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a da Cmenicas » HOE, dee ce tee SS 9 a N ¢ 52 toto (pass. Jo 24% ) —— Fiphi, fee b> G tabrol yotOr®, hegeronnin 4 bpiirO, Sa! HNMEES Bnet FHS 1S (ough). fader a dindaarea? une trobixoeeS . Poisyoler J: Vey, $19F. P34 -JaE e243 Bick fenddmentalisth no Tia ¢ ainda foram obrigados a suportar o humilhante episédio do seqiiestro dos seus diplo- qnatas ocorrido na mesma hora em que a OPEP infringia wm novo ‘choque energético’ nas economias capitalistas. Na At ‘ca, 0 fracasso das experiéncias desenvolvimentistas dos neiros governos independentes foi dando lugar a regimes que se antoproclamavam socialistas enquanto expandia-se a in- fluéncia militar soviética na EtiGpia, Somiélia, Angola, Mocam- bique, Guiné Bissau, Daomé, Madagascar, Zimbabwe ¢ Zaire. Eaté na América Central, multiplicaram-se as guerras civis em El Salvador ¢ Guatemala culminando com a vitoria sandinista na Nicaragua. Mesmo na Europa, a queda dos regimes conservadores aliados da Grécia, Portugal e Espanha foi seguida do apareci- mento do ‘terrorismo’ politico na Italia ena Alemanha, ¢ por tim momento jé nao se falava apenas em ingovernabilidade de- mocritica, cogitou-se de fato da possibilidade/eventualidade de tuma interrupgio dos processos democriticos. Foi assim que o mundo chegou ao final da década dos setenta: envolto por uma crise gigantesca ecarente de qualquer tipo de hegemonia, Estavam criadasas condigdes para grande vitéria conservadora responsivel pela reorganizacio do cend- rio politico mundial, ocorrida a partir de 1979, a verdadeira matriz da retomada americana e do processo da globalizacao financeira que vem reorganizando a ordem politica ¢ econé- ica mundiai mica mundis Th wwidod 6. Retomada americana: a restaveracao da ordem Depois de uma década de divisoes internas e de derrotas externas, a vitoria cleitoral das forcas conservadoras imps a0 governo americano uma decisio absolutamente crucial par Sie para o resto do mundo. Decidido a recuperar a lidera mundial dos Estados Unidos, o governo Reagan fez.uma opgio fundamental: entre “confrontar a comunidade financeira cos mopolita que controlava 0 mercado de eurodivisas (se persis 114 GLOBALIZACAO, HEGEMONIA EIMPERIO tisse em sua politica monetiria frouxa) ou buscar uma acomo- dagio (através de uma adesio mais rigorosa aos principios ¢ Aiptitica da moeda forte)” decidiu-se pela segunda alternativa criando as bases de “uma nova ‘alianga memorivel’ entre 0 poder do estado eo capital, e como conseqiiénciaafrouwidio das politicas monetérias norte-americanas que caracterizara toda a era da guerra Fria cedeu lugar a um rigor sem prece~ lentes” (Arrighi, 1994, p, 331). Encerrava-se a era do New Deal, no momento em que Washington devolvia a Wall Steet o comando de sua politica financcira. Estavam definidos os inveresses de chasse ¢ as bases ideoldgicas que orientariam o ergo smericano de recuperagio desta hegemona mia “om as cleigdes de Margaret Thatcher em - ath Kotler 1982 3 deco norte american cncontes 6 respaldo das forgas conservadoras inglesas e alemas para sus- tentar sua retomada hegem@nica e iniciar uma das “testaura- ges conservadoras” mais extensas e radicais da hist joderna, companheira inseparivel da “revolucao financeira tlobal” liberada definitivamente pelas politicas de desregula- 80 € deflacio dos novos governos conservadores. A partir deste momento, como num ‘efeito domind, todos os demais passindstriazadosforamadotandosuceivamenteasmes mas polticas, mesmo no caso dos governos socia-democ ae so dos governos social-d ratas: Estavam chegando ao governo das principais economias capitalistas as idéias nascidas da semente ultraliberal, plantada em 1944, pelo The Road to Serfdom de Friederich Hayek. E os Estados Unidos deixavam para trés as teorias geopoliticas cen con € Kissinger para retornar a visao demonfaca da Guer- i Os fundamentos ideol6gicos desta restauragio liberal-con- servadora resistiram 3 ‘era keynesiana’ e venceram a batalha D. Roosevel ar home: against the Welfare restate” (1994, p. 249), José Lats Fiori académica durante 0s anos setenta, quando o liberalismo de Hayeke o monetarismo de Milton Friedman foram premiados com o prémio Nobel de economia de 1974 e de 1976, respec- tivamente. Todas as vertentes do novo pensamento hegemd- nico convergiam em torno a um denominador comum: o ataque ao estado regulador e a defesa do retorno ao estado liberal idealizado pelos clissicos. Os estados keynesiano ¢ de- senvolvimentista foram transformados nos grandes respon- siveis pela estagflagao dos anos setenta atribuida aos seus desequilibrios orcamentirios provocados pelo crescimento do gasto pablico e, em particular, do gasto social ‘No campo econémico, a ‘restauragio neoclassica’ se trans- forma na politica da “supply side economics” ¢ da “deflagio competitiva” transformando em politicas de valor universal, © equilibrio fiscal, a desregulagio dos mercados, a abertura ‘das economias nacionais ea privatizagio dos servigos piiblicos. No campo politico, estas mesmas forcas conservadoras diag nosticavama crise dos anos setenta como uma ‘crise de gover- nabilidade’, atribuida aos excessos das democracias de massa estirmulados pelas politicas de gasto piblico de corte keyne- siano, E propunham uma redugao da participagio democritica e do estado como forma de reduzir o peso das “decisdes pii- * gomadas com base no calculo utilitirie dos burocratas ¢ politicos pressionados por corporagdes eleitoraise interesses econdmicos cada vez mais poder osos. Finalmente, no campo a crise dos setenta era atribuida a