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om Naa read So I ‘A Importancia do ‘Observador Humano ‘Os Avancos Iniciais da Fisiologia (© Mapeamento Interno das Fungoes Cerebras ‘© Mapeamento Externo das FungBes Cerebral, © tstudo 60 sistema Nervoso © Espirito do Mecanicismo Os Primérdios da Psicologia Experimental Torque a Alemanba? Hermann von Helmholtz (1821-1894) A Biografia de Helmholtz Contibuigdes de Helmholtz ‘0 Imputso Neural, a Visio e a Audicio Emst Weber (1795-1878) © Limiar de Dois Pontos As Diferencas Min ? Gustav Theodor Fechner (1801-1887) ‘A Biogrtia de Fechner A Relagto Quantitativa Entre Mente e Corpo Os Métodos Psicoiscos Texto Original: Trecho sobre Pricofsica Extraido de lerents of Psychophysics (0860), de Gustav Fechner A Fundagao Oficial da Psicologia As Influéncias Fisiolégicas na Psicologia A Importancia do Observador Humano Tudo comecou em 1795, com uma diferenga de cinco décimos de segundo observada por dois astronomos. O reverendo Nevil Maskelyne (1732-1811), astrénomo da realeza Inglesa, percebeu que o tempo decorrido e obser- vado pelo seu assistente na passagem de uma estrela de um ponto a outro era inferior ao seu. Maskelyne repreen- deu-o pelo engano e alertou-o para que fosse mais cuida- doso, O assistente assim procedeu, mas as diferencas aumentaram. Maskelyne relata: Devo mencionar que meu assistente, st. David Kinnebrook, que observava criteriosamente 0 movi- ‘mento das estrelas ¢ dos planetas por todo © ano de 1794 e parte do presente ano, obedecendo aos mes: mos procedimentos por mim utilizados, passou a registrar a partir do inicio de agosto pasado meio segundo de atraso em relagao as minhas observacées, ¢, em janeiro do ano seguinte, ou seja, em 1796, ele aumentou seu erro em oito décimos de segundo, ai CAPITULO 3 ASINFLUENCIAS FISIOLOGICAS NA PaiCOLOGA 57 4 Infelizmente, suas observagdes prosseguiram por um periodo consideravel, antes que eu notasse o etro e ndo me parecia possivel resolver esse problema e tetornar ao método cor- reto de observasio, portanto, embora relutante, visto ser ele um 6timo € cuidadoso assis- tente em diversos aspects, acabei dispensando-o, (Apud Howse, 1989, p, 169.) Kinnebrook foi demitido e caiu no esquecimento sem tomar conhecimento de que, afinal, ndo havia cometido erro algum e desempenhara um importante papel, embora inadvertidamente, na fundacao da nova ciéncia da psicologia, O incidente de Kinnebrook foi ignorado por 20 anos, até o fendmeno tornar-se obje- to de investigacao do astronomo alemao Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846), que esta- va interessado em estudar os erros de medicdo. Ele suspeitava que aqueles “erros” do assistentte de Maskelyne deveriam ser atribuidos as diferencas individuals — distingoes pessoais sobre as quais as prprias pessoas nao tém controle. Sendo assim, raciocinou Bessel, as diferencas podem ser encontradas entre os tempos observados por todos os astronomos, fenémeno que passou a ser chamado de “equacio pessoal”. Bessel conti- nuou investigando essa hipotese € constatou que estava correto. Mesmo entre varios astronomos experientes, as divergéncias eram comuns. Bessel chegou a duas conclusdes com sua descoberta: (1) 0s astrénomos devem levar em consideracdo a natureza humana do observador, ja que as caracteristicas e as percep- ‘GGes pessoais necessariamente influenciam as observacOes; (2) se a astronomia deve levar em conta o papel do observador humano, certamente ele € importante também nas outras cléncias que dependem dos métodos de observacio. Fil6sofos empiristas, como Locke e Berkeley, debateram a natureza subjetiva da per- cepgao humana, usando como argumento a afirmagdo de que nem sempre ha —ou que muitas vezes nao ha — correspondéncia exata entre a natureza de um objeto € a nossa percepedo desse objeto. O trabalho de Bessel ilustrou ¢ corroborou a teoria com os dados de uma ciéncia pura: a astronomia. Assim, os cientistas foram forgados a concen- trar-se no papel do observador humano como responsavel pelos resultados das expe- riéncias. Conseqtientemente, os cientistas comegaram a estudar 0s 6rgaos dos sentidos humanos — os mecanismos fisiol6gicos por meio dos quais recebemos informagdes a respeito do universo, como forma de investigagao dos processos psicol6gicos da sensa- 0 e da percepca0. Desse modo, os fisiologistas comegaram a aplicar essa metodologia no estudo da sensagao e a psicologia estava a um passo de seguir 0 mesmo caminho. Os Avangos Iniciais da Fisiologia {A pesquisa fisiol6gica que estimulou ¢ orientou a nova psicologia era produto do traba- Iho cientifico do final do século XIX. Assim como todos os demais esforcos, esse também teve predecessores, trabalhos iniciais que the serviram de base. A fisiologia tornou-se uma disciplina voltada aos experimentos, durante a década de 1830, principalmente sob a influéncia do fisiologista alemao Johannes Milller (1801-1858), defensor do método expe- rimental. Milller ocupava posi¢ao de prestigio como professor de anatomia e fisiologia da University of Berlim. Fra um fendmeno na producao de trabalhos, publicando em média ‘um trabalho académico a cada sete semanas, Manteve esse ritmo por 38 anos € suicidou- se durante uma crise depressiva. 58 Historia 04 PsicovoGia MooeRNA Uma de suas obras de maior influéncia, Handbook of the physiology of mankind, fot publicada entre 1833 e 1840. Seus volumes contém o resumo das pesquisas fistolégicas desse perfodo e sistematizam um vasto conhecimento a respeito da drea. Eles apresen- tam muitos estudos novos, sinalizando o répido crescimento do trabalho experimental. primeiro volume foi traduzido para o inglés em 1838, ¢ 0 segundo em 1842, confir- mando 0 interesse dos cientistas de varios outros paises além da Alemanha na pesquisa fisiol6gica Sua teoria da energia especifica dos nervos também foi muito importante para a fisiologia e a psicologia. Miiller afirmava que a estimulagio de determinado nervo sem- Pre provocava uma sensagdo caracteristica, porque cada nervo sensorial possuia energia especifica propria, Essa nogo estimulou a realizagio de muitas pesquisas para localizar as fungdes dentro do sistema nervoso € apontar os mecanismos sensoriais receptores nas regides periféricas do organismo. O Mapeamento Interno das Fun¢ées Cerebrais Muitos dos primeios fistologistas realizaram suas pesquisas diretamente nos tecidos cerebrais e essas contribuigdes foram substancials para o estudo das fungdes do cére- bro. Esses esforgos foram as primeiras tentativas de mapeamento das fungdes cerebrais, ou seja, de determinar as partes especificas do cérebro responsdveis pelo controle das diferentes fungdes cognitivas. A importéncia desse trabalho para a psicologia nao se restringe 4 delimitacao das areas especializadas do cérebro, como reside também no refinamento dos métodos de pesquisa que mais tarde viriam a ser amplamente usados na psicologia fisiol6gica ‘O médico escocés Marshall Hall (1790-1857), na época trabalhando em Londres, foi © pioneiro na investigacao do comportamento por reflexo. Hall observou que os animais decapitados continuavam a se mover por algum tempo mediante o estimulo de varias terminagoes nervosas. Chegou a conclusdo de que os diversos niveis de comportamento tém origem nas diferentes partes