensamento racional, ou seja, quando o homem pensa acerca do mundo, dos outros homens ¢ de si mesmo, elabora idéias psicologicas, idéias que se referem a processos individuais e subjetivos como, por exemplo, as percepgGes e as emogdes*. Ele cria idéias, entre clas as idéias psicolégicas, ele cria a cigneia como forma de compreenso do mundo e, entre estas ciéneias, cria a Psicologia, tendo como objetivo o entendimento do que hoje chamamos subjetividade, bem como a interpretagiio desta na sua relagdo com 0 mundo e com outros homens. [sto significa que a Psicologia pode ser considerada uma ciéncia social e seu objeto © homem. 3. A Psicologia na Historia - Concepeio Histérico- Cultural Defendemos, entio, nfo s6 a po idade, mas a necessidade de se estudar a Psicologia na dimensio historico-social do homem. Sé desta forma é possivel alcancar as origens de sua transformagio em ciéncia, envolver-se em seus debates atuais, na perspectiva que o homem tem uma relacdo dinamica com a sociedade na qual vive. Infelizmente, 0 que se pode notar na formaga0 do psicdlogo é, ainda, uma concepgao de Psicologia tra ional, voltada para uma visto médica, centrada na doenga, e de cardter individualista (BOCK, 1999b). Esta formagdo se vincula a concepgio de historia da Psicologia, aqui apontada, como aquela que trabalha com os fendmenos psicolégicos de forma abstrata, o que leva a idéi da Psicologia ser uma cién ¢ profissdo meramente técnica, que se basta, sem ter que dialogar com a historia e outras ciéncias afins. * Bock (1995, p. 23) considera estes processos como fenémenos psicologicos que constituem a subjetividade foumana, WL 12 Provavelmente, poucos ou talvez nenhum estudante de Psicologia, ao ingressar no curso, tenha claro que optou por esta profissio porque gosta de Historia ou Filosofia. Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, em 1988, publicada no livro Quem é 0 Psicélogo Brasileiro, os motivos apontados, quando da escolha da profisslio, podem ser classificados em trés aspectos: Dos ‘motives voltados para si’ emerge a busca de mudancas; daqueles “motives voltados para o outro’ evidencia-se a orientagdo de ajuda e, finalmente, dos ‘motivos voltados para a profissdo’ fica patente a atracao fascinio que 0 psiquico exeree sobre as pessoas (CARVALHO et al, 1988, p.56). Os resultados da pesquisa possibilitam inferir que boa parte dos estudantes ¢ profi nais de Psicologia no Brasil volta a sua atuagdo para a chamada Psicologia tradicional na area clinica, que tem, historicamente, cardter privativo e individualizado. Mas, se as pessoas assim atuam, & porque houve e possivelmente ainda ha, motivos para se pensar que a Psicologia se compromete somente com a pessoa em nivel individual e nao com o individuo sujeito da Historia, Para entender a relagao da Psicologia como profisséo que lida com os individuos encerrados em si mesmos, temos que refazer o caminho da histéria da Psicologia - que ¢ o propésito do presente estudo -, bem como apontar mudaneas que ocorreram na politica educacional brasileira nos ultimos 30 anos. Quanto a hist6ria da Psicologia, de forma generalizada, podemos dizer que ela emerge como cigneia na medida em que se reconhece a instancia individual do homem na sociedade e que, por motivos sociais, politicos e econmicos, necessita ser normatizada, padronizada, Isto 6, a Psicologia s6 ganha espago no rol das ciéncias quando se tem 0 reconhecimento da “experiéncia da subjetividade privatizada”, bem como o reconhecimento da "experiéncia da crise desta subjetividade" (FIGUEIREDO; SANTI, 2002). Quando a doutrina liberal afirma a individualidade, a liberdade e a igualdade dos homens. € que se da © reconhecimento daquela subjetividade, entretanto o proprio homem percebe que estes principios sio mera ilusio e, ai, a subjetividade entra em crise. Quando os homens passam pelas experiéncias de uma subjetividade privatizada e a0 mesmo tempo percebem que ndo sio to livres © t20 diferentes quanto imaginavam, ficam perplexos. Poem-se a pensar acerca das causes e do significado de tudo que fazem, sentem © pensam sobre 12 les mesmos. Os tempos esto maduros para uma psicologia cientifica, (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 48-49). chegar nestes tempos que proporcionam a possibilidade das idéias psicolégicas acerca de processos individuais e subjetivas ~ se converterem em ciéncia, requer apreensio da historia da humanidade, do desenvolvimento do seu pensamento enquanto manifestagdo da sua condiso de vida material. Este é € wm motivo Pare estudar a histéria da Psicologia, Contudo, como pressupée uma concepedo critica, vamos fazer uma breve analise do porqué ela é tio ausente na formagdo educacional em nosso PB Sem querer discutir profundamente, aqui, a5 propostas implantadas nas miversidades nos dltimos 30 anos, temos que sssinalar que, por serem centres de exceléncia de formagio, foram categoricamente atingidas durante 0 periodo militar’. Isto significou uma reorganizayio educacionalfeita por patrulhament dos contetidos ensinados nessa instituigdo, nessa époea, com o objetivo de atender &s polfeas econdmicas externas que apoiavam o regime militar. ‘A reorganizagio feita pela lei n, 5.540, de 28/11/68, acarreiou grandes mudangas na organizagdo © funcionamento das universidades brasileiras ~ & departamentalizagdo dos cursos, matricula por diseiplinas, nomeacao de reitores ¢ vice-reltores pelos governadores- die modo a comprometer aquelas que seriam, por definigéo, centros de formagio da massa critica e incentivadores da pesquisa cientifica, Além de se criarem disciplinas de cunho (OSPB) € Estudos de Problemas vigilante, como Organizacao Social Politica ¢ Brasil Brasileiros (EPB), foram, concomitantemente, retirados os cursos de Filosofia até entio ininistrados no 2° grau. Bis uma lustragdo dos efeitos desta reorganizacio ‘educacional: Se a politica educacional brasileira ¢ orientada para & desenvolvimento Se a Porto, sob 0 prisma de um modelo de desenvolvimento capitate te objetivos e metas educacionais so conseqientementt elaborados, Segundo a determinagio do plano, nacional de desenvolvimento seeMomico, ¢ forgosamente slo voltados para a formagio de recimne Faenangs, onde a produsso do saber é direcionada exclusivamente Po 08 meios de produgZo, visando unicamente ao crescimento econdmico © Teimulo de riguezas de um grupo _minoritario, Assim, 9 aluno sci tiio, considerado como um SER histérico, alive ¢ criador, weaveido a um sujeto passivo, a-istérico, domesticado e dependente (PEREIRA, 1985, p-117) po tase RAL one = Nonsinse como periodo de regime da ditadura militar, © periodo de 100%» 1985, quando 0 pais foi Nemado por presidentes militares, cujo nico partido era as Foreas ‘Armadas, que comandava © Brasil ao evés de violencia e contra a vontade da maioria da populagdo. 13 ———————————<< ——— Embora, atualmente, alguns daqueles principios da Lei da Reforma Universitaria de 1968 tenham sido excluidos da vida académica de muitas universidades brasileiras - como a revogagao do regime de-créditos-que permitia a matricula por disciplinas e a implantagao do regime seriado anual e, a conquista da eleigio direta para reitores vice-reitores-, as conseqiiéncias, apés 30 anos, se fazem presentes pela vivéncia de universidades despolitizadas que, via de regra, nfo possuem o senso critico ora do momento istérico, pelo qual passa o Brasil, ora das ciéncias, as quais modelam seus cursos de formagao. Allis, a crise também se dé na ciéncia, na medida em que esta, enquanto um conjunto de conhecimento sistematizado e organizado sobre um determinado objeto, apresenta-se como um conhecimento "estitico de teorias ou leis" (TOMANIK, 1994). Tomando como exemplo nosso abjeto de estudo neste texto, a Psicologia, em termos do Brasil (que nao pode ser generalizado para outros paises, nem mesmo da América Latina), durante o sistema autoritério vigente no pais apés 1964, nao foi ameaca para 0 regime implantado, visto que a concepgdo dessa ciéneia se cristalizou na sua forma tradicional, que equivale a uma visdo estritamente individual de homem, pautada nas areas de atuagio da Psicologia - clinica, escolar e trabalho-, sendo mais evidente na area clinica. ‘Ao perscrutar individualmente respostes para conflitos, diluia-se a possibilidade de reflexdes mais coletivas. as quais poderiam remeter a questionamentos mais substantivos na direg3o de mudangas politicas. (LANGENBACH; NEGREIROS. 