fragilidade norte-americana frente ao avango genetalizado da presenga soviética nos paises periféricos. Todos os caminhos e vertentes do diagnéstico feito pelas forgas conservadoras vitoriosas apontavam para a necessidade de um “redisciplinamento do mundo do trabalho e das peri- ferias mal comportadas”. E foi isto 0 que se assistiu, em maior ‘ou menor geau, em todos os paises que foram aderindo ao projeto por decisio politica propria ou por ‘imposicéo dos mercados’, Nos Estados Unidos como na Inglaterra a sucesso de decisoes que inaugurou a era conservadora foi paradigm’- a: primeiro iniciou-se 0 processo de desregulagio financei- 116 GLOPALIZACAO, HEGEMONIA & IMPERIO +a, mas quase ao mesmo tempo Margareth Thatcher usou mio de ferro para acabar com a greve dos mineiros do carvao, enquanto Ronald Reagan utilizava a lei Taft-Harley para in. tervire derrotar, de forma exemplar, a greve dos controladores de veo. Logo em seguida reformaram-se as legislagées traba- Ihistas reduzindo os direitos dos sindicatos e a possibilidade de greves. Sendo interessante sublinhar que sé bem mais tarde foi enfrentada aagenda fiscal eas privatizagGess6 comecaram, na Inglaterra, na segunda metade dos anos oitenta. ° Em todos 0s paises, mesmo nos governados pelos partidos socialistas, como Espanha, Franca, Itdlia, Grécia e Portugal, 0 mundo do trabalho e dos sindicatos foi derrotado, no inicio dos anos oitenta, perdendo direitos, empregose salarios. Uma derrota que adguiria tamanhas proporgdes com o avango da década que varios autoreschegaram afalar deuma “verdadeira cra de vinganga do capital contra 0 trabalho”. Até os anos roventa, 0 movimento sindical praticamente desapareceu do ico europeu ¢ norte-americano colocado na de- fensiva pela forga das novas legislagGes conservadoras e pelo medo do desemprego produzido pelas politicas deflacionistas, Por todo lado, 0 velho consenso ‘keynesiano’ em tomo ao crescimento, pleno emprego e eqiidade foi substituido pelo novo consenso ‘neoliberal’ em torno aos equilibrios macroe- conémicos, & competitividade global e a elicdcia empresarial e individual. Havia sido ‘restaurada a ordem’ no mundo do trabalho, enquanto se libertava o capital das peias da regula~ rmentacio estatal. Os Estados Unidos e a Inglaterra lideraram a liberago do movimento internacional dos capitais e a desregulagao das taxas de juros, sendo seguidos por quase todos os paises in- dustrializados, inaugurando a “etapa superior” da globalizacio financeira que explodira a partir de 1985 empurrada pelas flutuagies cambiase peas operacoes de securiizagio dos seus riscos. “E como em todas as expansées financeiras anteriores, «A mobilizagao da ‘vara de condo’ que dota o dinheiro estérl do poder de procriagéo, sem a necessidade de ele se expor aos problemas e riseos insepariveis da iniciativa produtiva asso 47 José Luts Fiori iou-se mais uma vez a uma escalada da luta interestatal de poder que criow oportunidades para 0 capitalismo ocidental desfrutar de mais um ‘momento maravilhoso” de riqueza ¢ poder sem precedentes” (Arrighi, 1994, p. 328 ¢ 330). ‘A nova “escalada da luta interestatal” se deu em varias frontes, mas se desenvolveu a partir de dois eixos articulados pela politica externa da Administragio Reagan: a diplomacia do dolar forte ea retomada norte-americana da guerra fria, A “diplomacia do délar’ foi responsivel pela gigantesca recessio, mundial dos anos 81-84, e pela quebra de varias economias hnacionais, como aparece descrito no ensaio de Maria Concei- cao" Tavares. Enquanto que a retomada da Guerra Fria acabou gerando efeitos em cadeia que se estenderam até o fim da Unido Sovitica. Kissinger relata que em uma de suas primeiras conferéncias de imprensa Reagan acusou a Unido Soviética de ser um império fora da lei preparado “para cometer qualquer crime, para mentir, para enganar, de modo a atingir seus ob- jetivos”, idéia reforgada em 1983, quando © mesmo Reagan voltow a referir-se A URSS como sendo 0 “império do mal”, Voltava-se de forma ainda mais radical aostempos da Doutrina ‘Truman: j4 nao se tratava apenas de conter 0 comunismo, tratava-se de derroté-lo. ‘Com Reagan inicia-se a chamada Segunda Guerra Fria, organizada em torno a quatro decisées estratégicas. A primei- 1a, foia de apoiar as forcas anticomunistas em todos os planos lugares do mundo, ajudando os movimentos dos “contras”, ‘em Angola como no Afeganistio, em Nicargua como na Etio- pia. A segunda, foi ade instalar—seguindoa doutrina da Mu- tually Assured Destruction — uma nova rede de misseis MX, de médio alcance, através do territério europeu a despeito da resisténcia dos pacifistas e da reticéncia de alguns governos cecuropeus. Uma rede de misscis controlados pela OTAN e do- tados da dupla fungio de ameagar o territério soviético e‘ado- car’ ocomportamento dos aliados europeus. Aterceira decisio foi a de levar 3 frente o projeto cientifico-tecnolégico militar da “Strategic Defense Initiative (SDI)” ¢ que ficou conhecido 18 PERIO GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA E. pelo nome popular de “Guerra nas Estrelas”. Mas foisua quar- ta decisio a que talvez ter4 maior impacto sobre a histéria futura da humanidade: manter a estratégia de Nixon ¢ Kissin- get com relagio & China. Com o reconhecimento diplomético norte-americano da China, em 1979, ¢a decisao inglesa, de 1982, de encertar seu dominio colonial asistico com a devolugao de Hong-Kong ao governo de Pequim, o Ocidente deu um impulso decisivo as iransformagdes econdmicas comandadas pelo governo Deng Xiao Ping, a partir de 1976, mas desenhadas nos anos