do cérebro e do sistema nervoso. Mais especificamen- te, Hall postulava que o movimento voluntério dependia do cérebro; 0 movimento de reflexo, da medula espinhal; o movimento involuntério, da estimulagao direta dos mtis- culos, € o movimento respiratério, da medula. ‘A pesquisa do professor de histéria natural da College de Franca, de Paris, Pierre Flourens (1794-1867), envolvia a destruicao sistemética de partes do cérebro e da medu- la espinhal dos pombos, bem como a observacao das conseqiiéncias. Flourens concluiu. que 0 cérebro controlava os processos mentais mais elevados; partes do cérebro médio controlavam 05 reflexos visuais e auditivos; 0 cerebelo, a coordenacio, ¢ a medula, 0 batimento cardiaco, a respiragdo e outras fun¢des vitais. As descobertas de Hall e Flourens, embora consideradas validas no aspecto geral, s0 secundarias para os nossos propésitos em relag4o ao uso do método de extirpagéo, no qual o pesquisador tenta determinar a funcao de uma parte especitica do cérebro, remo- vendo-a ou destruindo-a e observando as conseqiientes mudangas no comportamento do animal. Extirpagdor técrica para defn funcio gle determinada parte do cerebro animal, destruindowa para observar as mudancas no comportamerto smovendo-a ou 60 Hisroaua 04 PsicoLocia MODERN mento mais inteligente em animais com cérebros maiores do que nas espécies com cére- bros menores, No entanto, quando comecou a investigar o formato do cérebro, Gall aventurou-se por um tertitério controverso. Ele fundou um movimento chamado cra- nioscopia, mais tarde conhecido como frenologia, cuja proposta afirmava que o forma- to do cranio de uma pessoa revelava suas caracteristicas intelectuais e emocionais. Sua reputacdo caiu rapidamente quando promoveu essa idéia ¢ ele ndo era mais visto pelos colegas como um respeitével cientista, mas como um charlatéo e uma fraude. Gall acreditava que, quando uma habilidade mental, como a consciéncia, a benevo- léncia ou a auto-estima, fosse particularmente bem desenvolvida, devia existir uma pro- tusdo ou uma saliéncia correspondente na superficie do cérebro, na regio controladora dessa caracteristica, Se a capacidade fosse inferior, haveria um afundamento no cranio. Depois de examinar as saliéncias e os afundamentos de muitas pessoas, Gall mapeou a localizagao de 35 atributos humanos (veja a Figura 3.1). Um aluno de Gall, Johann Spurzheim, e um frenologista escocés, George Combe, contribuiram muito para a popularizagao do movimento, Viajaram por toda a Europa € pelos Estados Unidos, dando aulas e demonstragdes a respeito da frenologia. Sociedades foram formadas e a leitura dos crénios tornou-se tao difundida que varios empresdrios, americanos usavam a técnica para selecionar funcionarios. Os praticantes da frenologia afirmavam poder usar o método para avaliar o nivel de inteligéncia da crianga e aconse- Ihar casais com dificuldades no casamento. Desse modo, a crenca na aplicagao da freno- logia aos problemas praticos foi a principal raz4o para seu sucesso nos Estados Unidos. Embora tenha chamado a atengao do piblico até o inicio do século XX, a frenologia como tentativa cientifica de localizacao das funcdes cerebrais logo caiu em descrédito. A critica mais veemente em relacao a cranioscopia de Gall teve como base a pesqui- sa conduzida por Pierre Flourens. Ao destruir sistematicamente as partes de um cérebro (usando 0 método da extirpacio), Flourens descobrii que o formato do cranio nao cor- respondia aos contornos do tecido cerebral subjacente. Além disso, o tecido cerebral era delicado demais para produzir alteragoes, tais como protuberancias ou afundamentos, na superficie 6ssea do cranio. Flourens e outros fisiologistas também demonstraram erros nas areas designadas por Gall para as fungdes mentais especificas, Portanto, se voce esti- ver procurando alguma saliéncia ou afundamento no seu cranio, pode ficar certo de que eles nao revelam qualquer caracteristica sobre 0 funcionamento intelectual ou emocio- nal do seu cérebro. Gall fracassou na tentativa de mapear a parte externa do cérebro, no entanto suas {déias reforgaram a crenca, cada vez mais forte entre os cientistas, na possibilidade de se localizar as fungdes especificas do cérebro com a aplicagao do método clfnico, da extir- pacdo e dos estimulos elétricos. oO Historia On-line http://www.pages.britishlibrary.net/phrenology Contém a historia completa da frenologia, inclusive referéncias a varias fon tes adicionais de informacéo. http://134.184.33.110/phreno/index.html Um site atipico que continua a defender 0 uso da frenologia. Apresenta a his- toria do movimento, uma bibliografia e exemplos atuais de aplicagbes pratica. 62. HistORIA DA PsicoLocia MODERN O Estudo do Sistema Nervoso Durante esse perfodo, também foi realizada uma quantidade considerivel de pesquisas sobre a estrutura do sistema nervoso. Até aqui, vimos duas descrigdes da atividade neu- teoria do tubo de Descartes ¢ a teoria das vibracoes de Hartley. Quase ao final do século XVIII, 0 pesquisador italiano Luigi Galvani (1737-1798) sugeriu que os impulsos nervosos seriam elétricos. © sobrinho de Galvani, Giovanni Aldini, deu continuidade ao seu trabalho e um historiador relatou que ele misturou na pesquisa séria um pouco de espeticulo. Em uma das exibigdes mais horren- das, destinadas a enfatizar a eficacia dos estimulos elétricos na obtencio dos movimen- tos espasmédicos dos musculos, Aldini exibit as caberas decapitadas de dois criminosos. (Boakes, 1984, p. 96.) trabalho experimental prosseguiu com tamanha rapidez que, em meados do sécu- lo XIX, 0s cientistas aceitaram como fato comprovado a natureza elétrica dos impulsos nervosos. Passaram a crer que o sistema nervoso constituia-se essencialmente de um con- dutor de impulsos elétricos e que o sistema nervoso central funcionava como uma esta- so de transferéncia, desviando os impulsos para as fibras nervosas sensoriais ou motoras. Embora essa posi¢io representasse grande avanco na teoria do tubo nervoso de Descartes e na teoria das vibragdes de Hartley, em termos de conceito era semelhante. Ambas as teorias, a antiga e a mais recente, tinham como base o reflexo: um elemento do mundo exterior (0 estimulo) provoca impacto no érgao do sentido e, assim, excita 0 impulso nervoso, que segue até 0 local adequado do cérebro ou do sistema nervoso cen- tual e ali reage, criando novo impulso, que € transmitido através dos nervos motores para acionar a resposta do organismo. A direcao seguida pelos impulsos nervosos no cérebro e na medula espinhal foi des- coberta pelo médico espanhol Santiago Ramon y Cajal (1852-1934), professor de anato- mia da escola de medicina da University of Zaragoza e diretor do Museu de Zaragoza. Pelas descobertas, recebeu a medalha Helmholtz da Academia Real de Ciéncias de Berlim em 1905 e 0 Prémio Nobel em 1906, Ramén y Cajal teve dificuldades para divulgar suas descobertas a comunidade académica, ja que a lingua espanhola nao era utilizada nas Publicagées especializadas da época. Frustrado, ele “multas vezes ficou decepcionado ao ler sobre as ‘novas’ descobertas, nas revistas inglesas, alemas ou francesas, do que na rea- lidade eram redescobertas do seu trabalho publicado muito antes em espanhol” (Padilla, 1980, p. 116). Sua situacao ¢ outro