1988. p.88). Quando Gomide (1988) analisa a formago académica em Psicologia e suas deficiéneias aceita prontamente a andlise de Carvalho (1988, p.74), quando esta: -1 diz que a atual formacdo em Psicologia nao transmite a0 aluno - ou nao 0 leva elaborar - um conceito ampio de atuagao psicolégica; parece- nos que nao estamos formando profissionais capazes de construir a Psicologia, mas apenas de repeti-la. Somos, entdo, a manifestagio, ou melhor, a concretude, na atualidade, do passado autoritério imposto pelas politicas educacionais governamentais no Brasil, as quais bbuscaram, sem divida, o aprimoramento técnico em detrimento da anslise das teorias que embasam tais técnicas. Entretanto este quadro, por si s6, propicia-nos outras perspectivas 14 15 para compreensto ndo s6 da sua existéncia, como também de sua superagdo, através de um outro olhar de como a Psicologia foi se constituindo como ciéncia. Retomando 0 que afirmamos anteriormente, estudar a histéria da Psicologia & apreendé-la na sua totalidade enquanto-criagdo humana.-isto-é. compreender como, por que @ quando ela foi criada. Isto pode significar a compreensio do predominio de inhas tedricas e suas visdes de homem ¢ de mundo, a elei¢ao dominante de uma determinada érea de atuagio, 0 aparecimento de novas reas de atuagio. Estudar a histéria da Psicologia & também estudar a nossa histéria enquanto homens, produtores de conhecimento ¢, através deste estudo, situarmo-nos frente ao mundo em que vivemos e no qual vamos atuar profissionalmente, Por isso presente estudo se baseia em dois grandes motivos intimamente vinculados: um se relaciona com a necessidade de compreenséo da transformagao das idéias psicolégicas sob 0 ponto de vista cientifico, outro se relaciona com a possibilidade de apreenso do senso critico mediante 0 processo de transformago do ser passi ‘0 em ser ativo, criador ¢, portanto, ser com autonomia que € a capacidade de discernimento por si proprio. na historia real dos homens que se faz a histéria do pensamento humano e é, também, neste processo que o homem, ao se apropriar da sua humanidade, apropria-se dos fenémenos psicolégicos como algo que Ihe pertence. Assim, tanto 0 conceito como a constituigdio da subjetividade humana estio atrelados a processos de transformagao, tanto material como espiritual. Segundo Figueiredo, Santi (2002, p.18) Para que exista um interesse em conhecer o “psicolégico’ so necessérias duas condigdes (além naturalmente, da crenca de que a ciéncia com seus métodos e téenicas rigorosamente ¢ um meio insubstituivel para o conhecimento: a) uma experiéneia muito clara da subjetividade privatizada: e b) a experiéncia da crise dessa subjetividade, Ja entendemos, com base em Bock (1995), que a constituigdo da subjetividade humana é um processo que se faz pelas relagdes sociais do homem no mundo, portanto é historica. Se € histérica, pressupde determinadas formas de o homem se apropriar do mundo e de si mesmo. Este ato de apropriagdo implica reconhecer a humanidade do homem na sua peculiaridade; entretanto este reconhecimento s6 tem sentido se referenciado a totalidade da vida humana, se referenciado a vida material do homem (CAMBAUVA, 2000. P.80). 15 16 Posto que a vida material condiciona a forma de pensamento, a constituigio da subjetividade, nas sociedades pré-capitalistas, nfo se dé de forma plena, porque tanto esctavagismo que caracteriza a sociedade grega, como o feudalismo que caracteriza a sociedade medieval siio modos de produgio que se assemelham quanto & organizagio do trabalho quanto a organizagao social e forma de pensamento, Trata-se da passagem das sociedades ‘naturais’, ‘estiticas’ (todas as sociedades pré-capitalistas), para a sociedade capitalista enquanto primeira sociedade dinimica, a primeira sociedade puramente social. Essa passagem gera uma alteragdo qualitativa na individualidade humana, porque gera uma alteracio qualitativa no s6 na dindmica da reprodugao social, como também da dindmica da reprodugio dos individuos. (DUARTE, sid. p.162). Naquelas sociedades predominava a concepciio de mundo hierarquizado, estético, que propunha diferengas qualitativas entre 0 mundo terreno ¢ 0 mundo dos astros; a concepgio de subjetividade estava de acordo com estes ditames. Tanto a concepedo cosmocéntrica, propria da sociedade grega que coloca como referéncia para o homem a natureza - a physis - como a concepgiio teocéntrica da sociedade medieval que tem como referéncia a ordem divina nfo possibilitam ao homem uma apropriacdo plena de si. O homem desses momentos historicos esti intimamente ligado a estas fontes de referéncia & predeterminado por sua posigao social. 