sessenta por Chou en Lai, as suas famosas “quatro reformas moderni- zantes”. Desde 1976 que a China vinha recebendo apoio cres- cente dos capitais europeus. Mas com a abertura dos mercados norte-americanos.aos chineses estes puderam usufruir de uma condicio semelhante dos demais tigres asiéticos, sem ser um protetorado militar norte-americano. Conclufa-se a divisio do mundo comunistae redesenhava-se, simultaneamente,o mapa da competicio estatal dentro do Continente asiatico. Por fim, ainda na primeira metade dosanos oitenta,e num, cendrio de menor importéncia estratégica, os Estados Unidos completaram seu ‘redisciplinamento da periferia’, do ponto de vista militar, alinhando-se firmemente ao lado da Inglaterra na Guerra das Malvinas e realizando intervengées exemplares ‘no Panam ¢ em Granada, além de bombardear a Libiaearmar. uma estranha guerra no Oriente Médio entre seus principais adversarios no mundo do fundamentalismo islimico, o Ira ¢ 0 Iraque. E do ponto de vista econémico, impondo um ajus- tamento obrigatério das cconomias endividadas, particu- larmente no caso latino-americano, depois da moratéria mexicana de 1982, Chegavam ao firm as ambigbes de autono- mia econdmica das iltimas experiéncias desenvolvimentistas da América Latina na hora em que os Estados Unidos sacra- mentavam as experiéncias econdmicas neoliberais do Chile ¢ da Argentina, experimentados nos anos 70, ¢ agora trans- formados em modelo econdmico para toda a América Latina. 119 | José Luts Fiori 7. Retomada americana: a coordenagao hegeménica Em 1985, o mundo parecia de novo estar em ordem. Rea- gan colheu rpido os frutos de sua ofensivaa partir dachegada a0 poder na Unido Soviética, em 1985, da Glasnost e da Pe- restroika de Gorbachev. Por outrolado, 0 trabalho ea periferia haviam sido “redisciplinados”, a Europa estava alinhada com © novo projeto conservador ea liberagio dos capitais privados dera inicio a um processo intensivo de competigao e recentra- lizacio da riqueza, acompanhado da redugio da participagio salarial na renda dos paises industrializados. Os investimentos diretos estrangeiros se expandem velozmente ¢ comandam a acumulagao capitalista de uma riqueza registrada, cada vez ‘mais, em termos financeiros. Por um momento as condig6es favoreceram a construgio de um novo projeto hegeménico mundial dos Estados Unidos. Em Reykjavik, em 1986, ¢ logo em seguida em Malta ¢ em Washington, a Unido Soviética de Gorbachev e os Estados Unidos da segunda administragao Rea- gan chegaram a um acordo em torno da redugo, no prazo de ‘cinco anos, de 50% das suas forcas estratégicas ¢ decidiram pela destruicao de todos 0s seus misseis balsticos no prazo de dez anos. A segunda Guerra Fria chegava ao seu fim e o que fora um enfrentamento radical transformou-se na possibi- dade, inclusive, de uma parceria at6mica. Reagan, Thatcher ¢ Kohl reelegeram-se com facilidade, e quase todos 0s gover- nantes europeus apoiavam as novas diretrizes conservadoras. ‘Tudo parecia indicar que fora aplainado o caminho para uma nova era de prosperidade e hegemonia. [Neste contexto, 03 Estados Unidos comecaram a propor, de maneira precisa, o que pareciam ser as regras do novo ‘rei- nado”: um sistema de ‘regimes’ c instituigdes internacionais a0 estilo defendido pelos pluralistas como Robert Keohane. Con- solidam-se as reunides do G-7, como uma espécie de diretério encarregado da administragio associada dos assuntos mundiais, enquanto 0 G-3 tenta coordenar suas politicas cambiais frente as flutuagdes ¢ As crises financeiras que comegam a repetirse, de forma periddica e cada vex. mais freqiiente, a partir da desregu- 120 GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA E IMPERIO lagio dos mercados de capitais, iniciada pela Inglaterra em 1986 e seguida da crise da bolsa de Nova lorque, em 1987, Nas reunides do Plaza em 1985 e do Louvre em 1987 os Estados Unidos abandonam, aparentemente, sua posigao de isolamento na condugio da politica do délar e propéem uma desvalorizagio coordenada de sua moeda que nao foi seguida pela desvalorizagio competitiva das demais moedas relevan- tes. O marco ¢ 0 iene assimilam a nova correlagio de forcas ¢ assumem os novos valores como um dado estrutural que se manteve até 1989, quando tudo comega a ruir uma vez m: 05 Estados Unidos voltam a conduzir de forma unilateral a sua politica monetéria, No plano comercial, os Estados Unidos trazem 4 Rodada Uruguai sua nova visio do comércio internacional, rigorosa- mente livre-cambista, 20 contrario do que ocorrera durante a vigencia das regras acordadas e supervisionadas no GATT. E com relagao As dividas externas dos paises, os Estados Unidos apresentam um novo plano de renegociacio ~ o Plano Baker, iis tarde corrigido pelo Plano Brady ~ oferecendo maiores facilidades de pagamento. Neste momento, o FMI ¢ 0 BIRD assumem sua nova posi¢o como intermediarios entre © go- verno americano, a banca privada e os governos endividados © comecam a especializar-se como instituigdes responsaveis pela administracio coordenada das politicas econémicas do antigo Terceiro Mundo. Consolida-se ¢ generaliza-se a nova estratégia econémica norte-americana para sua periferia ime- diata © para todos os que deixam de ser “paises em desen- volvimento” para transformar-se em “mercados emergentes”, Em 1989, um economista norte-americano chamou de “Con- senso de Washington” ao programa de politicas fiscais e mo- netérias associadas a um conjunto de reformas institucionais destinadas a desregular ¢ abrir as velhas economias dese volvimentistas, privatizando seus setores pablicos ¢ engan- chando