exemplo das barreiras enfrentadas pelos cientistas que trabalham fora do circulo da cultura dominante. (Os pesquisadores também estavam estudando a estrutura anatémica do sistema ner- voso. Descobriram que as fibras nervosas eram compostas de estruturas separadas (neu- rOnios) ¢ de alguma forma conectadas a pontos especificos (sinapses). Essas descobertas coincidiam com a imagem mecanicista do funcionamento humano. Os cientistas acre- ditavam que o sistema nervoso, assim como a mente, era constituido de estruturas de ‘4tomos, particulas de matéria combinadas para produzir um produto mais complexo. O Espirito do Mecanicismo ) O espirito do mecanicismo era predominante na fisiologia do século XIX, assim como dominava a filosofia da época. Nao havia outro lugar em que esse espirito se destacasse CariTuL0 3 AS INALUENCIAS FISIOLOGICAS NA PSICOLOGIA 63. tanto como na Alemanha. Na década de 1840, um grupo de cientistas, muitos dos quais. ‘ex-alunos de Johannes Maller, fundou a Sociedade de Fisica de Berlim. Esses clentistas, todos na faixa dos 20 anos, estavam comprometidos com uma Gnica proposta: a expli- cago de todos os fendmenos pelos principios da fisica. (© grupo desejava relacionar a fisiologia com a fisica, ou seja, desenvolver a fistolo- la com base no quadro de referencia do mecanicismo. Em um gesto mais dramético, Quatro dos cientistas prestaram um juramento solene e 0 selaram, como reza a lenda, ‘com o proprio sangue. Essa declaracao estabelecia que as tinicas forcas ativas dentro do organismo eram as forcas psicoquimicas comuns. E assim, as linhas se entrelacaram na fisiologia do século XIX: o materialismo, o mecanicismo, o empirismo, 0 experimenta- lismo e a medi¢io. ‘A evolucio inicial da fisiologia indica os tipos de técnicas de pesquisa ¢ as descober- tas que fundamentaram a abordagem cientifica da investigagio psicologica da ments. Enquanto os fil6sofos abriam o caminho para o ataque experimental da mente, os fisio- logistas realizavam experiéncias para investigar os mecantsmos que esto por trés dos fendmenos mentais. O passo seguinte era a aplicago do método experimental na mente propriamente dita. ‘Os empiristas britanicos argumentavam que a sensagio era a tinica fonte de conhe- cimento, O astronomo Bessel demonstrou o impacto da observacio das diferencas ind- Siduais na sensaco e na percepcio. Os fisiologistas estavam definindo a estrutura ¢ 2 Fungio dos sentidos. Era chegada a hora de estudar e quantificar esse porto de entrada para a mente: a experiéncia mentalistica e subjetiva da sensagao. As técnicas disponiveis para a investigaco do corpo passaram a ser aperfeicoadas para a exploracio da mente. ‘A psicologia experimental estava pronta para comesar. Os Primordios da Psicologia Experimental [As primeizas aplicagoes do método experimental a mente, ou seja, ao que consistia no objeto de estudo da nova psicologia, sao creditadas a quatro cientistas: Hermann von Helmholtz, Ernst Weber, Gustav Theodor Fechner e Wilhelm Wundt. Todos eram cien- tistas alemaes especializados em fisiologia e clentes da impressionante evolucao da ciéncia moderna. Por que a Alemanha? ‘A ciéncia estava em franco desenvolvimento na maior parte da Europa ocidental no século XIX, principalmente na Inglaterra, na Franga ena Alemanha, O entusiasmo, 2 onsciéncia e o otimismo na aplicagdo das ferramentas cientificas aos diversos temas de pesquisa ndo estavam concentrados em nenhuma nacdo especifica. Entao, por que 4 Pst Eotogia experimental teve inicio na Alemanha e nao na Inglaterra, Franca ou em outro focal? A resposta parece estar em algumas caracteristicas exclusivas da ciéncia alema que a tornaram o solo mais fértil para o crescimento da nova psicologia. ‘A abordagem clentifica alema, Durante um século, a hist6rla intelectual da ‘Alemanha preparou o caminho para a ciéncia experimental da psicologia. A fisiologia experimental estava bem estabelecida e era reconhecida por um estagio ainda nao atin sido pela Franca e pela Inglaterra. O famoso temperamento alemao adaptava-se bem 20 64 Hist0R18 04 PscoLoGin MooERNA trabalho preciso de classificagao e de descrigdo exigido em biologia, zoologia e fisiologia. Enquanto cientistas franceses e ingleses favoreciam o tratamento matemético dedutivo, 0 alemaes, com énfase na coleta minuciosa e completa dos fatos observaveis, adotavam a abordagem indutiva, As ciéncias biol6gicas ¢ fisiologicas no dio muita margem a generalizagoes que per- mitam a dedugio dos fatos, pot isso, a aceitacdo da biologia foi lenta na comunidade cientifica inglesa e francesa. Por outro lado, a Alemanha, munida de sua fé na descrigao € classificagio taxondmica, recebeu de bracos abertos a biologia como um membro da familia das ciéncias. Mais tarde, os alemdes acabaram por definir integralmente a ciéncia, que na Franga ena Inglaterra limitava-se @ fisica e 4 quimica, duas reas passiveis de serem abordadas quantitativamente. A ciéncia alema incluja areas como a fonética, a lingiistica, a his- t6ria, a arqueologia, a estética, a légica e até mesmo a critica literdria. Os estudiosos franceses ¢ ingleses eram céticos em relacao a aplicagdo da ciéncia 4 complexa mente humana. Os alemaes, nao, ¢ por isso deram um salto 4 frente, usando as ferramentas da ciéncia para explorar e medir todas as facetas da atividade mental. © movimento reformista nas universidades alemas. No principio do século XIX, uma onda de reforma educacional voltada aos principios da liberdade académica inva- ditt as universidades da Alemanha. Os professores foram encorajados a ensinar 0 que desejassem, sem interferéncia externa, e a escolher os temas das proprias pesquisas. Os alunos tinham liberdade para escolher as matérias que desejassem cursar, sem a imposi- a0 de um curriculo fixo obrigatorio. Essa liberdade, desconhecida nas universidades da Inglaterra e da Franca, também se estendeu para as novas areas da pesquisa cientifica, como, por exemplo, a psicologia. O estilo universitario alemao criou o ambiente ideal para o surgimento da investiga- ‘cdo cientifica. Os professores escolhiam os préprios temas das aulas, além de contarem com laboratorios bem equipados para orientar os alunos nas pesquisas experimentais. Nao houve outro pais que promovesse a ciéncia de forma tao ativa. A Alemanha também proporcionou grandes oportunidades para aprendizagem ¢ ratica de novas técnicas cientificas; temos aqui um exemplo do impacto das condigdes econémicas prevalecentes na época (um fator contextual). Havia muitas universidades na Alemanha. Antes de 1870, ano em que fora unificada e dotada de um governo cen- tral, a Alemanha consistia-se de uma confederacao dispersa de reinados, ducados e cida- des-estado auténomos. Cada um desses distritos era provido de universidades bem financiadas com um corpo docente bem-remunerado € equipamentos de laboratério com tecnologia de ponta. ‘Naquela época, a Inglaterra possufa apengs duas universidades, a Oxford e a ‘Cambridge, ¢ em nenhuma delas havia incentivo, auxilio nem financiamento para pes- quisas cientificas de qualquer disciplina. Além disso, a politica académica era contraria 4 implementacdo de novas areas de estudo no curriculo. Em 1877, a Cambridge vetou 0 pedido de inser¢ao de aulas de psicologia experimental porque poderia “ser um insulto