3 filésofos antigos consideravam que éramos entes participantes de todas 1s formas de realidade: por nosso corpo, participamos da natureza; por nossa alma, participamos da inteligéncia divina. Ll Os primeitos fildsofos cristaos e medievais afirmaram que podemos conhecer a verdade, desde que a razo nao contradiga a fe se submeta a ela no tocante as verdades ultimas e principais (CHAUI, 1995, p.113 - 114 e114). A sociedade capitalista, com suas caracteristicas peculiares - como producio de excedentes, classe trabalhadora assalariada, propriedade privada, relagao de troca mediada pelo dinheiro - pressupde uma nova forma do homem ser, pressupde uma nova forma de conhecimento. O homem passa a ser considerado como um homem livre, natural (em contraposigdo a qualquer atributo sobrenatural), que se faz por suas capacidades ¢ 16 7 potencialidades individuais. A idéia de que ¢ livre se baseia na idéia de que ¢ naturalmente dono de si e que deve buscar realizar-se guiado por seus priprios interesses. A ciéncia passa a ter carater instrumental, no sentido de servir ao novo modo de produgio. Se, nas sociedades pré-capitalisias, a estrutura social hierarquizada nav possibilivera a0 individuo mover-se socialmente — por meio de pré-determinagdes dadas pela filiaglo, classe social, idade - e © que mantinha a ordem era a autoridade extema, na sociedade capitalista, a estrutura social indmica possibilita 0 nascimento da idgia do individuo auténomo, aquele que independe de ordem externa para ser alguém, aquele que se pensa a partir de si mesmo, aquele que nfo busca o conhecimento em algo fora dele, mas que constr6i ou descobre a verdade a partir de suas préprias capacidades humanas natur: E assim que, segundo Figueiredo e Santi (2002) é formada a subjeti lade privatizada e ao mesmo tempo seu fracasso, pois, nas ciéneias séo criados métodos para garantir 0 conhecimento verdadeiro, como 0 Racionalismo e o Empirismo; sto estabelecidas as normas disciplinares como forma de ajustar o individuo aos padrées sociais, desenvolvem-se ciéncias que tém como objetivo compreender este homem. A Psicologia nasce para compreender 0 comportamento, os fendmenos psicolégicos, a subjetividade do homem garantir a sua adequagio & sociedade vigente. Em todas estas questdes se expressa © reconhecimento que existe um sujeito individual e a esperanca de que € possivel padronizi-lo segundo uma disciplina, normatizé-lo, colocé-lo, enfim, a servigo da ordem social Surge, deste modo, a demanda por uma psicologia aplicada, prineipalmente nos campos da educagao e do trabalho. eS E assim que no final do século XIX esto dadas as condi¢ées para a elaboragio dos projetos de psicolagia como ciéncia independente e para as tentativas de definigo do papel do psicdlogo como profissional nas freas de satide, educagio ¢ trabalho. . (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 49-50). Os fundamentos da Psicologia pautados ora nas Ciéncias Naturais, ora nas Ciéncias Humanas vao consolidar a cisto entre a objetividade ¢ a subjetividade. Conforme Figueiredo, ¢ Santi, a Psicologia desde seu nascimento pauta-se por contradicdes: Quando reconhece seu objeto (a subjetividade), pode ser considerada psicologia, mas ndo ciénci quando desconhece seu objeto pode ser considerada ciéncia, mas no psicologia. A concepedo de subjetividade e dos fendmenos psicolégicos normalmente assume caréter 7 mem com o context© da andlise das relagdes do ho individual, escapando, assim, qiéncia disto é uma prét inserido. A conse ca _psicologica natural ¢ it social no qual esta com o homem real e concreto. storia da Psicologia é compree! descompromissada Ciéneia. Compreender a his nder sua constituigao como Jrias teorias, € compreendé-la fo no sentido de analisar jstorico que se fazna € 6 apreender os conceitos psicologicns no interior de suas ¥ como produedo humana de modo a dar um salto qualitativ criticamente seus objetos € métodos, ¢ entender 0 homem como ser hi pela historia. « objetivos € a concepgio Materalista ‘A concepgdo de historia que serve a este Historica Dialética, que esté representada ne Psicologia pela Teoria Historico-Cul paseada em Vigotski (1896-19" (2001, p.17-18) tural, 34), que, segundo Bock, Fundamenta-se no marxismo ¢ adota © materialism histérico dialético Fundarfjosofia teoria e método, Nesse sentido, ‘cencebe 0 homem como Seyvoyesocialyenhiatricat ‘AVsooieUaeserasess historica dos framens que, através do trabalho, produzen! $8 vida material. As idéias, commemeepreventagaes da realidade material A realidade material, como fandada em contradigbes que se eXPressam 0 éi Pet ovimento contraditério constante do fet humane, base materia, deve ser compreendida ‘toda sua produgio de idéia, incluindo a ciéncia e a psicologis. 