seus programas de estabilizagio na oferta abundante de capitais disponibilizados pela globalizagio financeira, Che- gava desta maneira a periferia capitalista endividada, e em particular & América Latina, uma versio adaptada das idéias 12 José Luis Fiori liberal-conservadoras que jé se difundiam pelo mundo desde o inicio da ‘grande restauragio”. Chegaram primeiro na forma de “condicionalidades” indispensiveis & renegociago das suas dividas externas e do seu retorno ao sistema financeiro inter- nacional. Mas, logo frente, estas renegociagbes foram secun- dadas por uma verdadeira revolugio intelectual responsivel por mudangas politicas ¢ ideol6gicas internas, extremamente r4pidas eradicais, Detal maneira que, no seu devido momento, quase todas as velhas orcas politicas liberais ou desen- volvimentistas ¢ 0s novos grupos que surgiram com a luta pela redemocratizagio dos regimes militares, se alinharam e elege- ram, democraticamente, coalizdes de poder afinadas com as novas idéias liberal-conservadoras. No final dos anos oitenta sobravam muito poucos na América Latina que nao estivessem completamente convencidos de que a crise dos anos oitenta tinha sido produzida pelos excessos estatais, ainda quando, & diferenga dos paises industrializados, estes excessos nao pu- dessem ser atribuidos & extensio dos direitos e dos sistemas de protecio social que quase nao existiam, nem tampouco 20 excesso de demandas democréticas, uma ver que quase todos estes pafses vinham sendo governados ha muito tempo por regimes autoritarios muito pouco sensiveis aos apelos popu- lista. Foi quando se cunhou o nome de uma nova perversidade pica destas terras: © populismo macroecondmico induzido pela pressio dos rent-seeking muito mais do que pelas presses populares. De qualquer maneira, em pouco tempo, também estas regides do espaco hegemdnico norte-americano encon- travam-se perfeitamente enquadradas pelas novas idéias ¢ sub- metidas As novasregras ¢ formas de administragio coletiva das suas politicas econémicas. Para culminar, a tentativa de uma hegemonia coordenada ficava reforcada pela retomada do crescimento econémico mundial puxado pela economia norte-americana, entre 1985 ¢ 1991, De tal maneira que a propria Europa, animada pelo projeto Delors e concretamente pela desvalorizagio das suas moedas frente ao d6lar, péde voltar a crescer durante cinco a seis anos sucessivos ¢ péde comemorar em pleno estado de 122 GLOBALIZACAO, HEGEMONIA E IMPERIO ceuforia a queda dos regimes comunistas da Europa Central e ‘a derrubada do Muro de Berlim. Chegava ao fim a divisio slema ¢ européia e tudo parecia indicar que se a histéria no tivesse chegado ao seu fim, pelo menos estava se iniciando ‘uma nova ordem politica e econémica mundial hegemonizada pelos Estados Unidos e capaz de trazer de volta o crescimento mundial da riqueza capitalista. Foi quando chegaram osanos noventa com acrise da Bolsa de Tiquio, a Guerra do Golfo, 0 fim da Uniio Soviética, o inicio de um prolongado perfodo de recessio na Europa ¢ no Japio, e a perda de folego dos “mercados emergentes” latino- ‘americanos. Fenémenos paralelos ao continuado crescimento econdmico assimétrico dos Estados Unidos ¢ de alguns paises asidticos, com destaque especial para a China. Em pouco tem- po 0 quadro mundial desandou completamente ¢, frente 3 decomposigsio do mundo socialista e a reconstrugio da Ale- manha, os Estados Unidos redesenharam uma vez mais a sua estratégia de poder mundial, O momento decisivo desta infle- xo ocorreu de fato quando os norte-americanos lograram juntar mais de vinte paises para detrotar 0 Iraque numa guerra em que suas perdas humanas nao chegaram a cem soldados enguanto a dos iraquianos ultrapassava a casa dos duzentos mil homens. Foi exatamente no festivo retorno das suas tropas queo Presidente Bush anunciou perante o Congreso “oinicio de um novo século americano”. Desfazia-se a tentativa decoor- denacao hegem@nica e pela terceira vez no século XX -como. diz Henry Kissinger ~ um presidente dos Estados Unidos, se- guindo a trilha de Woodrow Wilson ¢ Franklin D. Roosevelt anuncia sua intengio de reorganizar 0 mundo A imagem e semelhanga dos Estados Unidos. O sonho de Wilson nao pas- sou de um ato de ‘idealismo kantiano” abortado pelo seu pro prio Congresso. A ordem do pés-ll Guerra acabou assumindo, depois de 1947, uma forma diferente da que havia sido idea- ada por Roosevelt, mas seu fundamento comum foi implan- tado por um ato de forca exemplar € sem precedentes: a destruigéo atémica de Hiroshima, No caso do “século ameri- cano” de George Bush, mesmo que se possa duvidar da sus- 123 José Luts Fiori tentabilidade desua concepgao imperial, ele também foi anun- ciado por uma massiva demonstragio de forca, transmitida para a humanidade como um espeticulo tecnoldgico: a des- truigdo de Bagda. 