a religido colocar a alma humana em uma balanca de medicao” (Hearnshaw, 1987, p. 125). A psicologia experimental ficou fora do curriculo da Cambridge por 20 anos e foi ministrada somente em 1936 na Oxford. A tinica maneira de praticar ciéncia na Inglaterra cra maneira de um nobre cientista, vivendo com independéncia econémica, como fizeram Charles Darwin e Frands Galton (Capitulo 6). A situagao na Franca era semelhante. Nos Estados Unidos, a primeira universidade dedicada a pesquisa surgiu apenas em 1876, com a fundacdo da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland. CAPTULO 3S INFLUENCIAS FISIOLOGICAS NA PSICOLOGA 65, Portanto, nao havia outro local com oportlinidades melhores para a pesquisa cien- tifica do que a Alemanha. Em termos praticos, pode-se afirmar que era possivel ganhar a vida como pesquisador cientifico na Alemanha, mas ndo na Franga, na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Assim, as chances de alguém se tornar um professor respeitado ¢ bem-remunerado eram maiores na Alemanha do que em qualquer parte, embora nao fosse facil alcangar as posig6es mais elevadas. O promissor cientista universitario era obrigado a produzir uma pesquisa que fosse considerada pelos colegas uma grande con- tribuicdo, para o trabalho ser visto como algo mais que apenas uma tese de doutorado. Conseqtientemente, a maioria das pessoas selecionadas para as carreiras universitarias eram do mais alto calibre e, assim que passavam a fazer parte do corpo docente, rece- biam ainda mais pressao para a publicagdo de trabalhos. Embora a competicao fosse intensa e as exigencias elevadas, a recompensa valla todo o esforco. Somente o melhor obtinha éxito na ciéncia alema do século XIX € 0 resultado foi uma série de feitos alcancados em todas as ciéncias, inclusive na nova psi- cologia. Portanto, 0 fato de terem sido os professores universitarios alemaes as pessoas diretamente responsaveis pelo crescimento da psicologia clentifica nao ¢ simples coin- cidéncia. Hermann von Helmholtz (1821-1894) Hermann von Helmholtz, um dos maiores cientistas do século XIX, fol um pesquisador produtivo na fisica e na fisiologia. A psicologia vinha em terceiro lugar nas suas reas de contribuicao cientifica, embora seu trabalho, juntamente com o de Fechner 0 de ‘Wundt, fosse fundamental para o inicio da nova psicologia. Ele dava énfase ao tratamen- to mecanicista e determinista, partindo do principio de que os 6rgdos sensoriais huma- nos funcionavam como méquinas. Apreciava também as analogias técnicas, como, por exemplo, comparar a transmissao dos impulsos nervosos com a operagao do telégrafo (Ash, 1995). A Biografia de Helmholtz Nasceu em Potsdam, na Alemanha, onde seu pai era professor do Gymnasium (no siste- ma educacional europeu, curso de nivel médio preparatorio para a universidade). Helmholtz recebia aulas particulares em casa, devido a fragilidade da sua satide. Aos 17 anos, matriculou-se no instituto médico de Berlim, que isentava das mensalidades os alunos que se comprometessem a servir como cirurgides do exército apés a graduacao. Helmholtz serviu durante 7 anos, perfodo em que prosseguiu com os estudos de mate- mitica € fisica e publicou diversos artigos. Em um trabalho cujo tema era a indestrutibi- lidade da energia, utilizou-se de formulas matematicas para criar a lei da conservagao da energia. Depois de deixar 0 exército, Helmholtz aceitou a posi¢ao de professor-assisten- te de fisiologia da University of Konigsberg. Nos 30 anos seguintes, recebeu nomeacdes académicas em fistologia nas universidade de Bonn e Heidelberg e em fisica em Berlim, Extremamente entusiasta, Helmholtz dedicou-se a diversas areas académicas. Ao rea- lizar uma pesquisa de fisiologia 6ptica, inventou o oftalmosc6pio, utilizado até hoje para examinar a retina. Esse instrumento revolucionério possibilitou a realizacdo de diagnos- ticos e tratamentos de doengas da retina. Como conseqiiéncia, seu nome “espalhou-se 66 HISTORIA D4 PscoLOGIA MODERNA rapidamente por todo o publico ¢ universo académico. Em um piscar de olhos progre- diu na carreira e tornow-se reconhecido mundialmente” (Cahan, 1993, p. 74). Tudo isso 0s 30 anos. Seu trabalho em trés volumes sobre a éptica fisiolégica, Handbook of physiological optics (Manual de dptica fisiolégica), 1856-1866, exerceu uma influéncia tao intensa € duradoura que foi traduzido para o inglés 60 anos depois. Em On the sensations of tone, 1863, publicou uma pesquisa a respeito dos problemas actisticos, resumindo as proprias descobertas e juntando o restante da literatura disponivel. Também escreveu trabalhos referentes a varios assuntos, como a imagem persistente, o daltonismo, a escala musical ‘rabe-persa, o movimento dos olhos humanos, a formagio das geleiras, os axiomas geo- métricos e a febre do feno. Anos mais tarde, contribuiu indiretamente para a invengéo do telégrafo sem fio e do radio. No outono de 1893, voltando de uma viagem aos Estados Unidos que incluiu uma visita a feira mundial de Chicago, Helmholtz sofreu uma queda a bordo do navio. Menos ‘de um anos depois, sofreu um ataque que o deixou semiconsciente e em estado de deli- rio. Sua esposa relatou: “Seu pensamento oscilava confusamente entre a vida real e 0 sonho, 0 tempo ¢ o lugar, tudo misturado em sua mente. (...) Era como se sua alma esti- vvesse distante, bem longe, em um mundo ideal muito bonito, embalado apenas pela ciéncia e pelas leis eternas” (apud Koenigsberger, 1965, p. 429). Contribuicées de Helmholtz: 0 Impulso Neural, a Visdo e a Audicaéo As pesquisas de Helmholtz de interesse para a psicologia sao as referentes a velocidade do impulso neural e sobre a visdo e a audigao. Os cientistas aceitaram a teorla de que 0 impulso nervoso era instantaneo, ou pelo menos que viajava rapidamente demais para ser medido. Helmholtz forneceu a primeira medica empirica da velocidade de conducdo, estimulando um nervo motor € 0 miisculo anexo da perna de um sapo. Ele preparou a demonstracao de forma que registrasse 0 momento exato do estimulo e do movimento resultante. Trabalhando com nervos de diversos comprimentos, observou 0 tempo entre a aplicacao do estimulo no nervo proximo ao misculo e a reagio muscular e fez 0 ‘mesmo estimulando um nervo mais distante. As medigoes resultaram no tempo neces- sario para a condugao do impulso neural: aproximadamente 27 metros por segundo. Helmholtz também pesquisou os tempos de reacdo dos nervos sensoriais em seres humanos, estudando 0 circuito completo desde a estimulagao do érgio do sentido até a reag4o motora resultante. As descobertas mostraram enormes difereneas individuais, além de divergéncias entre um experimento e outro com a mesma pessoa, de modo que ele acabou abandonando a pesquisa. A demonstragao de Helmholtz de que a velocidade de conducao nao era instanténea evantou a hipotese de que o pensamento e o movimento seguem um ao outro em inter- valo mensurével e n4o ocorrem simultaneamente, como se pensava. No entanto Helmholtz estava interessado na medicao propriamente dita, e nao no significado psico- 6gico. Mais tarde, as implicagdes da pesquisa na nova psicologia foram reconhecidas por outros cientistas que realizaram experiéncias bem-sucedidas, relacionadas com 0 tempo de reagio. O trabalho de Helmholtz foi um dos