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O poder da mente sobre o corpo e a realidade em “A Hora da Estrela”:

efeito placebo e nocebo


Pablo Lirio Rodrigues de Oliveira

RESUMO: O presente trabalho dedica-se a uma análise sob uma ótica neurocientífica do romance “A
Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. Para isso, está centrada a análise na neurose da personagem
Macabéa, que reflete em sua percepção de mundo, sentidos. Além disso, serão abordados termos e
estudos neurocientíficos que examinam a influência da mente sobre o corpo e suas traduções enquanto
efeito placebo e nocebo.

Palavras-chave: neurocientífica; neurose; Macabéa; mente; corpo.

ABSTRACT: The present work is dedicated to an analysis of the novel "A Hora da Estrela" from a
neuroscientific perspective. To achieve this, the analysis is centered around the neurosis of the character
Macabéa, which reflects in her perception of the world and her senses. In addition, terms and
neuroscientific studies that examine the influence of the mind on the body and their translations as
Placebo and Nocebo effects will be discussed.

Keywords: neuroscientific; neurosis; Macabéa; mind; body.

INTRODUÇÃO

No processo de testes de qualquer droga/farmacêuticos, além de sua segurança, é


testada a sua eficácia. Para isso, geralmente, divide-se o grupo de pessoas que se
voluntariaram para o estudo em três, sendo o primeiro o daqueles que não receberam
nada, ou seja, o ponto de referência; o segundo, é o daqueles que receberam o
tratamento, e o terceiro dos que receberam o placebo. Intrigantemente, o grupo de
indivíduos ao qual é fornecido placebo tem resultados, às vezes, idênticos aos daqueles
que realmente tomaram a medicação.

O placebo, na medicina, corresponde a uma amostra de medicamento


propositalmente sem eficácia (geralmente composto por amido de milho, açúcar ou
água). Trata-se da substância que será usada nos estudos de eficácia ou pode
corresponder ao efeito positivo gerado pela crença de uma previsível melhora de estado
de saúde mediante influência externa sendo essa influência externa na verdade
fisicamente nula. Isso é, quem recebe o placebo, obrigatoriamente, não sabe se está
recebendo o farmacêutico real ou o placebo.

Pensar a conexão entre os dois parágrafos. “A Hora da Estrela” é a mais afamada


obra de uns dos ícones da literatura brasileira, Clarice Lispector. Essa autora não se
dizia feminista, talvez por medo, mas quem saberá? A personagem principal desta obra
é um reflexo de seu narrador e de determinadas mulheres da época em que a obra foi
publicada. Macabéa era uma datilógrafa que trazia consigo uma carga de inseguranças.
Ela era tão insegura que, apesar de desejar, coragem não tinha de roubar ósculos da
vida.

Além do placebo, existe um outro tipo de efeito muito interessante, também


condicionado por nossas mentes, o efeito Nocebo. Ele é perceptível, na narrativa, por
exemplo, quando conhecemos Macabéa e sua neurose em: “Mas a tia lhe ensinara que
comer ovo fazia mal para o fígado. Sendo assim, obedientemente adoecia, sentindo
dores do lado esquerdo oposto ao fígado. Pois era muito impressionável e acreditava em
tudo o que existia e no que não existia também” (LISPECTOR, 2020, p. 30). Na
passagem, podemos percebê-lo na crença errônea de Macabéa que gerava
consequências sensoriais negativas, sendo assim, há o oposto do placebo, uma vez que
não se tem o efeito positivo/de cura.

Partindo dessa noção de que é possível intervir na função sensorial por meio da
cognitiva, podemos admitir que a percepção de realidade dos indivíduos é influenciada
pelo conhecimento do mundo que o cerca. O que novamente vem a atingir Macabéa,
pois, na construção do romance, a personagem somente vem a descobrir que vivia uma
vida de miserável momentos antes de ser atropelada por um carro, importante pontuar
que luxuoso, pois naquele momento em que ela ousou gritar e sonhar com algo melhor
o Universo com U maiúsculo não pôde deixar passar a oportunidade de mostrar-nos sua
indiferença.

Pois, então, saiba que este artigo tem como propósito trazer todos estes
questionamentos à tona, discursá-los, e fundamentá-los nos princípios mais básicos da
neurociência e pelo raciocínio metafísico com um tantinho assim de ontologia. Quanto à
relevância do mesmo, creio que não possa lhe assegurar. É o relevante aquilo que se é
compreendido e utilizado? Ou o bem estruturado gramaticalmente e pertinente a uma
classe seleta de indivíduos letrados? Tentarei andar no limiar dos dois conceitos de
utilidade (eu compactuo com impacto das palavras). Para isso, deixando de lado o teatro
de S.M., estruturarei o vosso artigo em três seções: “Placebo, Nocebo e crenças
limitadoras ou libertadoras (PNCLL)” e “Realidade e sua verdade sólida, imutável e
indiferente (RVSII)”.
PLACEBO, NOCEBO E CRENÇAS LIMITADORAS OU LIBERTADORAS
(PNCLL)