8. Retomada americana: o “imperial system” Quem primeiro entendeu a mensagem enviada a0 mundo desde 0 Golfo Pérsico, foram os militares ¢ os burocratas rus- sos. Depois de Bagdé, o regime soviético ruiu sem honra nem gloria e em siléncio o mundo deixou para tras a bipolaridade da Guerra Fria. O espectro do comunismo afastava-se defini- tivamente da Europa desfazendo os tiltimos medos que ainda intimidavam o Capital e poderiam justificar a reconstrugio “benevolente’ da hegemonia capitalista dos Estados Unidos. Com o fim da URSS, a ideologia liberal ¢ a economia de mercado avangam sem resisténcias sobre o leste curopeu. En- quanto na América Latina, a adesao tardia do Brasil, a partir de 1991, completa o alinhamento continental em torno as politicas e reformas liberais de destegulagao, abertura ¢ pri- vatizagao das saas economias nacionais. Em quase todos estes paises, o novo modelo econémico comeca com planos de es- tabilizagdo monetiria semelhantes, ancorados na sobrevalori- zacio da moda local viabilizada pela disponibilidade mundial de capitais fartos e baratos. Em todos 0s pontos deste novo universo econémico, as bolsas e os titulos publicos ¢ privados se transformam em “circuitos auxiliares de valorizagao patri- monial (sobretudo via privatizagées) e financeira” como esta dito no ensaio de Maria Conceicao Tavares ¢ Luiz Eduardo Melin. Isto explica o aumento dos investimentos diretos es- trangeiros nestas regides permitindo afirmar que apesar das enormes assimetrias, expandiu-se, na década de noventa, 0 espaco geografico ¢ econémico do fendmeno da expansio fi- nanceira, E ao mesmo tempo aumentou a convergéncia das politicas econdmicas nacionais de tipo deflacionista, respon- siveis por um estranho paradoxo monetatio: as moedas de 124 GLOPALIZAGAO, HEGEMONIAE DMPERIO| _quase todas as ‘economias frgeis’ passaram a ser ‘mocdas for- tes’ enquanto a moeda americana se transformou aparente- mente numa ‘moeda fraca’. Razdo pela qual estio permanentemente na linha de tiro dos ataques especulativos dos agentes financeiros internacionais orientados pelo com- portamento das contas externas destes “mercados emergen- tes”. Fenémeno que estendeu-se igualmente 4 Asia, agora nos novos “gansos”, apoiados pela estratégia de dispersao geogra- fica regional dos investimentos japoneses como aparece ana- lisado no ensaio de Carlos Medeiros. Esta realidade se reproduz, de certa maneira, também na Europa sob a égide alema imposta nos acordos assinados em Maastricht, no inicio de 1992. O capital financeirose globaliza finalmente ¢ 0 délar reafirma por novos caminhos a sua su premacia financeira mundial.” Como resultado destas ondas especulativas, as crises se sucedem de forma cada ver mais freqiiente durante os anos 90, chegando ao México em 94 & 3 Taildndia em 1997, maseste estranho “sistema dolar flexivel” tem conseguido resistir e contormar, até aqui, as sucessivas crises onde também vem se definindo as novas respon- sabilidades regionais de cada uma das trés grandes poténcias econdmicas mundiais. No caso mexicano, foram os Estados Unidos que desembolsaram a maior parte dos recursos equi- valentes ao de um Plano Marshall, enquanto no caso tailandés tocou 20 Japao articular, junto.com o FMI ¢ outros onze patses, a ajuda necesséria para tentar evitar a globalizacio do ‘contagio’, A partir do desaparecimento do perigo comunista elogra- daumaconvergéncia das politicas macroeconémicasnacionais " Como diz. Andrew Walter, “it would be wrong to argue that the growi roleof private financial markets were entirely product of American pois private markets themselves a8 wells the adepe manoeuvers on the part of ether countries above al accept unregulated Eirodllar basking activities on their errtor. ie ely trv, however, hat US had largely succeeded inreshapingthe national monetary sytem in 2 way that was seen as advatageous for Ameres thought one which was necessity stable (Walte,1995:p. 189) Bs José Las Fiori mais relevantes, nfo esté errado dizer que a politica externa americana orientou-se numa direc&o quase tinica € obsessi “a caga aos mercados externos”" Esta estratégia comercial, agora radicalmente livre-cambista, se impos contra todas 2s Tesisténcias nacionais, nos acordos que deram origem 4 nova Organizacio Mundial do Comércio dotada de regrase instru- mentos extremamente rigorosos que interditam todo tipo de protecio, substdio ou politica de quota capaz de sustentar es- tratégias de desenvolvimento da produgio nacional. Tem sido tom a mesma diretriz. que orientou a inclusio do México no NAETA e vem forcando a adesio dos demais paises latino-a- mericanos ao projeto de um mercado comum (ALCA) lidera- Yo, obviamente, pelas empresas norte-americanas. Bstratégia favorecida pelas politicas de estabilizagio com sobrevaloriza- cao das moedas locais, responsiveis pela inversio de sinal ¢ 0 Sescimento do superdvit comercial norte-americano com a ‘América Latina. Em nome do livre comércio, os Estados Uni- ddos também tem imposto seus interesses, através da OMC, 205 seus parceiros comerci da Asia, configurando umaestratégia global de ocupacio dos mercados externos pelas empresas ¢ produtos norte-americanos. Depois de 1991, também no campo estratégico, a condu- cao americana tem sido rigorosamente imperial. Nas suas ini- Siativas‘humanitérias’ unilaterais como na Somalia e no Hai tanto quanto nas suas arbitragens pacificadoras, como no caso do acordo de paz entre Israel e os Palestinos de Arafat, ¢ so- bretudo no caso de sua arbitragem na Guerra da Bosnia, Mas onde a nova postura americana tem se manifestado de forma tnais agressiva tem sido nas relagdes com seus velhos parceiros da Alianea Atlantica. No caso das Nagées Unidas, ao vetar reeleigio de Bhoutros Gali cimpor seu proprio candidate con- tea owoto de todos os demais membros do Conselho de Segu- GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA EIMPERIO. ranga ¢ dos membros do G7. E no préprio G7, a0 impor a0 fgupo a incluso da Réssiacontraa vontade explicta do Japa. Para nao falar do grotesco convite, feito pelo presidente Clin- ton na eipula econdmica de Denver, em junko de 1997, para gue os membros de todas as delegagdes comparecessem 20 Banquete vestidos como cowboys norte-americanos. Num pla- no muito mais sério, entretanto, situa-se o precedente da apro- Vacio do. Hels-Burton Act estabelecendo