4 Consideragbes Final: Como ja apontamos, a historia da Psicologia praticamente ndo analisa & Psicologia es que a permelam fazem uma rupturs entre produtor € na historia, posto que as concep’ se faz na e pela historia produgio, Esta cis? como algo qui mundo externo. Fic vistas, imterior da logica do permitindo entendé-la como produrso humana que Jo se expressa na Psicologia, que ora trate a subjetividade co} fe se constitu por uma autonomi a fora da andlise das teorias psi fala de social, é sempre considerada como ume inst quando compreendidas de m objetividade e a subjetividade cento proprio e natural” como auténomos, com movim ‘A idéia de independéncia dos ten formal que da sustentagdo a cor universais, aprioristicas e absolutas. Predomina o $= mo algo natural, ora que independe do ia ontozénica do individuo, quando se icologicas a questo social ¢ tancia que independe do sui ‘odo independente “passam a Ser (GONGALVES. 2001, p- 47) lade se constitui no jeito. A mos objetividade ¢ subjetivid ncepedo de ser humano com caracteristicas ntido dieotémico de que uma coisa € 0 18, eee do €. Por sua vez, a l6gica dialética baseia-se na contradigdo, na determinagdo reciproca dos termos e por isso elimina a possibilidade de exclusio. Ao contririo da logica formal, a positividade do ser s6 € entendida se conter sua negatividade - 0 no ser. Desta forma, para-Bock (1999a, p.34): “O individuo s6 pode ser realmente compreendido em sua singularidade, quando inserido na totalidade social e hist6rica que determina e dé sentido a sua singularidade”. ‘Ao se compromissar com a l6gica formal, 0 psicélogo adere a concepgdes de historia que desligam 0 homem de sua produsio ¢ ratificam as priticas sociais vigentes, da teoria, uma pratica naturalizando o que é social e produzindo ideologia”. Produz a pa acritica em relagdo ao seu objeto de estudo. A Psicologia Hist6rico-Cultural, eujos fundamentos estdo no Materialismo Histérico Dialético, prope a relagdo de reciprocidade entre a subjetividade ¢ objetividade, isto é, para a compreensio do mundo intemo ha que se compreender o mundo extemo, as mediagdes sociais que expressam a constituigao do que € particular. Tal relacdo permite a compreensio do homem em sua totalidade, em um processo de constante transformagio externa, produtor da histéria que se manifesta na eriagdo ¢ aperfeigoamento de instruments, ¢ interna, na “impressio” desta histbria coletiva em cada individuo particular, ha apropriagdo dos signos culturais que possibilitam o desenvolvimento das fungies psicol6gicas superiores. A atuaglo pritica do psicélogo, quando da mudanca de visio de homem e de mundo, fundamenta-se na compreensdo de que no hé um homer universal pronto para desabrochar, nem hé um homem que se realiza individualmente (GONGALVES, 2001, p.50). Entendemos, assim, que recuperar a essencialidade do sujeito € compreendé-lo como set histérico e social, concebendo a relagdo objetividade ¢ subjetividade numa relagio de unidade dos contrrios Desse modo, a teoria da Psicologia aqui defendida, e que tem em Vigotski seu maior representante, prope, a um sé tempo, a eritica as psicologias existentes ¢ uma nova ‘concepgao de homem e de mundo para esta ciéncia e profissao. © jdeologia, segundo Chaui (1981), € um conjunto de ides que tem como objetivo ocultar as mediages que levam A constituigdo de um fenémeno. Tem como fungi esconder como as fendmenos se constituem. 19 20 Referéncias. ANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciéneia. Rio de Janeiro: Espago ¢ Tempo, EDUC, 1988. ANTUNES, M. A. M.. Psicologia ¢ Hist Historia: Uma relagonecessaria?.-In: Ps set. 1989. AQUINO. R. S. L. et al. Historia das sociedades das comunidades primitivas as sociedades medievais. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1980. BOCK. A M...B.; FURTADO, 0. 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