primeiros pasos na experimentacao e na medigao de um processo psicofisiolégico. ‘Os estudos sobre a visao provocaram impacto na nova psicologia. Helmholtz pesqui- sou os misculos externos do olho e © mecanismo por meio do qual os miisculos inter- CarTULO 3 AS INTLUENCIAS FISOLOGICAS NA PSICOLOGA 67. ‘nos focalizam 0 cristalino, Ele estudou e aprofundou a teoria da visio cromatica publi- cada em 1802 por Thomas Young, Esse trabalho ficou conhecido como a teoria de Young-Helmholtz. A pesquisa a respeito da audigao também é muito importante, mais especificamente, da percepcao dos tons, da natureza da harmonia e da desarmonia e 0 problema da ressondncia. A influéncia permanente das suas idéias e experiéncias é evi- dente pelo fato de ainda serem mencionadas nos livros didaticos de psicologia moderna. Ele também se concentrou nos beneficios praticos ou aplicados da pesquisa cientifi- ca. Nao concordava com a idéia da conducao de experiéncias apenas para o acimulo de informagoes. Para ele, a missio do cientista era coletar a informacao e estender ou apli- car aquela enorme quantidade de conhecimento aos problemas priticos. Veremos adian- te mais avancos dessa abordagem na escola de psicologia funcionalista que fincou raizes nos Estados Unidos (Capftulos 7 e 8) Helmholtz nao era psicblogo, nem a psicologia foi o seu principal interesse; no entanto, sua contribuicdo tomou-se uma vasta ¢ importante fonte de referéncia para ‘estudo dos sentidos humanos, além de haver fortalecido a abordagem experimental para ‘a andlise das questoes psicolégicas. oO Hist6ria On-line http://www.gap.des.st-and.ac.uk/~history/math Apresenta a biografia e fotos de Helmholtz, além de referencias a outros tra- balhos a ele relacionados. http://www.geocities.com./bioelectrochemistry/helmholtz.htm Mais informacbes biograficas de Helmholtz, fotografias, algumas de suas aulas originais e opinides sobre suas contribuicbes para a ciéncia Ernst Weber (1795-1878) Filho de um professor de teologia, Ernst Weber nasceu em Wittenberg, Alemanha. Obteve 0 doutorado na University of Leipzig, em 1815, onde lecionou anatomia ¢ fisio- logia até aposentar-se, em 1871. Sua principal area de interesse em pesquisa, e da qual foram extrafdas suas maiores contribuigdes, eram os 6rgaos dos sentidos. Assim, aplicou ‘0s métodos experimentais da psicologia aos problemas de natureza psicol6gica. As pes- quisas anteriores com os 6rgios dos sentidos foram realizadas quase exclusivamente sobre os sentidos superiores da visdo e da audicdo. Weber explorou novos campos, mais especificamente as sensagdes cutdneas ¢ as musculares. O Limiar de Dois Pontos Uma contribuiggo muito importante para a nova psicologia refere-se & determinagao experimental exata da distingao entre dois pontos da pele, ou seja, o intervalo de tempo da distancia entre dois pontos antes de o individuo experimentar duas sensacdes distin tas. Encostando nas pessoas um aparelho semelhante a um compasso, sem que elas vis- sem, Weber pedia que descrevessem se sentiam um ou dois pontos tocando a pele. 68 HistoRa 08 PsIcOLOGIA MODERN Quando 0s dois pontos de estimulo estavam praticamente juntos, as pessoas afirmavam sentir apenas um. A medida que aumentava a distancia entre as duas origens do estimu- lo, as pessoas mostravam-se hesitantes quanto a experiéncia de sentir um ou dois pon- tos na pele. Finalmente, atingia a distancia em que os individuos relatavam sentir dois Pontos distintos tocando a pele. Esse procedimento demonstra 0 limiar de dois pontos, o ponto em que € possi- vel distinguir duas origens separadas de estimulo. A pesquisa de Weber marca a primei- 1a demonstragao sistematica experimental do conceito de limiar (0 ponto em que comeca a se produzir o efeito psicol6gico), nocéo amplamente usada na psicologia desde 0 seu inicio até os dias atuais. (No Capitulo 13, discutiremos 0 conceito do limiar aplicado & consciéncia, no ponto em que as idéias inconscientes da mente tor- nam-se conscientes.) Limiar de dois pontos: 0 limiar em que é possivel distinguir dois pontos de estimulo, As Diferencas Minimas Perceptiveis A pesquisa de Weber resultou na formulagao da primeira lei quantitativa da psicologia. Ele desejava determinar a diferenga minima perceptivel (Amp), ou seja, a menor dife- renga detectavel entre dois pesos. Pediu aos participantes da pesquisa para levantarem dois pesos, um padrao e um de comparacao, e relatarem se algum deles pensava ser um mais pesado que o outro. As diferencas menores entre os pesos resultaram no julgamen- to de igualdade e as maiores na avaliagao de disparidade. Diferenga minima perceptivel: & menor diferenca detectavel entre dois estimulos fisicos. Conforme prosseguia com o programa de pesquisa, Weber descobriu que a diferen- ca minima perceptivel entre dois pesos consistia em uma proporcao constante, 1:40, do eso padrao, Em outras palavras, um peso de 41 gramas possuia uma “diferenga minima perceptivel” do peso padrao de 40 gramas, e um peso de 82 gramas, uma diferenga mini- ma perceptivel de 80 gramas. ‘Weber, entdo, desejava saber como as sensacdes musculares contribuiam para a capa- cidade de 0 individuo distinguir entre dois pesos. Ele pensava que as pessoas seriam capazes de fazer essa diferenciaco com maior precisdo se elas mesmas levantassem 0 peso (recebendo nas maos € nos bracos as sensagdes musculares), € ndo com o peso sendo colocado em suas maos pelo pesquisador. Na verdade, o levantamento dos pesos envolve a sensacio tatil (toque) e a muscular, a0 passo que, se 05 pesos forem colocados nas palmas ddas mios, apenas a sensacao tat estara envolvida. As pessoas conseguiam sentir diferencas menores entre os pesos quando os levan- tavam (uma proporgdo de 1:40) do que quando eles eram colocados em suas mios (uma proporcao de 1:30). Assim, Weber chegou a concluséo de que as sensagdes mus- culares internas do primeiro exemplo exercem influéncia sobre a capacidade distinti- va do individuo. A partir dessas experiéncias, Weber sugeriu que a distingao entre as sensagdes ndo depende da diferenga absoluta entré dois pesos, mas da diferenca relativa ou da pro- porcionalidade. Nas experiéncias com as diferencas visuals, descobriu que a proporcao CAPTULO 3. AS INILLENCIAS FISOLOGICAS NA PSICOLOGA 69) H era menor do que nas sensacdes musculares. Assim, props uma razio constante para a diferenca minima perceptivel entre dois estimulos consistente para cada sentido humano. A pesquisa de Weber demonstrou que nao ha correspondéncia direta entre um esti- mulo fisico © a nossa percepgao desse estimulo. Entretanto, assim como Helmholtz, ‘Weber estava interessado apenas nos processos fisiolégicos e nao dava importancia ao significado do seu trabalho para a psicologia. Sua pesquisa proporcionou a criagéo de um. método de investigacio da relacdo entre o corpo e a mente — entre o estimulo e a sen- sagdo resultante, Esse foi um feito muito signiticativo e que passava a exigir uma atitu- de mais séria em relacao a sua importancia. As experiéncias de Weber estimularam outras pesquisas e concentraram a atencao dos fisiologistas posteriores na utilidade do método experimental no estudo do fendme- no psicolégico. O trabalho de Weber sobre os limiares e a medigao da sensacao foi da maior importancia para a nova psicologia e