David Foster Wallace, em sua fala para uma equipe de formandos na faculdade
da Pensilvânia, em 2005, “Isto é Água”, estabelece uma metáfora com o que seria a
água para os peixes, segundo ele a água em que o peixe está determina sua configuração
padrão de pensar e agir, segundo ele, a água é o ambiente em que estamos insertos e,
para que possamos mudar nossa configuração, temos que mudar nossa água pois essa é
agente direta da formação das nossas crenças mais profundas e em como vemos e
interagimos com o mundo.

a mesmíssima experiência pode significar duas coisas completamente


diferentes para duas pessoas diferentes, dado que essas pessoas têm
dois padrões de crença diferentes e duas maneiras de construir sentido
a partir da experiência (FORESTERWALLACE-2012)
Em adição à fala de Forester, diz-se que quando duas pessoas constroem
sentidos diferentes da mesma experiência elas, em adição, interagem de maneiras
diferentes com o meio externo, ou seja, as crenças delimitam o modo de agir, assim
como ocorre com Macabéa que cresceu em um ambiente altamente ignorante (no
sentido literal do termo) e limitador.

Importante pontuar que o termo “ignorância”, nesse assunto, diz respeito ao não
alinhamento das crenças com a realidade. Nesse ponto, é possível refletir sobre como as
crenças ignorantes podem ser divididas em duas, as positivas e as negativas, no entanto,
para que exista bom e mau, é preciso que também exista um eixo ao qual eles são
opostos, que não será a não correspondência da percepção com a realidade, mas sim a
vantagem que a ideia traz à vida da pessoa, podendo ser negativa ou positiva.

Um exemplo de crença não correspondente à realidade, mas ainda assim


vantajosa vinda de Macabéa pode se perceber no trecho:

Saiu da casa da cartomante aos tropeços e parou no beco


escurecido pelo crepúsculo — crepúsculo que é hora de ninguém. Mas
ela de olhos ofuscados como se o último final da tarde fosse manchar
de sangue e ouro quase negro. Tanta riqueza de atmosfera a recebeu e
o primeiro esgar da noite que, sim, sim, era funda e faustosa.
Macabéa ficou um pouco aturdida sem saber se atravessaria a rua
pois sua vida já estava mudada. E mudada por palavras — desde
Moisés se sabe que a palavra é divina. Até para atravessar a rua ela
já era outra pessoa. Uma pessoa grávida de futuro. Sentia em si
uma esperança tão violenta como jamais sentira tamanho desespero
(LISPECTOR, 2020, p. 82)
Vantajosa a crença é, pois confere a Macabéa a vontade de viver para viver e a
audácia de desejar, assim, potencializando a personagem, no entanto em questão de
linhas após esse trecho o universo lembra-nos de que há limites para o que cremos,
limites para o placebo e o Nocebo. O que nos leva à segunda ação.

* * *

Para tudo há limites. As crenças limitadoras e libertadoras dizem respeito


somente à interação do indivíduo no meio, ou seja, se há alguma coisa fora do alcance
dessas leis é aquilo que não lhe examina, que não sabe que você está lá, os eventos
totalmente externos que tem você enquanto sujeito passivo de sua narrativa.

Então ao dar o passo de descida da calçada para atravessar a rua, o Destino


(explosão) sussurrou veloz e guloso: é agora é já, chegou a minha vez! E enorme como
um transatlântico o Mercedes amarelo pegou-a — e neste mesmo instante em algum
único lugar do mundo um cavalo como resposta empinou-se em gargalhada de relincho.
(LISPECTOR, 2020, p. 82)

No trecho acima evidencia-se a ironia do universo que se manifesta na mais pura


indiferença a como nos sentimos, A tragédia de Macabéa, sua hora da estrela se dá além
de por conta das suas crenças limitadoras e passado de natureza ignorante, mas sim pela
mais pura indiferença do universo.

A tragédia de Macabéa, no entanto tem um caráter determinístico, nem tudo que


ela imaginava influenciava no resultado dos eventos que a cercavam, o universo
indefere, talvez se ela tivesse tido um pouco mais

* * *

Em suma o que pode se concluir a respeito deste artigo é que A Hora da Estrela
tráz Macabéa enquanto vítima de sua própria mente, escrava de crenças e valores a ela
entregues na infância que fizeram dela uma miserável, tudo isso de uma perspectiva que
faz com que pareça propositalmente autora de sua tragédia, talvez para dar um senso de
controle sobre as vidas das Macabéas leitoras.

https://www.voitto.com.br/blog/artigo/o-que-e-crenca-limitante

https://www.ibccoaching.com.br/portal/exemplos-de-crencas-limitantes/

https://www.psicanaliseclinica.com/crencas-limitantes/

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