punigées norte-americanas aos pases e empresas estrangritas cos nego- {jos com Cuba envolvam propriedades de cidakios americanos expropriadas pela Revolugio de 1959. No caso da OTAN, final- mente, na reuniao de Madrid de 1997, os Estados Unidos limi~ taram a expansio ao leste da organizagao & Pol6nia, Hungria e $3 Repablica Checa, nao tomando em contaa posiciodefendida pelos seusaliadoseuropeus. O mesmo ocorrendo com relagso $ reivindicagdo francesa do comando maritimo de Napoles em troca da sua reincorporagao as estruturas da OTAN, e que foi solenemente ignorada pelo governo norte-americano. do, desde 1991, 0 comportamento econdmico, cultural e diplomatico dos Estados Unidos frente a0 mundo temsido ode um pafsquenao apenas acredita masse comporta cada ver mais orientado por uma visio unipolar do mundo. Se Giovanni Arrighitiver razao, “um Estado s6 pode tornar-se rmundialmente hegeménico por estar apto a alegas, com cre Gibilidade, que € a forga-motria de uma expansao geral do poder coletivo dos governantes perante os individuos” (1994, 30), Eno caso, anova ordem mundial, posterior a 1991, gculo americano” anunciado por George Bush mas condu- zido por Bll Clinton, tem sido, até aqui, extremamente bené- fica para o poder ¢ a economia dos Estados Unidos, mas tem sido para os dlemais estados e governantes ~ com a excegao de alguns casos asidticos -, um tempo de estagnagio econdmica, desemprego e insatisfagio social, um tempo de perda de poder ¢ de legitimidade dos governantes frente aos seus cidadios. E a postura norte-americana tem sido a de um pais que exere= asta “primazii concebidos por Charl Kindleberger, mas oientada,inegealmente, pela deesa “oe Rr José Luis Fiori GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA E IMPERIO seus interesses nacionais, ¢ pela protegio ¢ promogio explicita de todos os segmentos de sua economia prodativae financeira, Por isto a ordem politica e econdmica emergente tem pouco ou nada a ver com 0 conceito de hegemonia e parece muito ‘ais proxima da idéia do “imperial system” de que falam Ja- mes Petras ¢ Robert Cox.'* E muito dificil prever as perspectivas de estabilizacio ¢ funcionamento desta ordem imperial. Nesta segunda metade dos anos noventa, entretanto, o que mais se destaca é a cres- cente assimetria econdmica € polarizacio social do sistema, Enquanto os Estados Unidos e aChinacrescem junto com uma pequena parte da Asia, a economia européia mantém-se estag- nada junto coma do Japao hi mais de cincoanos. As economias do este europeu ainda nao foram reconstrufdas ¢ a Rissia tomaré um tempo imprevisivel para recuperar seus padrées de producio, produtividade e riqueza alcangadas pela econo- mia soviética, Enquanto isto, as “economias emergentes” la- tino-americanas se arrastam prisioneiras de uma camisa de forca criada pela sobrevalorizagio de suas moedas ¢ por suas restrigdes externas que nao Ihe deixam margem para crescer e criar os empregos necessirios 3 legitimagéo de suas autori- dades frente aos seus cidadios. Por todo lado aumentam as diatnicas entre as riquezas dos pafsese entre as rendas de suas populagdes. Novos sinais, ainda pouco nitidos, t@m sido emitidos a partir da Europa. Depois de uma década e meia de siléncio € derrota, o movimento sindical reapareceu, na segunda metade dosanos noventa, questionando de formacada vez.maisradical as politicas deflacionistas concertadas em nome da unificago monetiria liderada pelo Bundesbank alemo. Os governos conservadores da Inglaterra e da Franga foram derrotados elei- toralmente € ainda € dificil de prever o futuro da unidade européia. Caso ela se complete, o mais provavel €quea Europa possa vit a exercer, com os anos, “direito de veto” com telagio ao exercicio incondicional do poder americano. Mas se isto nao ocorrer, é pouco provavel que o Japao, a China ou mesmo uma Asia unificada possam enfrentar ou questionar a supremacia imperial dos Estados Unidos. Nio hé acordo, definitivamente, sobre estes cendrios fu- turos. Eric Hobsbawm considera que o crescimento econdmi- comundial ser retomado no préximo milénio mas enfrentard problemas cada vez maiores no campo da distribuigao da ri- «queza, gragas a0 esvaziamento do poder dos estados nacionais edos sistemas de representaco democratica. Mas mesmo rea~ listas igualmente conservadores como Henry Kissinger e Sa- ue] Huntington divergem com relagao ao futuro desta ordem ‘emergente. Kissinger acredita num novo sistema de equilibrio de poder, a0 velho estilo curopeu, mas agora entre sete ou oito paises ou blocos regionais. Mas ele nao tem diividas sobre 0 papel central dos Estados Unidos na administracio deste equi- prio de poder em conjunto com pafses com liderancas regio- nais. Huntington, por sua vez, antevé um mundo futuro onde os conilitos estardo cada vez mais orientados pelas diferengas e fronteiras das grandes civilizagoes, mas reconhece que a ges- ‘40 mundial ainda permanecerd por um bom tempo nas maos de dois diretérios: um, militar, formado pelos Estados Unidos, a Franga e a Inglaterra; 0 outro, econdmico, formado pelos Estados Unidos, a Alemanha e 0 Japao (Huntington, 1993). Entre os pais da teoria da estabilidade hegeménica tam- pouco ha consenso. Robert Gilpin acredita num futuro misto onde conviverao regras econémicas liberais com protecionis- 1mos regionais e nacionais de tipo setorial, mas teme que esta nova economia mundial se transforme num reduzido nGimero de has de prosperidade rodeadas de pobreza e exclusio. En- quanto Charles Kindleberger acredita que as instituigdes rul- laterais do p6s-II Guerra jé estio sucateadas e que 0s novos foros globais tém muito pouca representatividade e baixa ca- © “The imperial system is at once more than ime tg estate tht sa eaatonl sate wh 2 doin Cove and dependent periphery. This part ofthe US government is atthe Spates core together with interstate nstituionsas he FMI and the World Bank symbiodcally clted to expansive capital and collaborator govern- thesyten’s periphery” (Cox, 1986, p- 228. 