influenciou virtualmente cada aspecto da psicologia até os dias atuais. Gustav Theodor Fechner (1801-1887) Gustav Theodor Fechner foi um estudioso que buscou diversas conquistas intelectuais a0 longo de uma vida extremamente ativa, Foi fisiologista durante sete anos, fisico por 15, psicofisico por 14, estético experimental por 11, fil6sofo por 40 ¢ ficou invalido por 12 anos. Entre todas essas atividades, 0 trabalho com a psicofisica fol o que Ihe trouxe maior fama, embora nao desejasse ser tao lembrado pela posteridade. A Biografia de Fechner Fechner nasceu em uma vila no sudeste da Alemanha, onde o seu pai era clérigo. ‘Comecou a estudar medicina na University of Leipzig em 1817 e nesse periodo assistiu 4s aulas de Weber sobre fisiologia, Fechner passou o resto da vida em Leipzig. ‘Mesmo antes de se formar em medicina, sua visio humanista era contraria ao meca- nicismo dominante no estudo cientifico. Com 0 pseudénimo de “dr. Mises", escreveu sétiras ridicularizando a medicina e a ciéncia. Esse conflito entre os dois lados da sua per- sonalidade perdurou por toda a vida: o interesse na ciéncia e na metafisica. Visivelmente incomodado com a abordagem da corrente atomistica da ciéncia, criou um conceito ao qual chamou “visio diurna”, em que o universo era analisado do ponto de vista da cons- ciéncia, Essa defini¢ao opunha-se a idéia predominante da “visio noturna”, em que 0 universo, inclusive a consciéncia, consistia em nada além de matéria inerte. Depois de concluir o curso de medicina, Fechner iniciou a carreira na fisica e na mate- mética em Leipzig, além de traduzir manuals de fisica e quimica do francés para o alemao. Por volta de 1830, 4 havia traduzido dezenas de volumes, e essa atividade rendeu-Ihe 0 reconhecimento como fisico. Em 1824, comecou a lecionar fisica na universidade e a con- duzir a propria pesquisa. Em tomo do final da década de 1830, interessou-se pelo proble- ma da sensacdo e, durante uma pesquisa com imagens persistentes, feriu gravemente os olhos ao olhar diretamente para o sol através de lentes coloridas. Em 1833, Fechner obteve uma prestigiosa nomeagao para lecionar em Leipzig, quan- do caiu em profunda depressao, que se prolongou por varios anos. Queixava-se de can- 70 Histo 04 PsicoLOGA MODERNA sago e tinha dificuldade para dormir, Tinha uma digestao dificil © ndo sentia fome ‘mesmo quando seu corpo estava a beira da inanigéo. Sua sensibilidade a luz era extrema passava a maior parte do tempo em um quarto escuro com as paredes pintadas de preto, ouvindo a leitura que sua mae Ihe fazia através de uma abertura estreita da porta. Na esperanga de amenizar o tédio e a melancolia, tentava fazer longas caminhadas, inicialmente apenas a noite ou quando jé houvesse escurecido e, mais tarde, durante 0 dia, com os olhos cobertos com bandagens. Em uma espécie de catarse, escrevia poemas e criava adivinhag6es. Apelou para varias terapias alternativas, entre as quais 0 uso de laxantes, choques elétricos, tratamentos com vapor e a aplicacdo de substancias escal- dantes sobre a pele; mas nenhuma delas Ihe trouxe a cura. A doenga de Fechner pode ter sido de natureza neurética, Essa idéia surgiu devido a forma bizarra de sua recuperacdo, Uma amiga contou-Ihe um sonho em que ela prepa- rava-lhe uma refei¢ao com um presunto cru temperado e marinado em vinho do Reno € suco de limo, No dia seguinte, arrumou o prato € o serviu a Fechner, Ele experimen- tou, embora relutante, mas a cada dia comia mais presunto, afirmando que, de alguma forma, sentia-se melhor. A melhora do seu estado nao durou muito ¢, depois de scis ‘meses, os sintomas pioraram, chegando a ponto de ele temer pela sua sanidade — Fechner declarou: “Tinha a sensagdo clara de ter perdido para sempre a minha mente, a ‘menos que eu conseguisse refrear 0 fluxo de pensamentos perturbadores. Muitas vezes as minimas preocupacdes me incomodaram a ponto de levar horas e até dias para me ver livre delas” (Kuntze, 1892, apud Balance e Bringmann, 1987, p. 42). Fechner obrigou-se a cumprir um regime de tarefas rotineiras, uma espécie de terapia cocupacional, mas limitado a atividades em que nao fizesse uso dos olhos nem da mente, “Eu produzia fios e bandagens, fazia velas de cera (...) entolava fios e ajudava na cozinha, separando [¢} lavando lentilhas, fazendo farelos de pao e triturando o pao-doce até deixar apenas o agticar. Também descascava e cortava cenouras € nabos (...) e milhares de vezes desejei a morte” (Fechner in Kuntze, 1892, apud Balance e Bringmann, 1987, p. 43). Aos poucos renascia o seu interesse pelo mundo ao redor € ainda mantinha a dicta do presunto cru marinado no vinho. Teve um sonho em que aparecia o niimero 77, levando-o a crer que em 77 dias estaria curado. E, obviamente, ficou curado. A depres- sio transformou-se em euforia e em delirios de grandeza e ele afirmava ser 0 escolhido de Deus para resolver todos os mistérios do mundo. Essa experiéncia serviu-the de inspi- ragdo para a definicao do principio do prazer, que varios anos mais tarde influenciou 0 trabalho de Sigmund Freud (Capitulo 13). Embora 40 anos antes a Universidade de Leipzig o tivesse considerado invalido e the concedido uma aposentadoria vitalicia, ele viveu até 0s 86 anos na mais perfeita satide, contribuindo significativamente para a ciéncia. A Relacao Quantitativa entre Mente e Corpo Esta € uma data importante para a historia da psicologia: 22 de outubro de 1850. Naquela manha, Fechner estava deitado na cama, quando Ihe ocorreu a idéla sobre a ligagdo entre a mente e 0 corpo. Ele afirmou ser possivel encontrar essa liga¢do na rela- ‘cdo quantitativa entre a sensacdo mental e o estimulo material. Fechner alegava que o aumento na intensidade do estimulo nao produzia um incre- mento com a mesma proporedo na irftensidade da sensa¢ao. Ao contrario, a progressao geométrica caracteriza o estimulo, enquanto a progressio aritmética a sensacao. CAPTLLO 3 AS INRUENCISS FISIOLOGICAS NA PSICOLOGIA_71 Por exemplo: o acréscimo do som de um sitlo ao de outro que jé esteja tocando pro- duz um aumento maior da sensa¢o sonora do que a adicao de um sino a dez outros que ja estejam tocando. Portanto os efeitos da intensidade do estimulo nao sao absolutos, mas proporcionais intensidade da sensacao ja existente. Essa revelacao simples, porém brilhante, significa que a dimensio da sensacao (a qualidade mental) depende da quantidade de estimulos (a qualidade fisica). Para medir a mudanga na sensaco, é necessério medir a alteragdo no estimulo. Portanto é possivel formular uma relagdo quantitativa ou numérica entre o corpo e a mente, vinculando-os de forma empirica, possibilitando a realizacao de experiéncias com a mente. Embora 0 conceito estivesse bem claro para Fechner, como prosseguir com a teoria? 