29 José Luis Fiori pacidade de decisio. Para ele o horizonte mais provivel € wins S grande confusio” até o surgimento de um novo e verdadeiro hegemon. Os autores ‘neomarxistas’ ou gramscianos também. divergem entre si. Robert Cox, por exemplo, vé dois censrios possiveis: um, que seria o de uma nova hegemonia baseada na Psrrutura global de poder gerada pela internacionalizagao da producio e do estado; € 0 outro, que se caracterizaria pela permanéncia de varios centros conilitantes. Giovanni Arrighi, pntretanto, vé trés desfechos possiveis: ou surge um império mundial realmente global dentro do qual os antigos centtos depoder conseguem manter a capacidade de se apropriar dos frutos da expansdo financeira; ou ocorre de fato uma mudanga de garda no processo sist?mico de acunnulagio, mas a nova “guarda” ndo tem mais acapacidade de gestao global do poder politico ¢ da acurmulagio econdmica ¢ o mundo marcharia em biregao a uma economia de mercado andrquica, o que seria 0 fim do capitalismo como ele 0 entende junto com Fernand Braudel, Mas Arrighi divisa ainda a possibilidade de um ter- ceito cendrio que seria 0 de um caossistémico que reconduziria mundo a uns 600 anos atrés, quando se recolocaria a poss bilidade de um retoro a barbarie ou de uma construcao de ‘uma nova modernidade capitalista. ‘Como é muito grande o grau de incerteza criada pela nova situago mundial, aumenta a dispersio.e inconclusividade d tes exercicios de construgio de cenarios. Nestes casos parece muito mais «til perguntar-se pelos ‘limites de resisténci partie dos quais o sistema mudaria de narureza ou se desinte graria, E neste caso, trés sio os limites mais importantes da Bova ordem imperial que vai se desenhando neste final de Século, O primeiro deles, de natureza econdmica, foi defi de maneira sintética ¢ categérica por Max Weber na sua mag; nifiea Hist6ria Geral da Economia: se “foi o estado nacional «que proporcionou ao capitalismo sua oportunidade de desen: volvimento, enquanto o estado nacional nao ceder lugar a um império mundial, o eapitaismo persistira”. Ou na ordem ity versa da mesma formulacéo: a acumulagao da riqueza dentro sta mundial depende ou nao, essenc da economia capi 130 GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA EIMPERIO mente, da competi¢&o interestatal? E se a resposta for sim, como era a de Max Weber, 0 que ocorrera com o sistema ‘capitalista se este limite for ultrapassado e a competigio inte- restatal for substituida pela estrutura de poder de um império tinico € mundial? (© segundo deles, de natureza ética e politica, aparece cla- resumido por Susan Strange, no seu Retreat of the rara que a autoridade seja aceitavel, eficaz e respeitada preciso que haja alguma combinago de forgas que contenha ouso atbitrario ¢ egoistico do poder e que garanta seu empre- 0,20 menos em parte, paraa promogio do bem comum. Isto € que Daniel Deudney chamou ‘negarquia’ ~ 0 poder de denegar,, 1r ou restringir a autoridade arbitraria” (Strange, 1996, p. 198). A inexisténcia desta “negarquia” aponta em duas diregdes igualmente entedpicas. A primeira é a que mais preocupa Susan Strange: na auséncia de outros poderes e de uma capacidade efetiva de veto, o exercicio sem limites do poder, como demonstra fartamente a historia passada, no conduz na diregio de uma soberania absoluta ¢ benevolente como chegaram a sonhar Bodin e Hobbes, mas & aritrarieda- de, A arrogincia c ao fascismo em tiltima instncia. Mas além disto, 0 equilibrio de poder ao velho estilo europeu, ou a bi- polaridade ideol6gica e geopolitica do pés-Il Guerra Mundial, nio apenas ajudaram a controlar 0 arbitrio, mas ‘também con- ram pata aperfeicoar os cédigos éticos que pautaram as, relagdes entre estados e a vida politico-ideol6gica de quase todos os paises membros do sistema mundial. E se é verdade que depois do fim da Guerra Fria foi a Guerra do Golfo que estabeleceu 0 novo “principio do limite” para os demais esta~ dos, ela deixou completamente indeterminado o proprio limi- te deste principio, que na auséncia de contrapoderes pode vir aser exercido de forma cada vez mais absoluta ¢ arbitréria pelo governo norte-americano (Fiori, 1991). O terceiro ¢ iltimo destes pontos, a partir dos quais 0 sistema muda de natureza ou acaba, esta implicito na definigao de hegemonia de Artighi: uma ordem politica ¢ econdmica mundial s6 € sustentavel no longo prazo se cla permite aos BI José Luis Fiori ‘LOBALIZACAO, HEGEMONIA E IMPERIO. estados e seus governantes manterem a sua legitimidade pe- rante os seus governados. Caso contrario o sistema global de poder poder sofrer uma erosio ou decomposicio de “baixo para cima”, uma entropia social do poder que iia progredindo Jentamente em diregio ao centro, como se passou, por exem- plo, no caso da decomposigo do poder imperial de Roma. “Todos estes trés limites apontam, de certa maneita, para a mesma questo central: a permanéncia ou nao da competigao interestatal e das hicrarquias internacionais de poder como condicao da acumulagao capitalista e da gestio global do poder politico, E:no entanto, uma das idéias associadas mais freqiien- temente ao futuro da globalizagio é a do “fim dos estados trabalho sobre 0 Region State, publicado no Foregn Affairs (1993) e mais recentemente no seu The End of The Nation State: "Minha colocagio é simples: num mundo sem fronteiras 6 interesse nacional tradicional ~ que se tornou pouco mais do que um disfarce para o subsidio e 0 protecionismo ~ nao tem mais lugar relevante” (Ohmae, 1996, p. 64). E interessante constatar, entretanto, que o antincio da mor- tedo estado nacional vem sendo feito num momento em que sua “competigao pelos capitais internacionais” se acirrou mais do que nunca e quando se multiplicam as reivindicages au- tonomistas € o niimero dos novos estados independentes. Ao comegar 0 século XX, grande parte da populagio mundial vivia no territ6rio dos impérios europeus cujo desaparecimen- 10 progtessivo foi responsivel pela multiplicagio dos estados nacionais durante o século XX. No inicio do século eles nao passavam de 30 ou 40 e hoje sio cerca de 200, gerados na forma de trés grandes ondas: a primeira, logo depois da Pri- meira Guerra Mundial, quando se dissolveram os impérios austro-hiingaro © otomano; a segunda, depois da Segunda Guerra Mundial, quando se dissolveram osimpérios europeus na Asia enna Africa e a terceira, finalmente, quando implodiu © espago do velho império russo, logo depois do fim da Uniao Soviética. De tal maneira que se 0 estado territorial nascew na Europa do século XVI, € cram sete ou oito, foi no século XX que cles se transformaram num fenémeno universal ou global Como explicar este paradoxo de que a morte dos estados seja anunciada na hora exata em que se multiplica 0 seu nimero ¢ intensifica a sua competigio, exatamente no periodo éureo da globalizagio, ou seja, na segunda metade do século XX? 9. Império, territérios econdmicos e soberania Autores das mais variadas tendéncias teéricas ou ideol6- gicas parecem coincidir com relacio a este diagndstico comum da morte das fronteiras. Esta hipdtese, contudo, permanece em estado de maior imprecisio que a da prépria globalizagao, eds vezes parece ser apenas um ¢co recorrente e complementar da mesma utopia das cconomias despolitizadas ¢ sem frontei- ras". O japonés Kenichi Ohmae foi quem mais contribuiu re- centemente para a vulgarizagao desta tese, primeiro, no seu ® A internacionalizagio capitalista dos anos 1870-1914 gerou expectativas: mmuto parecidas, Hobshawm conta no seu Bra do Capital “que os profets Barguses de meados do sulo XIX olhavam para frente procrando um mmuntlo nico € mais ou menos padroniado, onde todos os governos teriam G conlceimento das verdes da economia anno evade Stravés co plancia por msiondiosimpessais ais poderosos que ayueles dh cesandade on do amis; un mando onde as Niessom a desoparecer”(Hobsbwn, 1977, p-84).No fontrar mesma ia em Te Great Msi, de Norman An conomy had become so highly nerdependent as 0 make na- snanachronism, especialy n financial markets.) the and economics) and not gover 5" (Wade, 1996, p. 60). Em 1963, through = “as no coun- yy other nor any country where it (1369, p.207 € 208). Este argumento transformou- senaidéia-forca das teorias pluralisas ou interdepenclemtistas sobre as re ses internacionais nesta nova era de internacionalizacio financeita, do final de séeulo XX. Mas ela reaparece também em autores tio diferentes como o prdprio Hobsbavm, ou Robert Reich e Susan Strange. 132 133 José Luts Fiori Distinguindo 0s conceitos de Estado © Soberania ¢ relendo melhor a hist6ria das relagbes conflituosas mas complemen ares que sempre existiram entre o poder politico dos estados oo dexenvolvimento internacional do capitalismo. Neste caso se poder’ entender porque 0 pequeno nicleo original dos es- tados europeus sempre foi “extraterritorial” ¢ porque os de- Tnaiy estados que nasceram de sua ‘barriga’ sempre foram cemi-soberanos. Além de poder compreender melhor que a rise real e atual da maioria dos estados nao decorre do fato dle que cles sejam hoje menos soberanos do que sempre foram frente ao poder do Capital ou das grandes poténcias. A glo- balizagao nio esta eliminando os estados, apenas est redefi- nindonas suas hierarquias e seus espagos e graus de autoridade no exercicio de suas soberanias. "Nao € facil desfazer-se da visio “ontolégica” da soberania que nos egou flosofia politica clésiea e que permanece vivo Ae imaginario coletivo: a idéia de um poder supremo, abso- 1 perpétuo, indivisfvel e inaliendvel. Qualidade teansferida do principe absoluto para o estado constitucional pelas revo- lugdes liberais & democraticas mas que teria mantido sua mes- ina identidade conceitual através do tempo. Seja na forma do reconhecimento externo, pelos demais estados, do direito de nando e antonomia de cada um deles; seja na forma do reco- thecimento interno por parte dos stiditos, e depois dos cida- “leon ds legitimidade do poder dos principes e dos estados. ata mesma concepcao de soberania que mantém-se implicita ha maioria dos autores que consideram que os estados esto ‘hegando ao seu fim porque perderam soberania para as gran dles corporagBes multinacionaise para osagentes dosmercados financeiros globais. Historicamente, © mais correto seria inclusive dizer, for- gando.o paradoxo, que os estados territoriais nasceram antes ie suas soberanias, 6 reconhecidas com a Paz de Vestefélia, em 1648 (Garnett, 1992, p. 61; Held, 1996, p- 74). Desde nto, por outro lado, elas tém sido objeto permanente de Conflites e negociagdes que redefiniram seu significado € ex- 134 GLOBALIZAGAO, HEGEMONIA E IMPERIO. tensio varias vezes, através dos tempos ¢ espacos" 08 € espagos", Alguns

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