0 pesquisador deve medir com precisdo tanto o que é subjetivo como o que é objetivo — tanto a sensacdo mental quanto o estimulo fisico. Nao é dificil medir a intensidade fisica do estimulo, como a intensidade do brilho da luz ou o peso de um objeto padrao, no entanto como medir a sensa¢io, as experiéncias conscientes descritas pelas pessoas quando reagem ao estimulo? Fechner apresentou duas propostas para medir as sensagdes. Primeiro, determinar se o estimulo esta presente ou ausente, se foi sentido ou nao. Segundo, medir a inten- sidade do estimulo na qual as pessoas relatam a primeira sensacdo, ou seja, o limiar absoluto da sensibilidade, que ¢ 0 ponto de intensidade abaixo do qual a sensacao nao 6 percebida e acima do qual é sentida. Limlar absolute: porto de sensiblidade abalxo do qual as sensacoes nao sao detectadas € acima do qual elas s40 percebidas. Embora a idéia do limiar absoluto seja ttil, ela € limitada, j4 que apenas o valor do nivel mais balxo da sensagdo pode ser determinado. Para relacionar as duas intensidades € necessdrio especificar toda a faixa de valores do estimulo e os valores de sensacio resul- tantes. Para isso, Fechner apresentou o conceito de limiar diferencial da sensibilidade, que é a quantidade minima de alteracdo no estimulo que provoca uma mudanga na sen- sagao. Por exemplo: em que medida o peso deve ser aumentado ou diminuido para que a pessoa perceba a mudanga? Em quanto o peso deve ser aumentado ou dimunuido antes que ela relate uma mudanga na sensagio? Limiar diferencial: 0 ponto de sensibilidade em que @ menor alteracdo em um estimulo provoco uma mudanga na sensaco. Para medir a nogao de peso de determinada pessoa (qual a sensacdo que o peso pro- voca na pessoa), nao podemos usar a medi¢ao fisica do peso do objeto. No entanto pode- ‘mos usé-la como base para a medi¢do da intensidade psicol6gica da sensacao. Primeiro, medimos em que proporcao a intensidade deve ser reduzida para que a pessoa perceba a diferenga. Segundo, mudamos o peso do objeto para o seu Valor mini- mo e medimos novamente o tamanho do diferencial. Como as duas mudancas de peso sto apenas levemente perceptiveis, Fechner concluiu que eram subjetivamente iguais. Esse processo pode ser repetido até que o objeto seja levemente sentido pelo indi- viduo, Se cada redugio de peso for subjetivamente igual a qualquer outra, entao a quantidade de vezes que o peso deve ser reduzido —o ntimero de diferengas minimas 72. HISTOR DA PSICOLOGIA MODERNA perceptiveis — pode ser considerada a medicao objetiva da magnitude subjetiva da sensagdo. Desse modo, estamos medindo os valores dos estimulos necessérios para ctiar a diferenga entre duas sensagoes. Fechner sugeriu que, para cada sentido humano, existe determinado aumento relativo na intensidade do estimulo que sempre produz uma mudanca observavel na intensidade da sensagio. Portanto, € possivel medir a sensaco (a mente ou a qualida- de mental) ¢ o estimulo (0 corpo ou a qualidade material). A relagdo entre os dois pode ser expressa na forma de uma equagao: $ = K log R, em que S é a magnitude da sensa- a0, K € uma constante e R é a magnitude do estimulo. A relago € logaritmica, isto 6, uma sérle aumenta em progressao aritmética e a outra em progressao geométrica. Nos tiltimos trabalhos que escreveu, Fechner comentou que essa idéia para a descri- so da relagio mente-corpo nao Ihe ocorrera por ter lido trabalho de Weber, embora tivesse assistido as suas aulas na Universidade de Leipzig e Weber tivesse publicado sobre © tema alguns anos antes. Fechner continuou afirmando que desconhecia o trabalho de ‘Weber até comecar as experiéncias para testar a sua hipotese e que somente algum tempo depois percebera que o principio ao qual aplicara a formula matemética era basicamen- te o trabalho demonstrado por Weber. Oo Histéria On-line http://psychclassics.yorku.ca/Fechner/ Contém duas partes do livro de Fechner, Elements of Psychophysics (Elementos da psicologia). Os Métodos Psicofisicos A constatacdo de Fechner resultou imediatamente na sua pesquisa a respeito da psicofi- sica. (A palavra em si expressa a sua definicdo: a relacdo entre o mundo mental [psico] € © material {fisico].) Ao longo desse trabalho, que incluia experiéncias com o levantamen- to de pesos, a percepcao visual do brilho, a nogao de distancia visual e de distancia tatil, Fechner desenvolveu um método e sistematizou outros dois dos trés principais utiliza- dos na pesquisa psicofisica atual. Psicofisica: 0 estudo centifico das relagGes entre os processos mental fsic. 0 método do erro médio, ou 0 método do ajuste, consiste em o individuo ajustar 0 estimulo varidvel até sentir que ele é igual a um estimulo padrao constante. Realizadas varias tentativas, o valor médio das diferencas entre o estimulo padrao e o ajuste feito pelo individuo para o estimulo variavel representa o etro de observacao. Essa técnica serve tanto para a medicio do tempo de resposta, como para a distingao visual e auditi- va. Em um sentido mais amplo, € o principio basico de muitas das pesquisas psicologi cas, j4 que qualquer célculo de média envolve essencialmente o método do erro médio. © método do estimulo constante’ envolve dois estimulos constantes e tem como objetivo medir a diferenca de estimulo necesséria para produzir uma proporgao especifi- ca de julgamentos corretos. Por exemplo: primeiro a pessoa levanta um peso padrao de CaPTLLO 3 AS INFLUENCIAS FISOLOGICAS NA PSICOLOGA. 73 100 gramas e, em seguida, um peso comparativd de, digamos, 88, 92, 96, 104 ou 108 gra- mas. O individuo deverd dizer se 0 segundo peso é maior, menor ou igual ao primeiro. No método dos limites, dois estimulos (por exemplo, dois pesos) sao apresentados a pessoa. Um estimulo é aumentado ou reduzido até que ela relate ter notado a dife- renga. Os dados séo obtidos por meio de varias tentativas e somente as diferencas minimas perceptiveis sio consideradas para calcular a média e determinar o limiar diferencial. (© programa de pesquisa psicofisica de Fechner durou sete anos. Ele publicou dois trabalhos resumidos, em 1858 e 1859, e em 1860 apresentou o trabalho completo em Elements of psychophysics, um livro didtico a respelto da ciéncia exata das “relacoes fun- clonalmente dependentes (...) do material e do mental, dos universos fisico e psicologi- co” (Fechner, 1860/1966, p. 7). Essa obra é uma das primeiras contribuigbes de destaque para o desenvolvimento da psicologia cientifica. A afirmagdo de Fechner a respeito da relacdo quantitativa entre a intensidade do estimulo e a sensagio foi considerada, naque- la época, de importancia compardvel a descoberta da lei da gravidade. O material que se Segue foi extraido da obra Elements of psychophysics, em que Fechner debate a questao da diferenga entre a matéria e a mente, entre o estimulo e a sensacdo resultante. Na parte reimpressa neste livro, Fechner também faz a distin- go entre o que chamou de psicofisicas “interna” e “externa”. A psicofisica interna refere-se a relacdo entre a sensacio € a conseqiiente reacdo cerebral e nervosa. Na época de Fechner, nao foi possivel medir com preciso esses processos psicolégicos. Desse modo, ele optou por lidar com a psicofisica externa, ou seja, a relagdo entre o estimulo e a intensidade subjetiva da sensagao, medida por meio dos seus métodos psicofisicos. A Texto Original Trecho sobre Psicofisica Extraido de Elements of Psychophysics (1860), de Gustav Fechner. ‘A psicofisica deve ser entendida neste texto como a teoria exata das relacoes funcionalmen- te dependentes do corpo e da alma ou, mais genericamente, do material e do mental, dos, Luniversos fisico e psicolégico. Consideramos como mental, psicolégico ou pertencente a alma, tudo o que possa ser captado pela observacdo introspectiva ou que desse modo sirva de base para abstracao; enquanto corporal, corpéreo, fisico e material, tudo © que possa ser observado de fora ou ‘que assim sirva de base para abstracao. Essas designacdes referem-se exclusivamante 20s aspectos do mundo aparente, com cujas relacGes os psicofisicos deverdo ocupar.se, visto ser senso comum 0 uso de observac6es interna e externa para referi-se as atividades por meio dos quais a existéncia em si torna-se aparente. De qualquer modo, todas as discussbes e investigacées da psicofisica estdo relacionadas somente com o fendmeno aparente do universo material e mental, para um mundo que se apresenta diretamente por meio da introspec¢ao ou pela abservacao externa, ou, ainda, a partir do que pode ser deduzido da aparéncia ou percebido como uma relacdo fenomenold- gica, uma categoria, uma associacdo, uma deducdo ou uma lei. Em resumo, os psicofisicos 74 HistOmia 04 PsicoLocis MoDeRNA referem-se ao fisico no sentido da fisica e da quimica e ao psiquico no sentido da psicolo- Gia experimental, sem se referirem de algum modo & natureza do corpo ou da alma além do sentido metafisico do fendmeno. Em geral, chamamos de psiquica uma funcdo dependente da funcdo fisica e vice-versa, devido 8 existéncia entre elas de uma relacgo constante ou regida por leis e na qual, a par- tir da presenca e das alteragdes de uma, é possivel se deduzir 0 comportamento da outra, A existéncia da relacdo funcional entre corpo e mente geralmente no é negada; toda- via existe uma discussio ainda no resolvida a respeito das razes desse fato e sua interpre- tacao e abrangencia. Sem se referirem aos pontos metafisicos desse argumento (aspectos relacionados mais com a esséncia do que com a aparéncia), os psicofisicos consequem determinar a verdadei- ra relacio funcional entre os modos de aparéncia do corpo e da mente com a maior preci- so possive. Quais os abjetos pertencentes 20 mesmo grupo no aspecto quantitativo e qualitativo, estando distantes ou préximos, no mundo material e no mental? Quais as leis que regem suas mudancas na mesma direcdo ou em sentidos opostos? Essas s80 perguntas que os psi- cofisicos em geral formulam e tentam respondé-las com a maior exatidao. Em outras palavras, mas ainda sequindo 0 mesmo raciocinio: que objetos pertencem ‘20s mesmos modos internos e externos da aparéncia e quais 580 as leis relacionadas as res- pectivas mudancas? Devido a existencia da relagéo funcional unindo mente e corpo, na verdade ndo hé nada que nos possa impedir de olhar para essa relacao e buscé-la em uma e no em outra direcéo. Alguém pode ilustrar essa relacao adequadamente, usando uma funcéo matemé- tica, uma equacéo entre as varidveis x e y, ern que cada variével pode ser vista como fun- @o da outra e cada uma sendo dependente das mudancas da outra. Entretanto hé uma 220 por que os psicofisicos preferem a abordagem a partir da dependéncia da mente em. relaco 20 corpo em vez do contrario: ¢ porque o fisico esta imediatamente disponivel para medicao, enquanto a medicéo do psiquico é possivel somente ao consideré-lo dependen- te do fisico. (..) Pela sua natureza, a psicofisica pode ser dividida em uma parte externa e uma inter- nna, dependendo do foco da analise, se baseada na relacdo do fisico com os aspectos externos do corpo, ou se nas funcdes internas, com as quais o psiquico est intimamen- te relacionado. (..) ‘A verdadeira prova basica empirica para toda a psicofisica pode ser vista somente na esfera da psicofisica externa, visto ser ela a Unica parte disponivel para uma experiéncia ime diata, Portanto nosso ponto de partida deve ser obtido da psicofisica externa. No entanto, sem a referencia constante a psicofisica interna, pode nao haver o desenvolvimento da psi- cofisica externa, visto estar 0 universo externo do corpo funcionalmente relacionado com 2 mente apenas pela mediacao do mundo interno do corpo. (...) A psicofisica, que jé esta relacionada com a psicologia e a fisica pelo nome, deve, por uum lado, basear-se na psicologia e, por outro lado, proporcionar & psicologia a fundamen- tacao matematica. A psicafisica externa toma emprestado da fisica 0 auxllio e a metodolo- ia; a psicofisica interna inclina-se mais para a fisiologia e a anatomia, especialmente no que diz respeito ao sistema nervoso, com 0 qual se pressupde alguma relacao. (...) CaPTULO 3 AS INFLUENCIAS FSIOLOGICAS NA PSCOLOGIA 75 ‘A sensago depende do estimulo e uma sens4co mais forte depende de estimulos mais fortes; no entanto o estimulo provoca a sensacao somente mediante a acao intermediaria de alguns processos internos do corpo. Na medida em que sejam encontradas relagdes reai- das por lei entre a sensacéo e 0 estimulo, elas devem incluir as relagdes entre o estimulo e essa atividade fisica interna, que obedecem 85 mesmas leis gerais da intera¢ao dos proces- 505 corporais e, assim, fornecer-nos a base para as conclusdes gerais sobre a natureza dessa atividade interna. (...) De algum modo a parte das implicagdes resultantes da psicofisica interna, essas rela- {Goes regidas por lei, que podem ser examinadas na area da psicofisica externa, sdo dotadas de importéncia propria. Baseada nelas, como devemos ver, a medigao fisica produz uma 10 psiauica, na qual podemos levantar argumentos interessantes e importantes. No comeco do século XIX, o fil6sofo alemao Immanuel Kant insistia em afirmar que a psicologia nunca podia ser considerada ciéncia porque era impossivel medir — ou rea- lizar experiéncias com — os processos psicol6gicos. Devido ao trabalho de Fechner, que, a0 contrario, torou possivel a medigdo do fenémeno mental, a alegagao de Kant nao foi mais levada a sério. E foi principalmente com base na pesquisa psicofisica de Fechner que Wilhelm Wundt concebeu sua teoria da psicologia experimental. Os métodos usa- dos por Fechner mostraram-se aplicavels a uma ampla variedade de problemas psicol gicos nunca imaginados. E 0 mais importante de tudo: Fechner deu a psicologia aquilo que toda disciplina deve possuir para ser chamada de ciéncia: técnicas de medicao coe- rentes e precisas. A Fundagao Oficial da Psicologia Em meados do século XIX, 0s métodos das ciéncias naturais estavam sendo empregados para pesquisar fendmenos puramente mentais, Técnicas foram desenvolvidas, aparelha- ‘gens foram criadas, livros importantes foram escritos ¢ 0 interesse crescente se espalhava. Os astrénomos e fildsofos empiristas britanicos enfatizavam a importancia dos sentidos, © 0s cientistas alemaes descreviam o seu funcionamento. O espirito intelectual positivis- ta do periodo, o Zeitgeist, incentivava a convergencia dessas duas linhas de pensamento. No entanto ainda faltava alguém que pudesse uni-las e “fundar” a nova ciéncia. Wilhelm ‘Wind foi quem deu esse toque final. Temas para Discussao 1. Qual a importincia do trabalho de Bessel para a nova psicologia? Como esse trabalho estava relacionado com os trabalhos de Locke, Berkeley e de outros filosofos empiristas? 2. Como o desenvolvimento da fisiologia inicial serviu de base para a imagem mecanicista da natureza humana? Discuta 0s métodos desenvolvidos para 0 mapeamento das fungdes cerebrais. 3. Descteva o método da cranioscopia de Gall e o movimento popular dele ori- gindrio. Como cairam no descrédito?

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